A ecologia como nova fronteira. Eng.º João Proença i
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- Cíntia Rodrigues Faria
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1 A ecologia como nova fronteira Eng.º João Proença i 1 Em primeiro lugar, queria agradecer ao Forum o convite e felicitá-lo por esta iniciativa de homenagem ao Padre Abel Varzim, no Centenário da sua morte. Uma iniciativa de debate duma problemática que teve durante a sua vida, como homem de ação, como um homem de luta, um homem de defesa de valores. Defesa de valores que passou também pela luta, pela criação de organizações de defesa do mundo operário, pela participação na sociedade, pelo combate às discriminações, às exclusões. E hoje, de fato, em Portugal, estamos também num momento complicado, em que esses problemas estão bem vivos. Eu começaria estas palavras relativamente à situação com que estamos confrontados. É um momento de preocupação, um momento de incerteza um momento de mudança, como são todos os momentos em que há grandes incertezas nas sociedades. Estamos num momento em que o desemprego aumenta, o crescimento económico é claramente insuficiente. Sentimos todos que o futuro não é claro, agravam-se os sinais de desconfiança relativamente ao futuro. Os sinais [que se manifestam no] facto de as pessoas recearem, estarem incertas, não saberem se o desemprego vai afetar as suas vidas, a vida das suas famílias. Num momento, também, em que há tentativas de desregular, precarizar e de, em certa medida, aproveitar estes tais sinais de mudança para mudar para pior. Está nas nossas mãos, de facto, lutar pela mudança para melhor. Acreditar que temos um futuro coletivo, que é um futuro de convergência, que é um momento de aproximação à média comunitária, que é um momento de integração plena na Europa, de sermos cidadãos europeus mas ao mesmo tempo cidadãos solidários. Cinco questões que me parecem centrais no debate de hoje: Primeiro a questão do desenvolvimento. Realmente, hoje a questão do desenvolvimento numa altura de baixo crescimento económico, numa altura em que alguns apontam apenas o crescimento económico sem valores ligados ao desenvolvimento e à repartição da riqueza é, de facto, uma questão central. As dificuldades geraram insegurança, uma crise orçamental está rapidamente a transformar-se ativamente numa crise económica. À base do necessário combate à redução do défice orçamental estão-se a tentar construir políticas que ainda vão acentuar mais os problemas para combater o défice orçamental. O défice orçamental tem-se construído pelo lado do maior rigor na aplicação das despesas mas também por gerar maior receitas, nomeadamente através do desenvolvimento económico e hoje assistimos a políticas que, na prática, sistematicamente, poderão provocar a redução das despesas e, com isso, agravar ainda mais a necessidade de contenção das despesas. É evidente esse momento, hoje, em que, se por um lado se combatem as despesas, muitas vezes não com o maior rigor orçamental, mas reduzindo investimentos. Sobretudo gerando a grande falta de confiança relativamente ao futuro, que faz com que os trabalhadores tenham receio de que, no futuro, não tenham dinheiro para consumir e que os investidores não invistam. É fundamental relançar a confiança.
