Testando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil
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- Vitória Valgueiro Bugalho
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1 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil Júlio Cesar G. da Silva Ricardo D. Brio Faculdades Ibmec/RJ Ibmec São Paulo RESUMO Ese rabalho mosra que as companhias brasileiras disribuem uma proporção pequena dos lucros em dividendos apesar da legislação favorável. Os dividendos pagos são rapidamene ajusados ao lucro correne, mas pare da variação de curo prazo nos lucros é absorvida por dívida. De acordo com a previsão comum dos modelos de rade-off e pecking order, as firmas mais lucraivas e menos endividadas disribuem uma maior proporção. Ainda de acordo com a pecking order, os dividendos não sofrem variações de curo prazo para acomodar os invesimenos. Finalmene, as firmas mais lucraivas e que menos invesem são as menos endividadas, favorecendo a pecking order conra rade-off. PALAVRAS-CHAVE dividendos, dívida, rade-off, pecking order, Brasil ABSTRACT This aricle shows ha he Brazilian companies have a low arge payou raio, alhough he local ax code favors dividends disribuions. The dividends paid presen fas adjusmen o curren earnings, bu par of he shor-erm variaion in earnings is sill absorbed by deb. Confirming predicions shared by he rade-off and pecking order models, more profiable firms and less levered firms have higher dividend payous. Consisen wih he pecking order model, dividends do no vary in he shor-erm o accommodae invesmens. Finally, more profiable firms and firms wih fewer invesmens are less levered, acceping he pecking order hypohesis agains he rade-off one. JEL Classificaion G32, G35 KEY WORDS dividends, deb, rade-off, pecking order, Brazil EST. ECON., SÃO PAULO, V. 35, N. 1, P , JANEIRO-MARÇO 2005
2 38 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil INTRODUÇÃO Ese rabalho em como objeivo esar as previsões das eorias de rade-off e pecking order sobre dividendos e dívida. Sendo eses dois modelos derivados de hipóeses disinas, divergem em algumas previsões sobre as políicas óimas de dividendos e dívida, e possibiliam eses empíricos em que uma eoria é a hipóese alernaiva à oura. Modelando dividendos e dívida conjunamene é possível verificar sua inerdependência, examinar como variam em função da lucraividade e dos invesimenos, bem como esar se reverem para alguma mea ou se respondem permanenemene às variações de caixa. Esudo semelhane, no qual ese rabalho se baseia, foi realizado com dados de empresas nore-americanas por Fama e French (2002). Como apresenado na Tabela 1 abaixo, eses auores verificam a correção das previsões comuns a rade-off e pecking order. Enreano, não concluem pela razão de uma conra a oura, dado que os resulados obidos alernam enre favoráveis a rade-off ou a pecking order nos casos de previsões divergenes. TABELA 1 RESUMO DOS RESULTADOS DE FAMA E FRENCH (2002) RESULTADO OBTIDO EM FAMA E FRENCH (2002) Favorece Trade-off? Favorece Pecking order? Firmas mais lucraivas disribuem mais dividendos Sim Sim Firmas com poucas oporunidades de invesimenos disribuem mais dividendos Sim Sim As firmas maiores e de resulados menos voláeis disribuem mais dividendos Sim Sim As firmas mais lucraivas se endividam mais Não Sim As firmas com maiores oporunidades de invesimenos são menos endividadas Sim Não As firmas mais endividadas disribuem menos dividendos Sim Sim Dividendos não sofrem variações de curo prazo para acomodar os invesimenos Não Sim Variações de curo prazo nos lucros e nos invesimenos são absorvidas por dívida Não Sim Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
3 Júlio Cesar G. da Silva, Ricardo D. Brio 39 Exisem inúmeros rabalhos empíricos que objeivam esclarecer quais são os faores deerminanes da esruura de capial, cabendo ciar Timan e Wessels (1988) e Rajan e Zingales (1995) com dados inernacionais, Brio e Lima (2005), Perobelli e Famá (2002) e Gomes e Leal (2001) com dados brasileiros. Porém, poucos rabalhos como Jalilvand e Harris (1984) e Auerbach (1985) esaram se dívida revere à média, conforme susena a previsão do modelo de rade-off, e apenas Shyam-Sunder e Myers (1999) esam a resposa da dívida às variações de curo prazo dos invesimenos e da lucraividade. Poucos esudos a respeio dos faores deerminanes da políica de dividendos são enconrados na lieraura. Para o mercado americano, podemos ciar Fama e French (2002) como o mais compleo sobre o assuno. Para o mercado brasileiro, nouro conexo, Procianoy e Verdi (2001) esaram a exisência do efeio clienela devido às diferenças enre as alíquoas de imposos pagas pelas pessoas físicas. Já Figueiredo (2002) esou a validade da hipóese de que os dividendos possuem coneúdo informacional, sendo uilizado pelo gesor como forma de sinalizar a boa siuação da empresa. Aé onde conhecemos, ese é o primeiro esudo brasileiro a esar as previsões das eorias de rade-off e pecking order sobre dividendos e ambém o primeiro a modelar conjunamene dívida e dividendos, examinando suas inerações. A maioria dos rabalhos empíricos que esudaram os faores deerminanes da esruura de capial das empresas uilizou regressões do ipo seccional ou painel. Como aponado por Fama e French (2002), ambas as écnicas ignoram problemas de correlação que podem enviesar os resulados. Quando regressões seccionais são uilizadas, ignora-se a correlação dos resíduos enre as firmas. Já em regressões de painel simples, ignora-se ano o problema de correlação seccional quano o problema de viés dos erros padrões dos coeficienes esimados devido à correlação emporal das medidas seccionais. Como sugerido por Fama e French (2002), ese rabalho uiliza o méodo de Fama e McBeh (1973), robuso à correlação seccional, e indica um ajuse dos erros padrões para a auocorrelação dos coeficienes. Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
