IMBACH, R. e OLIVA, A. La philosophie de Thomas d Aquin. Repères, Paris: Vrin, Repères Philosophiques, 2009, 179p.
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- Kátia Filipe Camarinho
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1 , Paris: Vrin, Repères Philosophiques, 2009, 179p. Lucio Lobo* Textos podem ter muitos objetivos e este tem um muito claro, a saber, ajudar o leitor a descobrir, num nível introdutório, o pensamento filosófico de Tomás de Aquino valendo-se de indicações de algumas das principais teses e alguns capitais conceitos usados pelo Aquinate, além de permitir que se construa um esboço inicial de sua mundividência. As teses e conceitos tomásicos elencados por Imbach e Oliva podem servir de guia porque dão indicações de como se mover no seio da obra do Aquinate. No entanto, não se trata de um tipo de introdução que pode ser lida por qualquer um (e, aqui, me refiro especificamente aos leigos), mas deve ser lida e será útil sobretudo para um público parcialmente versado em filosofia. Aristóteles, por exemplo, é recorrentemente citado. E como boa parte da nomenclatura técnica usada por Tomás é extraída dos textos do Estagirita, a falta de familiaridade com estes pode prejudicar seriamente a compreensão do livro. Noções como ato/potência, matéria/forma, substância/acidente, dentre outras, precisam ser minimamente conhecidas pelo leitor. Considero o texto como um mapa para iniciados e, a meu ver, seu principal mérito está naquilo que é anunciado pelos próprios autores, a saber; ele oferece boas indicações bibliográficas a cada passo da exposição das teses tomásicas. Ele é útil porque facilita o trabalho de pesquisa. O livro de Imbach e Oliva está estruturado da seguinte forma: (i) uma apresentação da vida de Tomás; (ii) uma exposição de seu pensamento e (iii) uma série de resumos de algumas de suas obras. * Professor no Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
2 16 Voltar-me-ei, nesta resenha, somente à exposição do item (ii), o pensamento de Tomás, ou seja, somente ao núcleo teórico que compõe o livro. Na realização dessa tarefa, seguirei a ordem imposta pelos autores. Pois bem, o que considero como núcleo teórico do livro é assim dividido: 1) natureza e divisão da filosofia; 2) o conhecimento humano; 3) problemas éticos; 4) aspectos do pensamento político; 5) ontologia, metafísica e teologia filosófica e 6) crença, ciência e teologia. Vejamo-los um a um. 1) Natureza e divisão da filosofia Este primeiro tópico começa por expor a posição tomásica acerca da função do filósofo. Para Tomás, assim como o fora para Aristóteles, o papel do sábio é ordenar. Mas a ordem pode ser compreendida de duas maneiras. Uma, como ordem a ser alcançada e, outra, como ordem a ser produzida. Esta dupla significação é trazida à tona mediante o papel do intelecto. Por vezes o intelecto busca conhecer como a coisa é, por vezes ele determina como algo deve ser. Esta divisão é o ponto de partida para a divisão das ciências. As que determinam como algo deve ser são as ciências práticas e as que buscam conhecer como as coisas são são as ciências especulativas. A lógica, por ser instrumento para todas as ciências, é o primeiro ponto a ser tratado. A ela cabe reconhecer as diversas situações em que um argumento se mostra certo e confiável. A física, ou filosofia da natureza, lida com os seres que dependem da matéria e não podem ser definidos sem ela. Como todo ser material é mutável, a física também é chamada de ciência do ser móvel (ens mobile). Suas noções fundamentais estão diretamente ligadas à mutabilidade, daí o par ato/potência estar sempre presente. O estudo de temas como a) os tipos de movimento e b) o tempo estão no rol de suas atribuições. À metafísica cabe estudar o ser enquanto ser ou aquilo que é próprio a todos os seres. Ela se ocupa do que é maximamente inteligível e, para Tomás, isso quer dizer apossarse do conhecimento das causas, alcançar o máximo de universalidade e perceber que a imaterialidade é uma característica fundamental da inteligibilidade. 2) O conhecimento humano
