PN 1594.001 ; Ap: TC Peso da Régua; Ap.e2: ; Ap.o: MP. Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. O ap.e insurge-se contra a decisão pela qual foi judicialmente reconhecido como pai do menor : (a) O tribunal recorrido assentou a convicção, em primeira linha, no depoimento da mãe do menor; (b) Acontece que este depoimento foi tomado e prestado assumindo ela a qualidade de testemunha; (c) E assim foi valorado pelo tribunal; (d) Sucede porém que o depoimento de, mãe de, poderia e deveria ter sido prestado nos termos do art. 553/2 CPC; (e) Ou seja, na qualidade de representante legal do filho, para assim serem valoradas, sem ambiguidades, as declarações que prestou; (f) Daqui se conclui que não podia ser ouvida como testemunha, pois era inábil; (g) Mas, como o depoimento foi determinante para a determinação da matéria de facto, sendo ela inábil, aquela matéria é nula; 1 Vistos: Des.); Des. 2 Adv.: Dr. 1
(h) Determinando a nulidade da sentença recorrida, por violação expressa dos arts. 512 e 617 CPC; (i) Por outro lado, a decisão recorrida condenou ainda o ap.e como litigante de má fé, por ter negado factos pessoais; (j) Ora o que sucedeu foi não ter o R. provado a tese defendida; (k) Circunstância que não faz dele um litigante de má fé, agindo com dolo ou com desígnio malicioso; (l) Não agiu por conseguinte de modo censurável; (m) Deve a sentença ser revogada. 2. Nas contra alegações, o MP defendeu a manutenção do julgado: (a) A presente acção foi instaurada ao abrigo dos arts. 205 OTM e 1865, 1866 CC, e não em representação de : estamos em presença de uma acção oficiosa de investigação de paternidade em que é A. o Estado, representado pelo MP3; (b) Não sendo o menor parte, não existe qualquer obstáculo legal a que a mãe deponha como testemunha4; (c) Por outro lado, o R. negou rotundamente ter tido qualquer trato sexual com a mãe do menor, mas afirmação falsa, como bem sabia; (d) Violou por conseguinte os deveres de probidade e lealdade processuais impostos às partes, agindo com manif esto dolo; (e) Tanto mais que inviabilizou a realização de exames hematológicos, faltando sempre; (f) Omitiu assim, grave e escandalosamente, o dever de cooperar para a descoberta da verdade5; (g) Deve ser mantida inteiramente a decisão recorrida. 3. Ficou provado: 3 Vd. Ac. RP, 76.02.18, CJ, I, 1/102. 4 Vd. arts. 616, 617 CPC; Ac. RP, 76.04.21, CJ, I, 1/153. 5 Vd. arts. 266 e 519 CPC. 2
(a) Em 92.06.12, nasceu, o qual foi registado apenas como filho de Carreira; (b) Entre a mãe do menor e o R. não existe qualquer laço de parentesco ou afinidade; (c) A presente acção foi julgada viável por despacho proferido no TC Peso da Régua; (d) O R. e a mãe do menor mantiveram um com o outro, pela primeira vez, na primeira quinzena de 08.91, relações sexuais de cópula completa; (e) A partir de então o R., com regularidade, copulou inúmeras vezes com, a qual abandonou poucos dias antes do nascimento de ; (f) A mãe do menor apenas com o R. manteve relações sexuais nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento de ; (g), pelo menos desde o nascimento da filha, até ao nascimento de, foi um rapariga recatada e nunca foi vista com outro homem que não fosse o R.. 4. O tribunal adquiriu a convicção quanto à matéria assente através do depoimento da mãe do menor,, e do depoimento de da, tia daquela: (a) A primeira contou em tribunal as circunstâncias em que se desenrolou o seu relacionamento de namoro e sexual com o R., e com indicação do período de tempo em que isso aconteceu; (b) Negou qualquer ligação com outro homem nesse período de tempo; (c) Revelou não ter qualquer dúvida sobre a circunstância de ter nascido, no final de um período de gestação normal, e na sequência das relações sexuais de cópula completa que manteve com o R.; 3