2 Segunda questão, é a questão da criação e da distribuição da riqueza. Nós hoje em Portugal temos salários bastante baixos, temos produtividades também baixas, é fundamental que possamos discutir entre nós quais são os factores que geram maior competitividade e poderão provocar maiores aumentos de produtividade. Temos a noção de que só através do maior aumento de produtividade poderá haver mais salários para distribuir. Mas se é fundamental criar riqueza, é fundamental também discutir como se distribui essa riqueza. Nos últimos anos têm-se agravado as desigualdades e, de facto, tem havido uma distribuição de riqueza mais injusta e alguns sinais positivos como foi a criação do rendimento mínimo ou como alguns sinais por vezes são dados até no crescimento do salário mínimo depois, através de outros fatores, como o descontrolo no crescimento da inflação, parecem-me claramente diminuídos. Para discutir o aumento da produtividade, importa discutir os critérios que a ela estão subjacentes. Já aqui foram apontados vários: temos um problema de falta de capacidade empresarial, em geral; de falta de capacidade técnica nas empresas; temos um tecido predominante de PME em que muitos dos nossos empresários são pessoas de muito valor, mas em que o nível de qualificações médio não é superior (antes pelo contrário) ao nível de qualificações médias dos trabalhadores; temos um trabalho, muitas vezes, pouco qualificado, um grande défice ao nível de educação e ainda uma herança do antes do 25 de Abril. Mas, ao mesmo tempo, temos dezenas de milhares de trabalhadores licenciados desempregados, há uma grande dificuldade de introduzir quadros técnicos nas empresas, há uma rejeição na área de PME desses quadros técnicos. Desafio da educação e da qualificação: precisamos de um trabalho cada vez mais qualificado, mas Portugal é, de longe, o país que, na União Europeia, aposta menos na formação ao longo da vida. Para uma média europeia superior a 20%, nós temos 4% de trabalhadores com acesso à formação profissional ao longo do ano; estamos, de longe, no último grau. Houve uma boa aposta em termos do crescimento do sistema educativo, mas resta o desafio da qualidade do ensino. O problema da inovação e desenvolvimento tecnológico continua profundamente desigual. Digamos que há uma fraca aposta na inovação mas também há uma fraca aposta na ligação entre aquilo que é feito com o nosso sistema tecnológico e as empresas. Por outro lado, tudo isto está ligado ao papel do Estado. O papel do Estado é muitas vezes apontado como uma restrição ao aumento de produtividade e há alguns sinais do Estado. Se eu, para ir ao médico, demorar vários dias para marcar a consulta; se [tiver] tratamentos muito deficientes; se se criarem condições para um alto nível de acidentes de trabalho, por vezes deficiente, na proteção da saúde, é evidente que isto tem efeitos na produtividade. Um sistema de Justiça como o nosso, muito demorado e de resultados muito incertos. O aumento do prazo de pagamento das dívidas. Tudo isto provoca problemas de produtividade. Mas é bom assumir que o Estado continua a ter um papel fundamental na satisfação de necessidades sociais. O Estado tem um papel fundamental na distribuição de riqueza, o Estado tem um papel fundamental até no próprio desenvolvimento económico. Por vezes temos assistido (sobretudo nos últimos anos) a uma política sistemática de ataque ao Estado. E foram aqui referidos problemas de salários, problemas das pensões. É evidente que, por vezes, 2
3 podemos discutir os salários do Estado e que provavelmente há trabalhadores que até atingiram níveis de salário razoáveis, mas também há trabalhadores que muitas vezes não são pagos sequer ao nível do salário mínimo, tiveram de ser feitos artifícios para o salário mínimo da função pública corresponder ao salário mínimo nacional. É bom lembrar que, na parte do Estado, mais de 50% dos trabalhadores têm curso superior, justamente pelo grande peso dos professores e médicos, etc. Não há nenhuma, empresa mesmo altamente qualificada (uma grande empresa), que tenha algo de semelhante, em termos dos seus quadros superiores. De facto, as comparações, por vezes, também são distorcidas. Mas, por exemplo, os sindicatos da função pública, ao terem marcado a greve para dia 14 não é tanto por reivindicações salariais, não é tanto por direitos, é sobretudo uma luta pela dignidade da sua qualidade de trabalhadores num sector central. É a luta para que seja reconhecido que não são pessoas inúteis, não são pessoas que não fazem nada e que estão eles a pôr em causa os próprios problemas da despesa pública, desempenham antes um papel fundamental num