Número de Classe e o Teorema de Dirichlet 1
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- Samuel Balsemão Santarém
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1 Número de Classe e o Teorema de Dirichlet 1 João Guerreiro LMAC Instituto Superior Técnico Este trabalho foi desenvolvido sob orientação do Professor João Pedro Boavida no âmbito das disciplinas de Projecto em Matemática e Seminário e Monograa. jleitaoguerreiro@gmail.com 1
2 Conteúdo 1 Introdução 3 Conceitos fundamentais 3 3 Teorema de Minkowski e suas consequências Teorema de Minkowski Teorema dos quatro quadrados Espaço L st Factorização única e nitude do número de classe Factorização única Ideais fracionários Grupo e número de classe Aplicações do número de classe 18 6 Teorema de Dirichlet Euclides e Dirichlet Ferramentas Teorema de Dirichlet Comentários nais 8
3 1 Introdução O presente texto descreve alguns dos principais resultados de Teoria de Números com ênfase numa perspectiva algébrica. As primeiras secções seguem uma abordagem algébrica culminando na compreensão do número de classe e suas aplicações. Na secção, introduzem-se os conceitos básicos de teoria algébrica de números, tais como, corpo de números, inteiro algébrico, norma e discriminante. Apresentam-se ainda várias proposições e lemas que serão utilizados nas secções posteriores. Nas secções 3 e 4, começa-se a construir o caminho em direcção ao número de classe. Demonstra-se o teorema de Minkowski e faz-se uma aplicação curiosa ao teorema dos quatro quadrados de Lagrange. O problema da factorização única é apresentado na secção 4, onde também se dene ideal fracionário e número de classe, duas ferramentas que permitem estudar o problema anterior. A secção 5 contém dois exemplos de aplicação dos resultados sobre o número de classe a equação diofantinas não lineares. Quanto à secção 6, ao contrário das restantes secções, tem um carácter mais analítico e é dedicada exclusivamente à demonstração do teorema de Dirichlet. Na secção nal, fazem-se alguns comentários a este texto com destaque para a bibliograa utilizada. Conceitos fundamentais Denição.1. Um corpo de números K é uma extensão algébrica nita (em C, por exemplo) do corpo Q. Denição.. Seja K um corpo de números. Um elemento x K diz-se inteiro algébrico se é raíz de um polinómio mónico de coecientes inteiros. Proposição.3. Seja V um Z-módulo nitamente gerado contido em C. Seja ω C; se ωv V então ω é um inteiro algébrico. Demonstração. Suponha-se que V = Zx Zx s. Sejam a ij Z tais que s s ωx i = a ij x j (a ij δ ij ω)x j = 0. j=1 j=1 3
4 Portanto, det(a ij δ ij ω) = 0 e ω satisfaz um polinómio mónico de coecientes inteiros. Conclui-se que ω é inteiro algébrico. Usando a proposição anterior conseguimos estabelecer o seguinte resultado: Teorema.4. O conjunto dos inteiros algébricos forma um anel. Demonstração. Sejam α e β inteiros algébricos. É imediato vericar que α e β são também inteiros algébricos. Resta provar que α + β e αβ são inteiros algébricos. Sabemos que α n + a n 1 α n a 0 = 0 e β m + b m 1 β m b 0 para alguns a i e b j inteiros. Seja W o Z módulo gerado por Z combinações lineares de α i β j com 0 i < n, 0 j < m. Observe-se que αw W e βw W. Portanto, (α + β)w W e (αβ)w W. Usando a proposição anterior conclui-se que α + β e αβ são inteiros algébricos. Corolário.5. O conjunto dos inteiros algébricos de um corpo de números K forma um anel. Esse anel designa-se por anel dos inteiros O K de K. Um elemento invertível de O K diz-se uma unidade. Facto.6. Seja K um corpo de números de dimensão n sobre Q. Existe θ K tal que K = Q(θ). Existem exactamente n homomorsmos injectivos de K em C e cada um deles envia θ numa raíz do polinómio mínimo de θ. A demonstração deste facto não é trivial. Denição.7 (Norma). Seja K um corpo de números e α K. Sejam σ i : K C os homomorsmos injectivos de K em C. Dene-se a norma de α, n N(α) = σ i (α). i=1 Facto.8. A norma é multiplicativa, N(αβ) = N(α)N(β) para todo o α e β em K. Se α O K então N(α) Z. Se α O K então N(α) = 1 se e só se α é unidade. Exemplo.9. Existem homomorsmos injectivos de Q( 3) em C, σ 1 e σ. σ 1 (a + b 3) = a + b 3 e σ 1 (a + b 3) = a b 3. Logo, N(a + b 3) = (a + b 3)(a b 3) = a 3b. 4