4 40 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil Os resulados mosram que a proporção dos lucros disribuída como dividendos no Brasil é inferior à americana, apesar da legislação brasileira favorável. Os dividendos pagos se ajusam parcialmene ao lucro correne, mas o ajuse é relaivamene rápido. De acordo com a previsão comum dos modelos de rade-off e pecking order, as firmas mais lucraivas e menos endividadas disribuem uma maior proporção, apesar da proporção disribuída não se mosrar sensível ao invesimeno. Ainda de acordo com a pecking order, os dividendos pagos não sofrem ajuses de curo prazo para acomodar os invesimenos. Finalmene, as firmas mais lucraivas e que menos invesem são as menos endividadas, favorecendo a pecking order conra rade-off, e pare da variação de curo prazo nos lucros é absorvida por dívida. Além desa inrodução, na seção seguine abordamos os modelos de decisões de financiameno e remuneração. Na seção 2 definimos as proxies uilizadas nese esudo. Na seção 3 descrevemos os dados coleados e seus criérios de escolha, bem como a abordagem de esimação. Nas seções 4 a 7 analisamos os resulados das regressões de dividendos e dívida. Por fim, na úlima seção apresenaremos as conclusões e considerações finais. 1. MODELOS DE DECISÕES DE FINANCIAMENTO E REMUNERAÇÃO As exensas lierauras de políicas de financiameno e de remuneração enconram-se compeenemene resumidas em arigos como Harris e Raviv (1991) e Allen e Michaely (2003), referências para o leior ineressado numa apresenação mais dealhada. Finalmene, favorecendo pecking order conra rade-off, as firmas mais lucraivas e que menos invesem são as menos endividadas, sendo pare da variação de curo prazo nos lucros absorvida por dívida. Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
5 Júlio Cesar G. da Silva, Ricardo D. Brio 41 TABELA 2 SINAL DA RELAÇÃO ESPERADA ENTRE AS VARIÁVEIS SEGUNDO AS TEORIAS DE TRADE-OFF E PECKING ORDER TRADE-OFF PECKING ORDER Faores Proxies Dívida Dividendos Dívida Dividendos Lucraividade E, ET, V Invesimeno V, da + Tamanho LN (A ) Mea de Dividendo TP +1 Mea de Alavancagem TL O Modelo de Trade-off O modelo de rade-off considera imperfeições de mercado como os cusos de insolvência, imposos e problemas de agência criados pelo conflio de ineresses enre acionisas e conroladores ou credores. Nese conexo, a esruura de capial e a políica de dividendos são uilizadas para minimizar os cusos gerados pelas imperfeições. As firmas maximizam seu valor ao escolherem aqueles níveis de dívida e dividendos que igualam os cusos marginais aos benefícios marginais dessas ações. Para dívida, por exemplo, o maior cuso é o de insolvência, o qual aumena significaivamene quando há uma diminuição da lucraividade e aumeno da volailidade dos lucros. Já os benefícios são alcançados com a possibilidade de dedução de imposos. Nos modelos de agência proposo por Jensen e Meckling (1976), Easerbrook (1984) e Jensen (1986) exisem dois ipos de conflios. O conflio enre acionisa e direor proprieário, surge quando o direor proprieário não possui 100% das ações da empresa. Quano menos dono do negócio for o direor, maior será o incenivo em aumenar seus gasos não-produivos, pois esará arcando com uma menor porção dese cuso e se beneficiando inegralmene. O acionisa, por sua vez, age racionalmene se Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
6 42 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil anecipando ao comporameno do direor e desconando o valor da firma. Para minimizar al cuso de agência, o direor proprieário em que aceiar conroles exernos, como audioria, resrições orçamenárias e compensação por resulados, que resulam em cusos de agência de aberura do capial. Ouro conflio observado é o exisene enre os acionisas e credores, que surge porque os conraos são incompleos e incenivam os acionisas a não invesirem oimamene. A parir dese conflio os auores observaram dois ipos de cusos de agência da dívida: invesimeno exagerado e invesimeno insuficiene. O cuso do invesimeno exagerado se efeiva quando uma firma muio endividada efeua um invesimeno arriscado com valor presene líquido esperado negaivo. Nese caso, se o projeo em sucesso os acionisas recebem maior pare dos lucros. Se fracassar, os credores arcam com as maiores perdas. Os credores se anecipam a esa possibilidade e incorporam o cuso esperado à axa cobrada pelo financiameno, o que reduz o valor residual dos acionisas. Ese efeio é denominado efeio subsiuição de aivos. As firmas mais maduras êm maior probabilidade de invesir exageradamene. Já o cuso de invesimeno insuficiene se origina quando as firmas esão insolvenes. Nese caso, alguns projeos com valor presene líquido esperado posiivo serão desprezados, pois os acionisas, que êm apenas o reorno residual, preferirão não fazê-lo. Novamene, os credores anecipam essas possibilidades e cobram pelo emprésimo mais do que na siuação onde ais riscos não exisem (efeio subsiuição dos aivos). As firmas com as maiores oporunidades de crescimeno possuem maior probabilidade de invesir insuficienemene Trade-off e Dividendos Problemas como assimeria da informação e ouros cusos de financiameno foralecem as previsões do modelo de rade-off sobre dividendos. Nese modelo, as firmas que pagam mais dividendos devem ser as mais lucraivas. O moivo desa relação é diminuir o excesso de caixa livre e as possibilidades de gasos não-produivos pela gerência (perigo moral). As empresas que pagam mais dividendos ambém são as de menores oporunidades de invesimeno, viso que as firmas que invesem mais já êm uma desinação para os seus resulados. Ainda pelo mesmo argumeno, às empresas menos alavanca- Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
