EPISTEMOLOGIA ou TEORIA DO CONHECIMENTO
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- Amanda Cruz Castro
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1 EPISTEMOLOGIA ou TEORIA DO CONHECIMENTO Epistemologia ou teoria do conhecimento (do grego ἐπιστήμη [episteme], ciência, conhecimento; λόγος [logos], discurso) é um ramo da Filosofia que trata dos problemas filosóficos relacionados com a crença e o conhecimento. Uma primeira definição de conhecimento poderia ser o modo pelo qual o sujeito se apropria intelectualmente de um objeto. De acordo com essa definição, saber que ou conhecer algo designa uma relação entre um sujeito um objeto. A ORIGEM DO CONHECIMENTO Intuição Se perguntarmos "de que modo o sujeito que conhece pode apreender o real?", a resposta imediata que nos vem á mente é que o homem conhece pela razão, pelo discurso. Mas nós apreendemos o real também pela intuição, que é uma forma de conhecimento imediato, isto é, feito sem intermediários, um pensamento presente ao espírito. Como a própria palavra indica (do latim intuitio, olhar atentamente ), intuição é uma visão súbita. Enquanto o raciocínio é discursivo e se faz por meio da palavra, a intuição é inefável, inexprimível: como poderíamos explicar em que consiste a sensação do vermelho? A intuição é importante por ser o ponto de partida do conhecimento, a possibilidade da invenção, da descoberta, dos grandes "saltos" do saber humano. 1. A intuição sensível é o conhecimento direto e imediato das qualidades sensíveis do objeto externo: cores, sabores, odores, paladares, texturas, dimensões, distâncias. É também o conhecimento direto e imediato de estados internos ou mentais: lembranças, desejos, sentimentos, imagens. A intuição sensível ou empírica é psicológica, isto é, refere-se aos estados do sujeito do conhecimento enquanto um ser corporal e psíquico individual - sensações, lembranças, imagens, sentimentos, desejos e percepções são exclusivamente pessoais. A intuição empírica não capta o objeto em sua universalidade e a experiência intuitiva não é transferível para um outro objeto. 2. A intuição intelectual difere da sensível justamente por sua universalidade e necessidade. Quando penso: Uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo, sei, sem necessidade de provas ou demonstrações, que isto é verdade. Ou seja, tenho conhecimento intuitivo do princípio da contradição. Quando digo: O amarelo é diferente do azul, sei, sem necessidade de provas e demonstrações, que há diferenças. Vejo, na intuição sensível, a cor amarela e a cor azul, mas vejo, na intuição intelectual, a diferença entre cores. Quando afirmo: O todo é maior do que as partes, sei, sem necessidade de provas e demonstrações, que isto é verdade, porque intuo uma forma necessária de relação entre as coisas. A intuição intelectual é o conhecimento direto e imediato dos princípios da razão (identidade, contradição, terceiro excluído, razão suficiente), das relações necessárias entre os seres ou entre as idéias, da verdade de uma idéia ou de um ser; é a que se esforça por captar diretamente a essência do objeto. Por exemplo, a descoberta de Descartes do cogito (eu pensante) enquanto primeira verdade indubitável. A intuição da essência é a apreensão intelectual imediata e direta de uma significação, deixando de lado as particularidades dos representantes que indicam empiricamente a significação. É assim que tenho intuição intelectual da essência ou significação triângulo, imaginação, memória, natureza, cor, diferença, Europa, pintura, literatura, tempo, espaço, coisa, quantidade, qualidade, etc. Intuímos idéias.
