Acordam no Tribunal da Relação do Porto
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- Sofia Sanches Santos
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1 PN ; Ap: TC Porto, 1ª Vara; Ape 2 : Maria Emília Ferreira Silva Aroso, Rua Padre Luís Campos, 1014, Vermoim, Maia; Apo 3 : Companhia Geral de Crédito Predial Português, SA, Lisboa, e Filial na Rua Júlio Dinis, 796, Porto Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Na 1ª instância, a Ape foi condenada a pagar ao Apo, por si e pelos bens da herança de Mário Fernando da Silva Aroso, a quantia de Pte $90, acrescida de juros, e imposto de selo sobre os juros, desde Inconformada, concluiu: (a) A R. e o marido separaram-se de facto em 1991, passando ela a residir na casa das filhas e à custa destas; (b) Não beneficiou pois, a partir de então, dos proventos do marido, comerciante; (c) Depois, em 93.05, o marido deixou a casa de morada da família, onde a R. já nem residia, desaparecendo ele para o Brasil; (d) Por outro lado, a conta a descoberto que está em causa era exclusivamente movimentada pelo varão, tendo sido constituída a dívida após a separação de facto; (e) Mas o tribunal não relevou os documentos donde estas circunstâncias resultam, e em contrariedade com o disposto nos arts ss CC; 1 Vistos: Des. Ferreira de Sousa (296) Des. Paiva Gonçalves (1092). 2 Adv.: Dra. Susana Matos Ferreira, Rua Joaquim Lagoa, 17 6º Dto., Ermesinde. 1
2 (f) Contudo elidiam a presunção e o proveito comum do casal; (g) Saber se uma dívida foi ou não contraída em proveito comum do casal depende da intenção com que a divida foi contraída, não dependendo do seu resultado prático efectivo, e é ao autor que incumbe demonstrá-lo, Ac. STJ, , mas o A. não alegou e muito menos demonstrou esta circunstância; (h) Assim o Tribunal recorrido violou o disposto no art. 342 CC; (i) Também segundo o mesmo Acórdão, o facto de o dinheiro ter sido depositado numa conta solidária não é suficien6te para fazer concluir pelo proveito comum do casal: só se ambos os conjuges tirassem proveito dessa mesma conta; (j) Porém, inexiste nos autos qualquer alegação da A. quer sobre a intenção do marido quer sobre o efectivo proveito comum; (k) Ao tê-lo como comprovado, o tribunal violou o disposto no art. 264/2 CPC; (l) Resulta ainda assim da matéria provada: a R. Emília era doméstica, não se intrometia na actividade profissional do marido, nela não participava e desconhecia financiamentos que tais; (m) O proveito comum do casal é contudo resultado de um acto de administração ordinária do cônjuge, pelo que importava averiguar ainda se no caso se tratou de actos de administração ordinária ou extraordinária, arts e 1691/1c CC; (n) Ora, segundo o Ac STJ , o descoberto é um acto de administração extraordinária; (o) Assim, o tribunal violou o disposto nos cit. arts. CC; (p) Pugna desta forma a Ape pela não comunicabilidade da dívida; (q) Razão pela qual a cobertura da conta bancária com saldo devedor deverá ser considerada da exclusiva responsabilidade do marido, absolvida por isso a recorrente do pedido. 3. Não houve contra-alegações. 3 Sol. : Daniel Lopes Cardoso, Praça 25 de Abril, 77 1º Esq., 4430 VN Gaia. 2
3 4. A acção foi inicialmente proposta contra marido e mulher, titulares da conta solidária com saldo negativo em causa, mas, falecido Mário da Silva Aroso, foi habilitada a Ape como única e universal herdeira deste, perante o repúdio da herança, por parte dos filhos do casal. 5. Ficou provado: (1) A A. exerce a actividade bancária; (2) Em , os RR abriram na agência da A. na Maia uma conta à ordem com o nº /001; (3) Tal conta foi movimentada a crédito e a débito por lançamentos de depósitos, transferências, cheques, desconto e pagamento em conta corrente de letras e livranças; e os extractos foram-lhes regularmente remetidos; (4) Em , tal conta foi encerrada, porque apresentava um saldo negativo de Pte $00; (5) Instados para o regularizarem, os RR nada pagaram à A.; (6) O valor referido em (4) resulta de pagamentos efectuados pela A. no âmbito da conta à ordem, por força da prática estabelecida e da confiança existente; (7) Os RR