P A R T E I. Introdução
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- Tânia Clementino de Sequeira
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1 P A R T E I Introdução
2 C A P Í T U L O 1 Introdução 1.1 A MATEMÁTICA NA TEORIA ECONÔMICA Durante os últimos 30 anos, a Matemática emergiu como a linguagem da Economia. Hoje em dia, os economistas vêem a Matemática como uma ferramenta inestimável em todos os níveis de estudo, abrangendo desde a expressão estatística de tendências do mundo real até o desenvolvimento de sistemas econômicos completamente abstratos. Este texto apresentará uma ampla introdução ao estreito relacionamento entre a Matemática e a Economia. Em seu nível mais básico, a Matemática fornece o fundamento para proposições empíricas sobre variáveis econômicas afirmações como um aumento de 10% no preço da gasolina provoca uma queda de 5% na demanda por gasolina. A expressão matemática dessa relação é a função demanda. Em particular, a observação acima pode ser resumida pela afirmação a elasticidade da demanda por gasolina é 0,5. Aprendemos essa relação empírica utilizando técnicas de Estatística, que é um ramo da Matemática. Utilizando a Estatística, o economista transforma dados brutos do mundo real em generalizações numéricas como a que acabamos de mencionar. Além disso, uma vez formulada uma relação estatística como essa, podemos combiná-la com outras do mesmo tipo. Peça por peça, o economista constrói uma rede completa de relações interligadas. Tal rede permite a ele tirar conclusões sobre variáveis econômicas ligadas umas às outras apenas indiretamente. Começando com a informação de que a demanda por gasolina (em uma determinada comunidade) cai pela metade quando o preço sobe, o economista poderá explorar como o preço da gasolina está relacionado ao preço do óleo, ao custo de vida ou à demanda por eletricidade. Ao mesmo tempo, o papel da Matemática na Economia se estende muito além do domínio da técnica estatística. Por exemplo, os economistas constróem representações matemáticas de mercados e comunidades para entender melhor como funcionam. O próprio processo de elaborar um modelo força o economista a escolher os aspectos mais importantes de uma situação e então tentar descrevê-los matematicamente. O modelo acabado fornece uma base estruturada para mais estudos. Nunca é possível compreender todas as delicadas dimensões sociais, culturais e econômicas de uma situação do mundo real em um dado instante no tempo. No entanto, um modelo matemático reduz a complexidade do mundo real a proporções controláveis. Na realidade, se pensarmos em um modelo simplesmente como a redução e organização de um assunto para o estudo, fica claro que modelos não são exclusivos da Análise Matemá-
3 28 MATEMÁTICA PARA ECONOMISTAS tica. Mesmo ciências sociais, como Sociologia ou Antropologia, cujas técnicas são mais literárias que matemáticas, dependem muito de modelos de algum tipo, tanto para a exploração quanto para a apresentação de seu material. Ao mesmo tempo, há muitas razões por que a modelagem matemática é particularmente útil na Economia. Para começar, um modelo matemático força o economista a definir os termos precisamente. O economista deve enunciar claramente as suposições subjacentes antes de iniciar uma longa cadeia de raciocínio. A natureza exata da abstração com a qual o economista está trabalhando fica clara, logo de saída, não só na mente dele mas na mente de cada pessoa que está lendo o trabalho. Conseqüentemente, o debate sobre a relevância do modelo para o mundo real é bastante enfocado. Pode até ser possível traduzir o modelo teórico em fórmulas estatísticas, de modo que sua validade possa ser testada com dados do mundo real. A Matemática é utilizada não só para organizar fatos, mas para ativamente gerar e explorar novas idéias teóricas. Os economistas muitas vezes usam técnicas matemáticas, como a dedução lógica, para deduzir teoremas que aplicam a uma grande variedade de situações econômicas, não só a uma comunidade específica local ou nacional. Considere, por exemplo, a afirmação alocações de recursos em mercados competitivos são ótimos de Pareto, um teorema de importância central na maioria das disciplinas que tratam de teoria microeconômica intermediária. De forma simplificada esse teorema afirma que, em um sistema de mercado competitivo, quando os mercados se ajustam de tal modo que a oferta e a demanda estão equilibradas, qualquer alteração exeqüível no consumo ou na produção, que melhore a situação para algumas pessoas, vai fazer com que a situação piore para outras. Contrastando marcadamente com afirmações como a demanda