FATORES ASSOCIADOS À MORTALIDADE MATERNA EM CAMPINAS, ESTADO DE SÃO PAULO
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1 FATORES ASSOCIADOS À MORTE MATERNA 39 FATORES ASSOCIADOS À MORTALIDADE MATERNA EM CAMPINAS, ESTADO DE SÃO PAULO FACTORS ASSOCIATED WITH MATERNAL MORTALITY IN CAMPINAS, SÃO PAULO STATE, BRAZIL José Guilherme CECATTI 1 Aíbal FAÚNDES 1 Mary Agela PARPINELLI 1 Ferada Garahai Castro SURITA 1 Eliaa AMARAL 1 R E S U M O Itrodução Apesar da tedêcia geérica de dimiuição da mortalidade matera este século, decorrete dos progressos a prática obstétrica, aestesia, medicametos, hemoterapia e laboratório, ela permaece aida elevada a maioria dos países em desevolvimeto. Objetivo Pelo quase total descohecimeto dos fatores determiates da ocorrêcia de mortes materas, cosiderou-se oportuo estudar os fatores associados a estas mortes. 1 Departameto de Tocogiecologia, Faculdade de Ciêcias Médicas, Uiversidade Estadual de Campias. Rua Alexader Flemig, 101, , Campias, SP, Brasil. Correspodêcia para/correspodece to: J. G.CECATTI. cecatti@uicamp.br
2 40 J.G. CECATTI et al. Método Foram aalisadas as declarações de óbito de mulheres etre 10 e 49 aos de idade, residetes o muicípio de Campias, falecidas o período etre 1985 e Para os 62 casos cofirmados de morte matera, foram coletadas iformações referetes às codições socioecoômicas, da gravidez, do parto, do puerpério e do óbito. Estes dados foram comparados aos de um grupo cotrole de 248 gestates que foram iteradas o mesmo período e que ão faleceram, com um deseho de estudo caso-cotrole. Para cada fator estudado, estimaram- -se o risco pelo Odds Ratio e seu respectivo IC95, seguidos de uma aálise de regressão logística ão codicioal. Resultados As mortes materas estiveram mais associadas com a idade matera elevada, com o tipo de seguro de saúde por covêio ou privado, com a detecção de complicações durate o pré-atal e com o parto por cesárea. Termos de idexação: morte matera, fatores de risco, saúde reprodutiva. A B S T R A C T Itroductio A global tred of reductio i materal mortality has bee observed durig this cetury, as a result of the progress i obstetric practice, aesthesia, drugs, hemotherapy ad laboratory support. It remais, however, well above acceptable rates i most developig coutries. Objective The almost complete lack of reliable iformatio o the determiat factors for materal mortality i our commuity was the motivatio for studyig the risk factors associated with it. Method All death certificates of wome aged 10 to 49 years, with residece i the city of Campias, who died i the period from 1985 to 1991, were aalyzed. Socioecoomic data ad iformatio o evolutio of pregacy, delivery ad post-partum were obtaied ad the circumstaces of death were aalyzed for the 62 cases of materal death. This iformatio was compared with that of a cotrol group of 248 wome who delivered or had a abortio i the same period but who did ot die, i a case cotrol study desig. For each factor studied the Odds Ratio ad its correspodig 95CI were estimated, followed by a o-coditioal logistic regressio aalysis. Results Materal mortality was highly associated with high materal age, with the paymet for medical services provided privately or by ay isurace, with the idetificatio of complicatios durig pregacy ad with cesarea sectio delivery. Idex terms: materal death, risk factors, reproductive medicie.
