Sumário: Registo definitivo de transformação de sociedade comercial. Pedido de retificação do mesmo. Indeferimento liminar.

Transcrição

1 Proc.º n.º R. Co. 26/2012 SJC-CT Sumário: Registo definitivo de transformação de sociedade comercial. Pedido de retificação do mesmo. Indeferimento liminar.. Recorrente: Amílcar., representado pelos advogados Carlos e Maria Recorrida: Conservatória do Registo Comercial de... Relatório 1 Em 3 de novembro de 2011, a coberto da ap., foi introduzido na Conservatória referenciada em epígrafe o pedido de registo de transformação em sociedade anónima e designação dos membros dos órgãos sociais e do secretário da sociedade «.. Investimentos, SGPS». O processo registal foi instruído com uma cópia da acta notarial lavrada em 31 de outubro de 2011, e com o respectivo pacto social actualizado, constando daquela, naturalmente, os pontos sobre que cumpria deliberar, nos termos da convocatória, designadamente, sobre a eleição dos membros do conselho fiscal, para o triénio de 2011/2013. Quanto a este ponto refere-se, expressamente, no decurso da reunião que ainda não foi apresentada proposta de composição do fiscal único e do seu suplente por estar em curso o processo de consulta. Do pacto social atualizado resulta que são órgãos sociais, além de outros, o conselho fiscal (artigo 10.º) e que a composição do conselho fiscal será composto por um fiscal único, que será revisor oficial de contas (artigo 20.º). 2 O registo foi efetuado como provisório por dúvidas, tendo a senhora conservadora proferido o correspondente despacho de qualificação e procedido à correspondente notificação ao interessado bem como à anotação desta na respetiva ficha de registo em 21 de novembro de Em 12 de Abril de 2012 o registo em causa foi convertido em definitivo, completando-se no sentido de que a fiscalização pertence a um fiscal único. 1

2 Através do instrumento notarial apresentado para titular o averbamento de conversão do registo de transformação da sociedade em anónima, que foi outorgado com a intervenção e subscrição da então presidente da assembleia geral, procedeu-se à retificação da ata notarial outorgada em 31 de outubro de 2011, no tocante aos lapsos de escrita revelados pelo contexto do pacto social (artigos 10.º, n.º 1, alínea c), 20.º e 21.º), substituindo-se, em conformidade, a expressão «Conselho Fiscal» por «Fiscal Único». 4 Em 9 de maio de 2012 foi instaurado um processo de retificação do registo definitivo da transformação da referida sociedade pelo sócio Amílcar.., ao abrigo do preceituado no artigo 82.º do CRC, que invoca os fundamentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e dos quais extraímos a seguinte súmula: 4.1 O requerente foi surpreendido com a conversão do registo com base no documento apresentado, uma vez que uma deliberação social tomada em assembleia geral apenas pode ser alterada através de nova assembleia geral, regulamente convocada ou constituída, e não mediante um instrumento notarial pretensamente retificativo de «meros lapsos de escrita». 4.2 É que existem verdadeiros motivos de dúvidas, que se mantém, já que não se sabe se foi aprovado o modelo de fiscalização assente no Conselho Fiscal se no Fiscal Único devido ao facto de constar de diversos artigos do contrato social submetido a votação, bem do ponto 4 da ordem de trabalhos, a referência a conselho fiscal. 4.3 Nestes termos, como se poderá decidir com segurança, em face do texto da ata que acolhe a deliberação da assembleia geral e do pacto, sobre a vontade real dos sócios? A interpretação de uma deliberação como foi efetuada no instrumento notarial ultrapassa largamente o conceito de «meros lapsos de escrita», sendo nulo qualquer documento que altere o conteúdo de uma ata, sem a intervenção de todos os sócios. 4.4 Com efeito, a vontade da sociedade exprime-se através das deliberações tomadas por qualquer uma das formas admitidas por lei para cada tipo societário artigo 53.º do CSC, pelo que é inadmissível que, contornando as regras legais, e após a existência de duas assembleias gerais onde se tentou, 2

