OLIMPÍADA BRASILEIRA DE MATEMÁTICA NÍVEL III SEMANA OLÍMPICA Salvador, 19 a 26 de jaeiro de 2001 1. INTRODUÇÃO FUNÇÕES CONTÍNUAS Oofre Campos oofrecampos@bol.com.br Vamos estudar aqui uma ova classe de fuções: a das fuções cotíuas. Estas fuções são muito comus e as estudamos freqüetemete, embora quase sempre ão os damos cota de que estamos lidado com elas. Assim, por exemplo, as fuções poliomiais, expoeciais e trigoométricas, que já se toraram bastate familiares para ós, são cotíuas. O que faremos aqui é estudar de maeira geral e rápida as características de uma fução cotíua e algumas de suas pricipais propriedades. Ates de tudo precisamos eteder algus coceitos fudametais. Defiição 1 Seja a 1, a 2,..., a,... uma seqüêcia de úmeros reais. Dizemos que a seqüêcia (a ) coverge para um úmero real L se para todo > 0 existe 0 N tal que para todo N, > 0, a L <. Neste caso a seqüêcia (a ) é dita covergete e escrevemos a L para deotar que a seqüêcia a coverge para L. Caso a seqüêcia ão seja covergete ela é dita divergete. 1 Exemplo 1 A seqüêcia (a ) dada por a, = 1, 2,... coverge para 0. De fato, dado 1 > 0, existe um atural 0 tal que, para todo > 0, 0. Basta tomar 1 0. Neste caso, podemos dizer que 1 a 0. 2. FUNÇÕES CONTÍNUAS Defiição 2 Dados uma fução f : X R, X R e a X, dizemos que f é cotíua o poto a se para todo > 0, existe > 0 tal que x X, x a < f(x) f(a) <, Se a fução for cotíua em todos os potos do domíio X, dizemos que f : X R é cotíua.
Semaa Olímpica Nível III Prof.: Oofre Campos Proposição 1 Dados X R, c R e f, g: X R fuções cotíuas o poto a X, etão as f fuções f + g, f.g: X R, assim como caso g(a) 0, são cotíuas. g Proposição 2 Sejam f :X R cotíua o poto a X, g:y R cotíua o poto b = f(a) Y e f(x) Y, de modo que a fução composta g f está bem defiida. Etão g f é cotíua o poto a. Em outras palavras, a composta de duas fuções cotíuas é cotíua. Defiição 3 Dado X R, dizemos que um úmero a é poto de acumulação de X se existir uma seqüêcia (x ) em X que coverge para a. Proposição 3 Dados X R e f: X R e a X um poto de acumulação de X, as seguites afirmações são equivaletes: i) f é cotíua em a; ii) f ( a) ; xa iii) Para toda seqüêcia (x ) em X com Demostração: x a vale f ( x ) f ( a). xa (ii i) Para todo > 0, existe > 0 tal que x X, 0 < x a < f(x) f(a) <. O mesmo vale se x a <, porque se x a = 0, x = a e f(x) f(a) <. Etão, f é cotíua em a. (i iii) Seja (x ) uma seqüêcia em X com x a. Dado > 0 arbitrário, seja tal que x a < implica f(x) f(a) <. Para esse, existe um atural 0 tal que > 0 x a < f(x ) f(a) <, e assim, f ( x ) f ( a). xa (iii ii) Supoha que ão valha (ii). Etão, existe > 0 e x X tal que para todo > 0, 0 < x a < e f(x) f(a). Em particular, para todo N, cosiderado = 1/, existe x X, que chamaremos de x, tal que x a < 1/ e f(x ) f(a). Logo, a, mas x ão vale f ( x ) f ( a), o que cotradiz (iii). Logo, devemos ter f ( a), o que xa completa a demostração. Problema 1 Ache todas as fuções cotíuas f: R R tais que f(x) + f(x 2 ) = 0, para todo x R. (Opíada Sueca 1989) Iicialmete, otemos que a fução é par, visto que f(-x) = -f((-x) 2 ) = -f(x 2 ) = f(x). Vamos cosiderar x 0. Para x = 0, obtemos 2.f(0) = 0, tal que f(0) = 0. Também, para x = 1, obtemos 2.f(1) = 0, tal que f(1) = 0. Seja x > 0. Vamos mostrar que f(x) = 0. ; f ( 4 x) ; xa 2
