Conclusão: Compreendendo a Mente
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- Sonia Rodrigues Bernardes
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1 CAPÍTULO 10 Conclusão: Compreendendo a Mente 1. Tipos de explicações psicológicas Espera-se que a Psicologia explique o comportamento e a mentalização, e que o faça cientificamente, isto é, em termos de leis e dados. O objeto de uma explicação pode ser uma propriedade, um fato, ou uma generalização. Explicar cientificamente uma propriedade é equacionar o conceito a ser explicado ("variável") com um outro conceito, geralmente mais complexo. (Por exemplo, equacionar um determinado estado mental com a atividade de um determinado sistema neural plástico equivale a explicar o primeiro, um item psicológico, em termos do último, um item neurofisiológico.) Dar uma explicação científica de um fato é deduzir a correspondente proposição (ou fórmula) que representa o fato, partindo de um conjunto de enunciados de lei e de um conjunto de dados que podem ser relacionados a essas leis. E propor uma explicação científica de uma generalização é deduzi-la a partir de generalizações de escopo mais amplo e de suposições e dados subsidiários. Nos três casos, a chave da explicação é um enunciado de lei ou um conjunto deles. No caso mais simples (explicação de propriedade), basta uma única premissa, a lei propriamente dita. Nos outros dois casos, ocorre pelo menos um enunciado de lei entre as premissas de um argumento dedutivo. As leis empregadas na explicação do comportamento ou da mentalização podem envolver conceitos biológicos (por exemplo, neurofisiológicos), psicológicos (principalmente psicossociológicos), ou de ambos os tipos. A psicologia mentalista tradicional e o behaviorismo rejeitam igualmente qualquer tentativa de unir conceitos de ambos os tipos. A Psicobiologia, 144 particularmente a psicologia fisiológica, tenta relacionar os dois conjuntos de conceitos equacionando determinados itens psicológicos e biológicos, e deduzindo fatos e generalizações psicológicos a partir de fatos e generalizações biológicos. A Psicobiologia preocupa-se principalmente em rechear o hífen da psicologia estímuloresposta com mecanismos neurais. (Exemplo: as explicações psicobiológicas do comportamento de retirada ou de habituação nos vertebrados.) Mas é óbvio que explicar generalizações estímulo-resposta é a menor das preocupações do psicobiólogo: sua maior ambição é explicar a experiência subjetiva não em termos de mitos mas de leis pertinentes ao sistema nervoso central. No entanto, ao contrário das generalizações do conhecimento comum, espera-se que as leis científicas pertençam a teorias, isto é, sistemas de proposições logicamente organizados. Além disso, espera-se que as leis científicas, além de conjeturais, tenham um sólido suporte empírico de observações, medidas e experimentos. Finalmente, espera-se que sejam compatíveis com as leis de áreas vizinhas do conhecimento. Em resumo, os enunciados de lei são sistemáticos, bem corroborados, e estão em harmonia com o resto da ciência (ver Bunge, 1967, Vol. 1). Desafortunadamente, na Psicologia existem somente umas poucas teorias bem elaboradas e bem corroboradas. Aquelas que são esmeradamente construídas e satisfatoriamente testadas são freqüentemente superficiais: dificilmente chegam até o sistema nervoso; e as que são mais aprofundadas freqüentemente são mal desenvolvidas: raramente usam a Matemática. Precisamos de muito mais e
2 melhores teorias psicológicas se quisermos atingir uma maior compreensão do comportamento e da mentalização. E já que todo esforço para elaborar uma teoria é estimulado ou inibido por esse ou aquele filósofo, é melhor que tenhamos consciência das filosofias da mente que estão subjacentes às várias teorias psicológicas: lembremse da Tabela 1.1 no Capítulo 1, Seção 1. A Tabela 10.1 mostra os tipos de explicação sugeridos pelas várias filosofias da mente. As diferenças nos tipos de explicação são mais acentuadas em relação à experiência subjetiva, pois muitos dualistas são inclinados a deixar o comportamento nas mãos da fisiologia. (Eles erram, é claro, porque aquilo que é típico do comportamento dos primatas não pode ser explicado sem a ajuda de categorias tais como as do propósito e da criatividade. Se esses atributos são, por sua vez, explicáveis em termos neurofisiológicos é uma outra questão.) A maior divergência na explicação da mentalização é aquela existente entre as várias escolas do materialismo, de um lado, e as do mentalismo, do outro. (Em "mentalismo" nós agregamos todas as filosofias da mente que postulam