sector fundamental para o país. A terceira questão, a seguir ao desenvolvimento e à criação e distribuição de riqueza, é a da participação. Hoje temos em Portugal, claramente, um défice de participação, a vários níveis, no sistema democrático, mas também no sistema social. E quando abordamos a situação das empresas e da organização económico-social em Portugal vemos que se desenvolveram novos mecanismos de participação, nomeadamente a Concertação Social, o diálogo e a concertação tripartida, mas a participação a nível de empresa continua muito deficiente, a negociação coletiva ainda não assumiu o papel central que tem na organização e na compatibilização de interesses entre trabalhadores e empregadores. Foram introduzidas novas dimensões de participação, nomeadamente a nível europeu, mas isto não foi integrado no sistema coerente de relações de trabalho. Há, de facto, um défice de participação. Esse défice de participação ainda é mais posto em causa através da forma da legislação de trabalho. Eu, relativamente a essa questão (se a nossa legislação é europeia ou não), costumo dar o exemplo: [quando foi do caso dos trabalhadores da TAP], um dos poucos desprivilegiados deste país. A certa altura, a TAP disse vocês precisavam de ter era uma legislação à europeia, e foi citado o caso da Alemanha ou da Suíça. Eles traduziram o acordo da negociação coletiva existente na Alemanha e chegaram à TAP e disseram aqui está o acordo traduzido, vamos assina-lo. Bem, a TAP, aí, não quis. O problema é que nós, com certeza, ficaríamos melhor se tivéssemos a legislação alemã, até a legislação espanhola ou a legislação de outros países. Com certeza ficaríamos maiores, porque, quando muitas vezes se fala de legislação, não está só em causa a legislação, está em causa a legislação, a negociação coletiva e, sobretudo, o respeito pela legislação. Nós somos o país que tem mais violações do direito laboral, nós somos o país que tem menor nível de negociação coletiva na Europa e em sistema de regulação. Há muitas coisas que na Europa são reguladas pela negociação colectiva, há países que até não têm, tendo um salário mínimo há muitos anos. O salário mínimo é fixado na negociação coletiva. Há países em que a greve é regulada pela prática, pela negociação e não pela lei. Há muitas coisas que constituem um direito adquirido nos restantes países europeus que não existe em Portugal. Nós temos como fator de adaptação das empresas um despedimento colectivo que é idêntico ao dos restantes países. Hoje, na 3
4 discussão em curso sobre a legislação de trabalho, os patrões não apresentaram uma alteração à lei de despedimento coletivo, a lei de despedimento coletivo é quando uma pequena empresa até cinquenta trabalhadores despedir dois ou mais e para uma grande empresa despedir cinco ou mais. Portanto, o fator de adaptação à mudança através da chamada flexibilidade de gestão do despedimento é o despedimento coletivo. Não há problemas ai, temos uma maior proteção do despedimento individual e esperemos que se mantenha sempre, porque temos um princípio constitucional do despedimento sem justa causa que alguns pretendem pôr em causa. E, portanto, quando discutimos a reforma da legislação de trabalho, acho que há desafios que lá estão inerentes: o desafio do Estado de direito, o desafio do reforço da negociação coletiva e também o desafio do reforço da adaptabilidade das empresas, nomeadamente em termos de organização de trabalho ou mesmo organização funcional, mas ligada à conciliação de interesse entre a vida de trabalho e a vida familiar. A própria vida extraprofissional, o problema do maior nível de funções, mas ligado ao problema do desafio da qualificação profissional. Há, de facto, desafios que deveriam estar inerentes à negociação, ou seja, na mudança da legislação de trabalho não devia haver a preocupação de ser a desregulação do reforço do arbítrio patronal, deveria ser a procura de novas formas de regulação que atendam, de facto, a que a economia mudou e que o trabalho também sofreu mudanças e, portanto, é necessário procurar responder a um desafio de uma competição cada vez mais global, a um desafio de um trabalho que também é diferente do trabalho do passado. Não é bem isso que tem estado em cima da mesa. Na legislação de trabalho tivemos um anteprojeto, que era um anteprojeto de autêntica destruição da legislação de trabalho em Portugal. Houve algumas mudanças, mas de qualquer modo, a legislação que está em cima da mesa continua muito pior do que a legislação atualmente em vigor e não responde às preocupações dos trabalhadores. E também estamos convencidos de que não responde à preocupação das empresas