por gasolina cai pela metade quando o preço da gasolina sobe, esse teorema não se origina da observação direta do cotidiano que vivemos. Tampouco está expresso estatisticamente. Ao contrário, ele é um princípio universal que foi derivado logicamente de uma descrição matemática idealizada de vários mercados. Como a Matemática usada no desenvolvimento desse teorema está bastante afastada da observação direta, é impossível testar a veracidade ou a falsidade final do teorema em questão. Somente sua aplicabilidade à economia mundial ou à economia de uma particular região ou país é que está aberta ao questionamento. A Matemática não é só uma ferramenta poderosa para obter insights a partir de modelos econômicos; ela também é necessária para estender a aplicabilidade de um modelo que foi construído estreitamente demais para ter alguma utilidade. Exercícios em textos de Economia ao nível de graduação, por exemplo, para simplificar, são geralmente limitados à produção ou à venda de dois bens. O estudante mais avançado ou o economista profissional usa a Matemática para estender esses modelos de livros básicos, de modo que possam abarcar mais informação simultaneamente, levando em conta inflação, bens adicionais, competidores adicionais ou eventualmente outros fatores. Isso posto, vamos, agora, elaborar um exemplo específico para esse tipo de uso de modelagem matemática em Economia. Veremos como a Matemática é aplicada para aumentar a abrangência de um modelo geométrico familiar simples da teoria microeconômica de nível intermediário. 1.2 MODELOS DE ESCOLHA DO CONSUMIDOR Modelos Bidimensionais de Escolha do Consumidor Quando estudamos o modelo neoclássico de escolha do consumidor em teoria microeconômica, costumamos supor que o consumidor possui somente dois bens dentre os quais pode optar; para fins desta argumentação, digamos, entre coisas e loisas. Seja uma variável que representa a quantidade de coisas compradas por nosso consumidor e seja uma variável re-
4 INTRODUÇÃO 29 presentando a quantidade de loisas compradas pelo consumidor. O par ( ) representa a escolha de uma quantidade de bens (ambos) e é denominado cesta de mercadorias. Se considerarmos que e podem ser quaisquer números não-negativos, então o conjunto de todas as cestas de mercadorias pode ser representado geometricamente como o quadrante não-negativo do plano. Tal quadrante é denominado espaço das mercadorias. Na Figura 1.1, o eixo horizontal mede o número de coisas numa cesta de mercadorias, enquanto o eixo vertical mede o número de loisas numa cesta. Os consumidores têm preferências sobre cestas de mercadorias no espaço das mercadorias: dadas duas cestas de mercadorias quaisquer, ou o consumidor prefere uma cesta em vez da outra ou então é indiferente entre as duas. Se as preferências do consumidor satisfazem alguma hipótese de consistência, elas podem ser representadas por uma função utilidade. Uma função utilidade associa um número real a cada cesta de mercadorias. Se o consumidor prefere a cesta de mercadorias ( ) sobre a cesta (y 1, y 2 ), então a função utilidade associa um número maior a ( ) do que a (y 1, y 2 ). Escrevemos U( ) para o número associado pela função utilidade à cesta ( ). Em geral, representamos essa situação esboçando uma amostragem de curvas de indiferença do consumidor no espaço das mercadorias, conforme indicado na Figura 1.2. A função utilidade associa o mesmo número a todas as cestas sobre uma dada curva de indiferença. Em outras palavras, o consumidor é indiferente entre duas cestas quaisquer sobre a mesma curva de indiferença. A seta na Figura 1.2 indica a direção da preferência. Cestas de mercadorias em curvas de indiferença longe da origem têm preferência sobre cestas em curvas de indiferença perto da origem, sinalizando que esse consumidor prefere mais a menos. Utilizamos esta representação das preferências do consumidor para descrever a escolha do consumidor. Suponha que um consumidor seja confrontado com um conjunto B de cestas de mercadorias e que seja solicitado a optar por uma delas. O consumidor fará sua opção de tal modo que sua função utilidade seja maximizada no conjunto B. O problema de maximizar uma função num determinado conjunto é um problema matemático. O que acabamos de descrever é um modelo matemático muito simples de escolha do consumidor. Tal modelo abstraiu, ou ignorou, muitos aspectos de escolha que, em alguns contextos, poderíamos considerar muito importantes. Por exemplo, como foi que o consumidor aprendeu o suficiente sobre os produtos, a ponto de fazer uma escolha racional? Figura 1.1 Duas cestas de mercadorias no espaço das mercadorias.
