PN 2759.05-5; Ap: Tc Porto, 4J, 2S (1504A.02) Ap.e: Manuel Almeida Rebelo, 1 Rua Padre Américo, bloco 4,ent.364,casa 22,4100 Porto Ap.o: Credibom, soc fin. aq.crédito,sa 2, Ap.24004,1250 Lisboa Em Conferencia no Tribunal da Relação do Porto I. INTRODUÇÃO: (1) O recorrente não se conforma com o insucesso dos embargos de executado que deduziu na execução que lhe move o apelado. (2) Da decisão recorrida: (a) Pretende o embargante, em primeiro lugar, que o facto de a livrança não ter sido objecto de protesto impede o seu accionamento: a inexistência de protesto não impede, no entanto o exercício da obrigação cambiária contra o aceitante e, conforme é entendimento maioritário entre nós, face ao respectivo avalista. 3 (b) Em segundo lugar, pretende que nunca autorizou o preenchimento da livrança, mas aceitou o contrato de crédito, junto com a contestação, onde não só declarou ter tomado conhecimento de todo o teor textual, como autorizou a embargada a proceder ao preenchimento da livrança em branco, entregue como garantia do reembolso do empréstimo: conforme é posição maioritária entre nós, a entrega de um título de 1 Adva.: Dra. Cristina Sousa [Cristina Sousa & Carlos Assunção, soc. advs], Av. da República,1326,5º,sl.57, 4400-192 V.N. Gaia. 2 Adv. Dr. J. M. Rodrigues Alves [Rodrigues Alves & Associados, soc. advs.], Av. António Augusto Aguiar, 11 R/c esq, 1050-010 Lisboa. 3 Citou Ac. STJ., 97.02.18, www.dgsi.pt: emitido um aval tal significa, por princípio cartular, que o avalista assume uma obrigação de carácter pessoal idêntica á do avalizado, independentemente da situação de avalista: nada obriga a protesto no que diz respeito ao avalista do subscritor de uma livrança, tal como no caso do avalista do aceitante de uma letra; Ac. STJ, 91.12.12; www.dgsi.pt. :o direito de acção do portador da livrança contra o avalista do emitente, tal como em relação ao avalista do aceitante da letra, não depende de ter havido protesto por falta de pagamento. 1
crédito em branco constitui presunção hominis da existência de um pacto de preenchimento. 4. (c) Em terceiro lugar, o embargante pretende comprovar a existência de um preenchimento abusivo da livrança dada à execução, porque, no seu entender, na data de entrega do veículo, foi resolvido o contrato subjacente de acordo com documento onde, porem, não foi exarado, como pretende, qualquer desvinculação do avalista pelo pagamento das quantias ainda em divida. (d) Bem pelo contrário, o teor literal do consentimento, á luz dos artº 236º e 238º CC, demonstra que a entrega do veículo visou apenas obter numerário para amortizar, total ou parcialmente, as responsabilidades dos executados, devidas ao seu inadimplemento contratual; (e) se dúvidas houvesse bastaria referir a cl.a.4: o primeiro outorgante compromete-se a reembolsar o segundo outorgante da diferença, no caso da venda do veículo não cobrir [os montantes em divida]. (f) Por outro lado, incumbia ao embargante não apenas por em causa a existência de qualquer interpelação para a sua constituição em mora, já que nos termos do artº 805º/2 a CC essa interpelação é desnecessária, mas alegar factos concretos que pudessem impedir a sua responsabilização: limitou-se a dizer, contudo, que desconhece qual o montante e data do vencimento da obrigação. (g) E convém não esquecer aqui, que até prova em contrário por parte do recorrente se presume que a quantia constante do título de crédito reflecte a obrigação causal: o título executivo faz presumir quer a existência do direito quer do seu objecto e limites. II. MATÉRIA ASSENTE: (1) A recorrida é portadora da livrança ajuizada em cujo rosto está escrito: (i) local e data de emissão Porto, 2001.10.19; (ii) importância pte 1 204 859$00; (iii) vencimento 2001.11.05. 4 Citou Abel Delgado, Lei Uniforme de Letras e Livranças, anotada, 6ª ed., p.73. 2