foram casados um com o outro, tendo-se dissolvido o casamento por morte do R. Mário da Silva Aroso, ; (8) Os financiamentos referidos em (4) foram obtidos na constância do matrimónio dos RR, e no exercício da actividade de construtor civil do marido; (9) Na verdade, o marido da R. Emília exercia a profissão de construtor civil por conta própria, construindo e comercializando prédios; (10) A R. Emília era doméstica; não se intrometia na actividade do marido, nela não participava e desconhecia tais financiamentos; (11) Devido à crise na actividade profissional do marido, a R. Emília, em 1991, passou a residir na casa dos filhos e à custa destes; 3
4 (12) O marido da R. Emília saiu de casa [da morada de família] nos princípios de 05.93, e desde então ela nunca mais soube do paradeiro de Mário, até à data da morte deste; (13) O marido da R. Emília fugiu para o Brasil, deixando por pagar a quantia em debate, e outras, a que tinha de acorrer por força da sua actividade; (14) Os bens do casal foram penhorados e vendidos para satisfazer dívidas contraídas pelo marido da R. Emília na actividade profissional que tinha; (15) A casa onde a R. Emília viveu até 1991 também foi vendida para satisfazer dividas contraída pelo marido da R. na mesma actividade profissional; (16) A R. Emília não tem outros bens ou rendimentos, além, da pensão de Pte $ A convicção do tribunal repousou no documento sobre o património da R. emitido pela J.F. da Maia e na última declaração para efeitos do IRS apresentada por Mário Fernando da Silva Aroso; nos depoimentos, com conhecimento dos factos, prestados pelas filhas da R., coerentes e sinceros. Quanto à resposta negativa a Q6 4, a mesma ficou a dever-se ao facto de ter resultados dos depoimentos referidos que até 1991 era o marido da R. quem, com os rendimentos auferidos na actividade profissional dele, suportava as despesas do encargo familiar, deixando de o fazer a partir do momento em que deixou de obter rendimentos profissionais, e face à crise que se fez sentir por força do período de cerca de 6 meses em que esteve hospitalizado; foi este facto, apurado no decurso da inquirição das testemunhas justificou a resposta restritiva a Q A decisão recorrida baseou-se nos tópicos: (1) legalidade da relação contratual de facto (nascida de um comportamento social típico) correspondente ao descoberto bancário tal como concessão de crédito para acudir a dificuldades de tesouraria, imprevistas e momentâneas, dos clientes de confiança, sem necessidade 4 Q6. A R. não tirou qualquer proveito para si e para os filhos dos financiamentos [correspondentes às entregas de numerário efectuadas em benefício de terceiros pelo A. no âmbito da conta à ordem, por força da prática estabelecida e da confiança existente] que deram origem ao [saldo negativo da mesma]? Não provado. 4
5 de instruções escritas ao banqueiro; e (2) responsabilidade pela correspondente dívida dos titulares da conta. Assim, foi afastada a questão da comunicabilidade, muito embora tenha sido afirmado também que sempre existiria proveito comum se a dívida tivesse sido contraída com a intenção de beneficiar o casal, independentemente dos resultados concretos: tem relevância é a expectativa de um benefício para ambos. 6. O recurso está pronto para julgamento. 7. A recorrente foi habilitada como única e universal herdeira do marido. Não impugna a dívida, apenas defende que ela própria não responde por ela, por ser incomunicável, i.é, da responsabilidade exclusiva do cônjuge falecido. Também ficou provado que. não existe património hereditário, e que a R. nada tem de seu, beneficiando apenas de uma pensão social, impenhorável. Pode pôr-se por conseguinte o problema de não ter verdadeiramente um interesse recursivo relevante. Assim haveria de não tomar-se conhecimento da Apelação. Entende-se pelo contrário que a virtualidade, sempre presente, da aquisição de melhor fortuna faz ancorar o desígnio de Maria Emília, e no sentido justamente de se libertar da responsabilidade pessoal para com o Banco, num plano e lugar da apreciação de mérito, consolidada. 