REVISTA DE ODONTOLOGIA DA UNESP CASO CLÍNICO Rev Odontol UNESP, Arrqur. jn./fev., 2010; 39(1): 63-67 2009 - ISSN 1807-2577 Firom cemento-ossificnte sintomático: relto de cso clínico Elen de Souz TOLENTINO, Lívi de Souz TOLENTINO, Julierme Ferreir ROCHA c, Lílin Cristin Vessoni IWAKI d, Liogi IWAKI FILHO e Doutornd do Curso de Estomtologi, Fculdde de Odontologi, USP Universidde de São Pulo, 17012-101 Buru - SP, Brsil Cirurgiã-dentist, UEM Universidde Estdul de Mringá, 87020-900 Mringá - PR, Brsil c Deprtmento de Estomtologi, Fculdde de Odontologi de Buru, USP Universidde de São Pulo, 17012-901 Buru - SP, Brsil d Professor Doutor ds Disciplins de Estomtologi e Rdiologi, UEM Universidde Estdul de Mringá, 87020-900 Mringá - PR, Brsil e Professor Doutor d Disciplin de Cirurgi, UEM Universidde Estdul de Mringá, 87020-900 Mringá - PR, Brsil Tolentino ES, Tolentino LS, Roch JF, Iwki LCV, Iwki Filho L. Symptomtic cemento-ossifying firom: cse report. Rev Odontol UNESP. 2010; 39(1): 63-67. Resumo As lesões firo-ósses constituem um grupo de ptologis crcterizds pel sustituição de tecido ósseo norml por tecido firoso enigno contendo quntiddes vrids de mteril minerlizdo. A displsi firos, o firom cemento-ossificnte e displsi cemento-ósse são s mis frequentes. N litertur, clssificção e terminologi ds lesões firo-ósses presentm-se ind confuss e controverss, pois esss ptologis exiem, frequentemente, crcterístics clínics e morfológics muito semelhntes. O firom cemento-ossificnte é um neoplsi enign que fz prte do grupo ds lesões firo-ósses. Crcteriz-se por crescimento em delimitdo e eventulmente encpsuldo, presentndo quntiddes vriáveis de tecido minerlizdo semelhnte o osso e o cemento. São lesões incomuns, que tendem ocorrer durnte terceir e qurt décds de vid, com um predileção pelo gênero feminino, sendo mndíul o sítio de mior ocorrênci. Este trlho tem por ojetivo descrever e discutir um cso clínico-cirúrgico sintomático de firom cemento-ossificnte. Plvrs-chve: Firom cemento-ossificnte; doençs ósses; dignóstico diferencil. Astrct Firo-osseous lesions re group of diseses chrcterized y replcement of norml one tissue for enign firous tissue contining different mounts of minerlized mteril. The most frequent lesions re firous dysplsi, cemento-ossifying firom nd cemento-osseous dysplsi. In the literture, clssifiction nd terminology of these entities remin confusing nd controversil, since these lesions show some clinicl nd morphologic similrities. Cemento-ossifying firom is enign neoplsi tht elongs to the group of firo-osseous lesions. It is chrcterized y well delimited growth nd occsionlly is encpsulted, presenting chngele mounts of minerlized tissue similr to the one nd cementum. They re uncommon lesions tht tend to occur during the 3 rd nd 4 th decdes of life, minly in femles nd preferentilly in the mndile. The im of this work is to descrie nd discuss clinicl surgicl cse of symptomtic cemento-ossifying firom. Keywords: Cemento-ossifying firom; one diseses; differentil dignosis.
