Abstract Resumo. Defeitos do compartimento vaginal posterior: fisiopatologia e tratamento da retocele
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- Wilson Fraga Zagalo
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1 Defeitos do compartimento vaginal posterior: fisiopatologia e tratamento da retocele Defects of vaginal posterior compartment: pathophysioly and treatment of rectocele at u a l i z a ç ã o Abstract Resumo A retocele é definida como uma herniação da parede anterior do reto e posterior da vagina em direção ao lúmen vaginal. A etiologia da retocele é variada, e como tal, o tratamento deve ser sítio específico. Apenas a miorrafia dos elevadores pode não resolver o problema e comprometer a evacuação, bem como dificultar o acesso ao sítio específico do defeito em futuras intervenções cirúrgicas. O uso de telas sintéticas, especialmente as de polipropileno, se mostra como um recurso valioso nas mulheres que apresentam o septo retovaginal muito atrófico ou com lesão extensa, que impossibilita sua reconstituição. Rectocele, currently known as prolapse of the posterior vaginal wall, is defined as a herniation of the anterior rectal wall and posterior vaginal wall into the lumen of the vagina. The etiology of rectocele is multifactorial, therefore the repair should be site-specific. Plication of the levator ani muscles alone may not be able to solve the problem and lead to defecatory dysfunction as well as hinder access to site-specific defects in future surgical interventions. The use of synthetic mesh, polypropylene mesh in particular, has proved to be a valuable asset in women with severe atrophy or extensive lesion of the rectovaginal septum, conditions which preclude reconstitution of the rectovaginal support structure. Edílson Benedito de Castro 2 Paulo César Rodrigues Palma 1 Viviane Herrmann 1 Cássio Riccetto 1 Marcelo Thiel 1 Carlos Henrique Polli 1 Cássio Cardoso Filho 1 Palavras-chave Prolapso Parede vaginal Retocele Tratamento cirúrgico Keywords Prolapse Vaginal wall Rectocele Surgical treatment 1 Setor de Uroginecologia UNICAMP CAISM Hospital das Clínicas Hospital Estadual Sumaré 2 Setor de Tocoginecologia/Hospital Vera Cruz Campinas (SP) FEMINA Junho 2007 vol 35 nº 6 363
2 Introdução A retocele, segundo Bump et al.,1996, é definida como uma herniação da parede anterior do reto e posterior da vagina em direção ao lúmen vaginal (Figura 1). Os prolapsos da parede posterior em muitos casos resultam de gestações e partos vaginais traumáticos ou do aumento crônico da pressão abdominal. Existem também fatores raciais e congênitos envolvidos no desenvolvimento dos prolapsos, relacionados à produção deficiente de colágeno. Adicionalmente, cirurgias realizadas focando somente um compartimento ou defeito do assoalho pélvico, podem provocar prolapsos em outros compartimentos. Na fisiologia normal, o bolo fecal é empurrado pelo peristaltismo intestinal contra a fáscia retovaginal. Na maioria dos casos, a rotura desta fáscia é transversal e próxima ao anel pericervical, levando a herniação e muitas vezes à dificuldade de evacuação. As vísceras pélvicas têm o seu suporte realizado por dois mecanismos principais: a fáscia endopélvica e suas condensações (fáscia vésicovaginal, septo retovaginal, ligamento útero-sacro, ligamento cardinal e paracolpo) e pelo diafragma pélvico (músculos elevador do ânus e coccígeo). A fáscia endopélvica tem como finalidade principal, manter a vísceras (útero, vagina, bexiga e reto) sobre a musculatura do diafragma pélvico. Na vigência de aumento da pressão abdominal, esta é transmitida às vísceras pélvicas e absorvida, principalmente pelo músculo elevador do ânus, evitando-se assim tensão sobre o tecido ligamentar. Durante o esforço, ocorre também uma contração involuntária dos ramos musculares