2 Conhecimento discursivo Ao contrário da intuição, o raciocínio é o conhecimento que exige provas e demonstrações e se realiza igualmente por meio de provas e demonstrações das verdades que estão sendo conhecidas ou investigadas. Não é um ato intelectual, mas são vários atos intelectuais internamente ligados ou conectados, formando um processo de conhecimento. Para compreender o mundo, para "organizar o caos", a razão supera as informações concretas e imediatas que recebe, organizando-as em conceitos ou idéias gerais que, devidamente articulados, podem levar à demonstração e a conclusões que se consideram verdadeiras. Diferentemente da intuição, a razão é por excelência a faculdade de julgar. Chamamos conhecimento discursivo ao conhecimento mediato, isto é, aquele que se dá por meio de conceitos. É o pensamento que opera por etapas. Por um encadeamento de idéias, juízos e raciocínios que levam a determinada conclusão. Para tanto, a razão precisa realizar abstrações. Abstrair significa "isolar", "separar de". Fazemos uma abstração quando isolamos, separamos um elemento de uma representação, elemento este que não é dado separadamente na realidade (representação significa a imagem, ou a idéia da "coisa" enquanto presente no espírito). Quando vemos um cinzeiro, temos inicialmente a imagem dele, uma representação mental de natureza sensível e de certa forma concreta e particular, porque se refere àquele cinzeiro especificamente (por exemplo, de forma hexagonal e de cristal transparente). Quando abstraímos, isolamos essas características por serem secundárias, e consideramos apenas o "ser cinzeiro". Resulta daí o conceito ou idéia de cinzeiro, que é a representação intelectual de um objeto e, portanto imaterial e geral. Ou seja, a idéia de cinzeiro não se refere àquele cinzeiro particular, mas a qualquer objeto que sirva para recolher cinzas. Da mesma forma, podemos abstrair do cinzeiro a forma ou a cor, que de fato não existem fora da coisa real. O matemático reduz as coisas que têm peso, dureza, cor, para só considerar a quantidade. Por exemplo, quando dizemos 2, consideramos apenas o número, deixando de lado se são duas pessoas ou duas frutas. A lei científica também é abstrata. Quando concluímos que o calor dilata os corpos, fazemos abstração das características que distinguem cada corpo para considerar apenas os aspectos comuns àqueles corpos, ou seja, o corpo em geral" enquanto submetido à ação do calor. Ora, quanto mais tornamos abstrato um conceito, mais nos distanciamos da realidade concreta. Esse artifício da razão é importante enquanto possibilidade de transcendência, para a superação do "aqui e agora" e construção de hipóteses transformadoras do real. No entanto, toda vez que a razão se distancia demais do vivido, a teoria se petrifica e o conhecimento é empobrecido. Da mesma forma, permanecer no nível do vivido e da intuição impede o distanciamento fecundo da razão que interpreta e critica. O verdadeiro conhecimento se faz, portanto, pela ligação continua entre intuição e razão, entre o vivido e o teorizado, entre o concreto e o abstrato. Racionalismo: a razão, tomada em si mesma e sem apoio da experiência sensível, é o fundamento e a fonte do conhecimento verdadeiro. O valor e o sentido da experiência sensível, bem como seu uso na produção de conhecimentos dependem de princípios, regras e normas estabelecidas pela razão. A razão CONTROLA a experiência sensível para que esta possa participar do conhecimento verdadeiro. Descartes Principal nome do racionalismo, também considerado o pai da filosofia moderna, René Descartes tem como objetivo encontrar um método que conduza a uma verdade indubitável. Ele busca este método no ideal matemático, onde pretende usar o tipo de conhecimento que é peculiar à matemática. Este conhecimento, como sabemos, é dominado inteiramente pela inteligência e baseado na ordem e na medida, o que lhe
3 permite estabelecer cadeias de razões, para deduzir uma coisa de outra. Descartes estabelece quatro regras para proceder sua investigação: 1. Evidência: acolher o que aparece apenas como ideias claras e distintas. 2. Análise: dividir as dificuldades em parcelas menores para resolvê-las em partes. 3. Ordem: conduzir o pensamento a partir das ideias mais simples as mais complexas 4. Enumeração: fazer revisões para garantir que nada foi omitido. Dúvida metódica: converte a dúvida em método. Começa duvidando de tudo, das afirmações do senso comum, dos argumentos da autoridade, do testemunho dos sentidos, das informações da consciência, das verdades deduzidas pelo raciocínio, da realidade do mundo exterior e da realidade de seu próprio corpo. Descartes só interrompe essa cadeia de dúvidas diante do seu próprio ser que duvida. Se duvido, penso; se penso, existo: "Cogito, ergo sum". "Penso, logo existo". Eis aí o fundamento, o ponto de partida para a construção de todo o seu pensamento. Mas este "eu" cartesiano é puro pensamento, uma res cogitans (um ser pensante), pois, no caminho da dúvida, a realidade do corpo (res extensa, coisa externa, material) foi colocada