que respeitam a lei. Responderá, muitas vezes legalizando o ilegal, à preocupação de empresas que se baseiam na sua competitividade num trabalho desregulado, mal remunerado, num trabalho não qualificado. E, daí, um quarto grande desafio, que é o desafio do trabalho digno e qualificado. Cada vez mais está em causa e, neste quadro da globalização em que há uma tendência para competir na base da desregulação laboral, devemos lembrar bem a OIT e a luta do atual Director Geral para o chamado trabalho decente, trabalho digno. E esta é uma questão hoje central nas sociedades. É que o trabalho tem de respeitar um conjunto de direitos fundamentais, as chamadas oito convenções da lei T, que incluem, nomeadamente, o problema do combate ao trabalho infantil, o combate ao trabalho forçado, o problema de um trabalho de facto cada vez mais qualificado (e já referi isso), mas também o combate por condições de trabalho que sejam dignas, em termos de acidentes de trabalho, da higiene e segurança no trabalho, em termos do respeito pelos horários, o problema de igualdade de oportunidades (e a igualdade entre homens e mulheres num país como o nosso temos das mais altas taxas de participação a nível do mercado de trabalho como compatibilizar o tempo de trabalho com a vida familiar?). São questões claramente em cima da mesa. E muitas vezes a abordagem é feita um pouco ao contrário. Há bocado, o Dr. Silva Lopes referiu, e nós temos 4
5 muitas vezes referido esta questão, que um trabalho precário é má aposta no futuro, porque é uma aposta num trabalho pouco qualificado. Cada vez mais nós precisamos de apostar na formação ao longo da vida, é uma aposta conjunta entre trabalhadores e empregadores. É no quadro da empresa que se passa muito na formação ao longo da vida, nem o trabalhador nem o empregador têm condições de apostar na formação ao longo da vida quando o trabalhador está contratado a prazo, é um trabalhador para usar e deitar fora. E, de facto, há que encontrar novos equilíbrios na área da precariedade, nomeadamente, recusando a precariedade brutal que afeta os jovens, mas recusando, também claramente, o aumento da precariedade como combate determinado à precariedade ilegal. Por fim, tudo aquilo tem a ver com a nossa integração na Europa, numa Europa social, uma Europa solidária. Quando se fala num modelo social europeu, na Europa social, na prática, não era tanto o que a Europa tinha, era mais o que os diferentes países europeus tinham em comum. O alto nível de proteção na segurança social e na saúde são duas dimensões em que praticamente nada é feito a nível europeu, mas todos os países europeus têm um alto nível de proteção na segurança social e na saúde. Um alto nível de relações de trabalho, nomeadamente na negociação coletiva. Um alto nível na intervenção do Estado na economia na área social. Isto é qualquer coisa de importante e que esteve na base da competitividade europeia. A Europa social não é um custo, a Europa social é um benefício. Já foi aqui citado: nos EUA fala-se muito na saúde, todos os países têm um serviço nacional de saúde, normalmente bastante eficiente, os serviços nacionais de saúde europeus custam 7 a 9% do PIB, varia um pouco de país para país. Os EUA não têm um serviço nacional de saúde universal, têm um sistema de saúde basicamente privado, custa quase o dobro: 14% do PIB. E há mais de 30 milhões de americanos que não têm acesso aos cuidados básicos de saúde e muitas vezes pretende-se comparar coisas não comparáveis. A Europa assenta o seu desenvolvimento numa certa segurança do emprego. Mesmo o Japão (e às vezes são citados modelos diferentes) tem um alto nível de proteção no emprego em todo o sector exportador, em todo o sector que compete. O único país avançado que verdadeiramente tem um alto nível de desregulação e de não segurança do emprego são os EUA, porque os outros países que têm um alto nível de precariedade e de desregulação no mercado de trabalho são pouco competitivos: toda a América Latina, toda a África, grande parte do Sudoeste Asiático. Não é a desregulação que aumenta a competitividade. Nós temos de analisar, em termos da Europa social, a necessidade de adaptações. Com certeza que tem de haver adaptações em termos dos modelos de segurança social, dos sistemas de regulações de trabalho. Mas a Europa social é um ganho, é um ganho que faz com que haja maior produtividade, haja maior capacidade de competição em geral. A Europa também deve ser uma Europa solidária e daí a defesa do alargamento europeu aos países da Europa central e oriental e aos países do Mediterrâneo; e daí também o papel central que a Europa tem desempenhado, por exemplo, na cooperação com os países menos desenvolvidos. A Europa é o continente que mais gasta em termos de ajuda ao desenvolvimento. É evidente que esta Europa social e esta convergência solidária implicam discutir também o que são hoje fragilidades que afetam todo o continente europeu e, consequentemente, também Portugal. Temos pouca Europa em sítios centrais. 5
