PN 582.021; Ap.: TC. Viana do Castelo, 1º J.; Ap.e2: Ap.o3: Acordam no Tribunal da Relação do Porto. 1. A sentença recorrida julgou improcedente o pedido: o Ap.e prevenia a condenação do Ap.o no pagamento dos montantes seguintes, vinculados aos danos que sofreu por via de sinistro rodoviário: (a) Pte 2 888 200$00, a título de perdas salariais; (b) Pte 3 000 000$00, a título de danos não patrimoniais; (c) Pte 20 000 000$00, a título de danos patrimoniais futuros. 2. Concluiu o Ap.e: (a) O julgador tem a faculdade legal de pedir a qualquer testemunha os esclarecimentos que julgue necessários e convenientes para o apuramento da verdade; 1 Vistos: Des. Ferreira de Sousa (475) Des. Paiva Gonçalves (1287). 2 Adv. Dr. 3 Adv. Dr. 1
(b) Mas a parte contrária só pode interrogá-la aos quesitos para que foi indicada; (c) Entretanto, a Ap.e indicou a 2ª testemunha a Q1 e Q24, e a ilustre advogada da Ap.a interrogou-a a todos os quesitos da base instrutória: desrespeitou as regras processuais; (d) É que o julgador não pediu qualquer esclarecimento ao depoente J (e) E, por outro lado, apenas afirmou não ter visto o embate: não se pode concluir simplesmente que não tenha ocorrido o sinistro; (f) Mas o julgador decidiu a improcedência do pedido perante uma testemunha que disse não ter visto o embate e outra que, pelo contrário, disse tê- 4 Rol de testemunhas do Ap.e: 1., solteiro, comerciante 2. 3., casado, reformado 4. da, casado, operador de máquinas. Acta da audiência de julgamento, 01.11.14:. Testemunhas do A.: depôs a Q1/Q5 depôs a Q6/Q10 prescindida no acto depôs a Q 1/Q2. Questionário: Q1. Em 98.05.22, 18h30, o Ap.e conduzia o veículo 50-89-DL, na ponte de Santa Luzia, Esposende, Viana do Castelo? Provado; Q2. fazendo pela faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha, a velocidade não superior a 70 Km/hora? Provado apenas que seguia pela via de trânsito direita, atento o seu sentido de marcha, à velocidade de 50/60 Km/hora; Q3. Ao chegar junto ao Km 378,3 Meadela, V. Castelo, um veículo embateu na parte lateral traseira do DL? Não provado; Q4. o que fez com que o Ap.e embatesse com a parte lateral esquerda do DL no separador central, existente em toda a extensão da ponte referida? Não provado; Q5. Este outro veículo não parou, nem foi obtido qualquer elemento de investigação sobre o condutor dele? Não provado; Q6. Do acidente resultaram ferimentos no A., transportado ao HD V. Castelo, onde recebeu tratamento? Provado; Q7. Em consequência do acidente, o Ap.e ficou com o braço esquerdo amputado? Provado; Q8. a que corresponde IPP 70%? Provado apenas IPP 60%; 2
lo visto, respondendo a primeira a perguntas que não poderiam ter-lhe sido feitas, como já se disse; (g) Foram assim desrespeitadas as regras elementares do Processo Civil, e a sentença recorrida contrariou os arts. 3-A, 265/1, 638 CPC, e 346 CC; (h) Deve ser revogada, e condenado o recorrido. 3. Não houve contra-alegações. 4. Ficou provado: (1) Em 98.05.22, 18.30h, conduzia o veículo automóvel, 50-89-DL, na ponte de Santa Luzia, e no sentido Esposende/V. Castelo; (2) Seguia pela via de trânsito situada à direita, atento o sentido de marcha tomado, e à velocidade de 50/60 Km/hora; (3) Do acidente resultaram ferimentos para, transportado entretanto ao HD V. Castelo, onde recebeu tratamento; (4) Em consequência do acidente, foi-lhe entretanto amputado o braço esquerdo; (5) Situação clínica a que corresponde IPP 60%; (6) Como motorista, a vítima auferia o salário mensal de Pte 81 500$00. 4.1 O tribunal alicerçou a convicção sobre a matéria assente em documentos juntos5, no relatório de um exame médico6, bem como nos depoimentos: Q9. Como motorista, o Ap.e auferia o salário mensal de Pte 103 150$00? Provado apenas Pte 81 500$00; Q10. Recebendo Pte 60 000$00/mês como bombeiro voluntário? Não provado. 5 Cópias de folhas de vencimento relativos ao Ap.e, no montante mensal ilíquido de Pte 89 500, uma, e de Pte 90 050$00, outra. 3
: conduzia um veículo no mesmo sentido de um outro; entre o depoente e esse automóvel interpunha-se outro ligeiro; apercebeu-se de um veículo em grande velocidade, considerada a chuva intensa, que ultrapassou os três veículos referidos, e na parte final tocou com a parte traseira do lado direito na frente esquerda do veículo da frente, fazendo com que o condutor perdesse o controlo; parou então, mas sem se aproximar das pessoas, por ter ficado muito chocado (um braço ficou caído nos asfalto); à noite soube que tinha perdido o braço num acidente e concluiu então ter sido ele a vítima daquele que tinha presenciado; : conduzia mesmo atrás do veículo conduzido por e, ao chegar ao fim da ponte verificou que o ventou levou a carrinha para o meio da estrada; ocorreu então o embate nos rails; falou com, perguntando-lhe sobre o sucedido, ao que este respondeu: são coisas que acontecem; Amargurado pela visão do braço no chão (que recolheu num saco de plástico), no dia seguinte foi visitar ao Hospital, e mais uma vez este aceitou a sorte que lhe coube; não se lembra de ter visto ; não viu qualquer viatura que tivesse efectuado uma ultrapassagem ao veículo conduzido por, nem ouviu qualquer referência. 6 Conclusões de exame no âmbito do Direito Civil, Gabinete Médico-legal de Viana do Castelo: 1. A incapacidade temporária absoluta geral é fixável em 30 dias; 2. A incapacidade temporária parcial geral é fixável em 335 dias; 3. A incapacidade temporária absoluta profissional é fixável em 365 dias; 4. A incapacidade temporária parcial profissional é fixável em 90 dias; 5. Quantum doloris fixável em 4, numa escala de 1 a 7; 6. A incapacidade permanente geral é fixável em 60%; 7. A incapacidade permanente profissional é fixável em 60%; 8. Coeficiente de dano compatível com grau 3, numa escala de 1 a 4; 9. Dano estético fixável no grau 5, numa escala de 1 a 7; 10. É de admitir prejuízo da afirmação pessoal. 4