8. A prática do descoberto bancário parece não poder reconduzir-se ao modelo explicativo das relações contratuais de facto em que a assunção livre de um comportamento social tipificado gera um vínculo de reciprocidade, correspondente a uma contrapartida em numerário pelo benefício de um serviço, normalmente oferecido ao público. Na verdade, o descoberto bancário nada mais é que o efeito de um dos múltiplos negócios possíveis entre o banqueiro e o cliente, após a celebração do contrato de 5 Devido à condução ruinosa pelo marido da actividade profissional que ele tinha, em finais de 1991, a R. passou a residir em casa das filhas e à custa destas? Provado apenas que, devido à crise na actividade profissional do marido a R., em 1991, passou a residir na casa das filhas e à custa destas. 5
6 abertura de conta. Sabido é porém que este momento inicial do relacionamento bancário não introduz, muito pelo contrário, qualquer compulsão contratante. Assim, teria de ter sido alegado e provado que o descoberto correspondeu a um desígnio contratual em espécie. O A. bastou-se com a indicação do perfil de conta corrente da conta bancária aberta, mas não podem ser inscritos a crédito ou a débito movimentos senão consensuais, e segundo a causa em si mesma do contrato de abertura de conta. No entanto, na contestação da R. foi aceite que o descoberto correspondia a financiamentos, os quais necessitavam da intervenção do cônjuge, dado o casamento estar na comunhão geral. É pois possível, independentemente da correcção ou não do inciso final, discutir o descoberto em causa como efeito de um financiamento bancário, i.é, de um empréstimo remunerado de numerário pedido pelo e concedido ao cliente do banqueiro. Empréstimo mercantil, sem dúvida, perante a qualidade de comerciantes dos intervenientes, ausente de comprovação vinculada 6. Ora, a própria recorrente invoca na minuta os extractos da conta que dão suporte à voluntária aceitação do descoberto e à finalidade deste na constelação das actividades profissionais e mercantis do marido. Mas também dessa documentação resulta, aliás em consonância com o que ficou provado em geral, que a Ape não interveio nessas operações bancárias, não obstante ser titular da conta também. Por outro lado, a justificação da resposta negativa ao quesito sobre a afectação das quantias mutuadas ao proveito comum não pode convencer, porque em si mesma denuncia explicitamente um conceito formal e inaceitável de proveito comum, préjuizo em absoluto condicionador da aquisição probatória: certo é ter o marido deixado de suportar as despesas do casal a partir de 1991, data em que a mulher passou a ser sustentada pelos filhos, em autonomia. 6 Vd. Ac. RL, , SJ, 1980, 3/182: O descoberto é uma operação de empréstimo em dinheiro pelo qual o Banco consente que o seu cliente saque para além do saldo existente na conta de que é titular, até um certo limite e por determinado prazo; se a operação bancária for realizada entre dois comerciantes será de observar quanto à prova o disposto no art. 396 C.Com., não tendo aplicação o art. 485d CPC, considerando-se provado o empréstimo à luz do art. 484/1 deste último diploma. 6
7 Mas porque a justificação do juízo sobre este ponto da matéria de facto se demonstra proficiente e reveladora do erro de apreciação, estão presentes no processo todos os elementos bastantes para a alteração, art CPC. Deste modo dá-se como provado a R. não tirou qualquer proveito para si ou para os filhos dos financiamentos em causa. 9. Não tendo tido então qualquer papel activo ou suposto na obtenção dos empréstimos bancários dos debates, nem o produto desses tendo sido afectado ao proveito comum do casal, disperso entretanto o centro de imputação (material e contábil) dos interesses e despesas a que acorriam os proventos do comércio do marido, tem razão a recorrente: a dívida não é comunicável. 10. Assim sendo, visto o disposto no art. 1691/1d CC, decidem revogar a sentença recorrida no que diz respeito à condenação da Ape a pagar por si, e não apenas pelos bens da herança do marido, a quantia do pedido. 11. Custas pelo Apo, sucumbente. 7
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