6 A Europa continua a não apostar na investigação e no desenvolvimento, os EUA vão muito à frente da Europa, através dos seus programas estatais, nomeadamente no sector da defesa e da aeronáutica. A Europa não tem uma política industrial, a Europa só agora começa a ter algumas linhas (uma política de emprego), mas totalmente desligada da política económica. Muitas vezes é privilegiada a moeda única, em prejuízo do crescimento económico e das políticas que lhe poderão dar origem. Portanto, temos de nos bater por mais Europa, mas uma Europa que também tenha, claramente, uma dimensão social e que reforce os mecanismos de diálogo e participação. E é isto que, quanto a nós, são hoje os grandes desafios do movimento sindical. Questionam também o movimento sindical no seu próprio interior, como é evidente. É evidente também que a Europa é o continente onde está mais desenvolvido o movimento sindical. O movimento sindical nasceu na Europa, desenvolveu-se na Europa. Hoje, quando se fala no filiado dos sindicatos em todo o mundo, é evidente que uma parte extremamente significativa (mais de um terço) está concentrada na Europa e que a Confederação Europeia de Sindicatos é uma organização central na defesa deste movimento sindical. Hoje, esse desafio é um desafio primeiro. É evidente que há divergência de interesses, é evidente que há que procurar, combater e lutar pela melhor defesa dos interesses, mas muitas vezes a defesa pela convergência por, digamos, tentar conciliar interesses divergentes, começa no interior do próprio movimento sindical e, já foi aqui referenciado, isto não é um desafio ao próprio movimento sindical em termos da própria sua organização interna. É evidente que, por vezes, os problemas dos trabalhadores pouco qualificados e dos quadros têm questões diferentes a pôr em cima da mesa. Devem ser discutidos inicialmente no interior do próprio movimento sindical e, às vezes, fatores que tentam provocar a divisão dentro do movimento sindical, tentam a provocar a criação de sindicatos de defesa de pequenos grupos, são fatores que, na prática, prejudicam a intervenção sindical, mas que prejudicam a própria organização da sociedade, o movimento sindical cada vez deve estar mais concertado entre si, isto não é só entre as centrais em procurar de nova unidade de ação e isso, mas digamos também a própria existência das centrais sindicais e de sindicatos, cada vez que sejam capazes de ter uma dimensão mais sectorial. É importante esta conciliação de interesses e muitas vezes os sinais são ao contrário. Finalmente, a defesa dos mecanismos de diálogo e participação. Nós continuamos ainda muito frágeis nesta matéria. Já referi que a nossa manifestação coletiva é frágil. A nossa constelação social apareceu desligada, não apareceu integrada no sistema de relações de trabalho. A participação na empresa foi sempre muito reduzida, apesar de muitas vezes se falar muito nas comissões de trabalhadores, mas é bom lembrar que no universo de duzentas mil empresas há apenas 198 Comissões de Trabalhadores e que, portanto, as comissões de trabalhadores são uma componente importante do movimento laboral, mas têm a dimensão que têm. O papel central é assumido pelo próprio movimento sindical. O movimento sindical tem de estar aberto claramente a novos desafios e registei com atenção aquilo que foi dito. A Dr.ª Manuela Silva deu-nos aqui, claramente, uma lição sobre o papel dos sindicatos e eu digo-lhe que subscrevo tudo aquilo que referiu e nos termos em que o referiu. O movimento 6
7 sindical tem de estar aberto a novos valores e vai-se abrindo. E às vezes não é reconhecido que em Portugal, nesta matéria, temos um movimento sindical dos mais progressistas, quando na luta pela defesa dos trabalhadores imigrantes, na luta pela defesa de igualdade de oportunidades, até numa ligação às universidades e numa ligação ao movimento associativo em geral, o movimento sindical português (talvez por sermos o movimento sindical mais jovem) está, em termos gerais, à frente da média do que é o movimento sindical europeu e quando se fala que o movimento sindical defende interesses instalados, com certeza que defende, mas vemos o movimento sindical, por exemplo, aberto às correntes migratórias (tanto imigração como emigração) e vemos, muitas vezes, os