(d) A segunda demonstrou conhecimento da relação de com o R., encontrando-se os dois variadíssimas vezes, durante o período de tempo em causa; (e) Atendeu chamadas telefónicas do R. para a, que residia com o depoente, através das quais marcaram encontros, com menção do momento e lugar onde ocorreriam; (f) Confirmou a inexistência de outros homens na vida de período de tempo referido nas respostas aos quesitos; (g) Os depoimentos das testemunhas mostraram-se sinceros e convenceram da veracidade; (h) Não foram minimamente infirmados ou postos em crise pelos depoimentos das testemunhas arroladas pelo demandado, ouvidas em julgamento, que nada de relevante disseram ou demonstraram saber. no 5. A decisão recorrida fundou-se na prova de que a mãe de só com o ap.e teve relações de cópula no período de concepção do filho, daí resultando, em termos de conclusão jurídica, demonstrada a paternidade biológica do menor relativamente ao R.. Por motivo de o ap.e ter negado factos pessoais, designadamente o relacionamento sexual com a mãe de, considerou que fez obstrução consciente e propositada à verdade, e que fez do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de impedir a descoberta da verdade ou, pelo menos, de entorpecer a acção da justiça, quando faltou sempre aos exames hematológicos, por várias vezes agendados. Condenou, nos termos dos arts. 456/1.2 a.d. CPC e 102 a CCJ, na multa de 8 uc.s. 6. O recurso está pronto para julgamento. 7. Por um lado o tribunal firmou a convicção que perpassa nas respostas aos quesitos sobre a matéria de facto no depoimento de mais do que uma testemunha; depois, 4
como bem sustenta o digno Procurador-Geral adjunto, nada inibe a mãe de de ser testemunha: o interesse primordial em jogo é o interesse público da atribuição da responsabilidade parental. Não tem pois a posição de parte, neste enquadramento, que é o da lei, e o da lei sem ambiguidade; mas que a tivesse, sempre o tribunal poderia e deveria ouvi-la, dado que a matéria do depoimento é respeitante a um momento ou uma fase da vida por ela vivida, em circunstâncias que normalmente são de íntima reserva ou conhecidas de um restrito círculo de amizades ou familiares6. Por outro lado, destinando-se o depoimento de parte, agora noutra perspectiva, a perspectiva do mero interesse dos litigantes, a obter a confissão, não tem qualquer sentido jus-processual colocar o problema como faz o ap.e: quando muito deveria defender pura e simplesmente a proibição do meio de prova, acaso viesse a incidir sobre matéria subtraída à livre disponibilidade. Acontece que não é assim, o depoimento incide sobre circunstâncias de facto a partir das quais se pode estabelecer a presunção judicial da paternidade, que aqui joga, sem dúvida, no plano da oficiosidade. Não envolve confissão, por conseguinte; nem é uma prova de exclusiva iniciativa dos litigantes. Não têm pois valia os argumentos do recorrente quando defende a nulidade do apuramento dos factos em que se baseou a sentença, os quais na verdade sustentam por inteiro a decisão em face do ordenamento. Também não sofre dúvida a condenação do ap.e como litigante de má fé não propriamente por não ter admitido o relacionamento com a mãe de, mas por isso em conjunção com a circunstância de se ter furtado aos exames de comprova geracional com base no estudo do sangue, já divulgados como meio seguro de despistagem, junto do comum saber e da opinião pública. Denotam uma falta grave ao dever de cooperar, de intensa origem negligente, dado se ter desenvolvido ao longo de muito tempo e por muitas vezes (3, durante o processo de averiguação oficiosa, 93.06.21, 93.12.06 e 94.02.02; depois, pelo menos 3 por doença, 97.04.28, 97.11.05 e 98.05.25; outra no Hospital da Régua, em 99.04.20, por motivos de carácter religioso e familiares, não obstante ter requerido a recolha de sangue no 6 Vd. arts 552/1 e 554/1 CPC, e sobretudo art. 1865/1 CC. 5
IML Porto, por se encontrar em vias de alterar para aquela cidade a residência, 99.03.18. 8. Atento o exposto, vistos os arts. 456/2 c. e 116, 617 CPC decidem manter inteiramente a sentença recorrida. 9. Custas pelo ap.e, sucumbente. 6