Acordam no Tribunal da Relação do Porto. I. Introdução:

Transcrição

1 PN ; Ap./Ag.: T. Fam./Men. Matosinhos, 2º J. (258.00); Ap.es/Ag.es 1 : Manuel Fernando da Silva Azevedo cc Maria de Fátima Ferreira da Silva, Rua do Meco, 195, Pampelido, Perafita; Ap.os/Ag.os 2 : Paulino Alves de Sousa, Rua das Ribeiras, 224, Perafita, Matosinhos, Bernardino Alves de Sousa, Rua 31 de Janeiro, 500 R/C, Freixieiro, Albina R. Silva Azevedo, Rua ocidental, nº 284, 1º, Perafita Matosinhos. Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Introdução: (a) Manuel Azevedo interpôs agravo do indeferimento da reclamação por nulidades que arguiu por não ter sido notificado, nem ter havido comunicação ao mandatário, do dia e hora em que se realizou a Conferência de Interessados final deste Inventário [e não obstante versão adversa da acta de adiamento precedente]; depois, apela da sentença homologatória da partilha a que o tribunal procedeu com base no resultado de licitações nela havidas, mas a que faltou. (b) Do despacho agravado: (1) Nos termos do art. 369 CC, a acta constitui documento autêntico e os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora: 1 Adv.: Dra. Beatriz Pelayo. 2 Adv.: Dr. Bernardino Maia Fernandes, Avª Dr. João Canavarro, 193, 1º Dto, 4480 Vila do Conde. 1

2 só os meros juízos pessoais do documentador valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador, art. 371 CC; (2) Por outro lado, nos termos do art. 372/1 CC, a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade: o requerente não veio argui-la, e assim, o facto que consta da acta faz prova plena, i.é, o reclamante foi devidamente notificado da nova data da Conferência de Interessados. (c) O processo seguiu, foi elaborado mapa segundo o que resultou das licitações e das escolhas de preenchimento dos quinhões e, por fim, homologada a partilha, despacho de que foi interposta Apelação. II. Cls./Alegações (Agravo): (a) Os juízos de valor, pessoais, do documentador, constantes da acta judicial, tais como devidamente notificados não fazem prova plena nos termos do disposto no art. 371 CC; (b) Portanto, a reclamação de nulidade deveria ter prosseguido para julgamento, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova; (c) E a arguição da falsidade da acta não é condição sine qua none da procedência da arguição de nulidade de uma notificação. (d) O julgador decidiu formalmente, ao arrepio da justiça material, pois o tribunal não deve sancionar condutas moralmente censuráveis, tais como licitar uma verba por 1/20 do seu valor, em prejuízo dos seus próprios filhos e enteados. (e) Também do ponto de vista formal se impõe a revogação da decisão, pois da mesma não constam os factos provados e os não provados, em violação do disposto no art. 659/3 CPC, o que constitui nulidade nos termos do art. 668/1.d CPC; (f) A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos para produção de prova. III. Contra-alegações: (a) Inexiste a nulidade ora invocada; 2

3 (b) Deve ser mantida a decisão recorrida. IV. Cls./Alegações (Apelação): (a) A procedência do Agravo oportunamente interposto do despacho de fls. implicará a anulação de todo o processado daí em diante, nomeadamente do mapa de partilha que a sentença homologou; (b) A reclamação de nulidade apresentada pelo interessado Manuel deveria ter prosseguido para julgamento, ao abrigo do princípio de livre apreciação de prova; (c) Na verdade, a declaração de notificação constante da acta em crise, é tão só uma expressão genérica; (d) E dessa acta não consta que os interessados tenham sido avisados do objecto da Conferência, nomeadamente de que, na falta de acordo, seriam feitas licitações; (e) Entretanto, o tribunal não fez uso, como deveria, da faculdade prevista na 1ª parte do art. 1352/5 CPC, ou seja, deveria ter promovido o adiamento da Conferência e ordenada a notificação pessoal com expressa notificação do objecto da mesma; (f) Mas se assim não entendesse, e em face da ausência dos demais interessados, sempre, e ao abrigo do art. 1353/2 CPC, competia-lhe oficiosamente ordenar a avaliação dos bens, de forma a possibilitar a repartição igualitária e equitativa deles pelos vários interessados; (g) É que o julgador, em processo de inventário, para além de encarnar a função jurisdicional do tribunal, é também um árbitro e o garante de que em igualdade de circunstâncias todos os interessados terão idêntica e proporcional composição dos quinhões; (h) Foi portanto violado o disposto no art. 1353/2 CPC; (i) E a sentença recorrida convalida uma Conferência de partilha em que, de forma evidente, a garantia das partes não foi assegurada; (j) O despacho que indeferiu a nulidade e todo o demais processado seguido e a sentença em crise ferem, na verdade, o disposto nos arts. 659/3, 668/1.d, 1352/3.5 CPC; 3