Semaa Olímpica Nível III Prof.: Oofre Campos e em geral, f ( 2 21 x ( 2 x) f ( ) e f 2 x) f ( x ). Daí, defiido 2 2 x x, obtemos f ( x ). (1) Por outro lado, usado que a fução é cotíua e que x 1 f ( x ) f ( x ) f (1) 0. (2) De (1) e (2) segue-se que f(x) = 0, para todo x R, que é a úica fução satisfazedo o euciado. Problema 2 Determie todas as fuções cotíuas f: R R tais que para quaisquer x, y reais. (Equação de Cauchy) f(x + y) = f(x) + f(y) Para x = 0, obtemos f(x) = f(x) + f(0), tal que f(0) = 0. Para y = -x, obtemos f(0) = f(x) + f(-x), de modo que f(-x) = -f(x). Logo, a fução é impar. Vamos cosiderar x, y > 0. Para y = x obtemos f(2x) = 2.f(x), e por idução, f(.x) =.f(x), para todo atural. Agora, para x = 1, m obtemos f() =.f(1), para todo atural. Para x, obtemos m m m m f (. ). f ( ) f ( m) m. f (1) f ( ). f (1). Dessa forma, mostramos que para todo racioal x, f(x) = x.f(1). Para x irracioal, tomamos uma seqüêcia (x ) de úmeros racioais com x x. Pela cotiuidade da fução, obtemos f ( x ) x. f (1) x. f (1). xx Logo, f(x) = x.f(1), para todo real x. xx 3
3. TEOREMA DO VALOR INTERMEDIÁRIO (TVI) Semaa Olímpica Nível III Prof.: Oofre Campos Teorema 1 Seja f : [a, b] R uma fução cotíua. Se f(a) < y < f(b) ou f(b) < y < f(a) etão existe x (a, b) tal que f(x) = y. Demostração: Supohamos sem perda de geeralidade que f(a) < f(b). O caso f(b) < f(a) é aálogo. Seja y [f(a), f(b)]. Queremos ecotrar x (a, b) tal que f(x) = y. Vamos utilizar o algoritmo da biseção sucessiva. Sejam a 0 = a e b 0 = b. Deote por x 1 o poto médio do itervalo [a 0, b 0 ]. Se f(x 1 ) < y, defia a 1 = x 1 e b 1 = b 0, mas se f(x 1 ) y, defia a 1 = a 0 e b 1 = x 1. Em ambos os casos temos f(a 1 ) y f(b 1 ) e o comprimeto do itervalo [a 1, b 1 ] é metade do itervalo [a, b]. Agora, seja x 2 o poto médio de [a 1, b 1 ]. Se f(x 2 ) < y, defia a 2 = x 2 e b 2 = b 1, mas se f(x 2 ) y defia a 2 = a 1 e b 2 = x 2. Novamete, em ambos os casos, teremos f(a 2 ) y f(b 2 ) e o comprimeto do itervalo [a 2, b 2 ] será um quarto do itervalo [a, b]. Cotiuamos bisectado cada itervalo, obtedo uma cadeia de itervalos ecaixados [a, b] [a 1, b 1 ]... [a, b ]... cujo comprimeto coverge para zero, pois b a = (b a)/2. Isto implica que as seqüêcias (a ) e (b ) covergem para o mesmo úmero real, digamos x. Pela cotiuidade de f, f ( a ) e f ( b ). Além disso, para cada, f(a ) y f(b ), e pelo teorema do saduíche, obtemos f ( a ) y f ( b ), de ode cocluímos que f(x) = y, e o teorema está provado. Corolário 1 Seja f: [a, b] R cotíua tal que f(a).f(b) < 0. Etão existe um úmero real c (a, b) tal que f(c) = 0. Problema 3 Seja f: [0, 1] R cotíua tal que f(0) = f(1). Prove que existe x [0, 1] tal que f(x) = f(x + 1/2). Prove o mesmo resultado para 1/3 em vez de 1/2. Defiimos g: [0,1/2] R podo g(x) = f(x) f(x + 1/2). Etão, g é cotíua e g(0) + g(1/2) = 0. Isto sigifica que g(0) e g(1/2) possuem siais opostos, ou seja, g(0).g(1/2) < 0. Pelo TVI existe um úmero real c [0, 1/2] tal que g(c) = 0. Logo, f(c) = f(c + 1/2). Cosiderado 1/3 em vez de 1/2, defiimos h: [0, 2/3] R podo h(x) = f(x) f(x + 1/3). Neste caso, teremos h(0) + h(1/3) + h(2/3) = 0. Logo, h muda de sial em[0, 1/3] ou em [1/3, 2/3]. Dessa forma, deve existir d [0, 2/3] tal que h(d) = 0 ou f(d) = f(d + 1/3). 4