a mente como uma entidade separada. Assim, são mentalistas não somente as várias versões do dualismo, mas também o monismo idealista, ou M1 na Tabela 10.1.) A diferença se resume a isto: enquanto o mentalismo tem explicações (simples) para tudo que é mental somente em termos mentais, o materialismo tateia por explicações (geralmente complexas) do mental em termos de processos cerebrais e possivelmente também de Tabela Dez tipos de explicação para o comportamento e a mentalização Filosofia da mente Explicação do comportamento Explicação da mentalização M1 Idealismo, panpsiquismo, fenomenalismo M2 Monismo neutro, perspectiva do duplo aspecto M3 Materialismo eliminativo, behaviorismo M4 Materialismo redutivo M5 Materialismo emergente D1 Independência mútua entre corpo e mente D2 Paralelismo psicofísico, harmonia pré-estabelecida Manifestação dos feitos de um espírito (individual ou coletivo). Sem leis precisas Atividade autônoma e espontânea da mente obedecendo leis que só contêm predicados mentalistas Manifestações comportamentais e mentais dos feitos de um ser nem material nem mental, explicável por um único conjunto de leis com duas projeções ou traduções (comportamental e mentalista) Produto de estímulos, e portanto descritível por leis S R (sem intervenção do SNC) Produto motor de eventos físicos no SNC, e portanto explicável em termos físicos Produto motor de eventos biológicos no SNC, explicável com ajuda de leis biológicas, algumas das quais com novos predicados Eventos biológicos explicáveis em termos puramente fisiológicos e possivelmente também em termos teológicos Mentalização não existente, e portanto não precisa ser explicada Atividade física do SNC Atividade biológica de subsistemas plásticos do SNC, explicável com auxílio de leis biológicas contendo novos predicados Eventos mentais explicáveis em termos puramente mentalistas e possivelmente também em termos teológicos D3 Epifenomenalismo Produto motor de eventos no SNC Efeito não motor da atividade do SNC D4 Animismo D5 Interacionismo Produto motor de eventos mentais (por exemplo, pretender e desejar) Sob controle duplo do corpo e da mente. Explicável apenas parcialmente Inexplicável, exceto possivelmente em termos sobrenaturais Autônoma embora influenciada por eventos corpóreos. Inexplicável pela Ciência 145
3 circunstâncias sociais. Para podermos apreciar melhor essas diferenças, tomamos uma amostra quase aleatória de problemas psicológicos e as soluções dadas a elas esboçadas e hipotéticas 146 pelo mentalismo e pela Psicobiologia (Tabela 10.2). Notem que as explicações psicobiológicas não negam a existência de problemas psicológicos, isto é, não Tabela Esboço de explicações hipotéticas de alguns processos, eventos e propriedades, no homem. Duas perspectivas rivais: mentalismo e Psicobiologia Problema Explicação mentalista Explicação psicobiológica O que é aprendizagem? Enriquecimento da mente Formação ou fortalecimento das conexões sinápticas O que é visão O que é a magnitude do estímulo experienciado (sentido ou julgado)? Um processo mental iniciado por entradas sensoriais visuais A avaliação do estímulo pela mente Uma atividade do sistema visual envolvendo as áreas corticais no lobo occipital Freqüência de disparos do sistema neural correspondente (incluindo as áreas sensoriais do córtex cerebral) O que é pensamento? A atividade mais elevada da mente A atividade de certos sistemas neurais plásticos O que é auto-consciência Visão do interior A monitorização, por certos sistemas plásticos, da atividade de outros sistemas neurais plásticos O que é impulso? Uma conação mental Um desequiíbrio fisiológico O que são sonhos? Processos em uma parte da mente Pensamento rudimentar e essencialmente pictórico (um tipo de processo cerebral) O que é iniciativa? Movimento espontâneo da mente Processos prosencefálicos autoiniciados Por que Z está feliz? Porque sua mente está em um estado de felicidade Porque seu cérebro está carregado de aminas biogênicas Por que ele sente dor? Sem explicações Porque se cortou e os nervos afetados ativaram seu tronco cerebral Por que ele está tão irritável? Por que é tão difícil expressar emoções em palavras? Por que a sexualidade humana é tão insensível aos níveis de hormônios no sangue? Por que crianças protegidas excessivamente resultam em adultos desamparados? Por que somos capazes de estados conscientes? Porque as queixas de sua esposa feriram seu ego Sem explicações Porque é mais psicológica do que biológica Porque suas mentes não estão preparadas para enfrentar problemas Porque somos dotados de uma mente, parte da qual é a Consciência Porque as queixas de sua esposa sobrecarregaram seu sistema neuroendócrino Porque a emoção é uma atividade do hemisfério direito, que é mudo Porque a excitação e o prazer sexual são atividades hipotalâmicas mais fortemente influenciadas pelo córtex cerebral do que pelas glândulas endócrinas Porque têm glândulas adrenais menores e são menos motivadas a enfrentar obstáculos Porque nossos ancestrais desenvolveram sistemas neurais capazes de estados conscientes e que têm valor de sobrevivência