3 FATORES ASSOCIADOS À MORTE MATERNA 41 I N T R O D U Ç Ã O Até hoje se etede como morte matera aquela que se relacioa direta ou idiretamete com o processo reprodutivo, a partir do iício da gestação. Iclui, dessa maeira, as mortes que resultam de uma gravidez ectópica ou de um aborto, assim como aquelas que derivam de complicações da gravidez, parto e puerpério, até um período de doze meses após o térmio da gestação 1. Diversos fatores alteram ou iflueciam a fase reprodutiva da mulher e podem cotribuir à morte. São características sociais, culturais e ecoômicas específicas de cada população. Quato aos aspectos socioecoômicos, uma população de baixa reda está sabidamete mais sujeita à evolução desfavorável de doeças, seja pela dificuldade de obteção de cuidados médicos, seja por um estado utricioal orgâico deficitário que favoreça esta situação 2. Além disso, cosidera-se importate também a ocorrêcia de doeças próprias ou itercorretes do estado gravídico, assim como as características da ateção profissioal à gestação. Há estudos demostrado uma associação etre a mortalidade matera e a distribuição e capacitação técica dos profissioais de saúde, ocorrêcia de partos domiciliares, assistêcia pré-atal, aborto e icidêcia de cesáreas 3. Mudialmete, o risco de morte matera está também fortemete relacioado com a codição da mulher a sociedade, quase sempre meos utrida, meos istruída, com meor acesso a emprego, maior quatidade de trabalho e piores codições de saúde que o homem. O predomíio masculio a sociedade tem diversas formas de maifestação que, direta ou idiretamete, irão iflueciar o maior risco de morte matera 4. A situação de saúde reprodutiva das mulheres é o reflexo da experiêcia vivida pelas meias e adolescetes, compreededo utrição, desevolvimeto, educação, sexualidade e ambiete socioecoômico. Quato à orgaização do sistema de saúde, a falta de uma estratégia acioal abragete em saúde matero-ifatil, com a idetificação e ação sobre fatores de risco para mortalidade matera, associada a uma, em sempre racioal, priorização de recursos e ivestimetos em áreas absolutamete críticas, tora ímpar a situação do país. Ao mesmo tempo em que populações iteiras permeecem totalmete desprovidas de quaisquer cuidados em sua fase reprodutiva, há o icetivo ao desevolvimeto e à istalação de tecologia de pota, geralmete importada a altos custos e maipulada por pessoal técico iadequadamete capacitado. Isto se tora mais importate com a cosideração de que, provavelmete, tais ivestimetos suportariam medidas de ateção à saúde matera a ível primário, que poderiam determiar uma redução bastate sigificativa os íveis de mortalidade matera. Com relação às causas facilmete idetificadas como resposáveis por grade parte do obituário matero, as estatísticas apotam, em geral, as ifecciosas, as hemorrágicas e as por hipertesão, em proporções variadas segudo os autores 5-8. Esta idetificação permite situar, em áreas específicas da ateção à saúde, os potos ode deveriam recair os esforços o setido de reduzir estas ocorrêcias. Assim, as complicações ifecciosas e hemorrágicas devem estar relacioadas com a istituição hospitalar e a assistêcia ao parto, equato as por hipertesão situam-se mais o ível da ateção primária durate a gravidez. Outro fator relacioado é o grau de istitucioalização do parto, que guarda uma relação iversa com os íveis de mortalidade matera e direta com os íveis de reda 4. Em posição de meor destaque, mas ão de meor importâcia, está a via de parto. É coseso que a via vagial apreseta meor taxa de mortalidade matera quado comparada com a cesárea. Se forem cosiderados os íveis a que têm chegado os ídices de cesárea o país, este fato poderia represetar uma cotribuição para a alta mortalidade matera 9, 10. Também a idade matera (extremos da vida reprodutiva) e a grade multiparidade costituem
4 42 J.G. CECATTI et al. fatores de mau progóstico obstétrico que podem favorecer a mortalidade matera. Outra situação que também cotribui para os íveis de mortalidade matera é o aborto provocado. Sua ilegalidade associada à falta de programas de plaejameto familiar de abragêcia, tora o procedimeto difícil para a maioria das mulheres que decidem pela iterrupção da gravidez. Ele é, portato, realizado em codições desfávoráveis, por profissioais ão qualificados e em locais sem ifra-estrutura, propiciado o aparecimeto de complicações, especialmete etre as mulheres de classes sociais baixas, que ão podem recorrer a serviços de melhor qualidade 11, 12. A proposta de tetar idetificar algus fatores de risco relacioados com a ocorrêcia da morte matera é teoricamete iteressate 13, além de possibilitar o direcioameto de ações e iterveções de saúde para reduzí-lo e de proporcioar elemetos que permitam selecioar um grupo de mulheres de maior risco e para ele direcioar as ações propostas. O objetivo deste estudo foi tetar idetificar algus fatores de risco associados com a morte matera em uma