(2) No rosto dessa livrança, sob o lado esquerdo foi aposta, pelo punho do embargante, uma assinatura com os dizeres: Manuel Almeida Rebelo. (3) No rosto da livrança sob o campo destinado à assinatura dos subscritores foram apostas, duas assinaturas com os dizeres Júlio Manuel de Queirós Rebelo e Patrícia Moreira Lopes Rebelo. (4) Essa livrança foi entregue à embargada com os restantes elementos do seu rosto por preencher com excepção das assinaturas referidas em b) e c). (5). Júlio Manuel e Patrícia Rebelo celebraram com a embargada um contrato denominado contrato de crédito nº 80000931247, tendo em vista o financiamento da aquisição do veículo de matrícula 39-50-BD, através do qual a embargada entregou a quantia de pte 1 272 287$00 que aqueles que se comprometeram a devolver em 48 prestações iguais e sucessivas no valor de 37 506$00 cada, com inicio em 23.12.1998. (6) Manuel Almeida Rebelo apôs a sua assinatura no campo destinado ao avalista desse acordo, declarando que aceitava ser avalista do consumidor desse empréstimo e ter sido informado por montante da divida a contrair, bem como das cl. do contrato que declarou conhecer e aceitar. (7) Na cl. 11 desse acordo, foi estabelecido que: o consumidor e o avalista autorizavam expressamente Credibom a preencher qualquer livrança por eles subscrita e não integralmente preenchida, designadamente no que se refere à data do vencimento, ao local de pagamento e aos seus valores. (8) A livrança referida em a) não foi apresentada a protesto. (9) Em 31.01.2000 Júlio Rebelo procedeu à entrega à embargada do veículo 39-50-BD, para o efeito de amortizar o montante resultante do incumprimento do já referido contrato de crédito nº 80000931247, assim como todas as despesas incorridas na sua cobrança, acompanhado de declaração de venda e documentos, enquanto se comprometeu a reembolsar o exequente da diferença, no caso de a venda do veículo não cobrir estes montantes. III. CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES: (a) A livrança só é título executivo de obrigações pecuniárias incumpridas cujo montante seja determinado ou determinável. 3
(b) Mas a livrança ajuizada foi assinada em branco sob pacto de preenchimento adjunto ao contrato de crédito celebrado entre a Ap. e os mutuários de quem o Ape. foi avalista. (c) assim, o montante aposto na livrança só em face do pacto de preenchimento era determinável, pelo que só por si, e sem mais [tal como no requerimento inicial] a livrança não constitui título executivo. (d) Logo, deveriam ter sido julgados procedentes os embargos. (e) Depois, o Ape. não se conforma ainda com a circunstância de ter sido dada a execução uma livrança não protestada, onde o portador perde o direito de acção contra o avalista. (f) Na verdade, é tal o entendimento que resulta da letra da lei e do espírito legislativo, pois o legislador excluiu expressamente o direito de acção do portador contra todos que não o aceitante, no caso da livrança não protestada. (g) Não se conforma também o Ape. com o facto de ter ficado assente ter tido conhecimento das condições do contrato e que autorizaram a Ap.a proceder ao preenchimento da livrança. (h) Com efeito, impugnou, em devido tempo, os documentos juntos com a contestação dos embargos e, em particular aquele donde se retira o contrário, tendo alegado expressivamente que as clausulas do contrato lhe não tinham sido comunicadas e muito menos dada explicação sobre elas quer pela apelada quer pelos mutuários. (i) E neste sentido pôs em evidência que, tratando-se de cláusulas gerais, são nulas, por se encontrarem escritas no verso do contrato, após a assinatura: deveriam ser dadas como não escritas e excluídas. (j) De qualquer modo, as declarações que meramente atestam conhecimento do contrato pelas partes, são proibidas, nulas. (k) Ora, face a tudo isto, não se compreende como e que o Tribunal pode dar como provada a aceitação do Ape., sobretudo no que diz respeito ao preenchimento da letra em branco. (l) Enfim, não são autorizadas respostas que deram lugar a III (f) (g). (m) Em suma é abusivo o preenchimento da livrança, por não ter havido pacto de preenchimento válido e eficaz: procedentes, portanto, os embargos ainda assim por esta via. 4