5 Exemplos.10. Q( ) é uma extensão quadrática de Q portanto é um corpo de números. O seu anel dos inteiros é Z[ ]. Q( 5) é um corpo de número com anel de inteiros igual a Z[ 1+ 5 ]. Q(ζ n ) é um corpo de números, onde ζ n designa uma raíz da unidade de ordem n. O seu anel de inteiros é Z[ζ n ]. A caracterização destes anéis de inteiros não é trivial. No entanto, esses anéis podem ser caracterizados facilmente no caso de uma extensão quadrática. Precisamos somente de duas proposições auxiliares. Como vimos no exemplo, o anel dos inteiros de uma extensão quadrática Q( D) não é necessariamente Z[ D]. Proposição.11. Um polinómio p(x) Z[x] diz-se primitivo se o máximo divisor comum dos seus elementos é 1. O produto de dois polinómios primitivos é também primitivo. Demonstração. Sejam f(x) = a 0 x n + +a n e g(x) = b 0 x m + +b m polinómios primitivos. Seja p um números primo e sejam a i e b j os coecientes de menor índice tais que p não divide a i, b j. O coeciente de x i+j em f(x)g(x) é: i+j i 1 a k b i+j k = a k b i+j k + k=0 k=0 i+j k=i+1 a k b i+j k + a i b j. A primeira soma do lado direito é um múltiplo de p porque p divide a k para 0 k < i. A segunda soma do lado direito é um múltiplo de p porque p divide b k para 0 k < j. Mas p não divide a i b j portanto também não divide a soma do lado esquerdo. Conclui-se que f(x)g(x) é primitivo. Proposição.1. Seja ω um inteiro algébrico e p(x) Q[x] mónico de grau mínimo tal que p(ω) = 0. Então, p(x) Z[x]. Demonstração. Como ω é inteiro algébrico existe f(x) Z[x] mónico tal que f(ω) = 0. Como p(x) tem grau mínimo, então existe g(x) Q[x] mónico tal que f(x) = p(x)g(x). Existem m, n Z tais que mp(x) Z[x], ng(x) Z[x] e são ambos primitivos. proposição anterior, (mp(x))(ng(x)) = (mn)f(x) é primitivo. Conclui-se que mn = 1 e p(x) Z[x]. Pela 5
6 Teorema.13. Seja D um inteiro livre de quadrados, K = Q( D). Se D, 3 mod 4 então O K = Z[ D]. Se D 1 mod 4 então O K = Z[ D 1 ] Demonstração. Sejam y, r, s Q, então N(y (r+s D)) = (y (r+s D))(y (r s D)) = y ry + (r Ds ). Denimos o polinómio seguinte f(x) = x rx + (r Ds ). f(r + s D) = (r + s D r)(r + s D) + (r Ds ) = (Ds r ) + (r Ds ) = 0. Pela proposição anterior, r + s D é inteiro algébrico se e só se r e r Ds são inteiros. Podemos escrever r = a com a Z e s = b c com b, c Z coprimos. r Ds = a 4 Db c = a c 4Db 4c Z c a c 4Db c 4D c porque D é livre de quadrados. Portanto, r = a 1 e s = a onde a 1, a Z. Sabemos ainda que a 1 Da 4 Z. Note-se que os quadrados módulo 4 são 0 e 1. Se D, 3 mod 4 então a 1 a 0 mod 4 r, s Z. Se D 1 mod 4 então a 1 a 0, 1 mod 4. Neste caso, k = a 1+a Z portanto r + s D = k + a D 1. Para terminar a demonstração basta vericar que os elementos de Z[ D] e Z[ D 1 ], respectivamente, são inteiros algébricos. Denição.14. Seja K = Q(θ) e {α 1,, α n } uma Z-base de K sobre Q. Dene-se o discriminante da base {α 1,, α n } como [α 1,, α n ] = σ i (α j ). Pode-se mostrar que o discriminante não depende da base escolhida, portanto denotamos esse discriminante simplesmente por. 6
