1846.01 1 ; Ap.: TC. V. Castelo, 1º Juízo; Ap.e: (1) Maria Helena Salgueiro de Barros e Sousa 2, 57, Rue Marc A. Charpintier, 77000 Melun, França; (2, subord.) Delfim de Araújo Sousa 3, Estrada, Chafé, Viana do Castelo; Ap.os: id. id. Acordam no Tribunal da Relação do Porto. 1. A decisão recorrida condenou Maria Helena a pagar a Delfim a quantia de Pte 1 965 162$00 de juros de mora decorrentes do atraso no pagamento de tornas, quantia que por sua vez vence juros de mora, à taxa legal desde a citação até integral pagamento, art. 560/1, 2º parte CC. 2. Deu como provado os seguintes factos: (a) Correu termos processo de inventário facultativo subsequente ao divórcio do casal Maria Helena/Delfim, PN 39/89, 1ª Secção, 1º Juízo TC. Viana do Castelo; (b) 92.07.09, Conferência de Interessados, com licitações; (c) A R. licitou todas as verbas que compunham o património comum do casal; (d) E por isso coube-lhe pagar tornas no montante de Pte 6 099 308$00, conforme ficou a constar do mapa informativo da partilha; 1 Vistos: Des. Ferreira de Sousa (409) Des. Paiva Gonçalves (1209). 2 Adv.: Dr. Antonino Antunes, Avª Combatentes 133, 4900 V. Castelo. 3 Adv.: Dr. Horácio Lajes, Rua Cândido dos Reis, 24 2º, 4900 V. Castelo. 1
(e) 92.10.12, Delfim reclama o pagamento das tornas, através de requerimento junto aos autos; (f) 92.10.14, despacho a mandar notificar Maria Helena para as depositar; (g) 92.11.02, requerimento desta a pedir prorrogação de prazo: deferido; (h) 95.01.10, depósito das tornas; (i) No referido processo de inventário, a interessada interpôs recurso para o Tribunal da Relação que veio a ser julgado deserto por falta de Alegações; (j) 94.01.05, como omitiu a liquidação das custas de responsabilidade dela, foi o interessado quem liquidou tais custas; (k) E também perante omissão do pagamento das tornas, requereu este depois que se procedesse à venda dos bens adjudicados a Maria Helena necessários para cobrirem a dívida; (l) Em consequência deste facto, o interessado despendeu Pte 45 693$00 para citação dos credores de Maria Helena e publicidade da praça; (m) Mais ainda, Pte 30 497$00, para o levantamento do precatório cheque referente ao apuro de tornas devidas; (n) Por outro lado, o prédio que compôs a verba 21 da descrição de bens do inventário em causa é constituído por casa de habitação e logradouro; (o) A casa foi edificada pelos interessados, na constância do matrimónio de ambos, segundo o regime de comunhão de adquiridos; (p) Mas em terreno que Maria Helena herdara por morte dos pais dela; (q) Contudo, na Conferência de Interessados do inventário referido, ambos os interessados concordaram que na licitação da verba 21 seria considerado o valor de todo o prédio tal como está descrito na matriz predial: Maria Helena licitou então por Pte 11 950 000$00; (r) Ora, durante o período de tempo que decorreu entre a Conferência de Interessados e a data do depósito das tornas, 95.01.10, Maria Helena regularizou a situação de outros prédios e procedeu à publicitação e venda dos mesmos com o fim de conseguir o montante correspondente às tornas em dívida; (s) Mas o terreno valia, à data da licitação, Pte 2 810 000$00. 2
3. Alegações de Maria Helena: (a) Em nenhum dos nºs do art. 1378 CPC se estipula que as tornas vencem juros a partir do termo do prazo para o depósito, quando o mesmo tenha sido reclamado; (b) O processo adequado é o processo executivo especial previsto no art. 1378 CPC, no qual o recorrido deveria ter requerido a venda dos bens adjudicados à recorrente para pagamento das tornas e juros de mora, e até para que a recorrente pudesse deduzir oposição ao pedido de pagamento de juros; (c) Não o tendo feito no que diz respeito aos juros, não foi a recorrente interpelada para pagamento, e não tendo [naturalmente] deduzido qualquer oposição; (d) Por outro lado, não resultando dos normativos acima referidos qualquer data de início da mora, terá de concluir-se que a contagem dos juros só se iniciaria após a prolação da sentença homologatória, por falta de interpelação para o pagamento; (e) E não havendo lugar também à capitalização; (f) A decisão recorrida violou, ou fez errada interpretação do disposto nos arts. 467 e 1378 CPC, 560 CC; (g) Deve ser revogada e absolvida a Ap.e. 4. Contra-alegou Delfim: (a) Por um lado, o art. 1378/4 CPC apenas se aplica ao caso de o credor não ter reclamado o pagamento das tornas: trata-se de uma penalização à negligência do credor; (b) Por outro, quando o credor reclama as tornas e o devedor no prazo que lhe for fixado não as paga aplica-se a regra geral, arts. 804/1, 805/2a. CC: há mora do devedor independentemente da interpelação se a obrigação tiver prazo certo; (c) E ficou provado que foi fixado à Ap.e prazo certo para depositar as tornas; 3