7 Júlio Cesar G. da Silva, Ricardo D. Brio 43 das resa pagar mais dividendos como alernaiva para diminuir o excesso de caixa livre. Finalmene, as empresas que possuem maior volailidade em seus lucros deverão desinar menos recursos para dividendos devido à incereza associada a lucros fuuros. Quano à economia de imposos, nos EUA os imposos pagos pelas pessoas físicas são maiores para dividendos do que para ganhos de capial. Logo, os acionisas obêm maior lucro por meio da recompra das ações via dividendos e, dese modo, é óimo minimizar os dividendos. Fama e French (2001) e Allen e Michaely (2003) mosraram que as empresas nore-americanas, a parir dos anos 80, diminuíram a disribuição dos lucros via pagameno de dividendos e aumenaram a parcela de recompra de ações, modificando, assim, a forma como remunera seus acionisas. No caso do Brasil, diferenemene dos EUA, dividendos e juros sobre o capial próprio são alernaivas para economizar imposos. Isso porque aualmene é de 20% a alíquoa sobre os ganhos de capial em operações de renda variável e de 0% a alíquoa para dividendos recebidos. 1 Além disso, a legislação brasileira permie que pare dos dividendos, na forma de juros sobre o capial próprio, seja considerada como despesa financeira, reduzindo a base de cálculo do imposo de renda e conribuição social sobre o lucro líquido, monane que pode chegar a 34% do lucro ribuável. Ou seja, udo mais consane, espera-se que no Brasil seja óimo pagar dividendos e não recomprar ações. Para simplificar a noação, daqui ao final do rabalho, quando abordarmos a palavra dividendos esaremos supondo que os juros sobre o capial próprio esão embuidos nesa cona Trade-off e Dívida De Angelo e Masulis (1980) mosram que a irrelevância da alavancagem da firma de Miller (1977) é sensível a adapações realisas, como a inclusão de 1 Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, em vigor a parir de Anes de 1995, a diferença foi favorável ao pagameno de dividendos na maioria dos anos. No período , a legislação ribuária brasileira definia uma alíquoa de 0% sobre os dividendos recebidos e 25% sobre ganhos de capial. No ano de 1994, as alíquoas foram de 15% sobre os dividendos e 25% sobre ganhos de capial. Apenas no ano de 1995, o ganho de capial foi menos ribuado que os dividendos, com alíquoas de respecivamene 10% e 15%. Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
8 44 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil cusos de falência, moniorameno e ouros cusos individuais decorrenes do financiameno por dívida. Pelo fao de o cuso de insolvência ser menor para empresas com maior valor de liquidação, empresas com maior proporção de aivos angíveis endem a uilizar relaivamene mais dívida. Da mesma forma, empresas maiores, em geral mais anigas, diversificadas e ransparenes, êm menor probabilidade de falência e cuso de moniorameno, devendo apresenar maior razão de endividameno. E ainda firmas mais lucraivas ou menos voláeis devem ser mais endividadas, pois possuem menores cusos esperados de falência. Dado que a divisão assimérica da firma cria oporunidades de aumeno do valor de um grupo à cusa de ouro, muias vezes com redução do valor oal do negócio, uiliza-se a esruura de capial para minimizar ais conflios. Enre seus benefícios, o endividameno conribui para que o gerene se empenhe em maximizar o valor da empresa, à medida que aumena sua paricipação relaiva na mesma e em seus lucros, além de reduzir os fluxos de caixa livres passíveis de desinação não-produiva. Pelo lado dos cusos, a alavancagem causa o efeio subsiuição do aivo. Da compensação enre benefícios e cusos da dívida resula que as empresas mais lucraivas devem apresenar maior nível de endividameno, e aquelas sujeias a maior efeio subsiuição do aivo devem apresenar menor nível de endividameno. Em geral, empresas com maiores oporunidades de invesimeno correm maior risco de invesimeno insuficiene e devem apresenar menor nível de endividameno. Por ouro lado, quano mais resrias as oporunidades de invesimeno, maior o risco de invesimeno exagerado e maior o nível de endividameno indicado. 1.2 O Modelo de Pecking Order Ese modelo foi proposo por Myers (1984) e Myers e Majluf (1984), os quais mosram como a assimeria de informação influencia nas decisões de financiameno das empresas. A moivação para ese esudo é que os gerenes usam informações privilegiadas para se financiarem com aivos arriscados quando a firma esá valorizada. Como os financiadores são racionais, eles anecipam esa ação e desconam o valor da firma quando aivos arriscados Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
9 Júlio Cesar G. da Silva, Ricardo D. Brio 45 são uilizados para implemenação de novos projeos. Assim, o financiameno por eses meios é inerpreado pelo mercado como uma má noícia, e na daa do anúncio da emissão, o valor de mercado das anigas ações cai. Os gerenes ambém anecipam ese descono e, por isso, não implemenarão alguns invesimenos com valor presene líquido maior que zero se não possuírem recursos em caixa, uma vez que causariam perda de capial para os sócios auais. Logo, para minimizar os cusos desa assimeria de informação, as firmas financiam seus invesimenos seguindo uma ordem hierárquica de recursos: recursos próprios, íulos sem risco, íulos arriscados e, por úlimo, emiindo novas ações Pecking Order e Dividendos Apesar do modelo de pecking order não explicar os moivos que levam as firmas a disribuírem dividendos aos seus acionisas, as considerações desa eoria devem afear ais decisões quando as empresas decidem disribuí-los. Devido à exisência da assimeria informacional descria na subseção anerior e à ordem hierárquica de obenção de recursos para financiameno de novos projeos, podemos dizer que financiar invesimenos com aivos arriscados é caro e muias vezes não deverão ser implemenados. Logo, dividendos são menos araivos para firmas com pouca lucraividade, pois esarão abrindo mão de recursos próprios para financiar projeos. Firmas com maior expecaiva de invesimenos deverão pagar menos dividendos. Por ouro lado, alo nível de alavancagem é esperado para firmas que pagam menos dividendos. Segundo a pecking order, dividendos deverão ser pagos pelas empresas mais lucraivas. Enão, quano menos endividada for a empresa, maior será o seu lucro e por isso uma maior quania deverá ser disribuída aos acionisas em forma de dividendos. E, por fim, grande volailidade do lucro significa dividendos menores, pois firmas com lucros variáveis êm mais chance de precisarem recorrer Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