3 em vão, aquela retificação, esta venha a ser inserta em instrumento notarial e seja aceite na conservatória. 4.5 O requerente sublinha ainda que já instaurou uma ação, registada sob a ap.., de 9 de dezembro de 2011, na qual peticiona que seja declarada a anulação das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade Investimentos, SGPS, Lda., em 31 de outubro de 2011, através das quais se aprovou, designadamente, a transformação desta em sociedade anónima e se procedeu à eleição dos órgãos sociais para o triénio de 2011/ Por fim, solicita que o averbamento de conversão seja cancelado, porque indevidamente lavrado, e que a inscrição de transformação da sociedade, permaneça como provisória por dúvidas. 5 A senhora conservadora indeferiu liminarmente o pedido, por ser manifestamente improcedente, uma vez que o instrumento notarial retificativo apresentado para remoção das dúvidas apenas corrige lapsos de escrita não alterando em nada a deliberação tomada em 31 de outubro de 2011 que aprovou a transformação da sociedade e a designação dos órgãos sociais. 6 Inconformado, o requerente interpõe o presente recurso hierárquico, renovando na petição os argumentos expendidos no requerimento de retificação e solicitando, a final, que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, que o averbamento de conversão da inscrição de transformação da sociedade seja cancelado e declarada a caducidade da referida inscrição, pelo decurso do prazo previsto no n.º 3 do artigo 18.º do CRC. 7 A sociedade. Investimentos SGPS, S.A., representada pelo advogado Cabral, notificada para os termos do n.º 4 do artigo 88.º do CRC, vem, além de salientar a admissibilidade e validade jurídica do instrumento notarial, subscrever o despacho de indeferimento proferido pela recorrida, pedindo, consequentemente, que o recurso hierárquico seja julgado improcedente. 8 Expostas as posições em confronto cumpre apreciar visto que o processo é o próprio, as partes têm legitimidade, o subscritor da petição de recurso e subscritor da impugnação da contra-interessada se encontram devidamente mandatados, sendo o recurso tempestivo e inexistindo questões prévias ou prejudiciais que obstem ao conhecimento do mérito. 3

4 II Fundamentação 1 O processo especial de retificação de registos encontra-se consagrado e regulamentado nos artigos 81.º e segs. do Código do Registo Comercial (CRC). Os registos inexatos ou indevidamente efetuados devem ser retificados pelo conservador logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado ainda que não inscrito, como decorre do prescrito no n.º 1 do artigo 82.º do CRC. O pedido de retificação formulado pelos interessados que se prefigure como manifestamente improcedente, como é o caso dos autos, deve ser liminarmente indeferido mediante a prolação de despacho devidamente fundamentado, notificado nos termos e para os efeitos legais cfr. o que dispõe o n.º 1 do artigo 88.º do CRC. A aludida decisão admite refutação mediante recurso hierárquico a interpor para o presidente do IRN, I.P., nos termos do prescrito no artigo 101.º e segs. do CRC, ou impugnação judicial para o tribunal da comarca da área da circunscrição a que pertence a conservatória, como decorre da análise conjugada do disposto nos artigos 88.º, n.º 2, e 92.º e segs., ambos do referido Código. O requerente, in casu, optou pela via hierárquica, tendo a interessada não requerente sido devidamente notificada, por força do disposto no n.º 4 do citado artigo 88.º, para, querendo, impugnar os fundamentos do recurso hierárquico, faculdade que tempestivamente exerceu. 2 Devido à Reforma de 2006, o direito português das sociedades comerciais, subordinadas ao tipo anónimas, alargou substancialmente o leque das várias hipóteses organizativas colocadas à escolha dos interessados, como decorre do prescrito no artigo 278.º do CSC, na sua nova redação. Dos possíveis modelos aí consagrados, atentemos no regime do modelo monista latino, plasmado no n.º 1 do aludido preceito, por ser neste que a questão controvertida nos autos é subsumível, o qual corresponde a um modelo de conselho de administração com conselho fiscal ou, apenas, de administrador único (se o capital societário não exceder euros artigo 390.º, n.º 2), ou 4

5 fiscal único, variante esta admitida nos termos do n.º 2 do artigo 278.º do referido Código. 3 O capital social da sociedade comercial «Investimentos, SGPS, S.A» é de euros pelo que a administração não poderia ficar reduzida a um administrador único, como aliás não ficou, por força das prescrições supra citadas. Contudo, para a estrutura da fiscalização já a lei não impõe qualquer critério restritivo em função do capital social, podendo, assim, obedecer ao modelo de fiscal único. A adoção por este tipo de fiscalização implica a existência forçada de um suplente, como decorre da análise conjugada do disposto na alínea a) do n.º 1, e n.º 3 do artigo 413.º do CSC. 4 Ora, compete aos sócios deliberar sobre determinados assuntos da sociedade, designadamente sobre a transformação da sociedade (artigos 130.º e segs.) e respetiva estrutura da fiscalização, podendo tais deliberações ser consignadas em ata (artigo 63.º do CSC), como aconteceu no caso em apreço nos autos. Do ponto 4 da ordem de trabalhos consta, realmente, que se visa deliberar sobre a eleição dos órgãos sociais mesa da assembleia, conselho de administração e conselho fiscal. No entanto, quanto ao referido ponto foi aprovada, em lista anexa rubricada por todos os presentes, a composição da mesa da assembleia e do conselho de administração, tendo a presidente da assembleia declarado «não ter sido apresentada proposta de composição do fiscal único e seu suplente por estar ainda em curso o processo de consulta». 4.1 Daqui se infere, com razoável clareza, que a opção da sociedade no que concerne à estrutura da fiscalização é pelo fiscal único e suplente, não obstante se encontre no texto da ata e no do pacto social, por diversas vezes, a alusão ao conselho fiscal. 5 Com efeito, da documentação apresentada parece, de certo modo, resultar que a utilização da expressão «conselho fiscal» é feita no sentido de 5