3 17 Embora Tomás afirme ser a imaterialidade uma característica da inteligibilidade, ele não restringe o conhecimento humano a ela. Homens são seres dotados de um corpo cuja forma é uma alma imaterial e, para conhecer, eles precisam dos dados fornecidos pela sensibilidade. O homem, ao nascer, é uma tabula rasa e, ainda que tenha a potência de conhecer, seu conhecimento só principiará, de fato, quando seu intelecto dispuser de informações fornecidas pelos seus sentidos. Firmado este ponto, convém notar que Tomás defende uma estrutura cognitiva bastante complexa (sentidos externos e internos, intelecto agente, intelecto possível), com múltiplas operações (abstração, separatio), e que ele também lança mão de toda uma gama de conceitos relativos aos objetos do conhecimento (phantasma, espécie sensível, espécie inteligível). Outrossim, na busca da verdade, é da natureza do conhecimento humano proceder discursivamente, ou seja, elaborar estruturas proposicionais (S é P) e silogísticas; diferentemente de Deus e dos anjos, que possuem um conhecimento intuitivo. Por fim, é preciso dizer que Tomás reconhece limites ao conhecimento humano. Por exemplo, temas como a Trindade e a Encarnação estão para além das possibilidades de compreensão da razão humana. 3) Problemas éticos Mas a alma não é só intelecto, ela possui, também, outras potências: as potências apetitivas. Os autores apresentam esse conjunto do seguinte modo: Considerados em conjunto, os dois grupos [sc. o das potências apetitivas e o das potências cognitivas] dizem respeito à relação do homem à realidade exterior. Essa relação pode ser considerada de duas maneiras: como presença no homem de um objeto exterior por meio da percepção ou do conhecimento intelectual nesse último caso o objeto está presente na alma sob a forma de uma similitude representativa, ou como um desejo da alma em direção de um objeto. Tomás fala então de appetitus, que se desdobra enquanto potência apetitiva sensível ou intelectual: nos dois casos a alma é movida por um objeto que desempenha o papel de motor não movido (...). Tomás dá à análise das paixões, que são as
4 18 manifestações da potência apetitiva, tanta atenção quanto dá ao estuda da vontade, identificada ao appetitus intelectual. (p ) O movimento da potência apetecível sensível (paixões) para seu objeto é classificado por Tomás em onze casos divididos submetidos a dois grupos. Um grupo, o das paixões irascíveis, engloba a cólera, o medo, a audácia, a esperança e a desesperança; outro grupo, o das paixões concupiscíveis, tem os seguintes casos: o amor, o ódio, a concupiscência, a abominação, o prazer e a tristeza. A posição do Aquinate com relação às paixões é a de que elas, em si mesmas, não são boas ou más, pois não são elas que determinam sua realização, mas, sim, a razão. As virtudes também possuem um papel importante na ética tomásica. Elas são vistas como hábitos, isto é, como disposições adquiridas orientadas em direção à ação (p. 54) e elas são meios para os homens alcançarem seu fim último. A virtude é definida como uma boa qualidade da alma em vista de uma operação. Seu número é extenso e pode ser encontrado na Ética a Nicômaco quase completo. Mas vale ressaltar uma importante diferença entre Tomás e Aristóteles. Diferentemente do Estagirita, Tomás assume um conjunto de virtudes dependentes da graça divina, as virtudes teologais. Estas são pressupostas para obtenção da felicidade na vida após a morte e são em número de três: fé, esperança e caridade. Tal posição, consoante com a doutrina da Igreja, nos permite constatar a preocupação do Aquinate em salvaguardar sua ortodoxia religiosa quando lida com questões filosóficas. 4) Aspectos do pensamento político O homem é uma criatura racional e política. Criatura, por ter sido criado por Deus; racional, por ser dotado de uma alma intelectiva capaz de conhecer discorrendo de uma coisa a outra; mas por que político? O cerne da explicação apresentada no livro está na capacidade de comunicação do homem; em outras palavras, sua linguagem articulada e ordenada cujo fim é comunicar aos outros homens aquilo que pensa. Ora, toda capacidade é capacidade para algo, e, se temos uma capacidade, a natureza nos dotou com ela tendo em vista um fim