10 46 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil ao financiameno exerno, ou variar os dividendos, quando os lucros forem baixos Pecking Order e Dívida Como no mundo de Myers (1984) os cusos de emissão de novos íulos dominam as forças de rade-off, as variações do nível de dívida passam a ser deerminadas pela diferença enre invesimenos e lucros. A empresa financiará seus projeos preferencialmene com recursos próprios, esperando-se que o endividameno decresça quando invesimenos não excedem os lucros. Há uma relação posiiva enre dívida e invesimenos e uma relação negaiva enre dívida e lucraividade. Como no modelo de rade-off, prevê-se uma relação posiiva enre amanho e endividameno. Para diminuir a probabilidade de se financiar via aivos arriscados ou emissão de novas ações, as empresas com maior volailidade em seus fluxos se endividarão menos. 2. PROXIES UTILIZADAS E RELAÇÕES ESPERADAS Descreveremos nesa seção as proxies uilizadas no rabalho, relacionando-as com as eorias de decisões de financiameno e remuneração apresenadas na seção anerior. Nossas medidas de lucraividade, oporunidades de invesimeno e risco são as mesmas de Fama e French (2002). 2.1 Expecaiva de Lucraividade (E / A e ET / A ) Usamos E, a razão do lucro anes do imposo de renda pelo aivo oal em valor conábil, como medida para expecaiva de lucraividade. Já ET / A é definida como a razão enre o lucro operacional próprio pelo aivo oal em valor conábil, que difere da primeira por levar em cona os efeios dos imposos, relevanes no modelo de rade-off. A eoria da pecking order afirma que, dado o invesimeno consane, firmas com maiores expecaivas de lucros fuuros devem apresenar maiores paga- Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
11 Júlio Cesar G. da Silva, Ricardo D. Brio 47 menos de dividendos, pois pagarão eses dividendos com seus próprios recursos sem precisarem se financiar exernamene. A mesma relação posiiva é esperada pela eoria de rade-off, na qual, visando diminuir os problemas de caixa livre, as firmas pagarão pare dos lucros em dividendos. Logo, é esperada uma relação posiiva enre dividendos e lucraividade. Quando analisamos a dívida como variável dependene, noamos previsões oposas segundo as eorias. Para o modelo de rade-off, as firmas mais lucraivas devem ser as mais alavancadas, diminuindo o excesso de caixa livre. O conrário espera-se pela eoria da pecking order, uma vez que as firmas mais lucraivas deverão eviar os elevados cusos do financiameno exerno, sendo, por ese moivo, menos alavancadas. 2.2 Oporunidades de Invesimeno (V e da ) Uma proxy para oporunidades esperadas de invesimeno é V, a razão enre o valor de mercado da firma e o valor conábil do aivo oal, muias vezes denominada Q de Tobin. Segundo Tobin (1969), como o valor de mercado, V, deve refleir o valor presene dos lucros esperados do capial insalado, e o valor conábil, A, é uma aproximação do cuso de reprodução dese capial, são ão melhores as oporunidades de invesimeno quano maior a razão V. Ou seja, vale a pena invesir se os lucros esperados superam o cuso do invesimeno. Embora V seja a priori uma medida de invesimenos fuuros, ambém pode carregar informações sobre lucraividade correne. Uma medida direa de invesimeno correne é a variação porcenual do aivo oal, (da ), que se o invesimeno for persisene, pode servir ambém como proxy para a expecaiva de oporunidades de invesimeno. Podemos dizer que se lucraividade é consane, firmas com maiores invesimenos êm menor pagameno de dividendos. Como se financiar via financiameno exerno é caro (pecking order) e diminuir os gasos não-produivos com o gerene é preciso (rade-off), as firmas deverão uilizar grande pare dos recursos disponíveis em invesimenos, diminuindo os recursos para pa- Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
12 48 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil gamenos de dividendos. Logo, a relação esperada enre dividendos e invesimenos deve ser negaiva segundo ambas as eorias. Novamene uma discordância enre as eorias é observada quando analisamos a relação esperada enre o endividameno das empresas e os invesimenos. Segundo o modelo de rade-off, as empresas que mais invesem devem ser as menos alavancadas, seja para eviar o problema de invesimeno insuficiene, seja porque o invesimeno oferece uma alernaiva à dívida para reduzir o excesso de caixa livre. Conrariamene, a pecking order prevê relação posiiva, uma vez que invesimenos maiores endem a exceder os recursos próprios com maior freqüência, devendo ser financiados por dívida. 2.3 Medida de Volailidade ( ln (A ) ) Segundo Fama e French (2002), as firmas com maiores aivos oais são mais sólidas e, por isso, devem apresenar menor volailidade em seus ganhos e em seu fluxo de caixa líquido. Por ese moivo uilizamos o logarimo neperiano do aivo oal como medida de amanho, a qual refleirá a hipóese de menor volailidade dos resulados das empresas. Nos dois modelos esudados a relação esperada deve ser posiiva, ou seja, firmas maiores devem apresenar menos volailidade e, por isso, devem pagar mais dividendos e se alavancar mais. 2.4 Medidas para Mea de Alavancagem (TL +1) e Mea de Remuneração (TP +1 ) A mea de alavancagem, TL +1, será o valor esimado da regressão de alavancagem na forma reduzida (conforme equação (6.1) adiane). Já TP +1 é a mea para a axa de remuneração dos acionisas, e seus valores serão esimados a parir da regressão de dividendos na forma reduzida (conforme equação (4.3) adiane). Espera-se uma relação negaiva enre alavancagem e dividendos pelas duas eorias. Iso porque na eoria de rade-off dívida e dividendos são alernaivas para alocar os recursos livres, minimizando os problemas de perigo moral da gerência. Na eoria de pecking order, empresas mais endividadas êm Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
13 Júlio Cesar G. da Silva, Ricardo D. Brio 49 uma maior parcela dos seus recursos inernos compromeidos com serviços de dívida e um menor resíduo para o pagameno de dividendos. 3. DADOS E PROCEDIMENTO DE ESTIMAÇÃO Ese esudo uiliza os demonsraivos conábeis consolidados disponíveis na base Economáica para 111 empresas brasileiras não-financeiras de capial abero durane os anos de 1995 a 2001, devidamene corrigidos pela inflação do IGP-DI da Fundação Geúlio Vargas (lisadas no Apêndice A). As empresas foram selecionadas pelos seguines criérios: (i) companhias que apresenaram dados compleos no período da análise, e (ii) firmas que pagaram dividendos pelo menos uma vez durane o inervalo do esudo. O Gráfico 1 apresena o número de anos que as 111 empresas analisadas pagaram dividendos durane o período de 7 anos. GRÁFICO 1 NÚMERO DE ANOS EM QUE AS EMPRESAS PAGARAM DIVIDENDOS DURANTE OS 7 ANOS DE ANÁLISE Freqüência 50% 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Freqüência de Pagameno de Dividendos Anos Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