5 30 MATEMÁTICA PARA ECONOMISTAS Figura 1.2 Curvas de indiferença no espaço das mercadorias. Como o consumidor usa essa informação ao fazer uma escolha? Em termos gerais, de onde vieram as preferências do consumidor e como são elas influenciadas pelo ambiente no qual a decisão está sendo feita? Algumas atividades de escolha são habituais; por exemplo, a decisão de acender um cigarro. Em nosso modelo, não dissemos coisa alguma sobre formação de hábito. Algumas escolhas são reguladas por costumes sociais; por exemplo, a decisão de um executivo de corporação de vestir um terno para o trabalho. Novamente, em nosso modelo não está explicitado o papel dos costumes sociais. Ignorando esses e outros aspectos de escolha, construímos um modelo de comportamento de preferências que é simples e fácil de entender. No entanto, o fato de ignorar fatores potencialmente importantes pode limitar a utilidade desse modelo simples. Para determinadas aplicações, pode ser necessário um modelo mais sofisticado. Felizmente, não estamos interessados em utilizar tal modelo para explicar todos os comportamentos de escolha. Somente estamos interessados naquelas escolhas que surgem em mercados. Descrevemos essas situações de escolha como segue: associado a cada mercadoria há um preço: p 1 para o preço de coisas e p 2 para o preço de loisas. Nosso consumidor possui M unidades monetárias para dividir entre os dois bens. O consumidor não pode gastar mais dinheiro do que possui. O custo da cesta de mercadorias ( ) é p 1. Este custo não pode exceder M. É suficiente que nossa teoria seja aplicável a conjuntos de escolha da forma B = {( ) : 0 0, p 1 M}. São esses os conjuntos orçamentários que o consumidor poderia concebivelmente encontrar. 1 É fácil visualizar conjuntos orçamentários. No espaço de mercadorias, basta desenhar o segmento de reta dado pela equação p 1 = M. O que estiver em cima ou abaixo dessa reta pode ser gasto. Esses são os pontos no triângulo OAD na Figura 1.3. O problema de maximização também é fácil de visualizar. O consumidor irá escolher dentro do orçamento, de modo a estar na curva de indiferença mais alta possível. Na Figura 1.3, a cesta de mercadorias c é a cesta de mercadorias preferível em OAD. A cesta ótima c, às vezes denominada cesta demandada do consumidor com preços p 1 e p 2, pode ser caracterizada pelo seguinte fato: a curva de indiferença u, da qual c é um membro, está completamente fora do conjunto orçamentário exceto pelo ponto c, onde ela é tangente à reta orçamentária. Em 1 Essa notação de conjuntos será utilizada em todo o livro. Em palavras, B é o conjunto de todos os pares de números ( ) tais que ambos os números são não-negativos e a desigualdade p 1 M está satisfeita.
6 INTRODUÇÃO 31 D C 0 Figura 1.3 Conjunto orçamentário OAD e curvas de indiferença. A u geral, isso é enunciado assim: Em c, a taxa marginal de substituição (a inclinação da curva de indiferença por c) iguala a razão entre os preços (a inclinação da reta orçamentária). Nesse contexto bidimensional, podemos desenvolver vários raciocínios: O que ocorre com a demanda por coisas quando o preço delas aumenta? E quando aumenta o preço das loisas? E quando aumenta o orçamento? Esses experimentos são, às vezes, denominados problemas de estática comparativa. Os experimentos de aumentar o orçamento M do consumidor e do preço p 1 das coisas são apresentados nas Figuras 1.4 e 1.5. Em aulas de Microeconomia intermediária, registramos os resultados desses experimentos em gráficos, tais como curvas de demanda ou curvas de Engel. Neste ponto começamos a observar algumas das limitações dessa abordagem geométrica. Mesmo no caso de dois bens, que é o mais simples de todos, a demanda por qualquer um dos bens depende de três aspectos: o preço do bem, o preço do outro bem e o orçamento. Não existe uma maneira de representar essas relações simultaneamente em um quadro bidimensional. Assim, resta-nos o método altamente insatisfatório de empurrar curvas de demanda cada vez que quisermos falar de mudanças no orçamento ou no preço do outro bem. Tampouco temos uma maneira conveniente de falar rigorosamente sobre como a demanda é afetada pelo formato das curvas de indife- Figura 1.4 Os efeitos de aumentar M.
7 32 MATEMÁTICA PARA ECONOMISTAS Figura 1.5 Os efeitos de aumentar p 1. rença. Em teoria microeconômica intermediária, costumamos examinar dois casos opostos curvas de indiferença dadas por linhas retas (substitutos perfeitos) e curvas de indiferença em ângulo reto (complementares perfeitos). Esses são, entretanto, casos especiais raros. Além disso, precisamos saber como os resultados que poderemos descobrir em tal contexto serão afetados se abandonarmos a hipótese de que há somente dois bens. Modelos Multidimensionais de Escolha do Consumidor Nenhuma dessas questões pode ser respondida dentro da nossa estrutura geométrica. Devemos nos voltar para outras técnicas matemáticas; em particular, para o Cálculo a várias variáveis e para a Álgebra Matricial. Para isso, precisamos colocar o problema analiticamente. Suponha que nossa economia modelo tem n bens. As cestas de mercadorias agora são listas (,,..., x n ) e uma função utilidade associa um número U(,..., x n ) a cada uma dessas listas (,..., x n ). O problema de maximização do consumidor pode ser enunciado da maneira seguinte: sujeito às restrições maximizar U(,..., x n ) p p n x n M, 0,..., x n 0. O sistema de equações matemáticas que usamos para descrever as condições de tangência quando há n incógnitas em vez de 2 incógnitas é complexo. Ele contém 2n + 1 equações distintas e 2n + 1 incógnitas. O estudo de todas as questões do parágrafo anterior reduz-se ao estudo desse sistema de equações. Essas equações aparecem na Análise Matemática como questões sobre a existência de soluções do sistema de equações e questões sobre como as soluções mudam quando mudam os parâmetros, tais como preços e renda. Neste livro, discutiremos idéias e técnicas de Cálculo a várias variáveis e Álgebra Linear, que fornecem respostas precisas a essas questões.
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