4 Tabela (continuação) Problema Explicação mentalista Explicação psicobiológica Por que algumas vezes alucinamos? Como ocorre o movimento voluntário? Como Z se recuperou de sua depressão? Ou porque nossas mentes foram alimentadas com a informação errada ou porque está doente É causado pela mente ordenando ao corpo para se mover Ou pela ativação do sistema neural errado ou por causa de tecido nervoso doente (por exemplo, excesso ou defeito de algum neurotransmissor Um sistema neural plástico no prosencéfalo (a "sede" da vontade) ativa um sistema neural motor no córtex pré-central. Sem explicações Foi dada a Z uma droga antidepressiva que impede a metabolização da norepinefrina Problema Explicação mentalista Explicação psicobiológica Por que nossos ancestrais remotos se tornaram humanos? Como se desenvolveu o tabu do incesto? Como vocês explicam fantasmas, telepatia, etc.? Porque lhes foi dada uma alma Ou gratuitamente ou pelo decreto de algum sábio governante agindo com base moral Em termos de mentes imateriais e desencarnadas e coisas semelhantes Porque alguns deles eram dotados de áreas associativas excepcionalmente grandes e plásticas, o que os capacitou a pensar novas idéias e criar coisas novas e novos meios de vida O intercruzamento aumenta o número de anomalias, de modo que os grupos humanos que proibiam o incesto (por quaisquer razões) tinham uma vantagem sobre os que o praticavam Não explicamos o que não existe, mas estamos prontos a explicar a crença neles eliminam todas as categorias psicológicas mas somente aquelas sem raízes neurofisiológicas. A redução da Psicologia à Neurofisiologia não envolve a negação do mental e é apenas parcial. (Recordem o Capítulo 3, Seção 6.) Dado o enorme impacto do meio social na idealização e no comportamento, a explicação deste último freqüentemente a cooperação da ciência social. Isto se aplica particularmente aos chamados distúrbios psicossomáticos, tais como certas úlceras duodenais. Neste caso, o comportamento social de outras pessoas age no cérebro do sujeito, que, por sua vez, age em seu estômago. (Por outro lado, de acordo com o animismo, por exemplo a Psicanálise, outras mentes agem diretamente sobre a mente do sujeito, que, por sua vez, age sobre o corpo.) Em casos como este, ignorar o 147 nível social, que é o que faz todo bom reducionista, não resolve. Estivemos pregando a redução da Psicologia à Neurofisiologia mas também advertimos que, por duas razões, essa redução só pode ser parcial ou reduzida. A primeira delas é que a Psicologia contém certos conceitos e enunciados que atualmente não se encontram na Neurociência. Conseqüentemente, a Neurociência precisa ser enriquecida com alguns desses constructos para poder fornecer as regularidades psicológicas bem como, a fortiori, as novas regularidades que gostaríamos de conhecer. A segunda razão para a redutibilidade incompleta da Psicologia à Neurofisiologia é que a Neurociência não maneja variáveis sociológicas, que são essenciais para se explicar o comportamento e a mentalização dos vertebrados superiores sociais. Por essas
5 razões, o esforço reducionista deve ser suplementado por outro que seja integrador. Permitam que eu explique. O comportamento e a mentalização são atividades de sistemas que cruzam um determinado número de níveis reais (não somente cognitivos), do nível psicológico ou social. Porisso não podem ser manejados por qualquer ciência de um só nível. Toda vez que o objeto de estudo é um sistema com níveis múltiplos,, somente uma abordagem multidisciplinar capaz de cobrir todos os níveis envolvidos é prometedora. Em tais casos, o reducionismo cego está fadado ao fracasso por insistir em procedimentos ab initio que não podem ser implementados por falta das necessárias suposições cruzando os níveis. (Levando em conta que não se conseguiu escrever, para não dizer solucionar, a equação de Schödinger de uma molécula biológica, o que não dizer de um neurônio ou mesmo de um sistema neuronal.) Nesses casos, pressionar para o reducionismo é quixotesco: não é uma estratégia frutífera de pesquisa. Em tais casos, somente pode ter sucesso a