em questão. A partir dessa primeira intuição do cogito, Descartes distingue os diversos tipos de idéias, percebendo que algumas são duvidosas e confusas e outras são claras e distintas. Idéias que parecem ter nascido comigo: inatas. Idéias que vieram de fora: adventícias. Idéias que foram feitas e inventadas por mim mesmo: factícias. Ao seguir os quatro passos do método, Descartes concebe com evidência a idéia do cogito. Esta, segundo ele, pertence à classe das idéias inatas; é uma idéia que não deriva do particular. Concebidas clara e distintamente pela razão, estas idéias não estão sujeitas ao erro; já se encontram no espírito, como fundamento para a apreensão de outras verdades. Além do cogito, outra idéia que se apresenta clara e distintamente para Descartes é a idéia de Deus. Pelo nome de Deus entendo uma substância infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente e pela qual eu próprio e todas as outras coisas que existem (se é verdade que há coisas que existem) foram criadas e produzidas. (DESCARTES, Meditações, 2004, p.281). Descartes formula uma prova da existência de Deus conhecida como prova ontológica: o pensamento do objeto Deus é a idéia de um ser perfeito; se um ser é perfeito, deve ter a perfeição da existência, caso contrário lhe faltaria algo para ser perfeito. Logo, Deus existe. Sendo Deus um ser perfeito, ele não pode nos enganar; como conseqüência, Descartes recuperas as verdades acerca do mundo, da matemática e do senso comum. No caminho realizado por Descartes podemos notar como ele acentua o caráter absoluto e universal da razão que, partindo do cogito, só com suas próprias forças pode chegar a descobrir todas as verdades possíveis. Daí a importância de um método de pensamento que garanta que as imagens mentais, ou representações da razão, correspondam aos objetos a que se referem e que são exteriores a essa mesma razão. Outra conseqüência é o dualismo psico-físico (ou dicotomia corpo-consciência), segundo o qual o homem é um ser duplo, composto de uma substância pensante e uma substância extensa. A conciliação das duas substâncias dificulta a reflexão de Descartes e gera antagonismos que serão objeto de debates nos dois séculos subseqüentes. Isso porque o corpo é uma realidade física e fisiológica e, como tal, possui massa, extensão no espaço e movimento, bem como desenvolve atividades de alimentação, digestão etc., estando, portanto, sujeito às leis deterministas da natureza. Por outro lado, os fenômenos mentais não têm extensão no espaço nem localização. As principais atividades da mente são recordar, raciocinar, conhecer e querer; portanto, não se submetem às leis físicas, mas são o lugar da liberdade.
4 Empirismo: o fundamento e a fonte de todo e qualquer conhecimento é a experiência sensível, responsável pela EXISTÊNCIA das IDÉIAS DA RAZÃO, o valor e o sentido da atividade racional dependem do que é determinado pela experiência sensível. Na Idade Moderna, graças aos trabalhos do filósofo inglês Francis Bacon, o empirismo começou a se delimitar tal como o conhecemos hoje. Para ele, o método utilizado por empiristas anteriores não era sistemático: embora recolhessem dados da experiência, essas informações eram "capturadas" ao acaso, sem o auxílio de um método rigoroso e sem constituir um todo coerente. Era necessário, portanto, um método que classificasse e sistematizasse as várias experiências e as orientasse no sentido de dar ao homem uma ciência útil, em oposição ao conhecimento científico medieval. A partir das sensações, a inteligência, seguindo o método da indução, elaboraria o conhecimento científico. Dessa maneira, se relacionaria o conhecimento sensível, que forneceria material para a inteligência, e a racionalidade, que manipularia e daria sentido aos dados dos sentidos. O método empírico de Francis Bacon influenciou toda uma geração de filósofos no Reino Unido a partir do século XVII. John Locke é considerado o fundador dessa tradição, que ficou conhecida como empirismo britânico, em oposição ao racionalismo que predominava na maior parte da Europa continental. Locke, escolhendo o caminho da psicologia, distingue duas fontes possíveis para nossas idéias: a sensação e a reflexão. A sensação é o resultado da modificação feita na mente através dos sentidos. A reflexão é a percepção que a alma tem daquilo que nela ocorre. Portanto, a reflexão se reduz apenas à experiência interna do resultado da experiência externa produzida pela sensação. O que ocasiona a produção de uma idéia simples na mente é a "qualidade" do objeto. Há qualidades primárias, como a solidez, a extensão, a configuração, o movimento, o repouso e o número, e qualidades secundárias (cor, som, odor, sabor etc.), que provocam no sujeito determinadas percepções sensíveis. Enquanto as primárias são objetivas, pois realmente existem nas coisas, as secundárias variam de sujeito para sujeito e, como tais, são relativas e subjetivas. O sujeito, através da análise, ata e desata as idéias simples, produzindo as idéias complexas. Estas, já que são formadas pelo intelecto, não