PN1066.011; Ap: Tc. Maia; Ape2: Apo3. Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. A Ape. não se conforma com a sentença pela qual não foram atendidos embargos de terceiro que deduziu contra o Apo., no âmbito da execução que este moveu contra Lda: foram penhorados diversos bens móveis que constituem o recheio do Estabelecimento Comercial da executada, adquirido com precedência pela embargante. 2. Concluiu: (a) Por escritura de 98.10.13, a Ape. Adquiriu por trespasse á executada o Estabelecimento Comercial sito na Rua Dr. Carlos Felgueiras, 160d Maia, trespasse que incluía todos os elementos, designadamente móveis, utensílios, alvarás, licenças e direito de arrendamento, mas exceptuado o passivo; 1 Vistos: Des. (329) Des. (1125) 2 Adv: Dr.. 3 Adv: Dr. 1
(b) A Ape. encontra-se por vezes a trabalhar no comércio de artigos de ourivesaria e relojoaria, no referido Estabelecimento Comercial, e tanto ela como o pai,, contactam fornecedores e clientes; (c) E não existem nos presentes autos provas suficientes de simulação do trespasse em causa; (d) Pelo contrário, através da análise das respostas a Q1 e Q24, tem de se concluir de modo diferente; (e) Contudo, há deficiência da matéria de facto assente, porque os factos referentes ás duas respostas não foram atendidos na sentença recorrida; (f) A qual manifesta ainda contradição interna, dado terem ficado assentes factos5, reveladores da vontade real e efectiva de as partes celebrarem o trespasse, mas decidida a nulidade deste, por simulação; (g) Deve ser revogada a sentença, e julgados procedentes os embargos de terceiro. 3. Nas contra alegações: 4 Questionário: Q1. A embargante é empresária em nome individual, dedicando-se ao comércio de artigos de ourivesaria e de joalharia no estabelecimento comercial [sito na R. Dr. Carlos Felgueiras, 160d Maia]? Provado apenas que a embargante se encontra por vezes a trabalhar no comércio de artigos de ourivesaria e joalharia no estabelecimento comercial referido Q2 Sendo ela quem contacta com os respectivos fornecedores e clientes? Provado apenas que tanto a embargante como o seu pai,, contactam com os fornecedores e clientes 5 Vd. 4. (f), (g) (i) (j) e (k); Contudo, do Questionário:.. Q6. Com o negócio de trespasse, as partes visaram prejudicar o aqui embargado, nomeadamente impedindo que o mesmo pudesse proceder à cobrança do crédito que tinha sobre a executada? Provado. Q7. Crédito esse que era já do conhecimento da embargante? Provado. Q8. N ão tendo assim as mesmas vontade de efectivamente realizar o negócio em causa? Provado. 2
(a) É notório que o presente recurso carece de fundamento, e é de intuito dilatório; (b) Com efeito, a sentença recorrida é absolutamente inatacável, a prova produzida e a matéria factual assente mais do que bastantes para declarar nulo o contrato de trespasse por simulação; (c) Contrariamente ao que alega a Ape., as respostas dadas a Q1/Q86, e a restante matéria assente só poderiam conduzir ao resultado da sentença; (d) Acresce não terem sido dados como provados Q1 e Q27, ao contrário do que sustenta a recorrente, e foram inequivocamente tidas em conta todas as outras respostas; (e) É por conseguinte inquestionável ter sido julgado correctamente, visto o art.240 CC; (f) Deve ser negado provimento ao recurso. 4. Ficou provado: (a) O exequente é portador de 6 cheques, 4 dos quais no montante de Pte. 75 000 $00 e os restantes de Pte. 90 000$00, datados de 97.09.30, 97.10.31, 97.11.30, 97.12.31, 98.01.31 e 98.02.28; 6 Vd. nota 4 (Q1., Q2.), e nota antecedente (Q6., Q7., Q8.); Do Questionário... Q3. Os bens penhorados foram adquiridos pela embargante? Provado apenas que, aquando da escritura pública de trespasse, ambas as partes contraentes acordaram que o mesmo abrangia todos os elementos que existiam no estabelecimento comercial; Q4. A embargante já exerceu as funções de sócia-gerente da executada? Provado com o esclarecimento de que as mesmas cessaram, por renúncia, 96.04.10; Q5. Vive com os actuais sócios-gerentes da mesma, aí trabalhando? Para além do referido na resposta a Q1., provado apenas que a embargante vive com os seus pais, os quais exerceram já sa funções de sóciosgerentes da executada. 7 Vd. nota 4. 3
