INTERAÇÃO NUTRIÇÃO E REPRODUÇÃO: MANEJO REPRODUTIVO DE FÊMEAS NOS TRÓPICOS INTRODUÇÃO
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- Benedicta César Brandt
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1 INTERAÇÃO NUTRIÇÃO E REPRODUÇÃO: MANEJO REPRODUTIVO DE FÊMEAS NOS TRÓPICOS Ademir de Moraes Ferreira 1 Médico Veterinário, DS, Pesquisador da Embrapa Gado de Leite. ademirmf@cnpgl.embrapa.br INTRODUÇÃO Para se implantar um manejo reprodutivo eficiente, é necessário que se estipulem metas bem definidas com relação ao desempenho reprodutivo. Essas metas devem ser coerentes com as condições existentes na propriedade, portanto, possíveis de serem atingidas, pois deverão servir como base para o plano estratégico relacionado com o manejo e os programas de saúde e alimentação a serem estabelecidos, de maneira a se obter o desejável de maneira rentável. O Intervalo de Partos (IP) de 12 meses ou próximo de um ano inclui-se entre essas metas desejadas, por ser considerado economicamente ótimo para vacas leiteiras (BRITT, 1996; OPSOMER et al., 1996), o mesmo ocorrendo para gado de corte (um bezerro/ano), e para isso o período de serviço ou intervalo parto e concepção não poderá exceder 80 a 90 dias (SANTOS e AMSTALDEN, 1998). A maioria das vacas leiteiras bem manejadas começa a ciclar (reinício da atividade ovariana luteal cíclica - AOLC) novamente entre a 2.ª e 4.ª semana pós parto. As vacas com problemas de saúde, amamentando (vacas de corte) ou que apresentam acentuado Balanço Energético Negativo (BEN) pós-parto podem atrasar o aparecimento do cio no início da lactação. Há citações de que as vacas ovulam pouco depois que o BEN alcançou seu ponto mais baixo e começou a se elevar para atingir o ponto de equilíbrio. Um bom indicador da adequada alimentação do rebanho é a proporção de vacas que ainda não voltaram a ciclar até a 6.ª semana pós parto (45 dias). Quando esse índice excede a 25 % dos animais, é indicativo da necessidade de uma cuidadosa avaliação do programa de alimentação, com o objetivo de aumentar o consumo de energia e encurtar o período de BEN. Deve-se lembrar que falhas na identificação de cios podem estar contribuindo para o problema (CANFIELD e BUTTLER, 1991; OPSOMER et al., 1996).
2 138 - II Simpósio de Produção de Gado de Corte Algumas vacas começam a ciclar normalmente dentro do período desejado pós parto, mesmo perdendo muito peso no início da lactação, desde que apresentem boa condição corporal ao parto, porém, em geral, esses cios mostram baixa fertilidade quando o animal é acasalado ou inseminado nesse período (BRITT, 1996; SANTOS e AMSTALDEN, 1998). Entre tantos outros fatores que afetam o desempenho reprodutivo de vacas de leite e corte, o manejo nutricional é o que tem maior impacto, sendo a energia o principal nutriente requerido para a reprodução de fêmeas bovinas. A insuficiente ingestão de energia está correlacionada com inferior performance reprodutiva, refletindo num maior intervalo parto e 1.º cio / ovulação pós-parto e/ou menor taxa de concepção em fêmeas bovinas de corte e leite (SANTOS e AMSTALDEN, 1998; de VRIES e VEERKAMPF, 2000). A relação entre nutrição e reprodução em rebanhos leiteiro e de corte tem sido extremamente revisada (STAPPLES e THATCHER, 1997; SWECKER, 1997; STAPPLES et al., 1998; de VRIES E VEERKAMPF, 2000). É importante salientar também, que em relação à proteína, tanto sua deficiência como o excesso podem prejudicar o desempenho reprodutivo. Vacas de corte alimentadas com pastagem de baixa qualidade, ingerem dieta com déficit protêico, e nesses casos podem apresentar comprometimento da fermentação ruminal, com menor consumo de matéria seca e menor digestibilidade da fibra. Desse modo a ingestão de energia será limitada devido à maior ingestão de fibra, associada ao baixo conteúdo de proteína na dieta (SANTOS e AMSTALDEN, 1998). Quando a proteína é ingerida em excesso (condição mais rara) podem ocorrer aumento do N 2 ureico no sangue e leite, alteração da atividade tubárea e endometrial, maior custo energético (gasto de ATP para transformação de NH 3 em uréia para ser eliminada) e uma possível supressão do sistema imunológico.
