Mecânica dos Fluidos I
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- José Antas Araújo
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1 Mecânica dos Fluidos I Apontamentos sobre Análise Dimensional (complementares das semanas 8 9 das aulas de problemas) 1 Introdução A Análise Dimensional explora as consequências da homogeneidade dimensional das equações físicas, que se expressava na escola primária com máximas do tipo somar peras com peras; somar distâncias com distâncias; nunca peras com distâncias. Em virtude desta propriedade estrutural das equações físicas, uma equação com n variáveis v 1, v 2,... v n, pode ser reorganizada na forma f(v 1, v 2,...v n ) = 0, (1) F (Π 1, Π 2,...Π k ) = 0, (2) em que as novas variáveis, Π 1, Π 2... Π k, são grupos adimensionais constituídos por combinação das variáveis primitivas. 2 O teorema de Buckingham O lorde do condado de Buckingham descobriu, no início do século XX, uma relação de enorme valor: não apenas é possível reescrever as equações físicas na forma adimensional 2 como o número k mínimo de grupos adimensionais é k = n p, em que p é o número de dimensões físicas independentes contidas no conjunto das variáveis primitivas. Lorde Buckingham usou a letra grega Π para designar os grupos adimensionais e por isso o seu teorema ficou conhecido como o teorema dos Πs, que em inglês soa a teorema das empadas. 3 Formação dos grupos adimensionais Existem infinitas formas de combinar os k grupos adimensionais necessários para representar um problema físico. Quaisquer combinações das variáveis primitivas são possíveis desde que: 1. o conjunto contenha k grupos Π; 2. cada grupo Π seja adimensional;
2 3. o conjunto dos Πs não deixe de fora nenhuma das variáveis primitivas; 4. os grupos Π sejam independentes uns dos outros. A primeira propriedade é redundante, porque se deduz das outras (teorema de Buckingham). A última condição é necessária para se verificar a primeira. Se o conjunto dos Πs incluísse grupos trivialmente dependentes, esse conjunto não seria mínimo e, portanto, tinha de conter mais de k grupos adimensionais. Ou seja, se um grupo Π se pode construir directamente a partir dos outros, por exemplo, Π 1 = v 1 /v 2 e Π 2 = v 2 /v 1, de modo que Π 2 = 1/Π 1, isso significa que este conjunto de Πs tem elementos redundantes. Neste exemplo, bastaria Π 1 ou Π 2. 4 Dimensões físicas independentes sistemas de unidades Quando as grandezas físicas se definem a partir de outras, as respectivas unidades ficam dependentes. Por exemplo, a velocidade pode definir-se como sendo a derivada da distância em ordem ao tempo. Então, a unidade de velocidade deve ser igual ao quociente da unidade de comprimento pela unidade de tempo. A definição de uma nova grandeza tem evidentemente uma motivação física, não meramente convencional. Por exemplo, é em virtude da Lei de Newton que vale a pena definir a massa de um corpo como quociente entre a força resultante aplicada sobre ele e a aceleração que ele adquire. Naturalmente, desta definição resulta uma relação necessária entre as unidades de massa, de força e de aceleração. Num sistema de unidades consistente, como é o caso do Sistema Internacional de unidades, são escolhidas algumas unidades base, a partir das quais se constroem coerentemente todas as outras. Por exemplo, é possível escolher como dimensões físicas fundamentais da Mecânica o comprimento L, o tempo T, a massa M e a temperatura Θ. De acordo com esta opção, a área terá dimensões L 2, a velocidade terá dimensões L T 1, a aceleração terá dimensões L T 2, a força terá dimensões M L T 2, a pressão terá dimensões M L 1 T 2, etc. Outras escolhas seriam igualmente legítimas, tais como escolher a força F, o comprimento L, a velocidade V e a temperatura Θ como dimensões físicas fundamentais. Nesse caso, o tempo teria dimensões L V 1, a aceleração teria dimensões V 2 L 1, a massa teria dimensões F L V 2, etc. Há grandezas que podem ter unidades ou ser consideradas adimensionais, consoante se definam de um modo ou de outro. O exemplo mais conhecido são os ângulos. É possível medir os ângulos com um padrão angular, como o grau, mas também é possível definir os ângulos pelo comprimento do respectivo arco a dividir pelo raio: ao medir o arco em raios (em radianos), os ângulos constituem, 2