população brasileira. C A S U Í S T I C A E M É T O D O S Foi um estudo caso-cotrole de base populacioal em que se estudaram 62 casos de morte matera e 248 cotroles, cosiderado-se uma razão de caso/cotroles de 1 : 4. Estudaram-se todas as mortes materas de mulheres residetes o muicípio de Campias, que ocorreram o período etre jaeiro de 1985 e dezembro de 1991, comparativamete com mulheres que tiveram algum procedimeto obstétrico similar (gestação, aborto ou parto) o mesmo período e ão morreram. Os casos foram selecioados através das cópias de todas as declarações de óbito de mulheres em idade fértil (com idade etre 10 e 49 aos), residetes o muicípio de Campias e ocorridas etre jaeiro de 1985 e dezembro de 1991, por causa matera declarada ou presumível cofirmada e formulário de ivestigação de morte matera preechido. Os dados foram coletados retrospectivamete por membros do Comitê de Morte Matera de Campias e dois assistetes de pesquisa treiados, coforme o método recomedado origialmete o Brasil por Laureti 14 e mais recetemete deomiado método e Reproductive Age Mortality Survey (RAMOS) 1. Supostamete, a cobertura de idetificação dos casos era para a totalidade dos óbitos, à exceção de casos ão idetificados pelo método utilizado. Portato, a casuística é populacioal e ão amostral. Para a amostra de cotroles, selecioaram- -se duas mulheres admitidas para procedimeto obstétrico, o mesmo hospital, imediatamete ates da ocorrêcia do falecimeto e duas imediatamete depois, com idade etre 10 e 49 aos e que ão morreram. Não houve seleção de hospitais e todos colaboraram para o acesso à iformação através dos protuários e/ou fichas microfilmadas. A coleta termiou em julho de 1992 e o tempo desde a ocorrêcia até a coleta uca ultrapassou os cico aos, tempo de obrigatoriedade legal para a coservação dos protuários. A variável depedete correspodeu à morte matera e as variáveis idepedetes referiram-se aos fatores sociais, biológicos e de saúde e dados de ateção hospitalar. Para a coleta dos dados utilizou- -se um formulário deomiado Ivestigação de Morte Matera, utilizado pelo Comitê de Morte Matera de Campias e adaptado a partir dos formulários dos comitês de morte matera de São Paulo e do Paraá, que garatiu a absoluta cofidecialidade das fotes dos dados, sem idetificação de qualquer sujeito participate o estudo, de qualquer profissioal ou istituição de saúde 7. Os formulários foram revisados quato à qualidade das iformações e os dados codificados e armazeados em arquivo de computador, após testes de cosistêcia. Quato à aálise dos dados, iicialmete realizou-se uma aálise uivariada, comparado a freqüêcia das diferetes categorias das variáveis idepedetes, tato para casos como para cotroles, estimado-se o Odds Ratio e seu
5 FATORES ASSOCIADOS À MORTE MATERNA 43 respectivo IC95 para todos os possíveis fatores de risco estudados. Para as variáveis categóricas ordeadas utilizou-se aida o teste do χ 2 para tedêcia liear. Fialmete realizou-se uma aálise multivariada por regressão logística ão codicioal para cotrolar o possível efeito cofudidor de algumas variáveis 15. Para o modelo de regressão participaram as variáveis: idade, estado marital, ocupação, tipo de seguro saúde, paridade, atecedete de aborto, atecedete de cesárea, pré-atal, via de parto e complicações do parto. Utilizou-se o pacote estatístico SPSS/PC+. O projeto de pesquisa foi previamete aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Istituição. R E S U L T A D O S Os resultados referetes à idetificação das mortes materas a população geral do estudo e à aálise descritiva dos casos são motivo de outra publicação 7. Neste estudo, serão mostrados os dados, comparativamete etre os casos e cotroles, de fatores possivelmete associados à ocorrêcia da morte matera. O risco de morte matera por idade, para o grupo etário de aos, foi sigificativamete maior que para o de aos e o de esteve próximo do limite de sigificâcia (Tabela 1). Equato dois terços dos casos de morte tiham mais de 24 aos, cerca de metade dos cotroles ecotravam-se essa faixa etária. Essa tedêcia de aumeto do risco com o aumeto da idade mostrou ser estatisticamete sigificativa. A paridade das mulheres ão mostrou estar associada ao risco de morte matera este grupo (Tabela 2). Quato ao estado marital, o risco de morte matera também ão foi sigificativamete diferete etre as categorias. Com relação à ocupação da mulher, o risco de morte foi praticamete idêtico quado se cosiderou apeas o exercício de qualquer atividade profissioal fora do lar cotra atividades exclusivamete domésticas (Tabela 3). Tabela 1. Risco estimado de morte matera segudo idade matera. Idade (aos) Casos Cotroles OR IC , ,4 1, , ,7 2,06 1,12-3, , ,9 2,57 0,95-6,99 Total Tred = 6,42 p < 0,02. Tabela 2. Risco estimado de morte matera segudo paridade. Paridade Casos Cotroles OR IC , ,0 1, , ,1 1,15 0,56-2, , ,9 1,49 0,64-3,46 Total* *Faltou iformação de 17 mulheres; Tred = 0,86 NS.