7 3 Teorema de Minkowski e suas consequências 3.1 Teorema de Minkowski O teorema de Minkowski tem um enunciado bastante simples, mas consequências importantes. Informalmente, o teorema diz que dado um reticulado em R n e um conjunto sucientemente grande e regular então esse conjunto contém um ponto não nulo do reticulado. Começamos por introduzir algumas denições e proposições. Denição 3.1. Um reticulado R de dimensão m em R n é um subgrupo aditivo de (R n, +) gerado por m vectores linearmente independentes. A proposição seguinte conrma que a denição corresponde à nossa intuição geométrica de reticulado. Facto 3.. Um subgrupo aditivo de R n é um reticulado se e só se é discreto. Denição 3.3. A região fundamental F de um reticulado R gerado por {e 1,, e n } é o conjunto dos pontos da forma n a i e i, 0 a i < 1 i=1 Geometricamente, a região fundamental é um dos quadradinhos do reticulado. Facto 3.4. Se R é um reticulado de dimensão n então R n /R é isomorfo ao toro-n, T n. Podemos denir a projecção no toro-n, π : R n T n. Esta projecção dá-nos uma bijecção entre a região fundamental e o toro-n. Denição 3.5. O volume v(x) de um subconjunto X de R n é X dx. O volume v(y ) de um subconjunto Y de T n é igual a v(π 1 (Y ) F ), ou seja, ao seu volume na região fundamental. Facto 3.6. Seja X um subconjunto limitado de R n tal que v(x) existe. Se v(π(x)) v(x) então π X não é injectiva. O facto anterior é muito intuitivo apesar dos pormenores da demonstração pouco ajudarem à sua compreensão. O facto vai ter um papel fulcral na demonstração do teorema que se segue. 7
8 Teorema 3.7 (Minkowski). Seja R um reticulado de dimensão n em R n com região fundamental F. Seja X um subconjunto limitado, convexo e simétrico em relação à origem de R n. Se então X contém um ponto não nulo de R. v(x) > n v(f ) Demonstração. Seja R = R um novo reticulado. A sua região fundamental é F = F com volume v(f ) = n v(f ). Seja π a projecção associada ao novo reticulado. Note-se que v(x) > n v(f ) = v(f ) v(π(x)). Pela proposição anterior, sabemos que π X não é injectivo, ou seja, existem x, y X distintos tais que π (x) = π (y). Isto implica que x y R = R logo x y R. Por outro lado, pela simetria de X sabemos que y X e pela convexidade que x y X. Conclui-se que x y é um ponto não nulo de X que pertence ao reticulado R, como desejado. 3. Teorema dos quatro quadrados Uma consequência curiosa do teorema de Minkowski é o teorema dos quatro quadrados de Lagrange. Teorema 3.8 (Lagrange). Todo o número natural pode ser escrito como uma soma de quatro quadrados perfeitos. Demonstração. Usando a identidade seguinte vericamos que basta provar o teorema para números primos, (x 1 + x + x 3 + x 4)(y1 + y + y3 + y4) = ( x 1 y 1 + x y + x 3 y 3 + x 4 y 4 ) + (x 1 y + x y 1 + x 3 y 4 x 4 y 3 ) +(x 1 y 3 x y 4 + x 3 y 1 + x 4 y ) + (x 1 y 4 + x y 3 x 3 y + x 4 y 1 ) Provemos o teorema para um dado número primo p. Se p é par, =
9 Se p é ímpar, sabemos que a equação x + y mod p tem solução. Basta observar que x e 1 y podem tomar p+1 valores distintos. Se a equação não tivesse soluções então obteríamos p + 1 classes de congruência distintas mod p. Considere-se o reticulado R Z 4 tal que (a, b, c, d) R se e só se c ax + by mod p, d bx ay mod p. R é um subgrupo de Z 4 com índice p portanto a sua região fundamental tem área p. Sabemos ainda que a esfera-4 de raio r tem volume π r 4. Escolhemos r = 1.9p. Então, π r p > 16p = 4 p. Pelo teorema de Minkowski, existe um ponto não-nulo (a, b, c, d) R tal que a + b + c + d r 1.9p < p. Como (a, b, c, d) 0 temos 0 < a + b + c + d < p e a +b +c +d a +b +(ax+by) +(bx ay) a (1+x +y )+b (1+y +x ) 0 mod p. Logo, a + b + c + d = p, como desejado. 3.3 Espaço L st Voltando a ter em vista a caracterização do grupo de classe fazemos uma interpretação geométrica dos subgrupos de um corpo de números. Seja K = Q(θ). Dizemos que σ i : K C é um monomorsmo real (resp. complexo) se σ i (θ) é real (resp. não real). Se σ i é complexo então σ i (α) = σ i (α) é também um monomorsmo de K em C. Como σ i = σ i, podemos dividir os monomorsmos de K em C em monomorsmos reais e em pares conjugados de monomorsmos complexos. Seja s o número de monomorsmos reais de K em C e t o número de pares conjugados de monomorsmos complexos de K em C. Note-se que n = s + t. Enumeramos os monomorsmos do seguinte modo: σ 1,, σ s, σ s+1, σ s+1,, σ s+t, σ s+t. Denição 3.9. O espaço L st dene-se como R s C t, com a seguinte norma: N(x 1,, x s, x s+1,, x s+t ) = x 1 x s x s+1 x s+t 9