do assoalho pélvico com estreitamento do hiato genital, colaborando assim para a manutenção da estática pélvica. Recentes trabalhos de anatomia do assoalho pélvico têm mostrado que o suporte vaginal é realizado em três níveis (DeLancey, 1992, 2004): Nível 1: ápice vaginal. A cúpula vaginal é sustentada pelo ligamento cardinal bilateral, que se estende até a parede pélvica e pelo ligamento útero-sacro, que fixa o ápice vaginal ao sacro. Nível 2: terço médio da vagina. A parede vaginal lateral é fixa à pelve pelo paracolpo, que são tecidos constituídos de espessamentos de fáscia endopélvica, à semelhança do paramétrio, porém mais curtos. Um espessamento da fáscia endopélvica, chamado de fáscia vésicovaginal, se interpõe entre a face ântero-inferior da bexiga e a parede vaginal anterior, da sínfise púbica até a cérvix uterina. A fáscia vésicovaginal é atada pela fáscia endopélvica ao arco tendíneo bilateral, que é um tendão do músculo elevador do ânus. A fáscia endopélvica que se insere no arco tendíneo, continua caudalmente, formando um coxim suburetral, o chamado ligamento uretro-pélvico, e uma condensação do terço médio da uretra com o púbis, o ligamento pubo-uretral. O espessamento da fáscia endopélvica que se insere no ligamento útero-sacro superiormente, no corpo perineal inferiormente e lateralmente ao arco tendíneo, localizado entre o reto e a parede vaginal posterior é chamado de septo retovaginal. Este ligamento é fixo mais posteriormente, pela fáscia endopélvica, ao bordo medial do músculo íleococcígeo, que é um ramo do elevador do ânus. A tração exercida por este músculo no septo retovaginal confere à mucosa vaginal posterior do nível 2 a forma de W (DeLancey, 1999). Nível 3: terço inferior da vagina. Uma membrana de tecido fibroso recoberto em sua face interna por uma fina camada muscular, que se origina dos ramos ósseos internos do ísquio, é chamada de membrana perineal ou diafragma urogenital. A membrana perineal se une inferiormente ao corpo perineal e é perfurada pela uretra e vagina. Portanto, no nível 3, não existe fáscia endopélvica.o diafragma urogenital confere à vagina a forma de U. Assim, pela análise dos defeitos nos níveis de sustentação vaginal, podemos definir o prolapso genital em: Defeito no nível 1: prolapso uterino, prolapso de cúpula vaginal nas pacientes histerectomizadas e enterocele. Defeito no nível 2: prolapso de parede vaginal anterior (cistocele) e posterior (retocele). Defeito no nível 3: insuficiência do corpo perineal e retocele. Figura 1 - Retocele (Rectum = reto; Uterus = útero; Tendinous Arc = arco tendíneo; Levator Ani = levantador do ânus; Vagina = vagina; Rectocele = retocele). A vagina no seu terço médio é envolvida pela fáscia endopélvica, que se fixa bilateralmente no arco tendíneo. Entre a parede vaginal anterior e a bexiga, a fáscia endopélvica é chamada de fáscia vésicovaginal e posteriormente, entre o reto e a vagina, de septo retovaginal. Portanto podemos dividir a vagina em compartimento anterior e posterior. 364 FEMINA Junho 2007 vol 35 nº 6
3 Fisiopatologia da retocele Como vimos acima, existe uma comunicação entre o três níveis de sustentação ligamentar posterior da vagina: inserção do septo retovaginal superiormente no ligamento útero-sacro e inferiormente no corpo e membrana perineal. No nível 2 o septo retovaginal é ainda fixado lateralmente à fáscia externa do músculo íleococcigeo. Durante aumento da pressão abdominal, ocorre contração reflexa do músculo puboretal, elevando a parede vaginal posterior de encontro à anterior, colaborando assim para o estreitamento do hiato vaginal e minimizando o stress sobre esta estrutura. A contração do músculo íleococcígeo traciona o septo retovaginal póstero-lateralmente e o eixo de pressão retal é direcionado ao corpo perineal, mantendo