6 44 J.G. CECATTI et al. Quato ao tipo de seguro de saúde da mulher, o risco de morte mostrou difereça sigificativamete maior para as coveiadas/privadas, resposáveis por pouco meos da metade dos casos de óbito. Com relação ao atecedete matero de abortos ateriores e de cesárea prévia, ão houve difereça o risco de morte calculado para os grupos. Quato à realização de acompahameto pré-atal, sem levar em cosideração ehum critério de qualidade ou úmero de cosultas, o risco de morte matera foi praticamete o mesmo para os casos com e sem pré-atal, também ão apresetado difereça sigificativa (Tabela 3) Tabela 3. Resumo dos riscos estimados de morte matera pelos fatores estudados. Variáveis Estado marital Com compaheiro Sem compaheiro Ocupação Do lar Fora do lar Seguro saúde SUS 1 Covêio/privado Atecedete de aborto Sem Com Atecedete cesárea Sem Com Pré-atal Sim Não Complicações a gestação Sem Hipertesão arterial TPP Outras Casos () Cotroles () OR IC95 () = 62 71,0 29,0 = 62 72,6 27,4 = 56 57,1 42,9 = 45 75,6 24,4 = 45 82,2 17,8 = 44 90,9 09,1 = 40 20,0 32,5 17,5 30,0 = ,8 23,2 = ,1 26,9 = ,6 27,4 = ,0 23,0 = ,5 16,5 = ,9 08,1 = ,2 16,6 05,0 13,2 01,35 01,03 01,99 01,08 01,09 01,14 06,39 11,47 07,37 0-0,72 0-2,54 0,540-01,95 1,090-03,61 0, ,28 0,470-02,51 0, ,52 0-2, ,82 3, ,86 2, ,98 (1) SUS = Sistema Úico de Saúde. Tabela 4. Risco estimado de morte matera, segudo tipo de seguro e via de parto. Seguro Total SUS 1 covêio/ privado Total* Via de parto vagial cesárea vagial cesárea vagial cesárea Casos 032,6 067, ,7 032,6 010,9 034, Cotroles 056,8 043, ,0 022,7 008,7 020,6 OR 1,00# 2,71# 1,00# 3,17# 1,00# 1,36# 2,29# IC95 1, ,20 1, ,54 0 0, ,23 1, ,65 ( * ) Faltou iformação de 35 mulheres (16 casos e 19 cotroles); # OR ajustado; (1) SUS = Sistema Úico de Saúde.
7 FATORES ASSOCIADOS À MORTE MATERNA 45 Já em relação à detecção de algum tipo de itercorrêcia ou complicação que caracterizasse risco gestacioal, durate o pré-atal ou em qualquer mometo ates do parto, pode-se observar que, etre os casos que dispuham desse dado, o risco estimado de morte foi sigificativamete maior para as mulheres que tiveram este risco gestacioal detectado o pré-atal (Tabela 3). Para ambos os grupos, estas complicações detectadas foram, por ordem decrescete de freqüêcia, a hipertesão arterial e o trabalho de parto prematuro, cujos riscos de morte foram, isoladamete, sigificativamete mais elevados. Com relação à via de parto, pode-se costatar que a cesárea foi sigificativamete mais freqüete etre os casos que os cotroles (Tabela 4). O risco de morte por cesárea foi quase o triplo que por parto vagial. Etretato, quado se correlacioa via de parto com o tipo de seguro de saúde da mulher (Tabela 4), pode-se perceber que o risco de morte é aida maior para a cesárea etre as mulheres atedidas o Sistema Úico de Saúde (SUS), mas ão é sigificativo para as de covêio ou particulares. Na aálise multivariada por regressão logística ão codicioal, o úico fator que esteve sigificativamete associado com morte matera pelo modelo de regressão utilizado foi o parto por cesárea (Tabela 5). Tabela 5. Fatores associados à morte matera pela regressão logística. Fatores Coeficiete Via de parto 1,1009 Costate -2,0564 (1) OR ajust = Odds Ratio ajustado. D I S C U S S Ã O EP 0,3974 0,3202 OR ajust 1 3,01 p<0,0001 IC95 1,37-6,55 Um tipo de estudo epidemiológico retrospectivo tipo caso-cotrole como esse, que ateta, através da aálise sistemática de declarações de óbito e de protuários clíicos hospitalares, recuperar algumas iformações que permitam quatificar e caracterizar o risco de ocorrêcias de mortes materas o muicípio de Campias, o estado de São Paulo, ão é muito comum de se ecotrar a literatura. Apesar de se referir a uma casuística idetificada há dez aos, o que há de iédito é o aspecto metodológico, a tetativa de se idetificar fatores de risco para a ocorrêcia de mortes materas em populações específicas. Isso, além de ser