têm validade objetiva. São nomes de que nos servimos para denominar e ordenar as coisas. Dai o seu valor prático, e não, cognitivo. Se estabelecermos uma comparação com o processo cartesiano de conhecimento, podemos dizer que, enquanto Descartes enfatiza o papel do sujeito, Locke enfatiza o papel do objeto. Hume Em sua obra Tratado da natureza humana, Hume preconiza o método de investigação, que consiste na observação e na generalização. Ele afirma que o conhecimento tem sua origem nas percepções individuais, que pode ser de dois tipos: Impressões: são as percepções originarias que se apresentam à consciência com maior vivacidade, tais como as sensações (ouvir, ver, sentir dor ou prazer). Idéias: são as percepções derivadas, cópias pálidas sãs impressões e, portanto, mais fracas. Neste sentido, o sentir (impressão) distingue-se do pensar (idéia) apenas pelo grau de intensidade. Além deque a impressão é sempre anterior e a idéia dela depende. Assim, Hume rejeita as idéias inatas. As idéias, por sua vez, podem ser complexas, quando combinadas entre si pela imaginação por meio de associações. A idéia de centauro, por exemplo, é uma associação da idéia de cavalo com a idéia de homem. A imaginação é um feixe de percepções unidas por associação a partir da semelhança, da contigüidade (no espaço ou no tempo) e da relação de causa e efeito. No entanto, essas relações não podem ser observadas, pois não pertencem aos objetos.
5 O Iluminismo O século XVIII é conhecido como Iluminismo, Século das Luzes, Ilustração ou Aufklärung (esclarecimento). Como as próprias designações sugerem, trata-se do otimismo no poder da razão de reorganizar o mundo humano. Vimos que, já no Renascimento, se desenrola a luta contra o princípio da autoridade e a busca dos próprios poderes humanos, pelos quais o homem tecerá ele próprio a trama do seu destino. O racionalismo e o empirismo do século XVII (Descartes, Locke e Hume) dão o substrato filosófico dessa reflexão: Descartes justifica o poder da razão de perceber o mundo através de idéias claras e distintas; Locke valoriza os sentidos e a experiência na elaboração do conhecimento; Hume levanta o problema da exterioridade das relações frente aos termos. Filha emancipada do cartesianismo, a filosofia do Iluminismo deve a Descartes o gosto do raciocínio, a busca da evidência intelectual, e, sobretudo a audácia de exercer livremente seu juízo e de levar a toda parte o espírito da dúvida metódica. "Sou, logo penso" seria de algum modo o cogito do filósofo do Iluminismo, bem próximo do cogito cartesiano. Outra influência importante foi o advento da ciência galileana no século XVII, cujo método experimental fecundou outros campos de pesquisa, fazendo nascerem novas ciências. Como essa ciência é aliada da técnica, faz surgir o modelo de um novo homem, o homem construtor, o artífice do futuro, que não mais se contenta em contemplar a harmonia da natureza, mas quer conhecê-la para dominá-la. E é uma natureza dessacralizada, isto é, desvinculada da religião, que reaparece em todos os campos de discussão do homem no século XVIII. Tornando-se livre de qualquer tutela, sabendo-se capaz de procurar soluções para seus problemas com base em princípios racionais, o homem estende o uso da razão a todos os domínios: político, econômico, moral e religioso. A exaltação do poder do homem decorre, segundo Desné, do fato de que "a segurança do filósofo é a segurança do burguês que deve à sua inteligência, ao seu espírito de iniciativa e de previdência, o lugar que tem na sociedade (...) A emancipação do homem, na qual Kant vê o traço distintivo do Iluminismo, é a emancipação de uma classe, a burguesia, que atinge sua maioridade". O criticismo kantiano O filósofo alemão Immanuel Kant ( ), interessado desde o início pela ciência newtoniana, já constituída plenamente no seu tempo, e preocupado com a confusão conceitual a respeito do debate sobre a natureza do nosso conhecimento, questiona, na sua obra Crítica da razão pura, se é possível uma "razão pura" independente da experiência. Daí seu método ser conhecido como criticismo. Diante da questão "Qual é o verdadeiro valor dos nossos conhecimentos e o que é conhecimento?", Kant coloca a razão num tribunal para julgar o que pode ser conhecido legitimamente e que tipo de conhecimento não tem fundamento. Com isso pretende superar a dicotomia racionalismo-empirismo. Condena os empiristas (tudo que conhecemos vem dos sentidos) e, da mesma forma, não concorda com os racionalistas (é errado julgar que tudo quanto pensamos vem de nós): o conhecimento deve constar de juízos universais, da mesma maneira que deriva da experiência sensível. Para superar essa contradição, Kant explica que o conhecimento é constituído de algo que vem de fora, da experiência (a posteriori) e algo que já existe em nos mesmos (a priori) e, portanto, anterior a qualquer experiência. O que vem de fora é a matéria do conhecimento: nisso concorda com os empiristas. O que vem de nós é a forma do conhecimento: com os racionalistas, Kant admite que a razão não é uma folha em branco.
