PN 714.021; Ap.: TC. Amarante; Ap.es2 Ap.a3:. Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. As recorrentes não se conformam com a improcedência do pedido de despejo, alegado abandono ou desvio do fim do prédio dado de arrendamento comercial. 2. Concluíram: (a) A Ap.a utiliza o arrendado apenas para ali depositar pneus; (b) Não expõe pneus para venda, aí não atende clientes, não presta serviços, enfim ali não exerce a actividade comercial; (c) O fim estipulado no contrato de arrendamento respectivo, contudo, é o comércio; (d) Deste modo, a Ap.a utiliza o arrendado para fim diverso; (e) A sentença recorrida contrariou então o art. 64/1.b RAU, bem como o art. 1038.e CC. 3. Nas contra-alegações foi dito: 1 Vistos: Des. Ferreira de Sousa (498); Des. Paiva Gonçalves (1306). 2 Adv.: Dra.. 3 Adv.: Dr.. 1
(a) Resulta dos factos provados que o local arrendado é frequentemente usado pelos funcionários da Ap.a quer para depositar pneus quer para os carregar com vista a serem vendidos, pelo que não colhe o argumento dos Ap.es de o mesmo se encontrar encerrado há mais de 2 anos; (b) Por outro lado, resulta do contrato de arrendamento que no prédio disponibilizado pelos senhorios deve a Ap.a desenvolver o comércio, não se especificando no entanto qual; (c) Ora a arrendatária tem desenvolvido desde sempre no locado a actividade industrial de recauchutagem de pneus, e a actividade comercial de compra e venda dos mesmos; (d) E não é pela venda de maior ou menor número de pneus recauchutados ou novos, da marca X ou Y que o argumento principal dos Ap.es pode colher: alteração do fim do contrato; (e) Na verdade, reconheceram nunca ali ter sido praticado outro comércio que não tivesse sido o comércio de pneus: nunca foi alterada, portanto, a utilização do local arrendado para fim diverso do que consta no contrato. 4. Ficou provado: (1) Os Ap.es são proprietários de um prédio urbano composto de R/C e 3 andares, Rampa Alta, S. Gonçalo, Amarante, o qual se encontra inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 691; (2) Em 73.02.01, deram de arrendamento o R/C Esq. do referido prédio a ; (3) Tal arrendamento foi celebrado pelo prazo de 1 ano, 73.02.01, prorrogável por períodos sucessivos e iguais, nas mesmas condições, a renda acordada inicial de Pte 2 000$00; (4) E encontra-se ainda em vigor, a renda actual de Pte 28 380$00; 2
(5) Por escritura pública, 84.10.26, C. Not. Marco de Canavezes, foi constituída a sociedade, da qual o primitivo arrendatário passou a ser sócio, aceite tacitamente pelos Ap.es como arrendatário; (6) Por escritura pública, 89.06.13, C. Not. Marco de Canavezes, deu de trespasse à sociedade, Penafiel, o estabelecimento de pneus, mais precisamente o comércio de pneus, instalado no R/C do prédio já referido; (7) Por escritura pública, 93.06.07, Lda, procedeu à alteração da denominação social para (8) Consta do contrato de arrendamento inicial: 3º O prédio, ou parte do prédio arrendado por este contrato destina-se a comércio do arrendatário (9) Desde há 2 anos e meio aprox., a Ap.a utiliza aquele espaço para depósito de pneus recauchutados; (10) E os funcionários desta apenas se deslocam aí para depositar pneus ou para os carregar, com vista a serem vendidos; (11) No arrendado ficam muitos pneus, sobretudo recauchutados; (12) A Ap.a guarda pneus no espaço arrendado. 4.1 Da inspecção do local resultou: (1) Os pneus encontram-se dispostos [no arrendado] de forma organizada, começando esta disposição por uma fila consecutiva de vários pneus sobrepostos, imediatamente na entrada, junto à porta do lado esquerdo, seguida de uma fila mais, mais ou menos paralela, que se inicia logo após a colocação da secretária, colocada esta cerca de 2m em frente à entrada; (2) Aqui existe uma zona liberta com a área de 12/20 m2 aprox., ao invés do que retrata uma das fotografias [admitidas e juntas no acto]; (3) Em um terço do espaço global para trás encontram-se outros pneus já não sobrepostos, mas de pé; 3