outros países claramente fechados com grande dificuldade em lidar com este fenómeno. Mesmo um movimento sindical altamente progressista como é o dos países nórdicos, aberto a novos valores como é o ambiente, o problema do consumo e sobretudo o problema da cidadania e da participação democrática, também em questão do movimento sindical. E para procurar concluir, [quero] dizer que, à partida, é cada vez mais importante afirmar valores da justiça e da solidariedade. Nós podemos falar muito na globalização. A globalização é claramente inaceitável nos caminhos que está a seguir, são caminhos de desregulação do poder às multinacionais, de enfraquecimento das organizações internacionais, é um papel que tem, claramente, acentuado muito as desigualdades. Se [por um lado], de facto, houve alguma diminuição nas formas de pobreza extrema no mundo, através de alguns mecanismos de solidariedade, [por outro], claramente que a pobreza, em geral, se agravou, agravaram-se as desigualdades entre países e dentro de cada país. A globalização exige um ataque de forma diferente, não exige um regresso ao passado de fronteiras fechadas. A globalização, à partida, no seu conceito, tem uma defesa daquilo que é o maior desenvolvimento dos países menos avançados, o acesso aos mercados naquilo que eles sabem produzir. O que tem acontecido é diferente e, nomeadamente, um grande desafio para o próprio movimento sindical é afrontar os desafios da globalização, o que implica também uma reorganização interna das formas de intervenção do movimento sindical, a nível internacional, a nível europeu e a nível nacional. Os desafios da justiça e da solidariedade também, num claro envolvimento do movimento sindical no combate à pobreza e à exclusão. Eu acho que o movimento sindical português se tem claramente envolvido nestas matérias. Não é só o problema do salário mínimo, são os mecanismos, em geral, de combate à pobreza e à exclusão e de luta contra as discriminações. O problema de uma competição assente na desregulação e não na regulação. Portanto, [quero] também dizer que, para nós, os sindicatos são cada vez mais necessários. Hoje estamos numa sociedade que reforça os mecanismos de individualização. O individuo a competir, a recompensa do mérito, mas em que a recompensa (toda a gente está de acordo com ela) do mérito é se ela está baseada numa competição selvagem entre indivíduos ou se assenta em mecanismos de intervenção solidária, de intervenção global. O trabalho mudou muito, surgem novas formas de organização de trabalho. Quando nós dizemos que, em Portugal, temos uma população ativa de pouco mais de 5 milhões de trabalhadores, é evidente que os trabalhadores por conta de outrem são cerca de 4 [milhões]. E mesmo nos trabalhadores por conta 7
8 própria [há uma] grande parte de falso trabalho independente, de trabalhadores sujeitos a grandes formas de precariedade. Portugal é o país europeu com mais precariedade no trabalho. Portugal é o país europeu, como já referi, com maior participação das mulheres em termos de equivalente a tempo inteiro, ao nível dos maiores que são os países nórdicos, e sem que existam os mecanismo de proteção que existem nos países que têm um alto nível de trabalho feminino. Onde estão as creches, onde estão os horários adaptados, para que a mulher ou o homem possam assumir as suas responsabilidades familiares, onde estão as condições para responder a este desafio? Os sindicatos desempenham um papel fundamental e têm também de saber responder a estes novos desafios, incluindo o desafio de representar os trabalhadores que não são empresários, que são estes trabalhadores autónomos. E até uma das questões que se põe (que não é abordada, pois não há condições para abordar nesta reforma da legislação laboral) é, por exemplo, a legislação laboral espanhola, e sobretudo a italiana, em que uma grande componente da legislação de trabalho é justamente [...] neste trabalho não organizado. Não o trabalho por conta de outrem, que é normal e que é a base do próprio movimento sindical. Só há democracia se houver um movimento sindical livre e democrático. E também há outra coisa que por vezes ignoramos: é que um ataque aos sindicatos, muitas vezes como é formulado (e esta legislação laboral muitas vezes tinha implícita esta noção), é um ataque ao mecanismo fundamental de participação dos trabalhadores na vida democrática, na vida das sociedades em geral. Acreditamos, de facto, que os sindicatos estão à procura do seu caminho, mas também eles estão a tentar construir um futuro melhor. Muito obrigado! 8 i Texto retirado de gravação. Editado
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