64 Tolentino et l. Rev Odontol UNESP. 2010; 39(1): 63-67 Introdução As lesões firo-ósses (LFO) são crcterizds pel sustituição de tecido ósseo norml por tecido firoso enigno contendo quntiddes vriáveis de mteril minerlizdo, sendo s mis comuns displsi firos (DF), o firom cemento ossificnte (FCO) e displsi cemento-ósse (DCO). 1,2 O FCO é um lesão firo-ósse frequentemente ssintomátic, em delimitd, expnsiv e mis comumente encontrd n mxil e n mndíul. Pode, entretnto, tingir grndes proporções, cusndo dor, inchço e prestesi. 3 N nomencltur ds LFO de mxil e mndíul, o FCO tem vários sinônimos, como osteom firoso e osteofirom. O estudo rdiográfico mostr predomínio de osteólise e, posteriormente, umento d clcificção d lesão, tornndo- rdiopc, com ords em definids e esclerótics. Ests crcterístics são mis evidentes do que n DF, o que uxili no dignóstico diferencil. 4 No entnto, o specto grosseiro do FCO, com consistênci or firme or renos, é semelhnte o d DF. 5 Microscopicmente, há predomínio de tecido firoso, sus tréculs de osso lmelr têm mior orientção e nel de osteolstos; em 60% dos csos, oservm-se esféruls clcificds. 1,6 O trtmento pr o FCO é remoção cirúrgic trvés de enucleção, por meio d qul, n miori ds vezes, lesão é fcilmente destcd do osso. Nos csos de lesões extenss, podem ser necessários os procedimentos de reconstrução com plcs e prfusos de titânio. 3,7 O ojetivo deste trlho é presentr um cso clínico em que foi relizdo o trtmento cirúrgico de um FCO sintomático loclizdo n mndíul. (Figur 3) e envid pr exme microscópico, que confirmou o dignóstico inicil. No controle pós-opertório de dez semns, pciente encontrv-se com evolução fvorável (Figur 4). Discussão As LFO são descrits como um grupo de lesões que fetm os ossos mxilres e crniofciis. Tods são crcterizds pel sustituição de tecido ósseo norml por tecido firoso celulr contendo váris forms de ossificção. Esse grupo inclui desde lesões displásics de desenvolvimento ou retivs neoplsis verddeirs. 8 Mis de 70% desss lesões encontrm-se n região de ceç e pescoço. 9 Figur 1. Rdiogrfi pnorâmic inicil. Relto de cso Pciente de qurent nos, leucoderm, gênero feminino, procurou o setor de Cirurgi e Trumtologi Bucomxilofcil d Universidde Estdul de Mringá (UEM), queixndo-se de dor em hemimndíul esquerd. Ao exme físico intrucl, notou-se tumefção dur à plpção, recoert por mucos norml, em corpo mndiulr esquerdo, com sintomtologi doloros hvi um no. N rdiogrfi pnorâmic, visulizou-se imgem mist em corpo mndiulr esquerdo, com dimensões proximds de 4 cm e limites imprecisos (Figur 1). Considerndo-se os spectos clínicos e rdiográficos, s hipóteses de dignóstico form: FCO, DF e osteossrcom. A condut pr o cso foi relizção de iópsi incisionl e encminhmento d peç pr exme microscópico. Microscopicmente, oservou-se presenç de osso mduro lmelr, clcificções esférics homogenemente distriuíds e estrom ricmente celulrizdo. O dignóstico histoptológico foi de FCO (Figur 2). O plnejmento cirúrgico consistiu n enucleção do tumor so nestesi gerl por cesso sumndiulr, trvés de incisão de Risdon, exposição do corpo mndiulr e ostectomi d corticl extern. A peç cirúrgic foi totlmente curetd, com cuiddos mnipulção do feixe vásculonervoso lveolr inferior Figur 2. Exme microscópico demonstrndo presenç de osso mduro lmelr em estrom ricmente celulrizdo.
Rev Odontol UNESP. 2010; 39(1): 63-67 Firom cemento-ossificnte sintomático: relto de cso clínico 65 c d Figur 3. ) Incisão de Risdon; ) Ostectomi d corticl extern; c) Proteção do feixe vásculo-nervoso lveolr inferior durnte curetgem d lesão; d) Aspecto mcroscópico d lesão. Figur 4. Aspecto clínico e rdiográfico no pós-opertório de dez semns. De cordo com litertur, os conceitos de DF e FCO são plicdos com cert fcilidde nos csos clássicos. Há situções, entretnto, em que o dignóstico é dificultdo pel soreposição ds crcterístics clínics, rdiográfics e microscópics, o que explic diversidde d nomencltur desss lesões. 10 A DF present tréculs de osso imturo, enqunto o FCO é um lesão firo-ósse centrl com tecido ósseo lmelr. 3 Alguns utores opõem-se à distinção entre o firom cemento-ossificnte e o firom ossificnte juvenil, emor outros considerem este um tumor mis gressivo com índice de recidiv mior. 3 Sugere-se ind que DF, o FCO e o firom ossificnte juvenil possm constituir diferentes pontos de um espectro morfológico de LFO com ptogênese e crcterístics clínics similres, tornndo-se desnecessári seprção dels