atraete, teoricamete pode ser realizada a um custo relativamete baixo, sobretudo quado se utilizam recursos e estrutura de istituições que têm alguma resposabilidade a vigilâcia epidemiológica daquela população. Este é o caso deste estudo, que utilizou a estrutura já existete do etão Comitê de Morte Matera de Campias, criado pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Outros métodos de medição da mortalidade matera, sobretudo os idiretos, aida que bastate eficietes, são mais complicados e exigem maior quatidade de técicos e recursos fiaceiros para sua realização 1, 16. Os fatores biológicos e de saúde, icluido a idade elevada, a detecção de complicações o pré- -atal e o parto por cesárea, além do tipo de seguro, apareceram como os fatores mais importates para o risco de morte matera, sedo que os serviços públicos mostraram um meor risco em comparação com a assistêcia por covêio ou privada. Como defiido iicialmete, resolveu-se utilizar um grupo-cotrole, para comparação com o grupo de mulheres que teve morte matera, de variáveis sócio-biológicas e relativas à gravidez, parto e puerpério. No Brasil ão existem estudos similares que utilizem um grupo-cotrole para comparação com os casos de morte matera e mesmo o exterior, eles ão são freqüetes. Espera-se que, a partir deste, outros estudos mais abragetes, evolvedo populações maiores e talvez mais represetativas, possam ser realizados. No caso da idade, cofirmou-se o risco aumetado com a maior idade da mãe, etretato ão houve úmero suficiete de casos com idades meores de 15 aos, para se avaliar o risco o extremo iferior da vida reprodutiva. De qualquer
8 46 J.G. CECATTI et al. forma, a idade é uma das variáveis melhor estudadas, através das razões de mortalidade matera (RMM) específicas por idade. Todos os estudos, tato acioais quato estrageiros, mostram a mesma tedêcia idetificada este, sedo que as difereças são maiores, quato mais elevada a RMM a população estudada 4, 17, 18. Ates de iiciar a coleta de dados, julgava- -se que a escolaridade poderia ser uma das variáveis sociais com melhor associação com o risco de morte matera. Ifelizmete, esta foi a variável com maior dificuldade em se obter iformação, o que limitou muito o úmero de casos icluídos a aálise. Apesar disso, observou-se o esperado aumeto do risco os grupos com meor istrução. No mesmo setido, ão se detectou ehuma difereça de risco etre mulheres casadas e as sem compaheiro fixo, ou etre aquelas com e sem trabalho remuerado fora do lar. Quato à forma de pagameto dos serviços de saúde, os resultados foram o oposto do esperado, se atribuíssemos ifluêcia dos fatores sociais sobre a mortalidade matera, já que o risco foi o dobro e sigificativo etre as mulheres atedidas por covêio ou particulares, em comparação àquelas atedidas pelo SUS. A falta de associação estatística etre estes vários idicadores de ível socioecoômico com o risco de morte matera pode, ao meos em parte, ser explicado pela maeira como os cotroles foram selecioados. Sabemos da tedêcia à cocetração de mulheres de determiadas categorias socioecoômicas uma mesma istituição e, portato, seria de se esperar que os cotroles fossem mais ou meos semelhates quato a este aspecto. O que surpreedeu foi a alta porcetagem com que as mulheres coveiadas e privadas (42,9) participaram o total de mortes materas, já que estas duas categorias estão ormalmete associadas a um melhor padrão socioecoômico, de saúde e de ateção à saúde. O meor risco de morte matera etre as mulheres atedidas pelo SUS, apesar de correspoder a um grupo de ível iferior àquele citado, pode ser idicativo de que o atedimeto obstétrico pelo setor público ão é tecicamete iferior ao do setor privado, pelo meos o muicípio de Campias. Em relação aos atecedetes obstétricos, em a história de aborto, em de cesárea aterior, apresetaram-se com qualquer associação com morte matera, o que ão costituiu surpresa. Por outro lado, cosiderado que a