3 II Simpósio de Produção de Gado de Corte CONDIÇÃO CORPORAL E EFICIÊNCIA REPRODUTIVA O Escore da Condição Corporal (ECC) tem sido utilizado como eficiente método auxiliar de manejo para rebanho de leite e corte, pois permite uma avaliação da disponibilidade de reservas energéticas do animal. O ECC de cada animal é obtido com base na observação visual e/ou palpação de determinadas áreas do corpo (costelas, região dorsal e caudal, anca, inserção da cauda...), onde são avaliados subjetivamente os depósitos de gordura subcutâneo e massa muscular. A reduzida ingestão de nutrientes está associada com perda de peso corporal, que traz como conseqüência mudanças no ECC (VIZCARRA et al., 1998). Em rebanhos leiteiros é mais comumente usada a escala de ECC variando de 1 a 5 (FOX, 1991). Para gado de corte utiliza-se, em geral, o ECC variando de 1 a 9, com base na gordura subcutânea. (FOX, 1991) mostra na Tabela 1 os sistemas de Escore de Condição Corporal mais comumente usados para bovinos de leite e corte, e a porcentagem estimada de gordura corporal correspondente a cada escore. A escala pode ser aperfeiçoada adicionando-se (+) ou (-) para cada escore, em casos de dúvidas. Para raças de corte européias, a mudança de 1 unidade de ECC na escala de 1 a 9 corresponde de 30 a 40 Kg de mudança no peso corporal (SWECKER, 1997). Para vacas de raça Holandês (HPB), uma unidade de mudanças no ECC na escala de 1 a 5 representa de 50 a 60 Kg do peso corporal (FERGUSON, 1991). A performance reprodutiva de vacas de corte é altamente influenciada pela condição corporal ao parto. A nutrição em período anterior ao parto, que se reflete no ECC ao parto, é o fator mais importante determinante do intervalo parto e 1.º cio/ovulação (OSORO e WRIGHT, 1992). Experimentos conduzidos com mais de 1742 vacas de corte, mostraram pouca influência da alimentação pós-parto no intervalo parto e 1.º cio, quando as mesmas apresentaram adequado ECC ( 6) ao parto.
4 140 - II Simpósio de Produção de Gado de Corte Tabela 1 - Escore de condição corporal (ECC) na vaca CORTE LEITE % GORDURA APARÊNCIA DA VACA 1 1 5,0 2 1,5 9,4 3 2,0 13,7 4 2,5 18,1 5 3,0 22,5 6 3,5 26,9 7 4,0 31,2 8 4,5 35,6 9 5,0 40,0 Extremamente raquítica, próxima da morte por inanição. Costela, espinha dorsal e anca muito proeminentes. Nenhum tecido gorduroso visual. Um pouco definhada. Costelas, espinha dorsal e anca proeminentes. Magra. Costelas visualizadas individualmente, mas não tão salientes. Um pouco de carne ao longo da espinha dorsal. Costelas individuais pouco ou não evidentes. Pouca gordura sobre costelas e ossos da anca. Pode apalpar espinha, não pontiaguda. Moderada ou boa. Gordura palpável sobre as costelas e qualquer lugar de garupa. Espinha dorsal pouco visível. Necessita de pressão para apalpar espinhas. Considerável gordura palpável sobre as costelas. Gorda. Um pouco de gordura no peito, boa quantidade de gordura sobre as costelas. Acúmulo de gordura na região da garupa. Muito gorda. Peito repleto e grande depósito de gordura sobre as costelas, garupa, inserção da camada e vulva. Extremamente gorda e block. Estruturas ósseas não visíveis e não palpáveis. A importância da alimentação e condição corporal na reprodução pode ser exemplificada numa consulta realizada à equipe de reprodução da Embrapa Gado de Leite por um criador de gado de corte, cujo rebanho era constituído por cerca de vacas. Alegava o criador que na última estação de monta apenas 300 vacas tinham sido vistas em cio e inseminadas, não sendo observado cios nas 700 vacas restantes. Manifestou sua intenção de aplicar duas doses de Prostalglandina F 2, com intervalo de 11 dias em cada animal cujo cio não foi observado, na tentativa de induzir o cio nos mesmos, e perguntava se isso seria recomendado. Indagado se as vacas não haviam iniciado a estação de monta em condição corporal inferior (magras), o produtor respondeu afirmativamente, informando que naquele ano teve sérios problemas