6 Qual é então a diferença entre Kant e os filósofos que o antecederam? É o fato de que matéria e forma atuam ao mesmo tempo. Para conhecer as coisas, precisamos ter delas uma experiência sensível; mas essa experiência não será nada se não for organizada por formas da nossa sensibilidade e do entendimento, que, por sua vez, são a priori e condição da própria experiência. As formas a priori da sensibilidade ou intuições puras são o tempo e o espaço. Para Kant, o tempo e o espaço não existem como realidade externa, são antes formas a priori que o sujeito precisa para organizar as coisas. As formas a priori do entendimento são as categorias. Como o entendimento é a faculdade de julgar, de unificar as múltiplas impressões dos sentidos, as categorias funcionam como conceitos puros, que não têm conteúdo, por serem formas a priori. Quando observamos a natureza e afirmamos que uma coisa "é isto", ou "tal coisa é causa de outra", ou "isto existe", temos, de um lado, coisas que percebemos pelos sentidos, mas, de outro, algo escapa aos sentidos, isto é, as categorias de substância, de causalidade, de existência (entre outras). Essas categorias não são dadas pela experiência, mas são postas pelo próprio sujeito cognoscente. Kant também conclui que não é possível conhecer as coisas tais como são em si, ou seja, o noumenon (a coisa-em-si) é inacessível ao conhecimento, Apenas podemos conhecer os fenômenos; esta palavra, etimologicamente, significa "o que aparece". A inovação de Kant consiste em afirmar que a realidade não é um dado exterior ao qual o intelecto deve se conformar, mas, ao contrário, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que "aparece" para nós e, portanto, de certa forma participamos da sua construção. Prosseguindo a análise da possibilidade do conhecimento, Kant se depara com dificuldades insolúveis ao questionar sobre as realidades da metafísica, tais como a existência de Deus, a imortalidade da alma, a liberdade, a infinitude do universo. Se você seguiu nosso raciocínio, lembrará que todo conhecimento, para Kant, é constituído pela forma a priori do espírito e pela matéria fornecida pela experiência sensível. Ora, os seres da metafísica não podem preencher essa segunda exigência: não temos experiência sensível de Deus, por exemplo. Portanto, o conhecimento metafísico é impossível, e devemos nos abster de afirmar ou negar qualquer coisa a respeito dessas realidades. Tratase de um agnosticismo (etimologicamente, a, "não", e gnosis, "conhecimento ). Somos agnósticos quando consideramos a razão incapaz de afirmar ou negar a existência de Deus. O agnosticismo não se confunde com o ateísmo, pelo qual afirmamos a inexistência de Deus. O pensamento kantiano é conhecido como idealismo transcendental. A expressão transcendental em Kant significa aquilo que é anterior a toda experiência: "Chamo transcendental todo conhecimento que trata, não tanto dos objetos, como, de modo geral, de nossos conceitos a priori dos objetos". Mesmo fazendo a crítica do racionalismo e do empirismo, Kant segue um processo que redunda em idealismo, pois, ainda que reconheça a experiência como fornecedora da matéria do conhecimento, é o nosso espírito, graças às estruturas a priori, que constrói a ordem do universo. Tal como Copérnico dissera que não é o Sol que gira em torno da Terra, mas é esta que gira em torno daquele, também Kant afirma que o conhecimento não é o reflexo do objeto exterior: é o próprio espírito que constrói o objeto do seu saber. Nesse sentido, dizemos que Kant realizou uma revolução copernicana do conhecimento.
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