estratégia oportunista (ou salve-se-quempuder) sugerida pelo sistemismo e pela visão do mundo em níveis múltiplos, pois é a última que integra as abordagens física, química, biológica e sociológica e constrói pontes entre os níveis (ver Bunge, 1980a). Finalmente, o que dizer da explicação teleológica? Alguns filósofos, principalmente Taylor (1964) e von Wright (1971), alegaram que, ao contrário das outras ciências, a Psicologia precisa de explicações teleológicas, da mesma forma quando dizemos que Fulano de Tal fez isso porque queria atingir seu objetivo. É certo que a psicologia dos vertebrados superiores deve reconhecer objetivos. No entanto, (a) o comportamento dirigido a objetivos pode ser explicado de modo científico, e (b) e esta explicação pode ser considerada mais um caso especial da 148 explicação causal do que um caso de compreensão enfática (Verstehen). Permitam que eu explique. É claro, se atribuirmos eficiência causal aos objetivos, as explicações teleológicas não são causais, isto é, são concebidas como situações futuras baseadas no presente. Mas isto não é só teleologia: é não ciência. Os objetivos propriamente ditos não, mas suas representações cerebrais isto é, estados de expectativa podem ter eficiência causal. Essas representações correntes (imagens ou pensamentos, principalmente planos) podem ser incluídas entre os fatores causais que levam ao comportamento dirigido a objetivos porque são eventos cerebrais e todos eventos eventualmente têm algum efeito. A idéia não é "Resposta devido à causa" (negligenciando o objetivo), nem "Resposta devido ao objetivo" (negligenciando a causa), mas sim "Resposta devido à causa incluíndo a representação cerebral do objetivo". Em suma, embora os objetivos sejam peculiares ao comportamento de alguns vertebrados, não suscitam explicações teleológicas. Além do mais, não existem explicações teleológicas mas sim explicações de propósitos (não em termos de si próprios). E essas explicações podem ser, não, devem ser científicas. 2. A ameaça do dualismo e a promessa do monismo Movimento é a mudança de lugar de alguma coisa concreta corpo, campo ou seja lá o que for. Não existe movimento à parte de coisas se movendo, e as coisas não são a "base" ou o "substrato" do movimento, nem "medeiam" o movimento ou por ele são "responsáveis". As coisas simplesmente se movem. Na mesma linha de pensamento, não existe reação química à parte daquilo que os reagentes e as reações produzem, nem metabolismo
6 além dos sistemas metabolizantes, nem alteração social acima de comunidades em modificação. Em todos os estados da Ciência existem estados de entidades concretas (materiais), e os eventos são alterações no estado de entidades concretas. Há uma exceção escandalosa, no entanto. A exceção, é claro, é a psicologia mentalista e a psiquiatria: é somente aqui (e nas filosofias idealistas da mente) que a conversa de mentalização paralela ou acima do cérebro é tolerada, não, encorajada por uma ideologia précientífica. Esta separação entre mente e aquilo que executa a mentalização entre função e órgão tem mantido a Psicologia e a filosofia da mente apartada da Biologia (principalmente da Neurociência e da teoria da evolução) e impedido a utilização completa da abordagem científica do problema mente corpo. (Em particular, "O estudo da evolução mental tem sido prejudicado pelo dualismo metafísico [mente corpo]" (Lashley, 1949).) Não que o mental esteja além do alcance da Ciência, mas que apenas raramente tem sido abordado de modo científico. Em particular, o dualismo psicofísico não é uma hipótese científica possível referente ao mental mas um mito não científico que só pode ser sustentado por razões ideológicas. Nossa rejeição do dualismo psicof'ísico não nos força a adotar o materialismo eliminativo ou vulgar, em nenhuma de suas versões isto é, a tese de que a mente e o cérebro são idênticos, de que não existe mente, ou de que a capacidade de perceber, imaginar ou mesmo de raciocinar são inerentes a todos os animais ou mesmo a todas as coisas. (Esta última versão não se distingue do panpsiquismo ou do animismo primitivo.) A Psicobiologia não só sugere o monismo psiconeural como também o emergentismo, isto é, a tese de que a mentalidade é uma propriedade emergente possuída apenas por animais dotados de sistema nervoso 149 plástico e extremamente complexo. Esta capacidade confere a seus possuidores vantagens adaptativas tão decisivas, e está relacionada a tantas outras propriedades e leis (fisiológicas, psicológicas e sociais), que justifica-se a asserção de que organismos com ela dotados constituem um nível