[O depoente descreveu com pormenor os momentos seguintes ao acidente, bem como a intervenção de um médico espanhol que por ali passava]. Diz a motivação da sentença: é evidente que este depoimento é mais credível e isento, por ser seguro que a testemunha esteve no local, seguro que não viu qualquer viatura embater no veículo do Ap.e, e seguro que não ouviu qualquer alusão ao envolvimento dessa outra viatura, nem no dia do acidente, nem posteriormente. 5. O recurso está pronto para julgamento. 6. A lei processual portuguesa conferiu ao juiz largos e notáveis poderes de condução do processo e sobretudo de investigação probatória, mas a base dos procedimentos legais relativos ao debate da causa sobressai do princípio dispositivo e do contraditório. O rito da audiência veste-lhes, depois, as modalidades da indicação das provas a certos quesitos, da instância por parte dos mandatários e dos limites à contrainstância, sob a lógica restritiva da simples abertura aos factos sobre que a testemunha depôs. mas o julgador pode tomar a iniciativa de a interrogar livremente. Poderá então ajuizar, mas sem ter prevenido o papel que a lei lhe confere neste domínio, e aditando à decisão motivos fundados numa clara subversão do desenho arquitectónico legal da contra-instância? Um primeiro aproximar da resposta vem-nos de uma espécie de autorização implícita, da convalidação daquele frisante instar que poderia ter muito bem acontecido na voz do juiz. 5
Outro, diz-nos que não, porque nunca por nunca poderíamos ficar a saber, acerca da iniciativa infraccionária da parte adversa, se teria surgido como justificada, por certeira lógica e adequação, ao desígnio judicial, condutor (por direito próprio) da audiência. Embora aceitemos serem as formas inimigas juradas do arbítrio, e defendamos que o direito é antes de tudo consubstancial a uma discussão imposta racionalmente, e através das normas que lhe definem um contorno, a autorizam tal e qual, e por isso mesmo a legitimam, não podemos deixar de ter como chocante a opção de pura e simplesmente erradicar o depoimento que o julgador nos disse ter sido para ele mais consistente. Contudo, terá de ser feita, ainda assim, uma qualquer homenagem à fronteira nítida que distingue a marca da racionalidade da mera convicção solipsista. Por outro lado, se bem atentarmos nas razões da preferência pelo depoimento de não estão elas demonstradas; pelo contrário, simplesmente ditas de forma impressiva e sem que nos seja dado um critério para pensar objectivamente se são procedentes. Na verdade, a mera circunstância de alguém afirmar ter visto ou não ter visto, ter ouvido isto e não aquilo, vale tanto como o contrário afirmado por outrem. Não obstante, nos motivos da decisão sobre a matéria assente aparece quase só essa contrariedade como valor do relevo dado ao depoimento. Ora, tal contrariedade em si mesma (que nunca chegaria para ser objectiva) situou-se também num incompleto plano discursivo e legal da Audiência (aceite a tese da convalidação da contra-instância, vista a não interrupção por parte do juiz, que não lhe fez obstáculo qualquer, em primeiro lugar, e até o resultado utilizou depois). 6
Apresenta-se-nos naturalmente em falta, portanto, uma acareação. E, convenhamos, a versão do golpe de vento na ponte de Santa Luzia, e do despiste subsequente de um automóvel de tal modo violento que decepa o braço do motorista, não pode deixar de nos propor, sim, uma improbabilidade, uma certa desconfiança natural, segundo o rumo da experiência comum. Também é certo, antes de tudo: o primeiro depoimento sobre os factos centrais da causa, na viva transcrição presente nos motivos do convencimento do tribunal sobre a matéria assente, não aponta de modo nenhum para descrédito. Imperioso é concluir deste modo que as respostas aos quesitos centrais do debate, sobre a ocorrência do acidente necessitam da realização da diligência omitida, sem o que se instala deficiência notória na decisão sobre esse determinado ponto da matéria de facto. Por conseguinte, está autorizada a anulação, mesmo que fora oficiosa, da sentença recorrida, art. 712/4 CPC. 7. Atento o exposto, visto o art. de lei cit., decidem anular a decisão proferida em 1ª instância, para que na repetição da Audiência se proceda, antes de serem respondidos Q3, Q4 e Q5, à já aludida acareação entre os depoentes e. 8. Sem custas, por não serem devidas. 7