10 Este espaço permite-nos trabalhar com todos os monomorsmos de K em C simultaneamente. Para tal denimos σ : K L st como σ(α) = (σ 1 (α),, σ s (α), σ s+1 (α),, σ s+t (α)). Como os σ i são homomorsmos de Q-álgebras é fácil vericar que σ também o é. Temos ainda N(σ(α)) = σ 1 (α) σ s (α) σ s+1 (α) σ s+t (α) = σ 1 (α) σ s (α)σ s+1 (α)σ s+1 (α) σ s+t (α)σ s+t (α) = N(α). Esta última norma é a norma usual de K. Proposição Se α 1,, α n é base de K sobre Q então σ(α 1 ),, σ(α n ) são linearmente independentes sobre R. Demonstração. Escrevemos σ j (α l ) = x (l) j 1 j t onde x (l) j, y(l) k, z(l) k são reais. Queremos vericar que o determinante D = x (1) para 1 j s e σ s+j (α l ) = y (l) j 1 x (1) s y (1) 1 z (1) 1 y (1) 1 x (n) s y (n) 1 z (n) 1 y (n) t x (n) t z (1) t z (n) t + iz (l) j é não nulo. Note-se que x (1) 1 x (1) s y (1) 1 + iz (1) 1 y (1) 1 iz (1) 1 y (1) t + iz (1) t y (1) t iz (1) t D = x (n) 1 x (n) s y (n) 1 + iz (n) 1 y (n) 1 iz (n) 1 y (n) t + iz (n) t y (n) t iz (n) t σ 1 (α 1 ) σ s (α 1 ) σ s+1 (α 1 ) σ s+1 (α 1 ) σ s+t (α 1 ) σ s+t (α 1 ) = σ 1 (α n ) σ s (α n ) σ s+1 (α n ) σ s+1 (α n ) σ s+t (α n ) σ s+t (α n ) para Logo, D = [α 1,, α n ] 0. É um exercício de álgebra linear vericar que D = ( i) t D portanto D 0, como desejado. 10
11 Mais importante do que o teorema anterior vai ser o seguinte corolário. Corolário Se G é um subgrupo nitamente gerado de (K, +) com Z-base {α 1,, α m } então σ(g) é um reticulado de L st. 4 Factorização única e nitude do número de classe 4.1 Factorização única Quando fazemos contas com números inteiros estamos habituados a que estes números tenham uma única factorização em número primos (a menos de factores 1 e 1). Em geral, esta propriedade não se verica em anéis de inteiros de um certo corpo de números. Denição 4.1. Um inteiro algébrico x O K diz-se irredutível se x = yz com y, z O K implica que y ou z é unidade. Todo o inteiro algébrico em O K tem factorização em irredutíveis. Para um certo corpo de números os elementos irredutíveis fazem o papel dos números primos em Z. Estamos interessados em estudar as factorizações em elementos irredutíveis. Denição 4.. Um anel A diz-se um domínio de factorização única se qualquer elemento de A tem uma única factorização em irredutíveis, a menos de unidades. O seguinte é um teorema elementar de álgebra. Teorema 4.3. Todo o domínio de ideais principais é um domínio de factorização única. Exemplos 4.4. Z[i] é um domínio de factorização única. Z[ 3 1 ] é um domínio de factorização única. Apesar de e (1 + 3)(1 3) parecerem factorizações distintas de 4 elas são equivalentes porque 1+ 3 e 1 3 são unidades. Z[ 5] não é domínio de factorização única. Temos 6 = 3 = (1 + 5)(1 5). Estas factorizações são, de facto, distintas. Podemos vericar que N() = 4, N(3) = 9, N(1 + 5) = N(1 5) = 6. 11
12 4. Ideais fracionários Vamos agora tentar perceber se um dado anel de inteiros é um domínio de factorização única e, em caso de resposta negativa, quão longe está de ter factorização única. Denição 4.5. Um ideal fraccionário de O é um O-submódulo a de O tal que existe um elemento não nulo c O tal que ca O. Se a é um ideal fraccionário então ca = b é um ideal de O. Podemos escrever a = c 1 b. Se a 1 = c 1 1 b 1 e a = c 1 b então a 1 a = (c 1 c ) 1 b 1 b. Denição 4.6. O inverso de um ideal a dene-se como a 1 = {x K : xa O}. O inverso de a é um ideal fraccionário. Note-se que aa 1 O e a b a 1 b 1 Teorema 4.7. Os ideais fraccionários não nulos de O formam um grupo abeliano