5 II Simpósio de Produção de Gado de Corte com a alimentação do rebanho e um período de seca muito extenso. Pelas informações obtidas chegou-se à conclusão tratar-se de uma condição generalizada de anestro (ausência do ciclo estral e/ou do cio) prolongado pós-parto, quando as vacas provavelmente estariam com os ovários afuncionais ou inativos. Nesses casos, o medicamento que seria aplicado pelo criador nenhum efeito causaria, e os recursos gastos com essas aplicações, calculados na época em torno de R$ 8.000,00 (oito mil reais), seriam suficientes e mais bem aproveitados caso utilizados na implantação ou reforma de pastagem em expressiva área (produção de alimentos volumosos). Na Campanha Nacional de Aumento da Produtividade em Rebanhos Leiteiros, lançada em 1990, idealizada e Coordenada pela Embrapa Gado de Leite (Juiz de Fora - MG), preconiza-se a utilização do sistema de Escore de Condição Corporal modificado de WILDMAN (1982), de maneira a melhor atender às condições de manejo ou exploração vigentes no Brasil (FERREIRA, 1991). Na Tabela 2 são mostradas as poucas diferenças existentes entre os dois sistemas de ECC mencionados. As modificações foram introduzidas pelo fato de que, no Brasil, a grande maioria dos bovinos não recebe alimentação suficiente para atender suas necessidades, predominando com isso animais de condição corporal inferior (magros), uns poucos gordos e raros muito gordos. Nesse caso, ao se utilizar o sistema de ECC tradicional de WILDMAN (1982), no qual o escore 5 representa animais muito gordos, essa unidade de escore não seria praticamente usada no manejo de rotina. Além disso, introduziu-se a condição corporal regular para o escore 3, correspondente a um animal considerado meio magro, para que esse escore possa servir de alerta aos produtores, pois tais animais exigem atenção especial pelo fato de que se perderem um pouco mais do peso vivo certamente entrarão em anestro, condição reprodutiva indesejável pelas grandes perdas econômicas que acarreta, tanto para rebanhos leiteiros como de corte, por alongar o intervalo de partos.
6 142 - II Simpósio de Produção de Gado de Corte Tabela 2 - Sistemas de Escore de Condição Corporal (ECC) de WILDMAN (1982) e o adaptado por FERREIRA (1991), para bovinos ECC CONDIÇÃO CORPORAL WILDMAN (1982) FERREIRA (1991) 1 MUITO MAGRO MUITO MAGRO 2 MAGRO MAGRO 3 MODERADO (BOM?) REGULAR (MEIO MAGRO) 4 GORDO BOM 5 MUITO GORDO GORDO VARIAÇÃO DO PESO CORPORAL E ATIVIDADE OVARIANA Cada vaca possui uma massa corporal ideal para ótima fertilidade, e quando essa massa declina ou aumenta além de certos limites a reprodução é afetada (LAMOND, 1970). Existe um peso mínimo abaixo do qual a vaca não concebe ou pára de ciclar (cessa a atividade ovariana luteal cíclica - AOLC), o que ocorreria quando a fêmea bovina perde de 20 a 30% de seu peso adulto (OLIVER e RICHARDSON, 1976; TOPPS, 1977). BOND et al. (1958) trabalhando com novilhas de corte pesando 305 Kg em média, observaram que a perda de 59,5 Kg (19,5% ) em 136 dias provocou anestro nos referidos animais, que voltaram a ciclar após ganharem 41,1% (101 Kg) do peso vivo apresentado quando em anestro (245,5 Kg). Num segundo experimento semelhante com novilhas de corte com peso médio de 289,5 Kg, os animais pararam de ciclar ao atingirem 240,4 Kg, o que significa uma perda de 49,1 Kg (17,0%). Esses animais voltaram a ciclar ao recuperarem 56,8 Kg, o que representa 23,6% do peso que apresentavam quando em anestro. Analisando os dois experimentos concluiu-se que as novilhas de corte cessaram a AOLC (pararam de ciclar) após 4,5 meses de restrição alimentar e perda média de 18,0% do peso vivo. O reinício da AOLC variou de 4,5 a 7,0 meses. Existe uma lata correlação (x = 0,72) entre porcentagem (%) de perda do peso vivo e número de dias para cessar a AOLC em bovinos,