14 50 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil A Tabela 3.1 apresena a média e mediana da razão dividendos sobre lucro líquido para odo o período (linha Toal) e para cada ano. Observa-se que esa razão em suas medidas de endência cenral próximas a 20%. Já na Tabela 3.2 enconram-se as médias e medianas anuais da razão do endividameno oal sobre aivo oal em valor conábil. As esimaivas de endência cenral esão em orno de 50%. TABELA 3.1 MÉDIAS E MEDIANAS DA RAZÃO DOS DIVIDENDOS SOBRE O LUCRO LÍQUIDO Ano Média Mediana Nº de empresas pagadoras ,30 0, ,34 0, ,29 0, ,20 0, ,24 0, ,21 0, ,16 0,24 89 Toal 0,25 0, Repora as médias e medianas anuais e oal da razão dos dividendos sobre o lucro líquido (D /Y ). Excluímos da amosra as empresas 31 e 58 em 2000 e a empresa 68 em 2001 por apresenarem valores que disorciam a média. Ou seja, as medidas assumem um oal de 774 elemenos, sendo 108 em 2000, 109 em 2001 e 110 nos ouros anos. Por exemplo, a média do oal é D i i, Y i 774 e a mediana do oal é o pono médio das 774 observações. Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
15 Júlio Cesar G. da Silva, Ricardo D. Brio 51 TABELA 3.2 MÉDIAS E MEDIANAS DA RAZÃO DO ENDIVIDA- MENTO TOTAL CONTÁBIL SOBRE O ATIVO TOTAL Ano Média Mediana ,39 0, ,48 0, ,53 0, ,54 0, ,57 0, ,56 0, ,60 0,59 Toal 0,53 0,51 Repora as médias e medianas anuais e oal da razão do endividameno oal em valor conábil, calculado como a soma do passivo circulane com o exigível de longo prazo, sobre o aivo oal em valor conábil para o ano, ( L ). As medidas assumem um oal de 777 elemenos, sendo 110 em cada um dos anos. Por exemplo, a média do oal é i, L i Ai 777 e a mediana do oal é o pono médio das 777 observações. Porque, segundo as eorias de rade-off e pecking order, ano dividendos quano dívida são funções das variáveis exógenas lucraividade, oporunidades de invesimeno e volailidade, as regressões seguines consideram essas duas variáveis como endógenas. Considerando-se ainda que o nível desejado de dividendos depende do nível desejado de alavancagem e vice-versa, primeiramene esimamos as equações em suas formas reduzidas para eliminarmos os problemas de endogeneidade. Também modelamos as equações de ajusameno que capuram se dividendos e alavancagem endem às respecivas meas. Uilizamos a abordagem de Fama e McBeh (1973), como sugerido em Fama e French (2002), que repora as médias dos coeficienes de inclinação anuais esimados a parir de regressões seccionais. Para inferir as significâncias, calculam-se esaísicas de Suden pela divisão de cada coeficiene médio por seu desvio padrão amosral. A principal vanagem dese méodo Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
16 52 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil é a correção da correlação seccional exisene ano em regressões seccionais quano em painel. Além diso, o méodo de Fama e McBeh ambém é robuso à heeroscedasicidade, viso que não exise correção para heeroscedasicidade em uma amosra de médias. 2 Devido ao problema da auocorrelação, indica-se a correção do valor críico sob a hipóese dos coeficienes esimados serem processos auo-regressivos de ordem 1 (AR(1)). Por exemplo, omando a posura conservadora de auocorrelação do coeficiene igual a ρ = 0,6, deve-se muliplicar o valor críico por 2: 3 2 σ T λ σ 2 T = 1 ρ 1 ρ ( λ) + 2σ 2 ( λ) T. ( = ) ( ) ( ) ( ) 2 T 2 e assumindo ρ = 0,6, em-se σ λ 4Tσ λ, ou, 1 σ ˆ λ = 2σ λ onde λ é a média de λ s não-correlacionados. Para efeio de comparação, odas as equações do rabalho ambém enconram-se reesimadas por painel, com dummies anuais para minimizar a correlação seccional, no Apêndice D. 4. DETERMINANTES DOS DIVIDENDOS Fama e French (2002) e Allen e Michaely (2003) argumenam que o modelo usado por Linner (1956) descreve bem o comporameno dos dividendos. Ese auor enumera rês caracerísicas imporanes da políica de dividendos. A primeira é que as firmas se preocupam com a esabilidade dos dividendos, pois os gerenes acrediam que o mercado premia as firmas que σ 2 2 Ver COCHRANE (2001, cap. 12), para uma apresenação mais dealhada do procedimeno de Fama-McBeh. 3 Sob a hipóese de λ ser um AR(1), com variância ( λ) e auocorrelação ρ, a variância da soma T T 1 T j da seqüência de T observações é igual a: σ λ = Tσ ( λ) + 2σ ( λ) ρ, que para um T = 1 = 1 j= + 1 ρ grande, pode ser aproximada por: σ T 2 λ σ ( λ ) + 2σ 2 T ( λ) T ; e assumindo ρ = 0, 6, em-se = 1 1 ρ 2 T 2 σ ( λ ) 4Tσ ( λ), ou σ λ 2 σ λ, onde é a média de λ s não-correlacionados. = 1 ( ) ( ) Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
17 Júlio Cesar G. da Silva, Ricardo D. Brio 53 esabilizam os dividendos. A segunda observação é que o lucro é o deerminane mais imporane de qualquer mudança nos dividendos e que as companhias possuem meas de longo prazo de disribuição dos lucros. E a erceira diz que os gerenes decidem a políica de dividendos anes, planejando ouras políicas a parir da análise dos dividendos. Por isso, Linner concluiu que a disribuição de dividendos é suave ao longo do empo, endendo a aumenar após elevações permanenes dos lucros, por ajuses graduais. Ou seja, a políica de dividendos pode ser descria pelo seguine modelo: TD +1 = TP*Y +1 (4.1) D +1 D = SOA (TD +1 D ) + u +1 onde: TD +1 = mea de dividendos no ano +1; Y +1 = lucro líquido em +1; TP = mea de longo prazo para a axa de remuneração (long-erm arge payou raio, que denoaremos simplesmene por mea de remuneração); D +1 e D = dividendos para o ano +1 e, respecivamene; e SOA = velocidade de ajusameno. Para simplificar a noação, nesa e nas demais equações do rabalho omiiremos o ermo subscrio das firmas nas variáveis e no resíduo e o ermo subscrio dos anos nos coeficienes da regressão. Nosso principal objeivo é examinar como o TP da equação (4.1) varia enre as firmas como função das oporunidades de invesimeno, lucraividade, alavancagem e volailidade. Para isso, primeiro regride-se a razão dos dividendos sobre o aivo oal (D +1 +1) na razão do lucro líquido sobre o aivo oal (Y +1 +1), sem os ermos de ineração, conforme equação: Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