3 por si mesmos, números adimensionais (razões de comprimentos). Os sistemas modernos não incluem uma unidade específica ângulos. 5 Como os grupos adimensionais surgem nas equações e nas condições de fronteira Quando se conhecem as equações que regem um determinado fenómeno, é possível identificar os respectivos números adimensionais nas equações e isso projecta uma nova luz sobre elas. Na exposição anterior, consideraram-se principalmente problemas em que as variáveis são números reais (um período, um comprimento, uma viscosidade, etc.), mas muitas vezes, na Mecânica dos Fluidos, as variáveis são campos de propriedades. Nesse caso, a adimensionalização implica escolher um valor particular da propriedade e representar todo o campo nessa unidade de referência. Por exemplo, ao estudar o escoamento em torno de um avião, pode usar-se como referência a velocidade da atmosfera não perturbada em relação ao avião e representar nessa unidade todas as componentes da velocidade em todos os pontos. O campo adimensional fica v(x, t)/u, se designarmos a velocidade de referência por U. Para exemplificar, consideremos um escoamento incompressível praticamente isotérmico. Esta última característica significa que a viscosidade é constante (porque a viscosidade depende sobretudo da temperatura e pouco da pressão). As equações deste escoamento são as equações de transporte de massa e de quantidade de movimento: v = 0 ρ v t + ρ v v = p + µ 2 v + ρ g. Escolhamos uma determinada velocidade V e dimensão L, juntamente com a massa volúmica ρ, para adimensionalizar todas as respectivas grandezas. Indiquemos as grandezas e operadores adimensionais com um asterisco. De momento, deixemos de fora a viscosidade e, como a aceleração gravítica é constante, escreva-se g = g g, em que g é um versor vertical negativo e g o módulo da aceleração gravítica. Assim, x = x L; v = v V ; ρ = ρ ρ; v = ( v) (V/L), v = ( v) (V/L) e v v = v ( v) (V 2 /L); 2 v = ( 2 v) (V/L 2 ). A escala de pressão correspondente ao conjunto de dimensões fundamentais escolhido ( ) ρ V é ρ V 2, pelo que p = p (ρ V 2 ) e o gradiente da pressão é p = ( p) 2. L A escala de tempo é L/V, pelo que v/ t = ( v/ t) (V 2 /L). Substituindo no (3) 3
4 sistema 3, obtém-se ( v) (V/L) = 0 ( ) ( ) ( ) v ρ V ρ 2 + ρ v ( v) ρ V 2 = t L L ( ) ρ V = ( p) 2 + µ( 2 v) (V/L 2 ) + ρ g (ρ g). L Rearranjando, fica: ( v) = 0 ( ) v ρ + ρ v ( v) = ( p) + t (4) ( ( ) 1 1 (5) ( Re) 2 v) + Fr 2 ρ g com 1 Re = µ ρ V L e 1 Fr 2 = g L. O número Re é conhecido como número de V 2 Reynolds e Fr como número de Froude (lê-se Frude ). A condição para que a solução do sistema adimensional 5 seja a exactamente a mesma para dois escoamentos geometricamente semelhantes, com condições de fronteira adimensionais semelhantes, é que os números adimensionais Re e Fr sejam os mesmos. O sistema 5 permite tirar algumas conclusões interessantes acerca da função dos números adimensionais. Por exemplo, se o número de Reynolds for muito grande, o termo viscoso fica multiplicado por um factor 1/Re muito pequeno e, em igualdade de outras condições, a contribuição do termo viscoso para o escoamento será reduzida, e eventualmente desprezável. Se o escoamento for monofásico, a parcela hidrostática da pressão pode eliminar-se, juntamente com o termo gravítico, em 3. Nessa altura, só o número de Reynolds aparece na equação de transporte de quantidade de movimento adimensionalizada: ρ ( v t ) + ρ v ( v) = ( p rel) + ( 1 Re) ( 2 v). A adimensionalização das equações, desde 3 a 5, mostra que os números adimensionais são razões de escalas. Por exemplo, ρ V L é uma escala de viscosidade absoluta e, portanto o inverso do número de Reynolds, 1 Re = µ ρ V L = µ, é a viscosidade adimensional do fluido. Analogamente, o inverso do quadrado número de Froude 1 Fr 2 = g V 2 /L = g 4