(d) Ora nas obrigações pecuniárias a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, art. 806/1 CC; (e) Por fim, a circunstância de o Ap.o não ter pedido no processo executivo especial, art. 1378/3 CPC, juros de mora sobre as tornas em dívidas, nada impede que o faça em acção apropriada: não há disposição legal que o impeça; (f) Improcedem por conseguinte todas as conclusões da minuta de recurso. 5. Concluiu Delfim, no recurso subordinado: (a) Correu inventário judicial para partilha dos bens comuns de Maria Helena e Delfim, depois do divórcio; (b) Nesse inventário, a Ap.e deveria ter depositado tornas em favor do Ap.o, e para o que foi notificada, primeiro, por despacho de 92.10.14 e, depois, por despacho de 92.11.20; (c) A Ap.e só depositou as tornas devidas em 95.01.10; (d) Para receber as tornas, e entre outras, o Ap.o teve de suportar despesas de publicidade para citação dos credores da recorrida, e da praça, no montante de Pte 45 623$00; (e) De despender ainda Pte 30 497$00, para o levantamento do precatório cheque respectivo; (f) Assim, incumbe à Ap.e pagar também ao Ap.o estas despesas, ao abrigo do disposto nos arts. 406, 473 e 483/1 CC; (g) Não tendo decidido deste modo, a sentença recorrida violou, por errada interpretação, as disposições legais já citadas; (h) Deve ser revogada e condenada a Ap.e a pagar ao Ap.o, para além do montante Pte 1 965 162$00, acrescido de juros de mora, também o montante de Pte 75 994$00, acrescido dos respectivos juros de mora à taxa legal. 6. Não houve contra-alegações. 7. A sentença recorrida firmou-se nos seguintes argumentos: 4
(a) quando o interessado, licitando, excede a massa de bens a que tem direito (quinhão), faz uma aquisição a título oneroso 4 ; (b) [Assim] o prazo para depósito das tornas visa o cumprimento de uma obrigação e o seu decurso sem que a prestação se mostre efectuada fixa o momento em que, para efeitos da sua realização coactiva, o crédito não satisfeito voluntariamente se torna exigível, arts. 804 e 805 CC; (c) [Deste modo, também] a dívida de tornas vence juros legais de mora, desde o termo do prazo marcado para o pagamento (ou desde a data da sentença homologatória da partilha, se aquelas não tiverem sido reclamadas, art. 1378/4 CPC) 5 ; Quanto às restantes quantias reclamadas à interessada, o pedido não tem cobertura legal : Pagamento das custas: não se demonstra qualquer subrogação legítima, art. 595 CC; Pagamentos dos anúncios: deveria ter sido reclamado no inventário, como custas de parte; Pagamento do imposto de Selo: é uma imposição legal e processual, não decorre do relapso da parte contrária. 8. O recurso está pronto para julgamento. 9. Vejamos em primeiro lugar: a sentença recorrida e a posição que a sustenta, retomada pelo Ap.o, partem de jurisprudência porventura unânime (p. ex. Ac. STJ, 97.07.08, BMJ 469/388; Ac. RC, 98.03.31, CJ, 1998, 2º/36), segundo a qual os juros relativos a tornas cujo pagamento foi reclamado e não realizado contam-se após o termo do prazo fixado judicialmente para o depósito. 4 Citou Ac. STJ 74.04.16, www.dgsi.pt 5 Citou Ac. STJ, 97.07.08, BMJ 469/388; Ac. STJ, 79.04.19, BMJ 286/210; Ac. RL, 98.03.24, www.dgsi.pt. 5
E há, aqui, na verdade, a estipulação legal de um pagamento em metálico e uma específica interpelação para solver a dívida. Assim, não pode dar-se crédito aos argumentos contrários aduzidos pela Ap.a com base no art. 1378/4 CPC. Contudo devemos concordar, numa segunda abordagem da controvérsia que fica sempre salva a comum possibilidade de o exequente prescindir da mora. Ora este é porventura o aspecto estruturante do litígio, e que faz perder interesse ao tema do início da contagem dos juros. Com efeito, a renúncia da indemnização por mora está nos poderes gerais do credor e, pelo menos, será tacitamente havida se tendo podido ser exercida a cobrança em situação processual específica e adequadamente destinada, o beneficiário prescinde, tal como foi o caso do Ap.o 6. A lei se tem cuidado de dizer que a mora, contada da sentença homologatória, permanece contra o desinteresse coercivo do beneficiário das tornas, art. 1378/4 CPC (não podendo ser por isso indexado à indemnidade por via de um suposto e indutivo perdão da dívida), permite a contrario sensu que fique revogada se durante uma efectiva cobrança coercitiva não for exigida. Por conseguinte, procede a Apelação: (1) a mora deve contar-se a partir da data em que o depósito das tornas não foi efectuado; (2) mas pode ser e é renunciada se não for pedida no incidente executivo específico do inventário, art. 1378/3 CPC. Ao mesmo tempo, não procede o recurso subordinado, pelas definitivas e exactas razões dadas na sentença recorrida, à qual não é necessário acrescentar novos ou redundantes argumentos. 6 Vd. 2. (k). 6
10. Atento o exposto, visto os arts. 217, 800/2 e 809 CC, decidem revogar a sentença recorrida para absolverem a Ap.e do pedido, e julgarem simultaneamente improcedente o recurso subordinado. Custas pelo Ap.o, sucumbente. 7