Angiogênese em Glioblastomas: Contribuições no Prognóstico e Terapêutica
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- Silvana Sintra Correia
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1 Angiogênese em Glioblastomas: Contribuições no Prognóstico e Terapêutica Gabriel Corteze Netto 1, Larissa Pacheco Garcia 2, Lígia Maria Barbosa Coutinho 1, Arlete Hilbig 1 1 Programa de Pós-Graduação em Patologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre; 2 Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. RESUMO: Glioblastoma multiforme (GBM) é o tumor intracraniano primário com maior grau de malignidade. É o mais freqüente tumor cerebral, acometendo aproximadamente 12-25% de todos os tumores intracranianos. A infiltração é característica comum dos astrocitomas, mas GBM são notórios pela rápida invasão das estruturas cerebrais vizinhas, podendo atingir dimensões enormes. A angiogênese, ou neovascularização, tem sido proposta como essencial para o crescimento dos tumores sólidos em geral. Influenciada pela família dos fatores de crescimento e pelos receptores endoteliais vasculares, está entre os processos biológicos que conferem o comportamento agressivo e a dificuldade de tratamento a esses tumores. Esse processo é um importante elemento para determinar o potencial de progressão e disseminação tumoral e para determinar e planejar a eficiência do regime terapêutico. Na presente revisão, abordaremos os principais aspectos patológicos e clínicos de GBM e a contribuição da angiogênese na progressão tumoral, bem como, no diagnóstico e na terapêutica desses tumores. Palavras-chave: glioblastomas, angiogênese, prognóstico, terapêutica. GLIOBLASTOMA: ASPECTOS PATOLÓGICOS E CLÍNICOS Os tumores cerebrais representam menos de 2% de todas as neoplasias malignas, constituindo uma pequena fração da totalidade dos tumores malignos humanos. Contudo, tumores localizados no sistema nervoso central (SNC) estão entre as mais prevalentes neoplasias sólidas em crianças, sendo a segunda maior causa de morte relacionada ao câncer em pessoas com menos de 15 anos de idade e a terceira causa mais comum de mortes relacionadas ao câncer em homens acima de 45 anos de idade, só ficando Rua: Av 15 de Novembro, 3610 apt 24 Nova Petrópolis - RS Brasil gabrielc@ufcspa.edu.br atrás das afecções cerebrovasculares (LEVINE e col., 1997; LANTOS e col., 2002; rocha e col., 2002; BALMACEDA E FINE., 2002). O GBM é o menos diferenciado e mais maligno tumor astrocítico que tipicamente afetam adultos e que preferencialmente localiza-se nos hemisférios cerebrais. GBM são notórios pela rápida invasão das estruturas cerebrais vizinhas e por uma história clínica curta - sobrevida média dos pacientes inferior a 12 meses. Frequentemente se desenvolve de astrocitomas difusos de baixo grau ou anaplásicos, sendo conhecidos como glioblastomas secundários. O tempo de evolução varia consideravelmente nesses casos, podendo se dar em 1 ou mais 6
2 anos. Podem também surgir de novo em pessoas com média de 55 anos de idade, apresentando história clínica de curta duração, usualmente menor que 3 meses, sem evidência clínica ou histopatológica de mínima lesão precursora maligna, sendo conhecido como glioblastoma primário (NOZAKI e col., 1999; OHGAKI e col., 1999; LANTOS e col., 2002). Observa-se a preferência do tumor pelo sexo masculino, com evidências da diminuição da diferença em glioblastoma secundários (LANTOS e col., 2002). Localizam-se preferencialmente nos hemisférios cerebrais, em particular nas regiões frontotemporal e parietal. A infiltração difusa é uma característica notória em GBM tendo o tumor tendência a invadir o corpo caloso, radiação óptica, comissura anterior, fórnix e região subependimal. A extensão do tumor por sobre essas estruturas produz um complexo tumoral tridimensional de contornos imprecisos, tornando a ressecção cirúrgica completa impossível (DEANGELIS., 2001; LANTOS e col., 2002). A histopatologia de GBM é extremamente variável, donde a designação glioblastoma multiforme. Algumas lesões mostram uma alta celularidade e pleomorfismo nuclear com numerosas células gigantes multinucleadas (figura 1), outras são altamente celulares, mas monótonas. As células neoplásicas são constituídas de núcleos pequenos e escuros, que variam quanto ao tamanho e a forma. O citoplasma é escasso, estão presentes figuras de mitose e há uma pseudopaliçada (células tumorais em formação de cerca de estacas em torno de uma área central de necrose). A hiperplasia endotelial vascular também pode ser encontrada (BALMACEDA E FINE., 2002; LANTOS e col., 2002) (figura 1). O tempo de história clínica até o diagnóstico é usualmente curto, menor que três meses, a menos que o tumor Figura 1. Glioblastoma Multiforme pela técnica da hematoxilina-eosina (40x). (dado não publicado) tenha se desenvolvido de um astrocitoma de baixo grau ou anaplásico. A presença do GBM é deflagrada por sintomas neurológicos variados como dor de cabeça, tontura, alterações de memória, fraqueza muscular, alterações visuais, déficit de linguagem, alterações cognitivas e comportamentais, dependendo da localização e velocidade de crescimento do tumor (IRONSIDE e col., 2002). Considera-se ameaçador o rápido aumento da pressão intracraniana, particularmente observado em GBM primários, o que pode ocasionar óbito devido à herniação de estruturas encefálicas (FRIEDMAN e col., 2000; LANTOS e col., 2002). Em regra geral, o diagnóstico do GBM é feito através de biópsia do tecido cerebral, que pode ser realizada tanto no momento da ressecção cirúrgica ou em outro momento exclusivamente para diagnóstico, ficando conhecida como biópsia geralmente estereotáxica. As características histológicas determinam a classificação tumoral. A presença elevada de células gliais anaplásicas, 7
3 atividade mitótica e proliferação microvascular e/ou necrose é requerida. A distribuição destes elementos dentro do tumor é variável, mas usualmente, grandes áreas necróticas ocupam o centro do tumor. Em GBM primários as áreas necróticas podem compreender mais que 80% do total da massa tumoral. Proliferação vascular normalmente é vista por toda a lesão, com certa tendência para localização ao redor do foco necrótico em zonas de infiltração periférica (LANTOS e col., 2002). Em adição ao grau histológico, a sobrevida dos pacientes com GBM depende das alterações genéticas, moleculares e de uma variedade de achados clínicos, incluindo condições e idade do paciente, localização tumoral, extensão da ressecção cirúrgica e tratamento. A idade é o mais importante determinante do prognóstico; tumores em pacientes com menos de 10 anos ou mais de 45 anos tem pior prognóstico. Apesar do tratamento agressivo com radioterapia e quimioterapia, a sobrevida, no geral, costuma ser inferior a 18 meses. (BURGER E GREEN., 1987; BALMACEDA E FINE., 2002; LANTOS e col., 2002). O tratamento envolve cirurgia, radioterapia e quimioterapia. O objetivo da terapêutica é melhorar os déficits neurológicos (incluindo funções cognitivas) e aumentar a taxa de sobrevida dos pacientes, mantendo a melhor qualidade de vida possível. (BEHIN e col., 2003). A abordagem combinada, entretanto, mostra pouca alteração na evolução tumoral (VERHOEFF e col., 2009). BIOLOGIA TUMORAL E ANGIOGENESE Os GBM, assim como outros tumores malignos, são patologias caracterizadas pela presença de anormalidades na expressão de genes que codificam uma série de proteínas reguladoras das vias de proliferação celular, diferenciação, apoptose, adesão, migração e angiogênese (WEINBERG., 1996). Os genes críticos para o desenvolvimento e a progressão tumoral incluem os protooncogenes, que codificam proteínas que estimulam a proliferação celular, inibem a diferenciação celular e bloqueiam a apoptose, e os genes supressores de tumor, os quais inibem a proliferação celular. Mutações nesses genes desencadeiam perda das funções regulatórias no ciclo celular, podendo levar a proliferação celular descontrolada - processo conhecido como carcinogênese (BEHIN e col., 2003). São seis as principais alterações da fisiologia celular que ditam o crescimento maligno: auto-suficiência em sinais de crescimento, insensibilidade a sinais de inibição de crescimento, resistência a apoptose, potencial replicativo ilimitado, angiogênese sustentada e capacidade de formação de metástases (HANAHAN E WEINBERG, 2000). A angiogênese, ou neovascularização, é um processo no qual brotos capilares partem de vasos préexistentes para produzir novos vasos. Esse processo é importante para o crescimento das células tumorais, para formação da circulação colateral e também para a cicatrização (CARMELIET E JAIN., 2000; FERRARA., 2002). Envolve uma seqüência de eventos coordenados. (figura 2). Inicia-se pela expressão de fatores de crescimento angiogênicos, como o fator de crescimento do endotélio vascular (vascular endothelial growth factor (VEGF), nas células endoteliais vasculares. O VEGF aumenta a permeabilidade vascular, o que leva ao extravasamento de proteínas plasmáticas. Dá-se a migração de células endoteliais e a proliferação das 8