18 54 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil D = a o + a 1 * Y u +1 (4.2) O resulado pode ser viso na Tabela 4, que repora uma mea de remuneração (TP) de 11%. O sinal posiivo e significaivo do coeficiene de Y é o esperado pelo modelo de Linner, que supõe os dividendos como uma parcela do lucro líquido. Embora o R 2 médio igual a 0,25 coincida com o valor de Fama e French (2002), em-se uma mea de remuneração muio inferior aos 46% esimados por esses auores para as empresas nore-americanas. Esa diferença indica uma menor disribuição dos lucros das empresas brasileiras em forma de dividendos. TABELA 4 ESTIMATIVAS DA EQUAÇÃO (4.2) DE DETERMINAÇÃO DOS DIVIDENDOS In Y TP R 2 Média 0,01 0,11 0,11 0,25 Esaísica (14,15) (3,78) (3,78) (4,38) A variável dependene é D +1 +1, ou seja, dividendos para o ano fiscal +1 dividido pelo aivo oal valor conábil em +1. A regressão foi rodada para cada ano +1 de (6 anos). A abela repora a média (emporal) do coeficiene de inclinação a 1 e do inercepo a 0, represenado pelas iniciais In, descrios na eq. (4.2). A Esaísica é a média dividida pelo erro padrão [o desvio padrão emporal do coeficiene dividido por ]. A variável Y +1 é lucro líquido para o ano +1. R 2 é a média emporal dos R 2 seccionais ajusados pelos graus de liberdade. E TP é a média emporal dos coeficienes esimados de a 1, calculado no apêndice B. Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
19 Júlio Cesar G. da Silva, Ricardo D. Brio 55 No Gráfico 2 podemos observar a dinâmica emporal do coeficiene de inclinação, a 1 da equação (4.2). 4 Percebe-se que a mea de dividendos como proporção do lucro vem crescendo ao longo do empo, sem, conudo, ulrapassar 20%. Embora ese valor coninue inferior ao americano, não deixa de ser ineressane noar que os dividendos parecem esar respondendo às mudanças recenes na legislação (descrias na noa nº 1), que ornaram o pagameno de dividendos mais vanajoso. Quano à evolução emporal do inecepo, no Gráfico 3, não se observa uma endência clara. GRÁFICO 2 - EVOLUÇÃO DO COEFICIENTE DE INCLINAÇÃO a 1 DA EQUAÇÃO(4.2) AO LONGO DOS ANOS DE 1995 A ,2500 Dinâmica Temporal Dividendos/Lucro 0,2000 a1 Coeficiene 0,1500 0,1000 0,0500 0, Anos O gráfico acima repora a dinâmica emporal do coeficiene de inclinação a 1 da equação (4.2) ao longo dos anos de 1995 a A idéia desa análise nos foi sugerida pelo parecerisa. Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
20 56 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil GRÁFICO 3 - EVOLUÇÃO DO INTERCEPTO a 0 DA EQUAÇÃO (4.2) AO LONGO DOS ANOS DE 1995 A ,0120 Dinâmica Temporal do Inercepo 0,0100 0,0080 Inercepo 0,0060 0,0040 0,0020 Coeficiene a0 0, Anos O gráfico acima repora a dinâmica emporal do inercepo a 0 da equação (4.2) ao longo dos anos de 1995 a A Tabela 5 apresena a regressão (4.3) descria abaixo, com os ermos de ineração: D +1 +1= a o + (a 1 + a 1V V + a 1L E + a 1S ln(a ) + + a 1D TL +1 +a 1A d A )*Y u +1 (4.3) Ou seja, nesa segunda eapa, pela inrodução de ermos de ineração, permie-se que a mea de remuneração (TP) varie enre as empresas em função das oporunidades de invesimeno, lucraividade, volailidade, alavancagem e invesimeno. O painel A da Tabela 5 apresena as esimaivas da equação (4.3) na sua forma reduzida, ou seja, sem o ermo de alavancagem (TL +1 ), a fim de se eviar um problema de endogeneidade enre as variáveis de alavancagem e dividendos. Os valores esimados na forma reduzida servirão como proxy para a variável que mede dividendos, TP +1, na equação (6.1). Nese pri- Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
21 Júlio Cesar G. da Silva, Ricardo D. Brio 57 meiro painel, apenas a variável de lucraividade, E, é significaiva, apresenando sinal posiivo. Embora as eorias de rade-off e pecking order comparilhem esa previsão de relação posiiva enre lucraividade e dividendos, as forças que influenciam ais expecaivas são diferenes. No modelo de rade-off, dado um nível de endividameno preesabelecido, as empresas com maior lucraividade disribuirão mais dividendos para diminuir os cusos de agência do excesso de caixa livre. Já no modelo de pecking order, empresas menos lucraivas disribuirão menos dividendos porque êm um cuso maior de disponibilizar recursos inernos escassos. TABELA 5 ESTIMATIVAS DA EQUAÇÃO (4.3) DE DETERMINAÇÃO DOS DIVIDENDOS Painel A Y * In Y V / A E / A LN (A ) TL +1 d A TP R 2 Média 0,006-0,069 0,019 0,460 0,013 0,002 0,15 0,41 Esaísica (6,52) (-0,40) (0,49) (3,79) (1,03) (0,06) (2,07) (7,06) Painel B Média 0,006 0,376 0,198 0,376-0,005-0,584-0,018 0,14 0,47 Esaísica (6,76) (0,79) (1,36) (3,37) (-0,22) (-1,30) (-0,39) (2,06) (8,08) Painel C Média 0,006 0,474 0,292-0,0003-1,018-0,019 0,14 0,43 Esaísica (9,70) (1,19) (1,93) (-0,01) (-2,20) (-0,42) (2,16) (8,69) A variável dependene é D +1 +1, ou seja, dividendos para o ano fiscal +1 dividido pelo aivo oal valor conábil em +1. A regressão foi rodada para cada ano +1 de (6 anos). A abela repora a média (emporal) dos coeficienes de inclinação descrios na eq. (4.3). O inercepo da regressão esá represenado pelas iniciais In. A Esaísica é a média dividida pelo erro padrão [o desvio padrão emporal do coeficiene dividido por ]. A variável Y +1 é lucro líquido para o ano +1. V é o valor de mercado do Aivo Toal represenado pela soma do valor de mercado das ações e passivo oal para o ano, E é o lucro anes do imposo de renda para o ano, TL +1 é a mea de alavancagem para +1. R 2 é a média emporal dos R 2 seccionais ajusados pelos graus de liberdade. E TP é a média emporal de a 1 +a 1V Mn(V ) + a 1L Mn (E ) + a 1S Mn ( ln(a )) + a 1D Mn (TL +1)+ a 1A Mn(d A / A ), onde Mn( ) são as médias seccionais das variáveis por ano e os a s são os coeficienes da equação (4.3). Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
