O Sistema-Gr de composição musical baseada nos princípios de variação progressiva e Grundgestalt
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1 O Sistema-Gr de composição musical baseada nos princípios de variação progressiva e Grundgestalt Carlos de Lemos Almada (Universidade Federal do Rio de Janeiro) calmada@globo.com Resumo - Este artigo integra um abrangente projeto de pesquisa ligado a processos analíticos e composicionais fundamentados nos princípios da variação progressiva e da Grundgestalt, ambos elaborados por Arnold Schoenberg. Além de uma breve descrição sobre as bases teóricas e as motivações iniciais para a criação da pesquisa, o presente texto examina seu mais recente desdobramento, o Sistema-Gr de composição musical a partir de elementos previamente desenvolvidos em alguns estudos e que se encontram atualmente consolidados. São ainda apresentados dois novos conceitos o coeficiente de similaridade e a curva derivativa como aspectos centrais para a implementação do sistema. Palavras-chave Variação progressiva; Grundgestalt; Composição musical. The Gr-System for musical composition based on the principles of developing variation and Grundgestalt Abstract This paper is part of a broad research project associated to analytical and compositional procedures that are based on the principles of developing variation and Grundgestalt, both elaborated by Arnold Schoenberg. After a brief description of the theoretical fundamentals and motivations for the creation of the project, the present text examines its more recent branch, the Gr-System for musical composition from the elements previously developed in some studies, and which are currently consolidated. Two new concepts the similarity coefficient and the derivative curve are introduced as central aspects for the implementation of the system. Keywords Developing variation; Grundgestalt; Musical composition. Introdução Este artigo insere-se no estágio atual de um projeto de pesquisa por mim coordenado dentro do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que teve início em abril de Tal projeto fundamenta-se nos princípios da variação progressiva (originalmente, developing variation) e da Grundgestalt, que correspondem talvez às principais das muitas contribuições de Arnold Schoenberg ( ) para as teorias da Análise e da Composição musical. Tendo como fase inicial a elaboração de um modelo analítico dedicado ao exame estrutural de obras sob a perspectiva desses dois princípios, o projeto atualmente também encampa abordagens em sentido inverso, ou seja, voltadas para a composição, tomando como fundamentação os elementos conceituais, terminológicos, bem como a simbologia e os diversos recursos gráficos previamente desenvolvidos através de alguns estudos. O presente artigo inicia-se com duas breves seções introdutórias: a primeira delas comenta sucintamente os princípios que fundamentam a pesquisa global e a segunda apresenta os elementos essenciais que compõem o modelo
2 2 analítico referencial que dá origem à abordagem que é aqui focalizada. O corpo principal do estudo é dedicado aos estágios relacionados à elaboração e à consolidação do modelo composicional atualmente denominado Sistema-Gr de composição musical a partir dos conceitos de Grundgestalt e variação progressiva. Constam ainda do artigo comentários sobre as peculiaridades do sistema (em relação ao modelo analítico que lhe deu origem), afinidades com os outros campos do conhecimento, bem como alguns resultados já obtidos, visando sua implementação com a ajuda de ferramentas computacionais. 1. Grundgestalt e variação progressiva Os conceitos teóricos que fundamentam a pesquisa podem ser resumidos como se segue: O princípio da variação progressiva descreve essencialmente o conjunto de procedimentos composicionais empregados na contínua transformação de uma forma primordial (a Grundgestalt), originada da Ideia (die Idee), uma espécie de antevisão pelo compositor de uma peça completa. A Grundgestalt, tal como uma semente, conteria implícito, ao menos no caso idealizado, todo o conteúdo da peça a ser composta. A partir dessa forma arquetípica seriam, assim, derivados motivos, temas e mesmo materiais subordinados e contrastantes. Tal processo de crescimento orgânico que, em suma, consiste em variações sobre variações, é capaz de gerar linhagens consideravelmente extensas e complexas, incluindo formas híbridas (que, por sua vez, frequentemente tornam-se base para novas variações). Embora tenha sido formulado teoricamente por Schoenberg apenas a partir de 1919 (...), o conceito de Grundgestalt certamente já existia em seu pensamento em épocas bem mais remotas, como demonstra a própria produção musical de sua fase tonal. Tal conceito tem como fundamento filosófico a corrente do Organicismo, surgida no séc. XIX (cujas raízes associam-se ao pensamento de Goethe e Darwin). Ambos os princípios foram concebidos e desenvolvidos por Schoenberg a partir de análises de obras de seus reconhecidos mestres, entre outros, Bach, Mozart, Beethoven e, especialmente, Brahms, a quem deve o aperfeiçoamento de várias das técnicas de elaboração em sua própria música. Os diversos desdobramentos relacionados à variação