4 (k) 748/1 CPC. Por isso mesmo, o recorrente mantém todo o interesse no Agravo, art. V. Contra-alegações (Apelação): (a) A questão a decidir é a seguinte: deve o incidente de nulidade de prosseguir com a inquirição da prova testemunhal ou, por constituir documento autêntico, a acta em análise, art. 369 CC, e porquanto o requerente não veio arguir a falsidade da mesma, deve ser julgada totalmente improcedente a nulidade arguida. (b) Neste contexto, a Apelação assenta ou depende da procedência do recurso de Agravo, no qual os recorrentes carecem de razão; (c) Na verdade, todos os presentes na 1ª Conferência de Interessados (cabeça de casal, acompanhado pelo seu mandatário, todos os interessados e o advogado Dr. António Moreira dos Santos) foram notificados de que tinha sido designada para o dia , 14h00, nova Conferência, seguida de licitações na falta de acordo; (d) Depois, as licitações, justamente por não ter havido acordo, nos termos do art. 1353/1 CPC, obtiveram o resultado transcrito na sentença homologatória da partilha, sem violação de qualquer norma legal. (e) Improcede por conseguinte a Apelação, e deverá ser confirmada a decisão de 1ª instância. VI. Matéria assente: (1) Foi requerido inventário facultativo por falecimento de Emília da Conceição, , sendo cabeça de casal o viúvo Paulino Alves de Sousa e herdeiros este e os filhos Bernardino Sousa, casado em comunhão de bens com Maria Rosa, Manuel e Albina Azevedo; (2) Manuel Azevedo passou procuração ao Advogado Dr. António Moreira dos Santos, Rua de Cedofeita, 11, Porto; (3) Em , realizou-se a 1ª Conferência de Interessados, suspensa a instância pelo prazo de 30 dias já que havia possibilidades de os interessados chegarem a um acordo; 4

5 (4) Em , realizou-se a 2ª Conferência de Interessados, suspensa a instância por 4 meses, porque se mantinham as já referidas possibilidades de acordo e logo foi designado o dia , 14h00, para realização de nova Conferência, seguida de licitações, na falta de acordo; (5) Segundo a acta, estavam presentes o cabeça de casal acompanhado do seu mandatário, Dr. Bernardino Maia Fernandes, todos os interessados e o Advogado Dr. António Moreira dos Santos: e do despacho proferido foram logo todos os presentes notificados; (6) Em , estando presentes o cabeça de casal, acompanhado do mandatário e os interessados Bernardino Alves de Sousa e mulher, uma vez que a ausência de Manuel Azevedo e Albina Azevedo impossibilitou a adjudicação das verbas por acordo, passou-se às licitações, tendo as cinco verbas descritas obtido valores entre Pte 1 900$00 e Pte $00; (7) Em , foi arguida a nulidade por Manuel Azevedo: (a) Quando no final da reunião [ ] os interessados saíram do gabinete da julgadora, e nele ficaram apenas os mandatários, ainda não tinha sido fixada a data para a próxima Conferência; (b) Depois, não se lhes dirigiu nenhum oficial de justiça a comunicar que tinha sido fixado o dia 04.07, 14h00, para realização da mesma; (c) E pelo seu mandatário de então foi-lhe explicado que o processo ficava suspenso, sem data marcada, porque iam tentar vender, e só depois de haver comprador para a casa é que voltariam ao tribunal; (d) A irmã Albina, contudo, contou-lhe ter ido visitar o padrasto, cabeça de casal, no dia 10.07, de tarde, ao Hospital, tendo-lhe este revelado ter ficado com a casa e o jazigo, pela razão de não ter aparecido mais ninguém em tribunal: ficaram para ele por barato!; (e) E só consultando o processo, através do seu novo mandatário, já em férias judiciais, verificou o reclamante constar da acta a designação da nova Conferência de interessados para o dia ; (f) Porém, por não ter sido efectivamente notificado da marcação, vem arguir a sua falta, nos termos do disposto nos arts. 195.b e 198 CPC: o imóvel em causa vale, pelo menos, c; foi adjudicado por 1/20 desse valor; 5

6 (g) Ademais, nestes autos, nunca foi adiada a Conferência de Interessados, e sempre poderia vir a sê-lo por faltarem os interessados, art. 1352/5 CPC; (8) Manuel Azevedo indicou testemunhas entre estas o oficial de justiça que esteve presente à diligência, a requisitar; (9) Na Resposta, o cabeça de casal invocou, em contrário, a fé pública da acta; (10) Recaiu despacho, já transcrito. (11) , mapa da partilha; (12) Durante as escolhas de preenchimento dos quinhões, Manuel Azevedo preveniu o sucesso do Agravo interposto; (13) , sentença homologatória da partilha, segundo o mapa. VII. Recurso: pronto para julgamento, art. 705 CPC. VIII. Sequência: (a) O requerimento apresentado pelo Ag.e, para além de se ter constituído numa reclamação por cometimento de nulidades, incorpora salientemente ainda o levantamento do incidente de falsidade, para o qual naturalmente indicou testemunhas, aliás desnecessárias que seriam para o primeiro e, digamos assim, principal dos efeitos pretendidos. (b) É certo que do ponto de vista da fórmula não terá sido usada a melhor técnica, mas estão lá todos os elementos bastantes: alegação de desvio da realidade no que diz respeito à acta; defesa detalhada do contrário. (c) Contudo, o despacho agravado indeferiu justamente (e apenas) por não ter sido deduzida a falsidade, mas sem razão, como se vê. (d) Por isso mesmo, devendo seguir-se produção de prova, nos termos do art. 550/1 CPC, posto já ter havido Resposta da parte contrária, merece provimento o recurso e, por isso mesmo, tratando-se agora de formalidade omitida que importa à boa decisão da causa, tudo o mais terá de ser considerado anulado, incluindo o despacho de homologação da partilha de que foi interposta a Apelação, desnecessária ao conhecimento de 2ª instância. 6

7 (e) Tudo visto, e os arts. 201/1, 551-A CPC, vai revogado o despacho de que foi interposto o Agravo, e para ser conhecida a falsidade arguida; em consequência, já não é decidida a Apelação, dependendo afinal os trâmites processuais posteriores à decisão revogada do resultado daquela que agora se manda retomar. IX. Custas: pelo cabeça de casal, que se opôs e ficou vencido. 7