próprio, o dos psicossistemas. No entanto, isso não quer dizer que as mentes constituam um nível próprio, simplesmente porque não existem mentes desincorporadas (nem mesmo incorporadas), mas somente cérebros mentalizadores, ou melhor, animais mentalizadores. Em suma, as mentes não constituem um nível supraorgânico porque não constituem nível nenhum. Os psicossistemas sim. Repetindo a mesma idéia em palavras diferentes: pode-se sustentar que o mental emerge do meramente físico sem o reificar. Isto é, pode-se sustentar que a mente não é uma coisa composta de coisas de nível inferior menos ainda uma coisa não composta de coisas mas uma coleção de funções ou atividades de certos sistemas neurais que neurônios individuais presumivelmente não possuem. (O cérebro do primata e alguns de seus subsistemas conseguem mentalizar, isto é, estar em estados mentais, mas a mente não é capaz de cuidar de si porque não tem mais independência do que massa sem corpos ou história sem pessoas. Apenas o cérebro em funcionamento controlando e mentalizando é capaz de cuidar de si, ou melhor, cuidar de todo o animal.) E assim, o materialismo emergentista (ou sistêmico) ao contrário do materialismo eliminativo mostra-se compatível com o pluralismo geral ou com a perspectiva do mundo que alardeia a variedade e mutabilidade da realidade (ver Bunge, 1977a) bem como sua estrutura em níveis (ver Bunge, 1979a). Ao aceitarmos o materialismo emergentista (ou sistêmico) não estamos
7 alegando que ele resolveu o problema mente corpo. Não resolveu e não vai resolver porque o materialismo emergentista é uma filosofia que fornece somente o arcabouço da investigação científica detalhada dos muitos problemas que descuidadamente se amontoam sob o rótulo de "problema mente corpo". É necessário que os cientistas abordem esses problemas como cientistas, não como filósofos ou teólogos amadores. Entretanto, os filósofos estão longe de se comportar como espectadores não participantes da investigação científica do problema mente corpo. (Não é de admirar, pois o problema é tanto científico quanto filosófico.) A filosofia dualista da mente bloqueou ativamente a abordagem científica do problema por séculos, negando que a pesquisa do cérebro pudesse resolver o "mistério da mente". Por outro lado, o materialismo emergentista contribui para a investigação do problema (a) desfazendo a confusão, (b) expondo os mitos, e (c) sugerindo que todos os problemas tradicionalmente rotulados de "mental" sejam reformulados como problemas referentes às funções cerebrais de animais vivendo em ambientes naturais e possivelmente também sociais. É certo que o materialismo emergentista é novo demais na ciência da mente para representar mais que uma fé e um programa, mas é uma fé razoável e não um dogma sem qualquer base, e é um programa promissor e não um artifício para desencorajar a pesquisa. Aliás, o materialismo emergentista tem sido razoavelmente bem sucedido: vejam os avanços da Neurofisiologia, psicoquímica, Psicofarmacologia, Neurologia e psicologia fisiológica nas últimas duas décadas todos eles inspirados pela tese de que a percepção, emoção e mentalização são funções cerebrais, e seus distúrbios são disfunções cerebrais. Admitidamente, a maioria dos pesquisadores não dá crédito 150 a qualquer filosofia da mente, seja porque não têm consciência de seus débitos ou porque não é de bom tom ser visto em companhia de uma dama de má reputação. Mas o filósofo da ciência não deixará de reconhecer o valor heurístico do materialismo emergentista nos avanços recentes das ciências do cérebro mencionadas acima, bem como na tendência em direção a sua unificação (Figura 10.1). Figura As ciências que florescem em torno do problema mente-corpo, ele próprio um problema científico e filosófico. A Neurociência, a base de todas elas, compõe-se da Neuroanatomia e da Neurofisiologia, e de suas tributárias, Neurobiofísica e Neuroquímica. Além disso, o materialismo emergentista é a única filosofia que goza do apoio de todas as ciências, não foi cozinhada ad hoc apenas para o problema mente corpo, não promove o reducionismo quixotesco, e defende a Neurociência e a Psicologia contra a obstrução de filosofias e ideologias estéreis. E, ao fazê-lo, defende a liberdade e criatividade do homem, concebendo-o nem como a ser programada nem como pombo a ser condicionado à vontade, mas como o único animal absolutamente criativo, o único capaz de criar uma ciência do mental e de moldar sua própria vida para o melhor ou para o pior à luz de seu conhecimento e de seu preconceito.
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