(4) Na outra margem direita, uma fila de pneus sobrepostos; (5) A sala apresenta o aspecto de ter sido varrida; (6) Numa das paredes existem, a uma altura de cerca de 2m prateleiras onde se encontram expostos pneus, e nos quais estão apostas as respectivas referências; (7) As duas portas de entrada são de correr, e aquela que se situa imediatamente à direita tem 4/5m de largura; logo em frente um elevador; (8) Na entrada da margem esquerda existem três máquinas, uma das quais para calibrar rodas e duas para desmontar pneus; (9) Existe uma amplitude liberta de cerca de 150 m; (10) E outro elevador, à esquerda e, por fim, vários pneus colocados em prateleiras de parede; (11) No piso superior, uma área serve de escritório e armazém de pneus ligeiros, que se encontram sobrepostos; (12) Estão aqui alguns funcionários e percebe-se que o espaço se encontra em pleno funcionamento, igualmente varridos. 5. A sentença louvou-se nos seguintes argumentos: (a) tem-se entendido dever considerar-se como encerrado o local que não só não é aplicado à actividade contratada como o não é a qualquer outra, mantendo-se portanto inactivo; (b) [Segundo o provado] é manifesto que não se verifica este requisito: encerramento do locado por mais de 1 ano; (c) Por seu turno a evolução dos costumes, a necessidade de o direito se adaptar à vida e de facilitar o desenvolvimento da economia, possibilitando o desenvolvimento mais completo de cada ramo da actividade comercial, conduz a que se considere preferível a orientação [de defender não se encontrar preenchido o fundamento de resolução do contrato do art. 64/1.b RAU, se o arrendatário, continuando a usar o arrendado, e ainda a título principal para o fim ou ramo de negócio convencionado, o faz mas através do exercício acessório 4
de uma nova actividade, circunscrevendo-se àquele tipo de comércio que tem natureza de algum modo conexa com o comércio principal, ou até complementar dele, i.é, actividade ligada por uma relação de instrumentalidade necessária, ou quase necessária e actividade que, segundo os usos comuns, acompanha o modo de exploração do comércio aceite para o arrendamento]; (d) E pese embora se tenha apurado que a arrendatária exercia concretamente a actividade comercial de venda e aplicação de pneus e que desde há cerca dois anos e meio passou a utilizar o locado para depósito de pneus, é apodíctico que a nova actividade ali exercida sempre seria de considerar acessória da venda de pneus e mesmo que tal ramo específico de negócio tivesse sido convencionado no contrato, [como não foi: as partes apenas convencionaram que o prédio, ou parte do prédio arrendado, se destinava ao comércio do arrendatário]; (e) Não se verifica por conseguinte uso para fim diverso do acordado. 6. O recurso está pronto para julgamento. 7. Para além do motivo encerramento da loja, e que não está já em discussão, a sentença recorrida justificou o insucesso dos recorrentes por ter considerado que, transformado embora, o objecto do comércio do arrendatário era o mesmo de sempre. Na verdade, o armazenamento de pneus recauchutados para venda a retalho demonstra-se auxiliar necessário do bom desempenho no ramo. Por outro lado, fora para o comércio dela, para esse especificamente, que o locado fora entregue à despejanda. Contudo, o que parece resultar da fórmula contratual é a permissão de todo e qualquer comércio, de toda e qualquer actividade comercial ao arrendatário. Ora, o armazenamento para venda de pneus recauchutados, é em si mesmo uma actividade comercial: permitida, por isso, pelo contrato. Assim, não procede manifestamente o intento recursivo: nunca estaria preenchido o motivo de resolução do arrendamento invocado. 5
8. Atento o exposto, visto o art. 64/1.b RAU, decidem manter inteiramente a sentença recorrida. 9. Custas pelos Ap.es, sucumbentes. 6