Semaa Olímpica Nível III Prof.: Oofre Campos Problema 4 Seja p um poliômio de coeficietes reais e grau ímpar. Mostre que p possui pelo meos uma raiz real. Supohamos, sem perda de geeralidade, que p( x) ax a 1 x... a1x a0, com a > 0. Etão, para x 0, a1 a1 a0 p( x) x a.... 1 x x x Daí, como é ímpar, é imediato que x p( x) e x 1 p( x),de modo que existem a e b reais, com a < 0 < b, tais que p(a) < 0 < p(b). Pelo TVI, p tem ao meos uma raiz real. 4. Problemas Propostos 1. Determie todas as fuções cotíuas f: R R tais que f(x + y) = f(x).f(y) para quaisquer x, y reais. 2. (Equação fucioal de Jese) Determie todas as fuções cotíuas f: R R tais que f x y 2 2 f ( y) para quaisquer x, y reais. 3. Ache todas as fuções cotíuas f defiidas o cojuto dos úmeros reais e tais que para todo real x. (Bulgaria 1997) 2 1 f x, 4 4. Seja f: [a, b] [a, b] uma fução cotíua. Prove que f possui um poto fixo. 5. Seja f: R R cotíua e tal que f(x).f(f(x)) = 1, para todo x. Se f(1000) = 999, calcule f(500). (Leigrado) 5
Semaa Olímpica Nível III Prof.: Oofre Campos 6. Uma fução f defiida mo itervalo [0, 1] satisfaz f(0) = f(1) e se x 1, x 2 [0, 1] etão f(x 1 ) f(x 2 ) < x 1 x 2. Mostre que f(x 1 ) f(x 2 ) < 1/2, para quaisquer x 1, x 2 [0, 1]. (Opíada Chiesa 1983) 7. Determie todos os reais a tais que, para toda fução cotíua f, defiida em [0, 1] e tal que f(0) = f(1), exista x 0 [0, 1 a] satisfazedo f(x 0 ) = f(x 0 + a). (Austrália 1982) 8. Sejam f, g: R R fuções cotíuas tais que f(a) < g(a) e f(b) > g(b). Mostre que existe c (a, b) tal que f(c) = g(c). 9. Prove que a úica fução cotíua f : R R que satisfaz f(f(f(x))) = x é a fução idetidade f(x) x. (Sugestão: Prove que se uma fução é ijetiva e cotíua etão ela é moótoa). 10. Seja f: R R uma fução cotíua tal que, para todo real x, tehamos f(f(f(x))) = x 2 + 1. Prove que f é par. 11. Seja f: R R uma fução cotíua que assume valores positivos e egativos. Dado k > 2 atural, prove que existem reais a 1, a 2,..., a k em progressão aritmética tais que f(a 1 ) + f(a 2 ) +...+ f(a k ) = 0. 12. Seja f: R R uma fução cotíua que satisfaz as seguites propriedades: i) f() = 0, para todo iteiro ; a b ii) se f(a) = 0 e f(b) = 0 etão f 0. 2 Mostre que f(x) = 0, para todo real x. 13. (Teorema do Valor Extremo) Se f :[a, b] R é uma fução cotíua, etão existem c e d o itervalo [a, b] tais que f(c) f(x) f(d), para todo x em [a, b] (ou seja, f(c) é o míimo valor de f sobre [a, b] e f(d) é o máximo valor de f sobre [a, b]). (Sugestão: Utilize o método da biseção sucessiva que usamos para mostrar o TVI). 14. Sejam c > 0 uma costate real e f uma fução defiida os reais e tomado valores reais que satisfaz f(x) f(y) c. x y, para quaisquer x, y reais. Mostre que f é cotíua. 15. Seja f : [0, 1] [0, 1] uma fução tal que f(x) f(y) x y, para quaisquer x, y [0, 1]. Mostre que f ou f f possui um poto fixo. (Sugestão: Cosidere a fução g(x) = f(x) x e use o teorema do Valor Extremo). 6
Semaa Olímpica Nível III Prof.: Oofre Campos 5. Bibliografia [1] Larso, Lore C., Problem-solvig through problems (Problem books i mathematics) [2] Egel, Arthur, Problem-Solvig strategies (Problem books i mathematics) [3] Lima, Elo Lages, Curso de aálise, vol. I. Rio de Jaeiro, 8 a ed. 7