(n) a sentença recorrida violou, então, o disposto nos artº 46ª. E 517/2, parte final, CPC, nos artº 10,38,44,53 e77 LULL, no artº 9 CC e nos artº 5, 5 e 21e. Dl 446/85,25.10, com as sucessivas alterações. (o) Deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedentes os embargos. IV. CONTRA ALEGAÇÕES: (1) A reforma processual de 1995 alargou o elenco dos títulos executivos: foi conferida força executiva aos documentos particulares assinados pelo devedor que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniária cujo montante seja determinado ou determinável em face do título. (2) Assim, a falta de assinatura do pretenso devedor inutiliza fatalmente a letra de câmbio/livrança como título executivo: inexequível, conduz ao indeferimento in limine do respectivo requerimento inicial. (3) Por outro lado, a livrança é um título rigorosamente formal: só produzirá efeito como tal se lhe não faltar nenhum dos requisitos fundamentais; mas não foi alegada qualquer falha neste domínio para que a livrança dada à execução não fosse considerada título executivo. (4) De qualquer modo, a reforma de 1985, ao ampliar o elenco dos títulos executivos, não alterou a LULL, nem buliu no regime aí consagrado. (5) Assim, ao subscrever a livrança o Ap.e. tornou-se verdadeiro obrigado cambiário, titular de uma obrigação cambiária autónoma e devedor ao Ap. do montante exequendo. (6) Recorde-se que as livranças consubstanciam uma promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada, de pagar o montante nelas aposto. (7) E o facto de a livrança ter sido assinada em branco não impede a sua eficácia, respeitado que seja o pacto de preenchimento, artº 10 e 77 do LULL. (8) Ora, o Ape. nunca se referiu ao Apo. Como portador de má fé, nem demonstrou falta grave no preenchimento da livrança. (9) Enfim, como avalista, responde pelo cumprimento da obrigação nos mesmos termos do avalizado: não é necessária qualquer interpelação 5
individual, artº 634CC: não é necessário protesto por falta de pagamento, artº 32, 53 e 77LULL 5. (10) Por maioria de razão, o protesto encontra-se dispensado face ao artº 11 DL359/91, 21.09, relativo ao crédito ao consumo. (11) Finalmente, em momento algum da petição de embargos alegou o Ape. ter sido eximido do cumprimento de levantar a correspondência que lhe foi enviada. (12) Todavia, o legislador preveniu situações como essa, a lei protege quem está de boa fé, neste caso o Ap.o. (13) Com efeito, é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida, artº 224/2 CC. (14) O Ap. e., ao não diligenciar que fosse levantada nos correios a carta de 01.10.19, que o Ap.o lhe remeteu, colocou-se na posição do destinatário que por culpa exclusiva não recebe a declaração: a comunicação constante da dita carta produziu todos os seus efeitos. (15) Portanto, o apelado, nos termos da lei e do contrato teve e tem toda a legitimidade do preenchimento da livrança pelo montante de 6009,81,destinado ao cumprimento de todas e quaisquer responsabilidades emergentes do contrato de mútuo em causa. (16) Nestes termos, deve ser inteiramente mantida a sentença de 1ª instância. V. RECURSO: pronto para julgamento nos termos do artº 705ºCPC. VI. SEQUÊNCIA: (a) Muito embora o recorrente tenha aceitado o documento nº 1, que o embargado juntou à contestação, a saber, o contrato de crédito ao consumo, como a sentença recorrida põe em relevo, não se segue que tenha, sem mais, tornado assente que dava autorização para o preenchimento da livrança entregue em branco, nas circunstâncias de cálculo assinadas no texto das cláusulas contratuais pré- estabelecidas, pelo exequente, na minuta genérica. 5 Citou Ac. STJ, 88.11.22, BMJ 381-685, Ac. STJ 91.01.29, AJ nº 15/16 6
(b) Ora, este é um problema incontornável, também em face do disposto no artº 5º Dl 446/85,25.10, posto que o embargante alegou expressamente só ter tido contacto com o impresso no próprio dia da sua assinatura, e pelo tempo necessário apenas para o subscrever, não tendo havido antecedência necessária 6 ao efectivo conhecimento do conteúdo do contrato, nem informação sobre as cláusulas, seu significado e consequências, nomeadamente quanto ao regime da devolução do veículo e respectiva repercussão na responsabilidade dos mutuários, avalizados. (c) Dada a natural posição contrária do Ap.o., trata-se de matéria que exige Audiência de Discussão e Julgamento, impondo por isso mesmo a anulação do processado a partir da fase do saneador que, neste caso, foi apeada pela sentença recorrida. (d) Por conseguinte, visto o disposto no artº 712º/4 CPC, determina-se a baixa do processo para prosseguir nos termos acima indicados, consequentemente anulada a decisão sob crítica. VII. CUSTAS: No final, por quem sucumbir. 6 Vd. 29/36 da Resposta à Contestação, Iv., pp 61/62 7