progressiva e à Grundgestalt têm merecido considerável atenção nas últimas décadas e apresentam-se como objeto principal de vários estudos acadêmicos (...). Uma Grundgestalt pode se apresentar, nos casos mais simples, como um bloco monolítico uma única ideia indivisível ou como uma conjunção de componentes distintos. Pode ser ainda um elemento musical concreto (como o que é convencionalmente definido como um motivo) ou ser decomposta em abstrações (uma configuração rítmica, um conjunto de classes de alturas, um acorde etc.) que passam a ser individualmente tratadas como elementos básicos potenciais para derivação. (ALMADA, 2012b, p ) 2. Bases do modelo analítico de Grundgestalt/variação progressiva A concepção do modelo analítico foi motivada pela busca por um método que pudesse tratar a análise de obras concebidas por processos orgânicos, baseados no binômio Grundgestalt/variação progressiva, de maneira suficientemente sistemática, aprofundada e abrangente. Diversos estudos foram realizados a partir do estabelecimento das bases da pesquisa, aperfeiçoando gradualmente o modelo analítico, 1 o que refere-se não apenas à abrangência dos campos de atuação do modelo (em relação a estilo, repertório
3 3 e tipo de abordagem), como a questões conceituais, terminológico-simbólicas e a formulação de recursos gráficos especialmente desenvolvidos para solucionar os diversos problemas enfrentados. Embora por óbvias razões de espaço e foco não seja do escopo do presente artigo apresentar uma descrição detalhada do modelo analítico, é importante comentar alguns de seus principais pontos, especialmente aqueles que representam a fundamentação do Sistema Gr. 2 A premissa sobre a qual é baseada toda a pesquisa, em seus múltiplos desdobramentos, estabelece uma hipótese para o processo composicional associado à interação dos princípios da Grundgestalt e da variação progressiva. De acordo com tal hipótese, haveria dois planos simultâneos de ação para o compositor: um concreto e um abstrato. Sobre o primeiro deles desenvolveriam-se os acontecimentos reais (i.e., representados na partitura) introduzidos pela Grundgestalt. Como uma espécie de universo paralelo, o plano abstrato, atemporal e acessível apenas á mente do compositor, comportaria todo o procedimento derivativo, a partir de abstrações das componentes da semente geradora. Consideram-se dois tipos de domínios essenciais para as abstrações-componentes: intervalar (ou seja, sequências de intervalos, ascendentes e/ou descendentes), formando a categoria contorno intervalar (cti) e rítmico (sequências de durações, incluindo pausas eventuais, constituindo a categoria contorno rítmico, ctr). O domínio cti, por sua vez, pode ser ainda traduzido em dois subdomínios envolvendo classes de alturas: de maneira sequencial (categoria contorno melódico, ctm) ou simultânea (categoria acorde, ac). São tais componentes essenciais que formam a base para as inúmeras transformações subsequentes possíveis (via variação progressiva), cujas resultantes são então recombinadas e inseridas no plano concreto, realizando-se como formas-motivo 3 ou, na terminologia do modelo analítico, formas concretas. O exemplo 1 propõe uma esquematização do que foi acima apresentado. Exemplo nº 1. Esquema gráfico do processo composicional hipotético a partir da interação de Grundgestalt e variação progressiva.
4 4 Outro elemento de grande importância para o modelo é o conjunto de operações de transformação, que correspondem, em suma, aos agentes dos procedimentos de variação progressiva. As operações são como funções matemáticas aplicadas sobre as formas abstraídas (relativas a quaisquer dos domínios ou subdomínios acima descritos), de modo a produzir algum tipo de transformação estrutural. As variantes obtidas, por sua vez, tornam-se matrizes para aplicações recursivas de operações. O processo simula uma progressão de mutações genéticas que (pelo menos, em tese) distanciam-se quanto à similaridade das formas abstratas primordiais que lhes deram origem. É possível, assim, a produção de gerações de formas derivadas abstratas (denominadas Grundgestalten-intermediárias), resultando em linhagens consideravelmente extensas e complexas, porém organizadas hierarquicamente (ver exemplo 2). Exemplo nº2. Esquema gráfico do processo de geração de variantes abstratas (círculos) a partir de uma Grundgestalt (Gr) por variação progressiva, através da aplicação de operações de transformação (linhas), considerando três gerações. Nos estudos analíticos realizados foram catalogadas cerca de três dezenas de operações, classificadas de acordo com os domínios de aplicação e com suas capacidades de provocar modificações estruturais mais ou menos acentuadas. O exemplo 3 apresenta a aplicação de algumas das operações do modelo. 4