(b) Tais cheques foram sacados a favor do exequente pela executada e apresentados a pagamento, foram devolvidos por falta de provisão não tendo sido pagos os respectivos montantes; (c) O exequente recusou a nomeação á penhora de um crédito; (d) Em 98.10.12 o sócio gerente da executada opôs-se á diligência de penhora agendada para esse dia; (e) Mas em 99.02.11 foi efectuada a penhora agora embargada; (f) E por escritura pública, 98.10.13 a embargante adquiriu por trespasse á executada o Estabelecimento Comercial sito na rua Dr. Carlos Felgueiras 160d Maia; (g) Consta da referida escritura que o trespasse foi levado a efeito pelo preço de Pte. 5 000 000$00, e com todos os elementos que integram o Estabelecimento, designadamente móveis, utensílios, alvarás, licenças e direito de arrendamento, exceptuado o passivo; (h) A aqui embargante é filha dos sócios gerentes da executada; (i) A embargante encontra-se por vezes a trabalhar no comércio de artigos de ourivesaria e joalharia no Estabelecimento Comercial em referência; (j) Tanto a embargante como o pai contactam com fornecedores e clientes; (k) Aquando da escritura pública de trespasse ambas as partes contraentes acordaram que o mesmo abrangia todos os elementos que existiam no estabelecimento Comercial; (l) A emb argante já exerceu funções de gerência da execvutada, ás quais renunciou, 96.04.10; (m) A embargante vive com os pais, que já foram sócios gerentes da executada; 4
(n) Com o referido trespasse, as partes visaram prejudicar o embargado, nomeadamente impedindo que o mesmo pudesse proceder á cobrança do crédito que tinha sobre a executada; (o) E crédito que era já do conhecimento da embargante; (p) Não tendo assim a mesma vontade de efectivamente realizar o trespasse em causa. 4.1 O tribunal baseou as Respostas no depoimento das testemunhas da embargante: referiram expressamente que o pai desta continua à frente da ourivesaria, sendo ele quem na prática gere o negócio, embora referindo faze-lo como empregado da filha; esta vive com os pais e é empregada da Telecel; Também no depoimento das testemunhas do embargado, funcionárias do Banco, coerentes e credíveis, estabelecendo essencialmente a origem da dívida em causa; a embargante era então sócia-gerente da executada, só tendo renunciado ao cargo posteriormente. Por fim, o tribunal atribuiu sobretudo especial relevância à prova documental: não se poderá deixar de atender ao facto de a penhora dos autos principais ter estado agendada para 98.10.12, apenas não tendo sido realizada porque o pai da embargante (sócio da executada) se lhe opôs; e, tendo sido marcada nova penhora, a qual veio a concretizar-se em 99.02.09, contudo, exactamente no dia seguinte à primeira destas datas, a embargante e os pais (sócios da executada) celebraram escritura de trespasse junta aos autos; tal facto, por si só, é por demais evidenciador de que efectivamente a escritura mais não representa do que uma forma de evitar a cobrança da dívida por parte do Banco exequente, através dos bens existentes no estabelecimento comercial da executada; ora, acresce que a embargante não logrou provar que na realidade tenha pago alguma quantia pelo trespasse. 5. A sentença recorrida alinhou os seguintes argumentos: 5