literatura atribui em geral um maior risco às ulíparas, o maior risco de morte com o aumeto da paridade correspode ao esperado, embora sem sigificação estatística. No caso da população em estudo, as características demográficas são específicas o cotexto de um país em desevolvimeto, com pequeas variações de paridade e ode a grade multiparidade praticamete ão mais existe. A ausêcia de difereças sigificativas quato ao acompahameto pré-atal poderia ser parcialmete explicada pela alta prevalêcia deste tipo de serviço à população de gestates em geral a região, apesar do risco de morte ser discretamete maior para as mulheres que ão fizeram pré-atal. Os dados cofirmam, etretato, a importâcia da idetificação de complicações como fatores de risco detectados durate o pré-atal, já que, quado tais fatores estiveram presetes, o risco de óbito foi cerca de oito vezes maior do que quado ão estiveram. Deve-se lembrar que estes fatores de risco gestacioal referem-se apeas a complicações clíicas surgidas durate a gravidez, como hipertesão arterial, diabetes, trabalho de parto prematuro, ifecção do trato uriário e outras, e ão a outros critérios demográficos mais geéricos tais como idade, paridade, estado civil e outros atecedetes. Aida que Campias possua uma situação privilegiada de ateção à saúde matera, comparativamete ao país, essa difereça é provavelmete mais depedete da extesão de cobertura de serviços médicos à população, do que efetivamete da qualidade, de tal forma que provavelmete uma grade porcetagem de mulheres grávidas, que poderiam ser selecioadas como de risco por quaisquer critérios mais abragetes utilizados, acaba ão tedo uma ateção
9 FATORES ASSOCIADOS À MORTE MATERNA 47 profissioal difereciada à sua gravidez, parto e puerpério, como seria recomedado. O maior úmero de cesáreas etre as mulheres que morreram poderia ser justificado porque muitas destas cesáreas foram idicadas justamete pela gravidade do quadro que motivou o falecimeto. Etretato, quado o ídice de cesárea aproxima-se de 50, a grade maioria destas iterveções ocorre em mulheres sadias, ode o próprio ato cirúrgico codicioa complicações que podem levar ao óbito 10. Deve-se lembrar aida que a cesárea foi o úico fator estatisticamete associado à morte matera, quado se procedeu à aálise multivariada. Além disso, os altos ídices de parto abdomial, loge de reduzir a taxa de óbito, cotiuam a cotribuir com algus casos de mortes evitáveis 9. De fato, quado se correlacioou via de parto com tipo de seguro de saúde, pode-se perceber que o risco estimado de morte por cesárea foi sigificativamete maior que o de por parto vagial apeas etre as mulheres do SUS, mas ão etre as de covêio ou privadas. E por que isso acotece? Uma possível explicação é a de que a icidêcia de cesárea é tão elevada etre as mulheres de covêio e privadas (acima de 70, tato para os casos como para os cotroles), que ão se percebe seu efeito sobre a mortalidade matera, aida que, provavelmete, algus óbitos estejam ocorredo exclusivamete pela via de parto utilizada. A elevada icidêcia de complicações durate o parto/aborto observada etre os casos de óbito este estudo, mostra que este período já se iiciam uma série de complicações que culmiam posteriormete com o óbito. Isso é importate a medida em que cofirma a recomedação de se oferecer ateção hospitalar especializada ao parto, sobretudo para o caso de gestates de risco. Também, como reflexo dessa situação, tem- -se que uma cosiderável parcela desta população femiia, que acabou tedo uma morte classificada como matera, tem sua gestação iterrompida prematuramete e é de se supor que o mesmo acoteça geericamete com as gestates de risco. Embora essa ocorrêcia seja mais importate como coseqüêcia, e ão como causa ou fator associado, é importate a medida em que acresceta outro problema à questão, que é o da ateção ao recém-ascido prematuro e o que isso demada em termos de estrutura hospitalar. Os presetes resultados