Acordam no Tribunal da Relação de Évora

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Maria Clara Pais de Escobar
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1 PN 1229/00 1 ; AG: TC. Elvas; Ag.e: Luis Marcelino Domingues Pires Carrilho, Urbanização Quinta dos Arcos, Rua Elvino José Jantarão, lote HC, 1 r/c B, Elvas; Ag.a: Maria Amélia Simões Fernandes Carrilho, Bairro Europa, Rua de Lisboa, 9, Elvas. Acordam no Tribunal da Relação de Évora 1. Em processo de inventário, o Ag.e requereu a suspensão da instância até à decisão final de processo-crime por si intentado contra a Ag.a, cabeça de casal (crime de falsificação de testamento, entre outros conexos). 2. A Ag.a opôs-se: a) O processo criminal não é o meio idóneo para obter a anulação de um testamento; b) Trata-se de manobra meramente dilatória; c) Tanto mais que o interessado não interpôs acção de anulação; d) Da suspensão advêm maiores prejuízos do que do prosseguimento do inventário, que nenhuns causará. 3. A pretensão foi desatendida: a) Na pendência do inventário, as questões relativas à definição dos direitos dos interessados na partilha que, atenta a natureza e complexidade da lide, não devam ser logo decididas, dão lugar a suspensão de instância até à decisão 1 MP (812); SC (133). 1

2 (intercalar) definitiva, remetendo o julgador às partes para os meios comuns, quando os bens se mostrem já relacionados (art. 1335º/1 CPC); b) Pode ainda ordenar-se a suspensão da instância, nos termos dos arts. 276º/1.c. e 279º CPC, designadamente quando estiver pendente causa prejudicial relevante; c) Segundo os dispositivos invocados, uma acção de anulação de testamento é, sem dúvida, questão prejudicial de que depende a definição dos direitos dos interessados na partilha, e que deve dar lugar a suspensão do inventário; d) Mas o mesmo não se pode afirmar em relação a uma participação de natureza criminal contra a cabeça de casal, tendo em vista uma futura interposição da acção de anulação de testamento: do processo-crime apenas poderá resultar a definição de responsabilidade penal. 4. Concluiu o Ag.e: a) Está em causa a partilha de bens de um casal, por óbito do progenitor do recorrente, que terá deixado testamento, cuja eficácia se encontra posta em causa (diminuição das faculdades mentais; bem assim, actuação determinante da recorrida merecedora de censura, por consubstanciar actos de natureza criminal), e de modo a poder ter reflexos na determinação do valor dos quinhões hereditários; b) Assim, feita a participação criminal, com vista à prova de tal procedimento danoso, tudo se conjuga no sentido de ser determinada a suspensão de instância, até conclusão do processo-crime; c) A decisão recorrida, não a concedendo, violou o disposto no art. 279º CPC; d) Deve ser revogada e substituída por outra em sentido contrário. 5. Nas contra-alegações disse a Ag.a: a) O recorrente, decorridos 4 anos, não intentou, nem fez prova de ter intentado, qualquer processo pondo em causa a validade do testamento do autor da herança; 2

3 b) A queixa-crime que apresentou contra a recorrida, para além de não ter qualquer fundamento, nunca poderia conduzir a que em processo-crime fosse decretada a nulidade de um testamento; c) Aliás, qualquer arguição da consistência do crédito da cabeça de casal [envolvido na queixa-crime] também não justifica a suspensão de instância; d) Tanto mais que está já assente nos autos de inventário, por decisão transitada em julgado, a existência desse crédito e a proveniência do dinheiro que esteve na sua origem; e) O recorrente nem sequer afirma que esteja em falta a relação de qualquer bem que integre a herança, o que de facto não sucede; f) Assim, o pedido de suspensão da instância é simples manobra dilatória, que evidencia claramente a má fé do recorrente, o qual não pode ignorar a falta de fundamento da pretensão; g) Deve ser julgado improcedente o agravo; h) E condenado o Ag.e como litigante de má fé, em multa e indemnização a fixar segundo o prudente arbítrio dos julgadores. 6. Segundo os documentos que integram o presente agravo, dá-se por assente: a) Corre pelo 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Elvas o processo de inventário com o nº 122/97, em que é inventariado Júlio da Conceição Santos Carrilho, requerido pelo Ag.e e em que foi nomeada cabeça de casal a viúva (Ap.a); b) O Ag.e reclamou da relação de bens, não aceitando o passivo relacionado, que a cabeça de casal não documentou; c) A reclamação foi indeferida, com trânsito; d) Estando já designado dia para a conferência de interessados, o Ag.e requereu a suspensão da instância, ao abrigo do disposto no art. 279º CPC, por ter apresentado queixa-crime contra a cabeça de casal: no entender dele, a mesma tinha vindo a praticar ao longo dos anos, antes e depois do decesso do inventariado, actos integradores de infracções de natureza penal, e que servirão de fundamento para se requerer a anulação do testamento junto aos autos; 3