5 19 não buscá-lo seria desdenhar uma dádiva e significaria possuir algo em vão. Mas o homem não tem essa capacidade em vão. Por natureza, ele a tem em vista de viver em comunidade e em paz. Ao distinguir entre o bem e o mal e ao constatar o valor moral de um ato, o homem pode comunicá-lo aos outros, pleitear para si e para todos direitos e regras de convivência social. A defesa dos direitos se dará mediante a estipulação de regras (leis). Para Tomás, a confecção de leis por uma sociedade, embora passível de erros, tende a ser justa. Isto porque Tomás defende a idéia de um Deus criador, mantenedor do universo. A vontade divina é a lei que tudo governa (lei eterna), o mundo criado segue esta lei na medida de suas possibilidades intrínsecas (lei natural) e, por sua vez, a lei humana é elaborada por homens que tendem por natureza a seguir a lei natural, pois eles têm, impressos em sua natureza, princípios da lei natural como faça o bem e evite o mal. É a partir disto que se pode observar com freqüência, embora não sempre, um quinhão de justiça nas leis das diversas sociedades. 5) Ontologia, metafísica e teologia filosófica Quanto à ciência do ser enquanto ser são ressaltadas duas coisas. A primeira é que Tomás acompanha Aristóteles na afirmação dos dez gêneros máximos do ser, as categorias. A segunda é que Tomás sustenta que a possibilidade de se formar proposições sobre os seres corresponde às múltiplas possibilidades de os seres serem. Ele entende haver um fio condutor que nos leva a descobrir o ser através do julgamento. O exemplo fornecido é a tábua das categorias e a forma como a cópula (é) funciona distintamente quando diferentes categorias estão na posição de predicado. A categoria da substância, quando uma substância é usada como predicado, configura uma relação de identidade entre o sujeito e o predicado. Quantidade, qualidade e relação, por sua vez, indicam uma relação de inerência entre P e S. Já as categorias ação, paixão, tempo, lugar e situação carregam consigo a noção de exterioridade de P com relação a S. A décima categoria é especificamente humana. Ela indica uma posse adquirida, como no caso de Sócrates é hábil.
6 20 Das dez categorias os autores partem para a apresentação dos transcendentais. Transcendentais são os modos de ser gerais que seguem todo ente (p. 71). Ainda que sejam mais gerais, eles não podem ser gêneros, pois como eles são determinações de todos os seres não pode haver diferença específica a eles aplicável. A teologia racional, por fim, é apresentada como tendo seu principal escopo o encontrar ou construir provas da existência de Deus. A prova a priori de Anselmo é dada como exemplo, mas a que realmente é desenvolvida são as cinco vias de Santo Tomás (das quais eu me isento de falar por serem largamente conhecidas entre os iniciados em filosofia). 6) Crença, ciência e teologia Por fim, Imbach e Oliva concentram sua atenção na ciência que Tomás considera ser a mais nobre. No século XIII ocorreram disputas em torno dos papéis da razão e da fé. Estas disputas coincidem com o nascimento das universidades. Um dos problemas levantados versava sobre a necessidade de um ensinamento teológico em acréscimo às disciplinas filosóficas (p. 85). Tomás defendeu tal necessidade da seguinte maneira. A razão humana é limitada, por isso é incapaz de alcançar seu fim último sem a ajuda de uma revelação. Pode haver ciência sobre o que é exposto pela revelação porque, mesmo que nem tudo o que ela ensine possa ser alcançado pela razão natural, tudo o que ela ensina é certo por ter fundamento na luz divina. Sendo assim, a teologia colocase acima de toda outra ciência humana. Convém notar que tal supremacia da teologia sobre as demais ciências, para Tomás, não acarreta qualquer demérito a elas, pois este é um caso análogo ao da relação entre a natureza e a graça: a graça não destrói a natureza, ela a aperfeiçoa.
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