22 58 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil O painel B repora a regressão da equação (4.3) em sua forma esruural. A variável de alavancagem (TL +1 ) uilizada é a sua previsão segundo os coeficienes esimados na forma reduzida da equação (6.1), apresenados no painel A da Tabela 8. Novamene, apenas a variável de lucraividade, E, é significaiva. Porque exise suspeia de colinearidade enre as demais variáveis e a lucraividade, o painel C da Tabela 5 reesima a equação (4.3) omiindo essa úlima. Agora, a alavancagem orna-se significaivamene negaiva, o que reforça a previsão das eorias de rade-off e pecking order de que firmas mais alavancadas disribuem menos dividendos. Também podemos perceber que, ao excluírmos E, a variável V orna-se mais posiiva e significaiva, indicando como mais provável que a inclinação de V seja devida à informação sobre a lucraividade presene e não sobre oporunidades de crescimeno. As esimaivas de TP da Tabela 4 (0,15; 0,14 e 0,14) foram mais uma vez menores que as de Fama e French (2002): (0,42; 0,41 e 0,41). Iso confirma que as empresas brasileiras êm uma mea de remuneração de aproximadamene 15% do lucro líquido, enquano nos Esados Unidos disribui-se em orno de 41% do lucro líquido na forma de dividendos. A menor mea de remuneração das empresas brasileiras é um resulado muio curioso, dada a legislação brasileira favorável (descria na seção 1.1.1). Uma explicação para ese conra-senso pode ser o maior cuso de oporunidade dos recursos próprios, elevados pelo alo cuso do capial de erceiros no Brasil. Diferenças de legislação e de cuso de oporunidade do capial próprio a pare, dois modelos de cuso de agência dispuam a explicação da decisão de dividendos. De acordo com o primeiro, os dividendos respondem à pressão dos minoriários; já pelo segundo, os conroladores decidem pelo pagameno, ineressados em sinalizar boas caracerísicas. Sendo assim, a primeira eoria prevê uma relação posiiva enre dividendos e direios dos minoriários, enquano que a úlima prevê o oposo. Nese conexo, a comparação enre Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
23 Júlio Cesar G. da Silva, Ricardo D. Brio 59 empresas brasileiras e americanas esaria confirmando que os dividendos são pagos por pressão dos minoriários, dada a evidência que eses úlimos são mais proegidos nos EUA que no Brasil, como em La Pora e al. (2000). 5. AJUSTAMENTO DOS DIVIDENDOS O principal foco desa seção é esarmos se as empresas brasileiras ajusam suas meas de dividendos quando variações de curo prazo ocorrem nos invesimenos. Para esa análise reapresenamos a equação de ajusameno parcial proposa por Linner: D +1 D = SOA (TD +1 D ) + u +1 (5.1) A idéia por raz desa equação é que as firmas, por erem um alo cuso de ajusameno, não ajusam insananeamene, mas fazem um ajuse gradual dos dividendos. Subsiuindo a equação (4.1) na equação (5.1), obemos a eq. (5.2): D +1 D = a 1 Y +1 + a 2 D + u +1 (5.2) onde: SOA é definido como a velocidade do ajusameno; a 2 = SOA; e a 1 = TP x SOA. Dividindo (5.2) pelo aivo oal e adicionando a variável da para medirmos a resposa de curo prazo dos dividendos ao invesimeno, obemos: (D +1 D ) / A +1 = a 0 + a 1 Y +1 / A +1 + a 2 D a 3 d A u +1 (5.3) Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
24 60 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil TABELA 6 ESTIMATIVAS DA EQUAÇÃO (5.3) DE AJUSTAMENTO DOS DIVIDENDOS In Y D / A +1 d A SOA TP R 2 Média 0,01 0,10-0,64-0,01 0,64 0,15 0,54 Esaísica (9,29) (4,32) (-6,89) (-1,16) (5,14) A variável dependene é (D +1 D ) / A +1. A regressão foi rodada para cada ano +1 de (6 anos). A abela repora a média (emporal) dos coeficienes de inclinação descrios na eq. (5.3). O inercepo da regressão esá represenado pelas iniciais In. A Esaísica é a média dividida pelo erro padrão [o desvio padrão emporal do coeficiene 1 2 dividido por 6 ]. A variável Y +1 é lucro líquido para o ano +1. D é o valor dos dividendos para o ano, da +1 é a diferença enre os aivos oais do ano +1 e. A velocidade de ajusameno, SOA, é igual a menos o coeficiene de inclinação em D / A +1. E TP é a inclinação média de Y dividido por SOA (ver apêndice B). R 2 é a média emporal dos R 2 seccionais ajusados pelos graus de liberdade. A Tabela 6 apresena uma esimaiva de 0,64 para a velocidade de ajusameno dos dividendos, SOA da equação (5.3), que é bem mais ala que os 0,33 obidos por Fama e French (2002) para os EUA. Porano, podemos dizer que as empresas brasileiras possuem uma ala velocidade de ajusameno aos dividendos. Se isso ocorre devido a menores cusos de ajusameno, ou simples resrição de liquidez, foge ao escopo da equação (5.3). Observa-se, ainda na Tabela 6, um coeficiene não-significaivo para da +1 / A +1, o que indica que os invesimenos não são absorvidos por variações de curo prazo nos dividendos. Uma análise mais dealhada é possível pela inclusão de ermos de ineração na equação (5.3): (D +1 D ) / A +1 = a 0 +( a 1 + a 1V V + a 1L E + + a 1S ln (A ) + a 1D TL +1 +a 1A d A ) Y ( a 2 + a 2V V + a 2L E + a 2S ln(a ) + a 2D TL a 2A d A ) D +1 + a 3 d A u +1 (5.4) Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
25 Júlio Cesar G. da Silva, Ricardo D. Brio 61 Iso permiirá uma variação dos TP s e SOA s enre as firmas em função das oporunidades de invesimeno, lucraividade, volailidade, alavancagem e invesimeno líquido. TABELA 7 ESTIMATIVAS DA EQUAÇÃO (5.4) DE AJUSTAMENTO DOS DIVIDENDOS In Y D / A +1 d A SOA TP R 2 Média 0,004 0,115-0,703-0,004 0,703 0,163 0,750 Esaísica (4,45) (5,28) (-10,83) (-0,77) (25,75) A variável dependene é (D +1 D ) / A +1. A regressão foi rodada para cada ano +1 de (6 anos). A abela repora a média (emporal) dos coeficienes de inclinação descrios na eq. (5.4). O inercepo da regressão esá represenado pelas iniciais In. A Esaísica é a média dividida pelo erro padrão [o desvio padrão emporal do coeficiene 1 2 dividido por 6 ]. A variável Y +1 é lucro líquido para o ano +1. D é o valor dos dividendos para o ano, d A +1 é a diferença enre os aivos oais do ano +1 e. A velocidade de ajusameno, SOA, é igual a menos o coeficiene de inclinação em D / A +1. E TP é a inclinação média de Y dividido por SOA. O coeficiene de inclinação em Y é a média emporal de a 1 + a 1V Mn(V )+ a 1L Mn (E ) + a 1S Mn ( ln(a )) + a 1D Mn (L +1)+ a 1A Mn(d A / A ), onde Mn( ) são as médias seccionais das variáveis por ano e os a 1 s são os coeficienes da eq. (5.4). A inclinação em D / A +1 é a média emporal de a 2 + a 2V Mn(V )+ a 2L Mn (E )+ a 2S Mn ( ln(a ))+ a 2D Mn(L +1 ) + a 2A Mn(dA / A ), onde Mn( ) são as média seccional das variáveis por ano e os a 2 s são os coeficienes da equação (5.4). R 2 é a média emporal dos R 2 seccionais ajusados pelos graus de liberdade. Na Tabela 7, as esimaivas de 0,16 e 0,7, respecivamene para os coeficienes de TP e SOA, são basane parecidas com as obidas na Tabela 6 (0,15 e 0,64), porém com R 2 médio maior. Como na equação (5.3), os dividendos não respondem aos invesimenos (da +1 +1). Ou seja, por um lado as Tabelas 6 e 7 confirmam o aspeco da pecking order, que prevê pouca resposa dos dividendos às variações de curo prazo dos invesimenos devido ao maior cuso de variar dividendos relaivamene à dívida. Por ouro lado, põem em dúvida a previsão da pecking order de baixa velocidade de ajusameno. Em sínese, no Brasil, embora os dividendos se apresenem insensíveis ao invesimeno, parecem depender basane dos lucros correnes. Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