para a multiplicação. Além disso, todo o ideal de O pode ser escrito como um produto de ideais primos, único a menos de permutação. Ideia da demonstração: A demonstração é um pouco extensa portanto está separada em pequenos lemas, alguns dos quais não serão demonstrados. Seja a 0 ideal de O. Existem ideais primos p 1,, p r tais que p 1 p r a: Suponha-se que tal não é verdadeiro. Como O é Noetheriano (porque os seus ideais são nitamente gerados) então existe um ideal a maximal entre os que não vericam a armação. Como a não é primo, existem b e c ideais de O tais que bc a, b a, c a. Sejam a 1 = a + b e a = a + c. Então, a 1 a a, a a 1, a a. Pela escolha de a sabemos que existem p 1,, p j, p j+1,, p r tais que p 1 p j a 1 p j+1 p r a. Portanto, p 1 p r a 1 a a. Obtemos uma contradição. 1
13 Se a é um ideal próprio então a 1 O e se a é ideal não nulo então aa 1 = O : Prove-se primeiro para a maximal. Todo o ideal fraccionário a tem inverso a 1 tal que aa 1 = O: Escreva-se a = c 1 b onde b é ideal. Então, a = cb 1 é inverso de a porque aa = (c 1 c)(bb 1 ) = O. Todo o ideal não nulo a é um produto de ideais primos: Suponha-se que existe a que contradiz a armação. Como O é Noetheriano podemos supor a maximal entre os que não vericam a armação. Como a não é primo então está contido num ideal maximal (e primo) p. Se a = ap 1 então p 1 O pelo terceiro passo, contradizendo o segundo passo. Portanto, a ap 1. Pela escolha de a, existem ideais primos p 1,, p r tais que ap 1 = p 1 p r A factorização em ideais primos é única. a = pp 1 p r Note-se que se a = c 1 b é um ideal fraccionário e c = p 1 p r, b = q 1 q s então a = p 1 1 p 1 r q 1 q s. Denição 4.8. A norma de um ideal não nulo a dene-se como O/a. Proposição 4.9. A norma de um ideal é nita. Demonstração. Seja a um ideal não nulo. Basta considerar O e a como grupos abelianos. Como grupo abeliano, O = Z n. Seja x a não nulo, então m = N(x) a é um inteiro não nulo. Como m a então O/a O/ m = m n <. Pode-se demonstrar que esta norma, tal como todas as outras, é multiplicativa. 13
14 Proposição Seja a ideal de O com Z-base {α 1,..., α n }. Então, onde é o discriminante de K. N(a) = [α 1,..., α n ] Demonstração. Como O/a < então a = Z n como grupo abeliano portanto tem uma Z-base {α 1,, α n }. Seja {e 1,, e n } uma Z-base de O. Suponha-se que α j = n i=1 c ije i. Por outro lado, Como N(a) > 0 obtemos o pretendido. 1/ N(a) = O/a = det(c ij ). [α 1,, α n ] = (det(c ij )) [e 1,, e n ] = N(a). Corolário Se a = a é ideal principal então N(a) = N(a). Demonstração. Uma Z-base de a é {ae 1,, ae n }. N(a) = [α 1,, α n ] 1/ ( n = σ i (a)) i=1 1/ = N(a). Vamos tirar partido desta nova norma para estabelecer um resultado importante. Teorema 4.1. A factorização em irredutíveis em O é única se e só se todo o ideal de O é principal. Demonstração. Já sabemos que se os ideais de um anel são principais então temos factorização única. O contrário não é verdade em geral mas podemos prová-lo para anéis de inteiros. Como qualquer ideal de O é um produto de ideais primos basta provar que todo o ideal primo é principal. 14
15 Seja p um ideal primo não nulo. Sabemos que m = N(p) p e m = π 1 π k factoriza- -se em irredutíveis. Como a factorização em irredutíveis é única então os π i são primos e, consequentemente, os π i são ideais primos. Então, p m = π 1 π k. Como p é ideal primo, então existe um π i tal que π i p. Como os ideais primos são maximais, p = π i. 4.3 Grupo e número de classe Podemos agora denir o grupo de classe, que vai permitir compreender quando é que o anel de inteiros tem factorização única. Denição Seja O um anel de inteiros. Seja F o grupo dos ideais fraccionários com multiplicação e P o subgrupos dos ideais fraccionários principais. O grupo de classe de O é o grupo quociente O número de classe de O é h(o) = (H). H = F/P. Podemos reescrever o teorema anterior da seguinte forma: Teorema A factorização em O é única se e só se h(o) = 1. As proposições que se seguem têm como objectivo nal demonstrar que o grupo de classe de um anel de inteiros é um grupo nito. Começamos com um resultado geométrico, consequência do teorema de Minkowski. Proposição Seja R um reticulado em L st de dimensão n = s + t cujo região fundamental tem volume V. Seja c real positivo tal que ( ) 8 t c n > n! V. π Então, existe x = (x 1,, x s+t ) R não nulo tal que x 1 + x s + x s x s+t < c. 15