4 e) Na verdade, com entrada de , foi dirigida ao Digno Procurador Adjunto, na comarca de Elvas, queixa criminal em que o Ag.e imputa à Ag.a prática dos crimes pp. arts. 144º, 145º, 153º, 154º, 155º, 156º, 158º, 160º, 161º, 222º, 226º e 227º C. Penal: não lhe sendo conhecidos quaisquer bens ou rendimentos de relevo, antes do casamento em regime imperativo de separação de bens com o inventariado, depois de cometer variadas sevícias no cônjuge, que lhe determinaram a perda das faculdades mentais, obteve deste um testamento em favor dela, e conseguiu movimentar, em vida da vítima, as diversas contas bancárias em nome do marido, adquirindo por compra vários prédios urbanos, depois revendeu-os, para, mesmo assim, após o óbito, declarar contra a verdade que lhe emprestou todo o numerário necessário para a aquisição da casa, único bem relevante que deixou, omitindo ainda assim a dívida na declaração para efeitos fiscais. 7. Corridos os vistos, cumpre apreciar. 8. Rege no domínio da imputação de factos criminais a regra da presunção de inocência do arguido. A fase de inquérito, que aqui se documenta, é por conseguinte de natureza secreta, não apenas para acautelar o êxito da investigação, mas também para protecção dos legítimos interesses do imputado, inocente presumido (garantia fundamental). Não obstante ter sido deferido o pedido de certidão da queixa-crime, não se segue que a cabeça de casal, arguida, não deixe de beneficiar do inciso da Constituição: antes da fase pública do processo criminal tem interesse legítimo de não se ver arguida, nem esta circunstância contar para qualquer efeito, fora do procedimento secreto. Assim, nunca o recorrente poderia fazer vencimento na pretensão que formulou de ver suspensa a instância, por correr inquérito criminal, de onde qualquer elemento exibido no exterior seria, no mínimo, ineficaz em face do disposto nos arts. 18º/1 e 32º/2 CRP. Falece pois mérito ás razões opostas à decisão recorrida, porque a suspensão da instância derivada da pendência de causa prejudicial tem, desde logo, de buscar apoio 4

5 em documentação que possa validamente ser exibida (art. 279º/1 CPC), como não é o caso. Mas que não fora assim, não se tendo passado ainda da fase do processo criminal em que tão simplesmente se procuram e debatem meros indícios de práticas qualificáveis como crime, ainda estes possam também integrar motivos de arguição da validade, por exemplo, de um testamento, nem por isso estaríamos perante o conceito de causa prejudicial, que implica uma lide contenciosa, onde o princípio audite altera pars tenha vigência plena, em ordem a vincular a um julgamento. É o que resulta do já citado art. 279º/1, última parte CPC. E nem se diga poder muito bem caber nos poderes oficiosos do julgador (embora) tal suspensão: basta para impedi-lo o que já sustentamos em torno da problemática da presunção de inocência. Não se demonstra todavia que o recorrente tenha agido com consciência da inutilidade da posição que sustentou. Por isso não haverá de ser condenado como litigante de má fé (art. 456º/1.2 a. CPC). 9. Atento o exposto, vistas as disposições legais acima citadas, decidem negar provimento ao agravo. 10. Custas pelo Ap.e, sucumbente. 5

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