o tecido ligamentar livre de tensão. A membrana perineal exerce função de equilíbrio entre o corpo perineal e o septo retovaginal. Ela se origina do ramo ascendente do ísquio, se insere lateralmente ao corpo perineal e é perfurada pela vagina e uretra, daí seu nome, diafragma urogenital. Gênese da retocele Desinserção do septo retovaginal do ligamento útero-sacro ou anel pericervical (Figura 2). Desinserção uni ou bilateral do septo retovaginal da fáscia do músculo íleococcígeo. Desinserção do septo retovaginal do corpo perineal. Insuficiência do corpo perineal. Lesão uni ou bilateral da membrana perineal. Lesão ou enfraquecimento do músculo puboretal, levando a alteração do eixo de pressão retal do corpo perineal para o septo retovaginal, que com o tempo se distende até o rompimento, levando a formação da retocele. Tratamento O tratamento cirúrgico deve ser focado no ponto onde existe o defeito anatômico. Para tanto a anamnese e o exame ginecológico são de suma importância. Nova avaliação intra-operatória associada com um toque retal nos auxilia a confirmar o diagnóstico e localizar mais precisamente o sítio do defeito posterior. A manometria anorretal em casos nos quais suspeitamos de insuficiência do esfíncter anal e exame contrastado do reto podem ser úteis para confirmar o diagnóstico e excluir uma enterocele associada ao quadro de retocele. A retocele perineal ocorre devido à disjunção do septo retovaginal do corpo e/ou membrana perineal, associado ou não com rotura muscular. Ela pode ser corrigida com uma ráfia dos ramos musculares e da membrana perineais, envolvendo o terço distal do septo retovaginal. Uma dissecção longitudinal da mucosa vaginal identifica o ponto de rotura do septo retovaginal responsável pela retocele de terço médio da vagina. A colocação de pontos de sutura na região do defeito, unindo novamente o septo geralmente é suficiente para correção do problema. Em grande número de pacientes encontramos retocele de terço médio e superior da vagina, geralmente extensa, causada por desinserção do septo retovaginal do ligamento útero-sacro. Este tipo de defeito pode ser demonstrado com uma dissecção longitudinal ampla da mucosa vaginal, do intróito ao fundo de saco posterior. A sutura do terço superior do septo retovaginal ao ligamento útero-sacro corrige esta distopia (Figura 3). Em mulheres portadoras de retocele onde não é possível a identificação do septo retovaginal, por atrofia As retoceles podem ser assintomáticas ou podem causar: Sintomas intestinais: dificuldade ou desconforto para evacuar, incontinência de flatos ou fecal. Sintomas locais: peso vaginal, pressão, dor ou dispareunia. O exame físico em posição supina ou durante o esforço é a avaliação mais importante para diagnóstico e acompanhamento dos prolapsos posteriores da parede vaginal. Os grandes prolapsos têm indicação cirúrgica devido à protusão de tecidos, que causa dor, ulceração e pressão vaginal. Figura 2 - Identificação do defeito posterior. FEMINA Junho 2007 vol 35 nº 6 365
4 Figura 3 - Correção do defeito posterior. Figura 4 - Fixação da tela na agulha do sling. Figura 5 - Colocação da tela entre a vagina e o reto. ou lesão extensa, podemos usar telas de material sintético. Estas telas apresentam um histórico de sucesso no tratamento da incontinência urinária de esforço e no prolapso de parede vaginal anterior (Palma et al., 2002, 2005). No Setor de Uroginecologia da UNICAMP, a nossa preferência é pela slingoplastia infracoccígea (Castro et al., 2005; Farnsworth, 2002; Petros, 1993, 1997) com o uso do APOGEE, uma tela de polipropileno (Thiel et al., 2005). Com esta técnica insere-se tela de polipropileno através da fossa ísquiorretal, usando-se um condutor metálico (agulha) introduzida no glúteo da paciente, lateral ao reto, próximo à