16 Demonstração. Seja X c L st o conjunto dos pontos que vericam x 1 + x s + x s x s+t = x 1 + x s + y 1 + z1 + + yt + z t < c. Observe-se que X c é limitado, convexo e simétrico em relação à origem. É um exercício de cálculo integral (usando coordenadas polares e indução em s + t) vericar que ( v(x c ) = s π ) t c n n!. O teorema de Minkowski dá-nos o resultado desejado se ( v(x c ) > s+t V s π ) t c n n! > s+t V c n > ( ) 8 t n! V. π Para demonstrar o teorema que se segue enunciamos o seguinte lema, sem demonstração. Lema Seja R um reticulado de dimensão n em R n com base {e 1,, e n }. Se e i = (a 1i,, a ni ) então o volume da região fundamental de R é det a ij. Teorema Seja K um corpo de números de grau n = s + t com anel de inteiros O e seja a um ideal não nulo de O. O volume da região fundamental de σ(a) em L st é igual a onde é o discriminante de K. t N(a) Demonstração. Seja {α 1,, α n } uma Z-base de a. Usando a notação de 3.10, uma Z-base para σ(a) é gerada pelos elementos (x (i) 1,, x(i) s, y (i) 1, z(i) 1,, y(1) t, z (i) t ). Usando a notação de 3.10, pelo lema anterior o volume da região fundamental é D = ( i) t D = t [α 1,, α n ]. Como obtemos o desejado. N(a) = [α 1,, α n ] 1/ 16
17 Teorema Se a 0 é um ideal de O então a contém um inteiro algébrico α tal que ( ) 4 t n! N(α) π n n N(a). Demonstração. Seja ɛ > 0 e c real positivo tal que ( ) 4 t c n = n! N(a) + ɛ. π Com V = t N(a) aplica-se a proposição 4.15 para concluir que existe α tal que σ 1 (α) + + σ s (α) + σ s+1 (α) + + σ s+t (α) < c n σ 1 (α) + + σ s (α) + σ s+1 (α) + σ s+1 (α) + + σ s+t (α) + σ s+t (α) < c. Pela desigualdade aritmética-geométrica, N(a) = σ 1 (α) σ s (α)σ s+1 (α)σ s+1 (α) σ s+t (α)σ s+t (α) ( c ) ( ) n 4 t n! < = n π n n N(a) + ɛ n n. Como o reticulado é discreto, o conjunto A ɛ dos α para os quais a desigualdade se verica é nito e não vazio. Portanto, A = ɛ A ɛ é também não vazio. Escolhendo α A obtemos o resultado. Corolário Todo o ideal não nulo a de O é equivalente a um ideal com norma menor ou igual a ( ) 4 t n! π n. n Demonstração. Observe-se que a 1 = bc implica que a 1 é equivalente a c. Portanto, ac é equivalente a O. Pelo teorema anterior, existe um inteiro algébrico α c tal que ( ) 4 t n! N(α) π n n N(c). Como α c temos α = bc para algum ideal inteiro b. Observe-se que b é equivalente a c 1 e, consequentemente, equivalente a a. Por outro lado, N(b) = N( α ) N(c) ( ) 4 t n!. π n n 17
18 Teorema 4.0 (Finitude do número de classe). O grupo de classe de um corpo de numeros é um grupo nito. Demonstração. Seja a um ideal com norma igual a k. Então, a é factor de k. Pela factorização única de ideais, há um número nito de possibilidades para a. Pelo corolário anterior, toda a classe de equivalência do grupo de classe tem um representante com norma menor ou igual a ( ) 4 t n! π n N(a). Conclui-se que há um número n nito de classes de equivalência, isto é, o grupo de classe é nito. 5 Aplicações do número de classe Nesta secção iremos utilizar a nitude do número de classe para resolver equações diofantinas. Serão exemplicadas situações em que o número de classe é 1 (quando temos factorização única de elementos) e em que o número de classe é superior a 1. Comecemos por enunciar dois lemas que nos