4 mesmas. A degradação local da membrana basal vascular e da matriz extracelular ocorrem simultaneamente, abrindo caminho para o surgimento de novos vasos (WOUNG e col., 2009; D`MORE., 1999). Esta destruição da matriz extracelular envolve a catepsina B, metaloproteinases de matriz e outras enzimas, bem como, a expressão de proteínas de matriz como fibronectina, laminina, tenascina- C e vitronectina. Várias dessas moléculas da matriz extracelular aumentam a fosforilação de quinases de adesão focal, o que se constitui em uma etapa crítica na angiogênese de tumores neuroepiteliais (HASKELL e col., 2003; ZAGZAG e col., 2000; ZAGZAG e col., 2002). A formação de novos vasos sanguíneos ocorre através do alinhamento de células endoteliais de modo bipolar, da morfogênese tubular e da formação de um lúmen. Porções individuais são então conectadas, formando um anel vascular. A maturação da parede do vaso, em seguida, começa pelo recrutamento de pericitos e / ou células musculares lisas que se situarão no entorno do novo vaso. A angiogênese é finalmente concluída através da formação de uma nova membrana basal (WOUNG e col., 2009; D`MORE., 1999). Figura 2. Ilustração da sequência de eventos para a neoformação vascular. (Adaptado de WONG e col., (2009)) Estudos indicam que, em vários tipos de tumores, a angiogênese é considerada pré-requisito para o crescimento dos tumores sólidos em geral. Há um duplo efeito desse processo no crescimento tumoral, como suporte de oxigênio e nutrientes. Os tumores não aumentam mais que 1 a 2 mm em diâmetro ou espessura se não há neovascularização (VUICH e col., 1999; VARLET e col., 2000). Observa-se ainda que, dentre todos os tumores sólidos, o GBM, é referido como o mais angiogênico, exibindo o alto grau de proliferação vascular e hiperplasia de células endoteliais. A vascularização intensa é parcialmente responsável pela ocorrência de edema peritumoral resultante de falhas na vasculatura do tumor recém-formado. Estes achados se relacionam com os riscos aumentados de hemorragia intratumoral e também são responsáveis pelo aumento de contraste em neuroimagem (WOUNG e col., 2009). MARCADORES DE ANGIOGENESE EM GLIOBLASTOMAS Microvasos intratumorais podem ser identificados usando métodos imunohistoquímicos (IHC) para coloração das células endoteliais. Duas categorias de anticorpos podem ser definidas como marcadores dessas células: os marcadores panendoteliais e os que se ligam apenas a células endoteliais em proliferação. Entre os anticorpos que pertencem à primeira categoria estão o anti-fviii, que também pode marcar vasos linfáticos ou grandes vasos; o anti-cd31 marcador de microvasos e o anti- CD34, que também pode marcar vasos linfáticos e células estromais. 9
5 Alguns autores sugerem que dentre os anticorpos, o CD31 seja o marcador pan-endotelial mais sensível e específico, uma vez que o mesmo reconhece mais vasos sanguíneos e também não reagem com vasos linfáticos (VERMEULEN e col., 1996). O CD34, entretanto, por sua facilidade de uso e boa reatividade IHC, vem sendo mais empregado que o CD 31 (VERMEULEN e col., 1996). Entre os anticorpos que pertencem à segunda categoria está o anti-cd105 (Figura 3), que tem mostrado maior especificidade na avaliação da microvasculatura tumoral quando comparado a marcadores panandoteliais, maior especificidade que o CD34 e melhor correlação com o prognóstico de pacientes afetados (VERMEULEN e col., 1996; DUFF e col., 2003; TANAKA e col., 2003., HO e col., 2005; CORTEZE NETTO e col., 2008). A partir do uso de marcadores de proliferação vascular por IHC, pode-se determinar a densidade microvascular (DMV). Esta é empregada para avaliar a intensidade da angiogênese tumoral. Existem diferentes técnicas para quantificação da DMV: A primeira desenvolvida foi de Weidner e col. (1991), através da contagem em microscópio óptico de luz, em campos com ampliação de 400x, do número de vasos por mm 2 em três hot spots que são regiões de maior concentração vascular. Posteriormente, outras técnicas que foram desenvolvidas, como a contagem pelo método Chalkley point point - padrão ouro proposto por