(a) É de concluir que os outorgantes do trespasse, um dos quais a Embargante, fingiram a celebração do contrato, já que na realidade não queriam esse nem qualquer outro; (b) Há aqui uma divergência intencional entre a vontade e a declaração, e esta divergência entre o que verdadeiramente queriam e a vontade declarada na escritura foi querida e propositadamente realizada; (c) Houve assim um acordo entre os intervenientes no sentido de declararem uma certa vontade, mas tendo em vista inviabilizar a penhora levada a cabo na execução e o pagamento do exequente/embargado: o contrato de trespasse foi celebrado no intuito de prejudicar os interesses deste; (d) Verificam-se pois todos os elementos integradores da simulação absoluta, art. 240/1 CC; (e) Ora, o embargado, e directamente prejudicado, tem legitimidade para invocar a nulidade do negócio8; (f) Contudo, mesmo a não se entender assim, sempre tal nulidade teria de ser declarada: cabe conhecimento oficioso, art. 286 CC; (g) E a declaração de nulidade do negócio tem efeito retroactivo, art. 289/1 CC, pelo que, uma vez declarada, determina a extinção dos efeitos do mesmo, ou seja, repõe-se o estado de coisas anterior ao negócio inválido; (h) Nesta conformidade, o estabelecimento comercial volta a fazer parte integrante do património da executada, improcedendo por conseguinte os embargos de terceiro. 6. O recuso está pronto para julgamento. 8 Citou, Pires de Lima & Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª ed., I, p. 263: interessado é todo o titular de qualquer relação jurídica cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afectada pelo negócio. 6
7. É manifesto que a argumentação da recorrente baseada nas respostas a Q1 e Q2 não procede, justamente porque não foram dados como provados, mas obtiveram respostas restritivas9, que não se coadunam com as pretensões da embargante. Também não é certo que a sentença recorrida as tenha ignorado ou desconsiderado, com os outros materiais referidos na minuta do recurso10. Muito pelo contrário, foram sujeitos a crítica ponto por ponto, e no sentido de se afirmar uma preferência fundada11 pela tese adversa. Pareceria que nada mais haveria a dizer para confirmar a decisão de 1ª instância, mas a recorrente vale-se também daquilo que nos parece uma menoríssima possibilidade de leitura errada dos factos provados, que cumpre esclarecer no sentido de não ficarem dúvidas. Na verdade, os pontos transcritos 4. (f) e (k) da matéria assente não podem ter o sentido imediato de uma leitura fora de todo o contexto ordenado dos factos comprovados: não se trata evidentemente de a recorrente ter adquirido o estabelecimento por trespasse, mas de essa declaração ter ficado a constar da escritura junta aos autos, como também não se trata de os outor gantes terem acordado na transmissão de todos os elementos do estabelecimento, mas de o terem dito e ter ficado exarado. Tanto o discurso sentencial como a motivação das respostas aos quesitos, mas sobretudo as posições contrapostas nos articulados nunca autorizariam o entendimento maximalista que a recorrente intenta fazer valer quando defende a contradição interna da decisão recorrida. Com efeito, não existe, e se porventura pudesse ser afirmada, num limite de rigor literal, também é certo que lhe seria oposto o uso dos poderes correctivos da 2ª instância, pois há nos autos todos os elementos necessários para alterar, no sentido preferido, o segmento em crise da matéria comprovada. 9 Vd. nota 4. 10 Vd. 2 (e) (f) e notas 4 e 5. 7
Concluimos por conseguinte não assistir razão à Ape. 8. Atento o exposto, vistos os arts. 240/1.2 e 286 CC, decidem manter inteiramente a sentença de 1ª instância. 9. Custas pela Ape, sucumbente. 11 Fundada, no sentido de estar fundamentada e de convencer; neste último aspecto basta remeter para a síntese/transcrição dos motivos fundadores das respostas sobre a matéria de facto (vd. 4.1) 8