6 fiscalização, uma vez que, depois, no concreto, se procede à aprovação do fiscal único e do seu suplente. Disso mesmo é bem ilustrativo o excerto extraído do n.º 1 do artigo 20.º do pacto social que a seguir se transcreve: «O conselho fiscal é eleito em assembleia geral e será composto por um fiscal único ( )». Ora, como se sabe, a composição quantitativa do conselho fiscal corresponde, pelo menos, a um número mínimo de três membros efetivos e a um ou dois membros suplentes, por força do prescrito nos n.ºs 4 e 5 do artigo 413.º do CSC, pelo que não se aceitando a interpretação do referido artigo 20.º no sentido proposto tal equivaleria a esvaziá-lo de qualquer significado coerente e aceitável, já que um determinado tipo estrutural não pode abarcar na sua composição quantitativa a respeitante ao outro tipo. Acresce, ainda, que outra leitura deverá também ser repudiada por não ser nada crível que a assembleia geral pretendesse deliberar contra disposição imperativa legal, isto é, aprovar uma composição quantitativa do conselho fiscal em flagrante oposição ao que se encontra plasmado no aludido artigo 413.º e que, ipso facto, enfermaria, manifestamente, de nulidade. Sendo assim, o teor da ata que acolhe a deliberação social pode (devia mesmo) ser objeto de uma interpretação corretiva que conduziria, de igual modo, ao resultado atual, vale por dizer, à elaboração do registo da transformação da sociedade em termos definitivos, com a menção de que a estrutura da fiscalização respeita ao fiscal único. Tratando-se, na verdade, de harmonização da terminologia utilizada nos documentos apresentados cuja divergência consiste em imprecisão dos conceitos, facilmente detetável, ou, concede-se, em meros lapsos de escrita, a retificação em causa não consubstancia qualquer alteração do conteúdo da deliberação, pois, se tal acontecesse, exigia-se então, sem margem para qualquer dúvida, uma nova deliberação social tomada nos termos legais. 5.1 No caso em apreço nos autos, verificamos que o registo foi efetuado como provisório por dúvidas devido à contradição relativa à composição da fiscalização entre o constante do artigo 10.º (que fala em conselho fiscal), e o 6

7 fixado no artigo 20.º do contrato e, ainda, com o constante do ponto 4 da ordem de trabalhos e o que resulta da discussão desse mesmo ponto. Com base em instrumento notarial retificativo da ata da reunião da assembleia geral e do pacto social atualizado, juntos em sede de suprimento de deficiência, a conservatória procedeu à conversão do registo cujo pedido data de 16 de Abril de 2012, por entender, como já se referiu, tratar-se de lapsos de escrita e não de alteração do conteúdo da deliberação tomada em 31 de outubro de A conversão do registo mostra-se, assim, corretamente efetuada, não padecendo de erro ou inexatidão, pelo que não há que proceder a qualquer retificação. É que não se pode ignorar que até os atos notariais exarados em livros de notas são suscetíveis de correção, em relação aos simples erros de escrita revelados pelo contexto do ato, como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 132.º do Código do Notariado. 6 Salientamos, por fim, que a existência do registo da ação (ap./ ), prévio em relação ao pedido do averbamento de conversão, não obstaculiza a concretização deste, sabendo-se que a data do registo da transformação é a data da sua elaboração como provisório e não a data da sua conversão em definitivo cfr. o que dispõem os artigos 45.º, 54.º, e 55.º, n.ºs 1 e 4, todos do CRC. Por outro lado, e ainda que da procedência da ação resultasse o cancelamento da aludida inscrição, não seria por mor do averbamento de conversão efetuado que tal desiderato seria inviabilizado. Perante o exposto, a posição deste Conselho vai expressa na seguinte 7

8 Conclusões I A interpretação corretiva dos títulos não está vedada por os mesmos consubstanciarem deliberações sociais tomadas nos termos do artigo 53.º do Código das Sociedades Comerciais, ponto é que o conteúdo destas permaneça inalterado. II De igual modo, também os meros lapsos de escrita revelados pelo contexto do ato podem ser expressamente corrigidos, desde que daí não decorra qualquer alteração do sentido da deliberação social consignada na ata rectificada. Em conformidade com o exposto, entendemos que o presente recurso hierárquico não merece provimento Parecer aprovado em sessão do Conselho Consultivo de 25 de janeiro de Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, relatora, Luís Manuel Nunes Martins, Carlos Manuel Santana Vidigal, Ana Viriato Sommer Ribeiro. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em