consenso internacional para avaliação da DMV- que partem de hot spots e usam uma gratícula de 25 pontos aleatórios no campo microscópico, a graduação vascular subjetiva (categoria vascular baixa, média e alta), e a análise de imagens computadorizadas que conta o número de vasos por mm 2 (VERMEULEN e col., 1996; CHAUDHRY e col., 2001). Estudos têm encontrado correlação da DMV com a expressão de fatores angiogênicos, grau tumoral, metástases e sobrevida entre outras, sugerindo que a DMV é ótima quantificadora da morfologia vascular, contendo importante informação no mensuramento e funcionamento da vasculatura tumoral (VERMEULEN e col., 1996). A quantificação da DMV, com uso de anti-cd105 mostrou valor prognóstico em GBM, sendo o CD105 sugerido como um possível alvo para terapia antiangiogênica nesses tumores (BEHREM e col., 2005; YAO e col., 2005). Figura 3. Expressão do CD105 pela técnica de imuno-histoquímica em glioblastomas (20x) (dado não publicado) AGENTES ANTIANGIOGÊNICOS O conhecimento mais detalhado do papel e do funcionamento da angiogê- nese no crescimento de tumores e no aparecimento de metástases tem permitido que se busquem novas estratégias terapêuticas através do desenvolvimento de agentes antiangiogênicos principalmente para os fatores de crescimento como anticorpos monoclonais anti-vegf e TGF- -receptor
6 tipo 2 do VEGF (FOLKMAM, 2002). O objetivo desta nova modalidade terapêutica é induzir a regressão tumoral e impedir a sua disseminação metastática por bloqueio do fornecimento de nutrientes e oxigênio as células neoplásicas (FONSATTI e col., 2003). Bevacizumab, anticorpo monoclonal anti VEGF-A, foi aprovado para o tratamento de câncer de pulmão de não-pequenas células em estágio avançado, câncer de mama e câncer colorretal, aumentando o tempo de sobrevida de pacientes quando comparado a quimioterapia isolada. EM GBM, resultados de estudos em fase II, não randomizados, mostraramse promissores, com aumento substancial do tempo de vida dos pacientes tratados (aumento de seis meses na sobrevida quando comparado aos controles). Estudos de fase III correlacionando o tratamento à sobrevida ainda não têm resultados divulgados; o bevacizumab, entretanto, encontra-se, desde maio de 2009, aprovado para o tratamento de astrocitomas de alto grau (VERHOEFF e col.,2009). Outros agentes antiangiogênicos têm sido testados em ensaios clínicos e o papel da terapia antiangiogênica tem sido revisado em recentes artigos (BREM., 1999; POON E COL., 2001; DUFF E COL., 2003; MENTLEIN E HELD-FEINDT., 2003; TORTORA E COL., 2004). Inibidores de quinases (mtor inibidores, bortezomib e inibidores da proteína quinase C parecem atuar inibindo a proliferação celular endotelial que ocorre durante a angiogênese. Agentes imunomoduladores (talidomida e derivados) e inibidores da ciclooxigenase-2 também atuam por inibição do desenvolvimento de células endoteliais, por inibição da migração celular e indução de apoptose. De um modo geral, observa-se que agentes anti-angiogênccos, ao impedirem a intensa vascularização tumoral, ocasionam a redução do edema peritumoral e da pressão intracraniana (WOUNG e col., 2009). ANGIOGÊNESE: PERSPECTIVAS A angiogênese é considerada prérequisito para o crescimento dos tumores sólidos, ofertando suporte de oxigênio e nutrientes para a proliferação tumoral. Em GBM, a neovascularização se mostrou diretamente relacionada à intensa agressividade tumoral e curta sobrevida dos indivíduos acometidos. A proliferação vascular, medida através da DMV com uso de anticorpos específicos, vem mostrando correlação clara com o grau tumoral, com a ocorrência de metástases e com o tempo de sobrevida. No que tange à terapêutica, agentes antitumorais apresentam significativo aumento da sobrevida em estudos de fase II e se mostram promissores no tratamento de pacientes com GBM. Observa-se que o estudo da angiogênese tumoral, em especial em GBM segue como um campo promissor, potencializando o surgimento de novos meios diagnósticos e proporcionando novas oportunidades terapêuticas para indivíduos acometidos por uma patologia de tão mau prognóstico. BIBLIOGRAFIA BALMACEDA CM, FINE RL. Gliomas. In Rowland LP. Merrit Tratado de Neurologia, 10a ed. Rio de Janeiro: Guanabarra Koogan, 2002; BEHIN, A, HOANG-XUAN, K, CARPENTIER, A.F, e col. Primary brain tumours in adults. Lancet 2003; 361:
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