5 é o módulo da aceleração gravítica adimensional. Nalgumas circunstâncias, as condições de fronteira do escoamento são variáveis com uma frequência f. Nesse caso, nas condições de fronteira adimensionais aparecerá um número adimensional f V/L, associado às duas escalas de tempos 1/f e (L/V ). Se o escoamento envolver mais do que uma fase, ou for compressível, surgem novos números adimensionais no sistema de equações (que incluirá equações de estado e outras). E podem ainda aparecer mais números adimensionais nas condições de fronteira. 6 Os grupos adimensionais como relações de escalas Os números adimensionais podem considerar-se relações de escalas e, normalmente, essas relações têm um significado físico útil. Por exemplo, o período de oscilação, τ, de um pêndulo depende do seu comprimento, l, e obviamente da aceleração gravítica, g. O comprimento e o período definem uma escala de aceleração (l/τ 2 ) e a aceleração gravítica define uma outra. Em consequência, um número adimensional deste problema (por acaso, o único) é l/τ 2 g. Uma maneira de identificar os números adimensionais que governam um problema físico é examinar as escalas independentes de uma determinada grandeza. Por exemplo, se um problema tiver duas escalas de tensão, haverá um número adimensional relacionado com a razão entre elas. A escala de tensão viscosa de um fluido newtoniano é µ V/l e a força de inércia por unidade de área ρ V 2 constitu outra escala de tensão. Resulta que um número adimensional para escoamentos de fluido viscoso é Re = ρ V 2 = ρ V l/µ. Este número é conhecido como número de Reynolds, em homenagem ao lorde do condado µ V/l de Reynolds. A interpretação física do número de Reynolds é clara: quanto maior ele for, mais importantes são, comparativamente, as forças de inércia e menos relevantes, comparativamente, as forças viscosas. Não se pode confundir uma razão de escalas, como o número de Reynolds, com um quociente entre as grandezas correspondentes. Por um lado, um escoamento não tem apenas velocidade num ponto, nem apenas um ponto, de modo que o módulo da velocidade que aparece no número de Reynolds não representa todas as velocidades do escoamento nem o comprimento de referência representa todas as dimensões do escoamento. Por outro lado, só por acaso o módulo da tensão viscosa será, nalgum ponto, µ V/l, ou o módulo da força de inércia por unidade de área será, nalgum ponto, ρ V 2. A comparação dos números adimensionais só pode ser feita para situações análogas: se dois escoamentos tiverem idêntica geometria, e se os números de Reynolds forem calculados com base em valores homólogos, as forças viscosas serão mais importantes naquele escoamento que tiver um nú- 5
6 mero de Reynolds mais baixo. A comparação dos números de Reynolds de dois escoamentos completamente diferentes, ou calculados com base em dimensões ou velocidades não comparáveis, não permite tirar conclusões. 7 Teoria dos modelos Quando determinados números adimensionais são iguais, as soluções adimensionalizadas ficam iguais (vejam-se, por exemplo, as equações adimensionalizadas 5) e, medindo as propriedades num escoamento, é possível não só determinar a solução adimensional como, mediante as razões de escalas entre os dois escoamentos, calcular os valores homólogos no outro escoamento. 7.1 Semelhança incompleta Com certa frequência, é impossível, por razões práticas, realizar ensaios em que todos os números adimensionais relevantes sejam iguais no modelo e no protótipo. Contudo, mesmo assim pode chegar-se a resultados úteis, se se conseguirem identificar os números adimensionais mais importantes e, eventualmente, compensar a diferença nos outros números adimensionais. 8 Alguns grupos adimensionais da Mecânica dos Fluidos Entre outros, os seguintes números adimensionais são muito utilizados: Número relaciona as escalas: de Reynolds Re = ρ V L/µ de inércia e de tensões viscosas de Froude Fr = V/ g L de aceleração gravítica e de inércia de Mach Ma = V/c de velocidade e de celeridade, c, do som de Strouhal Str = f/(v/l) de frequência f e a escala geral de frequência de pressão C p = p/( 1 2 ρ V 2 ) de pressão estática (ou diferença de pressão) e de pressão dinâmica de atrito C f = τ/( 1 2 ρ V 2 ) de tensão de corte e de pressão dinâmica de resistência C D = D/(d ρ V 2 ) de resistência, D, e de pressão dinâmica vezes área, d 2 de sustentação C L = L/(d ρ V 2 ) de sustentação, L, e de pressão dinâmica vezes área, d 2 de momento C M = m/(d ρ V 2 ) de momento, m, e de pressão dinâmica vezes volume No capítulo de perdas de carga encontram-se outros números adimensionais, tais como um coeficiente de atrito diferente do referido acima, coeficientes de perda de carga concentrada, rugosidade equivalente adimensional, etc. Em asas, é costume usar o ângulo de ataque. Em turbomáquinas, há diversos números adimensionais, relacionados com o caudal, com a altura de elevação ou a altura de queda, com a potência, a cavitação, etc. 6
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