66 Tolentino et l. Rev Odontol UNESP. 2010; 39(1): 63-67 em ptologis específics. 10,12 Contudo, n miori ds vezes, são considerds como entiddes distints, 4,5 pois s diferençs entre els não são pens microscópics, ms tmém clínics. 6 A dificuldde de diferencir histologicmente o osso do cemento e o fto de que OMS consider os firoms cementificnte, ossificnte e cemento-ossificnte vrições histológics d mesm lesão fzem o termo cemento-ossificnte preferível. No presente cso, trt-se de um mulher de qurent nos de idde com lesão em mndíul. Segundo lguns trlhos, s LFO gerlmente não têm predileção por gênero, 10,12 emor lguns utores creditem que exist predominânci no feminino. 6 Acometem principlmente dolescentes e dultos jovens. 10,12 Qunto à loclizção, DF surge em qulquer osso, sendo os mis frequentes costel, fêmur, tíi, mxil, mndíul e crânio. O FCO fet preferencilmente mxil e mndíul, locis em que há tecido cementogênico. 11 Entretnto, reltm-se FCO que cometem os seios d fce. 13,14 Estudos reltm ser quse impossível, por critérios rdiográficos, seprr DF e FCO. 10 Todvi, n DF, os limites não são nítidos e seu crescimento é longitudinl; 1,4 são lesões homogênes e com specto de vidro fosco em 50% dos csos. A deformidde em vro d região superior do fêmur, conhecid como deformidde em tco de hóquei e o specto em chm de vel são fortemente sugestivos de DF. 3 Já os FCO têm limites em definidos; podem ser esféricos, ovis ou multiloculres e são clrmente seprdos do osso djcente por um ord lític e um cápsul firos semelhnte à csc de ovo, 1,7 fto que tmém fvorece remoção dests lesões, que são fcilmente destcds do osso, como oservdo no presente cso. Microscopicmente, qunto o FCO, presenç de osso mduro (lmelr) é su principl crcterístic, que o distingue d DF. Segundo estudos morfométricos, percentgem de tréculs ósses no FCO é, gerlmente, o doro d encontrd n DF. 15 Além disso, no FCO, o processo de ossificção se direcion d periferi pr o centro d lesão. No FCO, há estruturs esférics miores, denss, prcilmente clcificds e de tmnhos vridos; sus ords são regulres e sem nel de osteolstos. 10 Discute-se se esss esféruls serim cementículos ou ossículos. Pr lguns utores, ess diferencição é imprticável, emor o cemento em su estrutur ntômic usul sej celulr e mostre grossos feixes de colágeno que sofrerm clcificção. 10,12 Bsedo n presenç de ossículos e cementículos, form propostos os termos firom ossificnte (firom psmomtoide ossificnte) e firom cementificnte (firom cemento-ossificnte), respectivmente. 1,11 Alguns trlhos sugerem que o firom ossificnte juvenil e o FCO são vrintes d DF. 10,12 O FCO pode tingir grndes proporções e ter prênci grotesc; tem, portnto, prognóstico pior do que DF e necessit remoção complet, o que é fcilitdo pelos seus limites em definidos e pel presenç de cápsul. Tl fto justificri distinção entre esss dus entiddes. 6,7 Rdioterpi em ms s lesões é contrindicd, pois ument o risco de trnsformção mlign. 3 Além do FCO, fzem prte do dignóstico diferencil d DF neurofiromtose, doenç de Pget, o meningiom em plc, o osteossrcom prostel e o osteossrcom intrmedulr de ixo gru de mlignidde. O dignóstico diferencil do FCO inclui ind osteíte esclerosnte e osteoesclerose idiopátic. 3,7,13 Os FCO podem fzer prte de síndromes, incluindo o hiperprtireoidismo primário, e tmém estr ssocidos lesões renis. Esses dignósticos podem ser importntes por cus d possiilidde de envolvimento de outros memros d fmíli e tmém devido o risco de mlignidde. 