serão úteis nos cálculos posteriores. Lema 5.1. Seja a um ideal de O e n a Z. Então, n a, ou seja, a é um divisor de n. Demonstração. A primeira observação é imediata, a segunda segue da factorização única em ideais primos. Lema 5.. Seja K um corpo de números de grau n, com O = Z[θ]. Dado um primo racional p, seja f Z[t] o polinómio mínimo de θ sobre Q e f a projecção de f em (Z/pZ) [t]. Suponha-se que f tem a seguinte factorização em irredutíveis em (Z/pZ) [t]: e1 e t f = f 1 f t onde f i é a projecção em (Z/pZ) [t] de um polinómio f i Z[t]. Então, o ideal gerado por p tem a seguinte factorização em ideais primos em O: onde p i = p + f i (θ). p = p 1 e1 p t e t 18
19 A demonstração deste último lema pode ser lida em [1]. Considere-se a seguinte equação nos números inteiros: x + = y 3. Podemos factorizar o lado esquerdo da equação em (x )(x+ ), em O = Z[ ]. Recorde-se que este anel é o anel dos inteiros de Q( ). Usando a estimativa dada por 4.19, sabemos que todo o ideal de O é equivalente a um ideal com norma inferior a 4 π O único ideal com norma igual a 1 é o O. Como todos os ideais são equivalentes a O então o número de classe de Z[ ] é 1, logo é um domínio de factorização única. Suponha-se que mdc(x+, x ) 1. Seja z um factor primo comum de x+ e x (e de y). Então, z (x + ) (x ) = z 8. Analisando a equação mod 4 observamos que x 1 mod 4 e y 1 mod 4. Como y é impar e z divide y e 8 então z é invertível. Conclui-se que x + e x não têm factores em comum. que Como x + e x não têm factores em comum, então existem a e b inteiros tais x + = (a + b ) 3 x = a 3 6ab, 1 = 3a b b 3 = b(3a b ). Da segunda equação retiramos a = ±1 e b = 1, logo x = ±5. Substituindo na equação original obtemos as soluções (x, y) = (5, 3), ( 5, 3). Vamos agora estudar outra equação que não permite (pelo menos de forma óbvia) utilizar factorização única de elementos. Teremos de nos contentar com factorização única de ideais. Eis a equação: x + 1 = y 3. Factorizamos novamente o lado esquerdo da equação, desta feita em (x + 1)(x 1) no anel O = Z[ 1]. Este anel é o anel de inteiros de Q( 1). 19
20 Usando a estimativa dada por 4.19, sabemos que todo o ideal de O é equivalente a um ideal com norma inferior a 4 π Esses representantes de cada classe são divisores de um dos seguintes ideais, 3, 4 e 5. Usando o lema 5. obtemos as seguintes factorizações em ideais primos, =, = a 3 = 3, 1 = b 5 = 5, + 1 5, = cd Portanto, todo o ideal de O é equivalente a um dos seguintes ideais, O, a, b, c e d. Isto implica que h(o) 5. Denotemos por [a] a classe de equivalência de a no grupo de classe. Fazemos agora algumas observações acerca das normas destes ideais. N(a) = N( ) = 4 N(a) = N(b) = N( 3 ) = 9 N(a) = 3 Se a ou b são ideais principais então a sua norma é igual à norma de um elemento α O, ou seja, da forma a + 1b para a e b inteiros. Mas e 3 não podem ser escritos dessa forma, logo [a], [b] [O]. Veriquemos que [a] [b]. Suponha-se que [a] = [b], então [ab] = [a ] = [O]. Como N(ab) = N(a)N(b) = 6 e 6 também não é da forma a + 1b então [ab] = [a ] [O]. Concluímos que h(o) 3 porque os ideais O, a e b estão todos em classes distintas. Como o grupo de classe tem elementos de ordem ([a], por exemplo) então h(o) é par. Concluímos que h(o) = 4. Voltemos a olhar para a equação, desta vez como uma equação de ideais de O: x + 1 x 1 = y 3 Comecemos por provar que x + 1 e x 1 não têm factores em comum. Seja p um ideal primo que divide x + 1 e x 1. Observe-se que p divide y. 0