cofirmaram que a série de evetos patológicos e complicações, que acabam levado ao óbito matero, cotribuem também às taxas elevadas de atimortalidade, superior a um quarto de todos os casos do estudo. C O N C L U S Ã O Desta forma, pode-se dizer que a tetativa de idetificar fatores de risco para a ocorrêcia de morte matera, que pudessem ser posteriormete aplicados à população de mulheres grávidas para idetificar um grupo de risco, ão foi completamete exitosa. Percebe-se, o etato, que as mulheres que tiveram morte matera, freqüetemete tiveram alguma complicação clíica/obstétrica detectada o pré-atal ou em outra ocasião durate a gravidez. É de se esperar que, se tivessem tido uma orietação e ateção profissioal mais especializada dirigida prioritariamete ao acompahameto pré-atal e à ateção hospitalar ao parto, talvez o úmero de mortes materas tivesse sido meor. Além disso, idetificou-se também a idade matera elevada, o tipo de seguro por covêio ou privado e a via de parto por cesárea, como de maior risco para a ocorrêcia de morte matera. Essa é, portato, a recomedação que se pode tirar dos resultados obtidos. O muicípio, já tedo uma estrutura para ateder às mulheres durate a gravidez, parto e puerpério, deveria cocetrar esforços o setido de priorizar a qualidade dessa ateção, selecioado risco e forecedo atedimeto especializado para estes casos em algumas uidades de saúde capacitadas de fato para isso. Deveria, aida, iiciar medidas para se coseguir uma redução dos íveis de cesárea o muicípio, sobretudo etre as mulheres atedidas pelo setor ão público, ode estes ídices são alarmates.
10 48 J.G. CECATTI et al. R E F E R Ê N C I A S 1. World Health Orgaizatio. Revised 1990 estimates of materal mortality. A ew approach by WHO ad UNICEF. Geeve: WHO; Sai FT, Nassi J. The eed for a reproductive health approach. It J Gyaecol Obstet 1989; 3: Loudo I. Obstetric care, social class ad materal mortality. Br Med J 1986; 293: Roysto E, Armstrog S. Prevetig materal deaths. Geeve: WHO; Cecatti JG, Albuquerque RM, Hardy E, Faúdes A. Mortalidade matera em Recife. Causas de óbitos materos. Rev Bras Giecol Obstet 1998; 20(1): Pazero LC, Marcus PAF, Vega CEP, Boyaciya K, Barbosa SA. Estudo da mortalidade matera o muicípio de São Paulo durate o ao de Rev Bras Giecol Obstet 1998; 20(7): Cecatti JG, Faúdes A, Surita FGC. Materal mortality i Campias. Evolutio, uder- -registratio ad avoidace. São Paulo Med J 1999; 117: Parpielli MA, Faúdes A, Surita FGC, Pereira BG, Cecatti JG. Mortalidade matera a cidade de Campias, o período de 1992 a Rev Bras Giecol Obstet 1999; 21: Faúdes A, Cecatti JG. Which policy for Caesarea sectio i Brazil. A aalysis of treds ad cosequeces. Health Policy ad Plaig 1993; 8(1): Petitti DB, Cefalo RC, Shapiro S, Whalley P. I hospital materal mortality i the U.S. Time treds ad relatio to method of delivery. Obstet Gyecol 1982; 59: Laguardia KD, Rotholz MV, Belfort P. A 10-year review of materal mortality i a Muicipal Hospital i Rio de Jaeiro: a cause for cocer. Obstet Gyecol 1990; 75: Laureti R. Materal mortality i Lati America urba areas: the case of São Paulo, Brazil. Bull Pa Am Health Orga 1993; 27(3): World Health Orgaizatio. Studyig materal mortality i developig coutries. Rates ad causes. A guidebook. Geeve: WHO; Laureti R. Marcos refereciais para estudos e ivestigações em mortalidade matera. Rev Saúde Pública 1988; 22: Cox DR. The aalysis of biary data. Lodo: Methue; Campbell OMR, Graham WJ. Measurig materal mortality ad morbidity: levels ad treds. Lodo: Lodo School of Hygiee & Tropical Medicie; Braga LFCO, Nazareo ER, Faii ML, Carvalho MTW, Soares VMN, Hirata VM. Relatório do comitê de morte matera do Paraá, Femia 1992; 20: Berg CJ, Chag J, Callagha WM, Whitehead SJ. Pregacy-related mortality i the Uited States, Obstet Gyecol 2003; 101(2): Recebido para publicação em 22 de abril e aceito em 28 de abril de 2003.
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