7 II Simpósio de Produção de Gado de Corte com os animais mais leves necessitando de menos % de perda de peso vivo para cessar a AOLC (IMAKAVA et al., 1983). Vacas da raça Hereforf com peso médio de 390 Kg foram submetidas à restrição alimentar e apresentaram anestro após perderem 18% do peso vivo (70 Kg), ao atingirem 320 Kg. A recuperação da AOLC desses animais ocorreu após os mesmos serem alimentados adequadamente e ganharem 24,0 % do peso vivo (HALE, 1975). Utilizando vacas da mesma raça com peso vivo médio de 420 Kg, RICHARDS et al. (1986) observaram a indução do anestro após a perda de 24% do peso vivo, com a recuperação posterior ocorrendo após o ganho de 12% de peso vivo apresentado quando em anestro. FERREIRA e TORRES (1993) submeteram à subnutrição vacas girolando, adultas e não-lactantes, com peso vivo médio de 535,5 ± 48,4 Kg e condição corporal boa ou gorda (4 ou 5), e observaram que o anestro ocorreu quando esses animais perderam em média, 35,7 ± 3,8 % do peso vivo inicial, ao atingirem 344,5 ± 25,3 Kg e ECC 2,2 ± 0,3. Vacas girolando, magras, adultas e não-lactantes, com anestro e peso médio de 315,0 ± 29,4 Kg foram alimentadas para ganho de peso até a recuperação da AOLC, o que ocorreu após um ganho médio de 77,7 ± 11,2 Kg do peso vivo (24,7 ± 4,5 %), conforme demonstrado no trabalho de FERREIRA et al. (1999a). O alto custo da recuperação de AOLC nas vacas com anestro, verificado por FERREIRA et al. (1999b), permite se concluir pelas grandes perdas econômicas decorrentes desse problema reprodutivo, de alta prevalência em nossos rebanhos bovinos. ANESTRO NUTRICIONAL A subnutrição traz como conseqüência a perda do peso vivo, que afeta a reprodução inicialmente reduzindo a taxa de concepção (cios menos férteis), e em casos extremos, após uma significativa perda de massa corporal, provocando o anestro, condição em que os ovários apresentam-se inativos ou afuncionais, sendo caracterizado pela palpação retal como pequenos, duros e lisos (PDL), nos casos de restrição alimentar severa e por longo período. O anestro pode ser considerado como o principal problema reprodutivo no rebanho bovino racional. O animal pode apresentar-se em anestro devido alguma condição fisiológica (ante da puberdade e
8 144 - II Simpósio de Produção de Gado de Corte durante a gestação) ou patológicas (manejo inadequado, subnutrição, doenças debilitantes, ovarianas ou uterinas). No Brasil, a principal causa do anestro nos rebanhos bovinos é o déficit alimentar, e embora sua causa seja conhecida e, conseqüentemente, também a sua solução (dieta adequada), sua prevalência continua alta e desafiando a técnicos e produtores. Sabe-se que são vários os fatores capazes de reduzir a fertilidade do rebanho bovino (doenças da reprodução, estresse térmico, patologias do útero e ovários, manejo...), mas o grande e incisivo efeito da nutrição sobre a atividade ovariana de bovinos permite concluir que NUTRIÇÃO e REPRODUÇÃO REPRESENTAM UM CASAMENTO SEM DIVÓRCIO, uma reunião indissolúvel, não havendo como se dissociarem ou agirem separadamente. Isso porque sem nutrição adequada não haverá reprodução, e sem esta haverá extinção de espécies, quando não haverá bovinos a serem nutridos. A BOA CONDIÇÃO AO PARTO é condição essencial para a precoce manifestação do cio pós-parto, e conseqüente aumento da eficiência reprodutiva do rebanho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOND, J.; WILTBANK, J. N.; COOK, A. C. Cessation of estrus and ovarian activity in a group of beef heifers on extremely low levels of energy and protein. Journal Animal Science, v.17, p.1211, abstr. 192, BRITT, J. H. Manejo reproductivo eficiente. Primer Simpósio International de Ganaderea Lechera Tropical. San Juan Marriot Resort, Puerto Rico, p. CANFIELD, R. W.; BUTLER, W. R. Energy balance, first ovulation and the effects of naxolone on LH secretion in early post partum dairy cows. Journal Animal Science, n.69, p. 70, DE VRIES, M. J.; VEERKAMPF, R. F. Energy balance of dairy cattle in relation to milk production variables and fertility. Journal Dairy Science, n.83, p.62-69, 2000.
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