21 A partir da equação inicial é imediato vericar que mdc(x, y) = 1, mdc(x, 1) = 1 e mdc(y, 1) = 1. Analisando-a mod 4 conclui-se que y é ímpar. Observe-se que (x + 1) (x 1) = 1 p 84 p y p Como mdc(y, 84) = 1 então 1 p. Conclui-se que x + 1 e x 1 não têm factores em comum. Da factorização única de ideais reparamos que existe ideal a 1 tal que x + 1 = a 3 1. Como h(o) = 4 então [a 1 ] = [a 3 1 ] 1 = [ x + 1 ] 1 = [O] 1 = [O]. Seja a 1 = a + b 1 onde a e b são inteiros. Obtemos as seguintes equações (note-se que 1 e 1 são as únicas unidades em Z[ 1]): x + 1 = (a + b 1) 3 1 = 3a b 1b 3 Como a equação acima não tem soluções inteiras concluímos que a equação x + 1 = y 3 também não tem soluções inteiras. 6 Teorema de Dirichlet Esta secção afasta-se um pouco do caminho seguido até agora. Trata-se de uma versão resumida do seminário Teorema de Dirichlet apresentado no Seminário Diagonal do IST. 6.1 Euclides e Dirichlet Começamos com a demonstração de Euclides da innitude dos primos. Suponha-se que existe um número nito de primos, {p 1, p,, p n }. 1
22 Tomamos x = p 1 p p n + 1 e vericamos que p i não divide x. Conclui-se que x tem um divisor primo diferente dos p i portanto a lista de primos apresentada não é exaustiva. Podemos repetir este mesmo argumento para os primos da forma 4n 1. Suponha-se que existe somente um número nito de primos dessa forma, {p 1, p,, p n }. Escolhemos x = 4p 1 p p n 1 1 mod 4 e vericamos que p i não divide x. Conclui-se que x tem um divisor primo congruente com 1 mod 4 diferente dos p i, portanto a lista de primos apresentada não é exaustiva. Para primos de outras formas não conseguimos replicar este argumento. Podemos tentar fazê-lo para primos da forma 5n +. Suponha-se que existe um número nito de primos dessa forma, {p 1, p,, p n }. Denimos x = 5p 1 p p n 3 mod 5 e vericamos que p i não divide x. No entanto, neste caso x pode não ter factores congruentes com mod 5. Tome-se o seguinte exemplo: = 587 = Apesar desta diculdade, iremos conseguir demonstrar nesta secção alguns casos particulares do teorema seguinte: Teorema 6.1 (Dirichlet). Dados naturais coprimos a e b, existem innitos primos da forma an + b.
23 6. Ferramentas Começamos por desenvolver algumas ferramentas para poder atacar este teorema. Denição 6. (Função Zeta). Seja s tal que R(s) > 1, ζ(s) = n s. n=1 Proposição 6.3. Seja s tal que R(s) > 1. Então, ζ(s) = ( p 1 1 p s Demonstração. Fazemos esta demonstração ignorando as questões de convergência. Vericar a convergência não tem qualquer diculdade adicional. ( ) 1 1 p s = p sk = n s. p p k=0 n=1 A última igualdade segue da factorização única dos inteiros em números primos. Usando a proposição anterior podemos demonstrar novamente que os números primos são um conjunto innito. Suponha-se que só existe um número nito de primos: Por outro lado, lim ζ(s) = lim s 1 s 1 p ( ) 1 1 p s = p ). ( ) 1 1 p 1 <. lim ζ(s) = 1 s 1 n =. n=1 Vamos tentar repetir este género de argumento utilizando um conjunto de funções intimamente relacionadas com a função Zeta. Denição 6.4 (Funções-L de Dirichlet). Para s > 1, L(s, χ) = n=1 χ(n) n s onde a função χ é completamente multiplicativa e será denida mais à frente. 3
24 Podemos também escrever estas funções como produtos sobre os números primos. Proposição 6.5. L(s, χ) = p 1 1 χ(p) p s Demonstração. Análoga à da proposição 6.3. Denimos agora as funções que surgem nas funções L-Dirichlet. Denição 6.6. Seja G um grupo abeliano nito. Um caracter χ é um homomorsmo de G para C. O caracter χ 1 tal que χ 1 (g) = 1 para todo o g G é o caracter principal. Seja n a ordem do grupo G. Observe-se que χ(g) n = χ(g n ) = χ(e) = 1, ou seja, a imagem de χ está contida nas raízes n da unidade. Usando a observação anterior e as propriedades do grupo (Z/5Z) conseguimos calcular a tabela de caracteres desse grupo: χ χ χ 3 1 i i 1 χ 4 1 i i 1 Uma das propriedades mais importantes dos caracteres é a que enunciamos de seguida. Proposição 6.7 (Ortogonalidade). Sejam χ e ψ caracteres de G e g, h G. { G se g = h χ(g)χ(h) = 0 se g h χ { G se χ = ψ χ(g)ψ(g) = 0 se χ ψ g 4
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