tuberosidade isquiática (Figura 4). Esta fita, suturada ao ápice da cúpula vaginal, serve como um reforço do ligamento útero-sacro, e trata a retocele pela interposição da tela de polipropileno entre a vagina e o reto, do fundo de saco posterior ao corpo perineal (Figura 5). A fibrose causada pela tela cria um reforço posterior entre a vaginal e o reto, restabelecendo a anatomia e prevenindo a formação do prolapso de parede vaginal posterior. Complicações do tratamento cirúrgico da retocele: perfuração do reto, sangramento, fibrose, dispareunia, infecção e distúrbios da evacuação. Considerações finais O conhecimento da anatomia pélvica, da gênese e fisiopatologia do prolapso da parede vaginal posterior se fazem necessários para um correto diagnóstico sítio específico do defeito, identificação das causas e/ou comorbidades associadas ao prolapso (ex.: parto traumático, defeitos do colágeno, obesidade, doença pulmonar obstrutiva crônica, etc.) e de sintomas associados. Só assim realizaremos um correto tratamento cirúrgico, aumentando a taxa de cura e minimizando as complicações e iatrogenias causadas pelo procedimento médico. 366 FEMINA Junho 2007 vol 35 nº 6
5 Leituras suplementares Bump RC, Mattiasson A, Bo K, et al. The standardization of terminology of female pelvic organ and pelvic floor dysfunction. Am J Obstet Gynecol 1996; 175: Castro EB, Palma PCR, Herrmann V, et al. Aspectos Atuais no Tratamento do Prolapso de Cúpula Vaginal. Femina 2005; 33: DeLancey JO. Anatomic aspects of vaginal eversion after hysterectomy. Am J Obstet Gynecol 1992; 166: DeLancey JO. Functional anatomy of the pelvic floor and lower urinary tract. Clin Obstet Gynecol 2004; 41: DeLancey JO. Structural anatomy of the posterior pelvic compartment as it relates to rectocele. Am J Obstet Gynecol 1999; 180: Farnsworth BN. Posterior intravaginal slingplasty (infracoccygeal sacropexy) for severe posthysterectomy vaginal vault prolapse A preliminary report on efficacy and safety. Int Urogynecol J 2002; 13: 4-8. Palma PCR, Fraga R. Sling transobturatório reajustável: uma abordagem promissora na incontinência urinária de esforço. Urologia Contemporânea 2002; 4: Palma PCR, Riccetto CLZ, Fraga R et al. Sling transobturatório: uma nova opção minimamente invasiva para o tratamento da incontinência urinária de esforço. Urodinâmica & Uroginecologia 2002; 5: Palma PCR, Riccetto, CLZ, Herrmann, V. Tratamento cirúrgico do prolapso de parede vaginal anterior através da técnica de sling transobturatório. Femina 2005; 33: Petros PE. New ambulatory surgical methods using an anatomical classification of urinary dysfunction improve stress urge and abnormal emptying. Int Urogynecol J 1997; 8: Petros PE, Ulmsten U. The posterior fornix syndrome: a multiple symptom complex of pelvic pain and abnormal urinary symptoms deriving from laxity in the posterior fornix of the vagina. An integral theory and its method for the diagnosis and management of female urinary incontinene. Scand J Uro Nephrol 1993; (Suppl 153): Thiel M, Palma PCR, Riccetto CLZ, et al. A Stereological Analysis of Fibrosis and Inflammatory Reaction Induced by Four Different Synthetic Slings. BJU International 2005; 95: Goiânia - GO 15 a 18 de agosto 33ª Jornada Goiana de Ginecologia e Obstetrícia Local: Centro de Convenções de Goiânia Realização: SGGO Tel.: 55(62) sggo@sggo.com.br sggo@aganet.com.br FEMINA Junho 2007 vol 35 nº 6 367
6 16 Defeitos a do compartimento 18 vaginal de posterior: fisiopatologia agosto e tratamento da retocele X Congresso Norte-Nordeste da Reprodução Humana XXVI Jornada Paraibana de Ginecologia e Obstetrícia Zeppelini Local: Centro de Convenções do Hotel Tambaú Realização: SOGOPA Tel.: 55(83) sogopapb@yahoo.com.br 368 FEMINA Junho 2007 vol 35 nº 6
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