26 62 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil 6. DETERMINANTES DE DÍVIDA Nesa seção observam-se os faores deerminanes do endividameno das empresas brasileiras e relacionam-se os resulados com o previso pelas eorias de rade-off e pecking order. Primeiro regredimos a variável de endividameno oal em valor conábil nas variáveis de oporunidades de invesimeno, lucraividade, volailidade, variação do invesimeno e dividendos, conforme equação (6.1) descria abaixo: L +1 +1= b 0 + b 1 V + b 2 ET + b 3 ln(a ) + + b 4 da + b 5 TP +1 + u +1 (6.1) onde ET é o lucro operacional próprio, no lugar do lucro anes do imposo de renda (E ) uilizado aneriormene para deerminanes de dividendos. Esa subsiuição se jusifica por esarmos ineressados em capurar os efeios dos imposos no endividameno oal das empresas, previso pelo modelo de rade-off. A variável de dividendos (TP +1 ) uilizada é a sua previsão segundo os coeficienes esimados na forma reduzida da equação (4.3), apresenados no painel A da Tabela 5. Assim, preendemos resolver o problema de endogeneidade exisene enre as variáveis de endividameno e dividendos. O painel A da Tabela 8 repora as esimaivas da equação (6.1) em sua forma reduzida. Pode-se dizer que as variáveis de oporunidades de invesimeno, lucraividade e amanho apresenaram-se como faores deerminanes da políica de endividameno oal das empresas brasileiras. O sinal negaivo da lucraividade indica que firmas mais lucraivas são menos endividadas. Isso confirma a previsão de pecking order, na qual as empresas não recorrem ao financiameno exerno anes de esgoarem seus recursos próprios. Por ouro lado, esse resulado rejeia a eoria da rade-off, na qual as firmas se endividam mais para minimizar a possibilidade de gasos não-produivos dos recursos livres. Rajan e Zingales (1995), enre ouros, ambém enconraram a mesma relação negaiva. Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
27 Júlio Cesar G. da Silva, Ricardo D. Brio 63 TABELA 8 ESTIMATIVAS DA EQUAÇÃO (6.1) DE DETERMINAÇÃO DO ENDIVIDAMENTO Painel A In. V / A ET / A LN (A ) d A TP +1 R 2 Média 0,783 0,325-0,746-0,030-0,021 0,273 Esaísica (8,97) (4,14) (-3,43) (-5,57) (-0,49) (5,91) Painel B Média 0,585 0,303 0,083 0,000-0,005-1,902 0,360 Esaísica (9,16) (4,06) (0,46) (0,09) (-0,10) (-6,56) (7,22) Painel C Média 0,586 0,306 0,000-0,002-1,831 0,353 Esaísica (10,08) (4,02) (-0,08) (-0,06) (-6,13) (7,13) A variável dependene é L L +1 =(ELP +1 + PC +1 ) é o valor conábil do passivo oal, ou seja, é a soma do Exigível de Longo Prazo e Passivo Circulane no ano +1. A regressão foi rodada para cada ano +1 de (6 anos). A abela repora a média (emporal) dos coeficienes de inclinação descrios na eq. (6.1). O inercepo da regressão esá represenado pelas iniciais In. A Esaísica é a média dividida pelo erro padrão [o 1 2 desvio padrão emporal do coeficiene dividido por 6 ]. V é o valor de mercado do Aivo oal represenado pela soma do valor de mercado das ações e passivo oal para o ano, ET é o lucro operacional próprio para o ano. E TP +1 é a 1 + a 1V (V )+ a 1L (E ) + a 1S (ln(a ))+a 1A (da / A ), onde os as são os coeficienes da equação forma reduzida da equação (4.3). R 2 é a média emporal dos R 2 seccionais ajusados pelos graus de liberdade. O coeficiene posiivo e significaivo de V, que mede oporunidades de invesimeno, ambém confirma o previso pela pecking order, que diz que firmas com maiores oporunidades de invesimeno são mais endividadas. Como a previsão de rade-off é de sinal negaivo (ver Tabela 2), podemos afirmar que os dados brasileiros a rejeiam. O sinal esperado segundo ambas as eorias para a variável de amanho é o posiivo, ou seja, espera-se que as maiores firmas possuam fluxos de caixa menos voláeis, maior facilidade em ober crédios e, por isso, sejam as mais endividadas. Porém, enconramos sinal negaivo para o coeficiene de ama- Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
28 64 Tesando as Previsões de Trade-off e Pecking Order sobre Dividendos e Dívida no Brasil nho que serve como proxy para a volailidade. Ese sinal conradiório já apareceu em ouros esudos brasileiros como Gomes e Leal (2001) ou Perobelli e Famá (2002). O painel B repora a regressão da equação (6.1) em sua forma esruural, considerando a mea dos dividendos como variável explicaiva. A esimaiva negaiva e significaiva do coeficiene desa úlima confirma ambas as eorias de rade-off e pecking order, as quais prevêem que firmas mais endividadas devem disribuir menos dividendos. Apesar do coeficiene das oporunidades de invesimeno não mudar qualiaivamene, as variáveis lucraividade e amanho perdem a significância, indicando que suas aparenes imporâncias eram devidas aos seus papéis na explicação da mea de remuneração. Como exise o problema de colineariedade enre as variáveis mea de remuneração e lucraividade, no painel C omiimos a variável de lucraividade. As esimaivas dos coeficienes remanescenes se mosraram próximas das enconradas no painel B, confirmando que há relação enre o endividameno e a mea de remuneração. 7. AJUSTAMENTO DA DÍVIDA Segundo prevê a eoria de rade-off, o endividameno é um processo que revere ao nível óimo de alavancagem da firma. O objeivo desa seção é esar al paricularidade ou se variações de curo prazo em lucros e invesimenos são permanenemene absorvidas por dívida, conforme previso pela eoria da pecking order. Para isso, esima-se a regressão: L L = c o + c 1 TL +1 + c 2 L + + c 3 de c 4 da u +1 (7.1) cujos resulados esão reporados na Tabela 9. Es. econ., São Paulo, 35(1):37-79, jan-mar 2005
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