16 No presente cso, pciente não presentv nenhum ntecedente fmilir ou comprometimento sistêmico que pudesse estr ssocido o desenvolvimento d lesão n mndíul. Neste relto, considerndo-se s crcterístics clínics e rdiográfics, s hipóteses dignóstics form de FCO, DF e osteossrcom. Como lesão presentv, n rdiogrfi pnorâmic, limites imprecisos, s hipóteses de DF e osteossrcom form incluíds; este, com mior ênfse, um vez que pciente procurou o tendimento com queix de dor n região fetd, sintom crcterístico dos qudros de osteossrcom e incomum nos csos de FCO. No qudro evolutivo, s LFO não presentm potencil metstático. Logo, o trtmento deve ser conservdor e corretivo, pr livir sintoms e reprr deformiddes. 3,7 A retird cirúrgic deve ser complet e, preferencilmente, relizd pós o término d fse de crescimento do pciente, evitndo-se ssim recorrênci d lesão. 1,3 A escolh do cesso cirúrgico depende do tmnho d lesão, d loclizção e do sistem de fixção ou reconstrução seleciondo. Contudo, neste cso clínico, não houve necessidde de reconstrução com plcs e prfusos de titânio, um vez que, pós enucleção d lesão, um quntidde suficiente d se ósse permneceu, dndo suporte à mndíul. Conclusão Os ddos clínicos e rdiográficos reltdos neste trlho não presentm semelhnç com os descritos n litertur, um vez que sintomtologi doloros e o specto imgenológico com limites imprecisos são rrmente ssocidos o FCO. As LFO podem ser muito semelhntes entre si, tornndo se necessário o somtório dos chdos clínicos, rdiográficos, cirúrgicos e microscópicos pr se determinr o correto dignóstico. Referêncis 1. Bertrnd B, Eloy PH, Cornelis JPH, Gosseye S, Clotuche J, Gillird Cl. Juvenile ggressive cemento-ossifying firom: cse report nd review of the literture. Lryngoscope. 1993;103:1385-90. 2. McDonld-Jnkowski D. Firous dysplsi: systemtic review. Dentomxillofc Rdiol. 2009;38:196 215. 3. Wldron CA. Doençs do osso. In: Neville BW, Dmm DD, Allen CM, Bouquot JE. Ptologi orl e mxilofcil. Rio de Jneiro: Editor Gunr Koogn; 2004. p.511-64.
Rev Odontol UNESP. 2010; 39(1): 63-67 Firom cemento-ossificnte sintomático: relto de cso clínico 67 4. Mrks KE, Buer TW. Firous tumors of one. Orthop Clin North Am. 1989;20:377-93. 5. Kdiri F, Lrqui NZ, Touhmi M, Benghlem A, Mokrim B, Chekkoury-Idrissi A, et l. Les firomes ossifints dês mxillires (à propos de 2 cs). Rev Lryngol Otol Rhinol. 1993;114:349-53. 6. Fu Y, Perzin KH. Non-epithelil tumors of the nsl cvity, prnsl sinuses, nd nsophrynx: clinicopthologic study. Câncer. 1974;33:1289-305. 7. Gldeno-Arens M, Crespo-Pinill JI, Álvrez-Otero R, Espeso- Ferrero A, Verrier-Hernández A. Firom cemento-osificnte gingivl mndiulr: presentción de un cso. Med Orl. 2004;9:176-9. 8. Alshrif MJ, Sun ZJ, Chen XM, Wng SP, Zho YF. Benign firo-osseous lesions of the jws: A study of 127 chinese ptients nd review of the literture. Int J Surg Pthol. 2009;17:122-34. 9. McDonld-Jnkowski DS. Firo-osseous lesions of the fce nd jws. Clin Rdiol. 2004;59:11-25. 10. Voytek TM, Ro JY, Edeiken J, Ayl AG. Firous dysplsi nd cementoossifying firom: A histologic spectrum. Am J Surg Pthol. 1995;19:775-81. 11. Slootweg PJ, Pnders AK, Nikkels PGJ. Psmmomtoid ossifying firom of the prnsl sinuses: An extrgnthic vrint of cemento ossifying firom. J Crniomxillofc Surg. 1993;21:294-7. 12. Sissons HA, Steiner GC, Dorfmn HD. Clcified spherules in firo-osseous lesions of one. Arch Pthol L Med. 1993;117:284-90. 13. Kut AJ, McDonld Worley C, Kugrs GE. Centrl cementossifying firom of the mxillry sinus: A review of six cses. AJNR. 1995;16:1282 6. 14. Aou-Elhmd KEA. Frontl sinus cementifying ossifying firom. Sudi Med J. 2005;26:470-2. 15. Boisnic S, Brnchet MC, Lesty C, Villnt JM, Chomette G. Étude morphométrique Du tissu osseux et du tissu collgène dns l dysplsie fireuse et le firome ossifint. Arch Ant Cytol Pthol. 1986;34:215-9. 16. Dominguete PR, Meyer TN, Alves FA, Bittencourt WS. Juvenile ossifying firom of the jw. Br J Orl Mxillofc Surg. 2008;46:480 1. utor pr Correspondênci Julierme Ferreir Roch Deprtmento de Estomtologi, Fculdde de Odontologi de Buru, USP Universidde de São Pulo, 17012-901 Buru - SP, Brsil e-mil: juliermeroch@usp.r Receido: 28/06/2009 Aceito: 23/02/2010