5 5 Exemplo nº 3. Alguns casos de aplicação de operações de transformação em formas abstratas: (a) domínio ctr; (b) domínio cti. 3. O modelo composicional como sistema formal: o Sistema-Gr O que é uma conveniente hipótese para a criação da metodologia do modelo analítico torna-se ponto de partida para a definição das estratégias construtivas dentro do modelo composicional. Embora seja firmemente baseado nos elementos conceituais e terminológicos que lhe dão origem, apresenta também estreitas afinidades com as teorias dos sistemas formais e com as gramáticas de re-escrita, 5 tomando de empréstimo diversos de seus termos e conceitos. Isso é especialmente favorável, considerando que a formalização do modelo propicia não apenas sua constituição como um sistema, mas também e principalmente a criação de ferramentas computacionais, um dos objetivos mais prementes do atual estágio da pesquisa. 6 O sistema composicional a partir deste ponto denominado Sistema-Gr (de Grundgestalt) toma como ponto inicial a existência de relações isomórficas entre alguns elementos estruturais musicais (alturas, intervalos e durações) e o conjunto dos números inteiros. A maior vantagem que advém de tal correspondência é permitir que os elementos musicais possam ser isolados e manipulados por intermédio de operações aritméticas. 7 A formalização tem início com as seguintes considerações básicas: I é o conjunto dos números inteiros, I = {..., -3, -2, -1, 0, 1, 2, 3,...}. i é o conjunto dos intervalos melódicos simples, i I, i = {-11, -10,..., -1, +1, +2,...,+10, +11}, com a unidade correspondendo, isomorficamente, a um semitom e os sinais positivos e negativos a movimentos, respectivamente, ascendentes e descendentes. a é o conjunto das classes de alturas, a I, a = {0, 1, 2,..., 10, 11}, com seus elementos correspondendo, isomorficamente, à convenção adotada pela Teoria dos Conjuntos de Classes de Alturas (Pitch-Set Class Theory): 8 0 = Dó, 1 = Dó#,... d é o conjunto das durações, d = {..., -2, -1, +1, +2,...}, d I, com a unidade correspondendo, isomorficamente, a uma semicolcheia e os sinais negativos a pausas. 9 A partir disso, os domínios e subdomínios dentro do Sistema-Gr podem ser especificados como se segue:
6 6 contorno intervalar (cti): <ab...n>, 10 {a, b,..., n} i. Um elemento importante a se destacar em um cti (bem como nos demais contornos) é sua cardinalidade (c), correspondendo ao número de elementos que o formam. Ex: < >, c=4 (ver exemplo 4). 11 Exemplo nº4. cti < >. contorno rítmico (ctr): <ab...n>, {a, b,..., n} d. Ex: < >, c=5 (exemplo 5). Exemplo nº5. ctr < >. contorno melódico (ctm): <ab...n>, {a, b,..., n} a. Ex: <0629>, c=4 (exemplo 6). Exemplo nº6. ctm <0629>. acorde (ac): [a;b;...;n], {a, b,..., n} a. Para um ac a cardinalidade será sempre unitária, sendo a soma de seus elementos constituintes denominada densidade (d). Ex: [8;0;1;5], 12 c=1, d=4 (exemplo 7). Exemplo nº7. ac [8;0;1;5]. A próxima etapa do processo consiste em estabelecer correspondências entre alguns dos elementos do modelo analítico e a terminologia empregada para sistemas formais. Sendo assim, a Grundgestalt passa a ser denominada o axioma do sistema, identificada pela letra grega. As demais correspondências são as seguintes:
7 7 Grundgestalten-componentes o conjunto dos axiomascomponentes: + = { A, B,...}. Grundgestalten-abstrações o conjunto dos sub-axiomas, identificados pelos domínios referenciais (i para cti, r para ctr): s ={ A -i, A -r, B -i, B -r,...}. Grundgestalten-intermediárias (variantes) o conjunto dos teoremas abstratos: t = {t A1, t A2,..., t B1, t B2,... }. 13 Operações de transformação o conjunto de regras de produção de teoremas abstratos: RP = {p 1, p 2,...}. Formas concretas o conjunto de Teoremas: T={T 1, T 2,...}. São necessárias ainda as seguintes definições: Alfabeto do Sistema-Gr ( ): corresponde ao conjunto que compreende os seguintes constituintes: o axioma, os axiomascomponentes e os Teoremas. 14 Assim, é possível estabelecer que: = {, +, s, T}. O Sistema-Gr é então o par formado pelo alfabeto e o conjunto das regras de produção: <, RP>. 4. Composição no Sistema-Gr O processo composicional no sistema fundamenta-se em dois importantes conceitos: o coeficiente de similaridade e a curva derivativa. 4.1 Coeficiente de similaridade O coeficiente de similaridade (C s ) é um valor centesimal (entre 0,00 e 1,00) que busca medir o grau de semelhança de uma determinada variante produzida (teorema ou Teorema) em relação a um dos sub-axiomas referenciais (intervalar ou rítmico) que, por definição, apresentam C s unitário. Quanto maior for o coeficiente de similaridade mais intensa será a relação de parentesco entre origem e derivante. Em tese, variações mais distantes na linha do tempo (ou seja, no decorrer das gerações de produção dentro do plano abstrato) possuirão coeficientes de similaridade menores do que aquelas mais próximas do ponto inicial, como mostra o exemplo 8. O coeficiente de similaridade funciona, portanto, como uma espécie de identificador de uma forma produzida dentro do sistema. No plano abstrato, a determinação do C s é dependente da comparação entre os contornos da forma resultante (teorema) e da forma referencial (sub-axioma). No caso do subaxioma intervalar, a comparação é feita a partir de dois aspectos: (a) geral, envolvendo o conceito de classe de contorno (MORRIS, 1987) e (b) específico, no qual as direções e quantidades intervalares são consideradas. O exemplo 9 apresenta a comparação entre os contornos de um dado sub-axioma intervalar e os de alguns dos teoremas produzidos.
8 8 Exemplo nº8. Medição de coeficiente de similaridade de duas variantes (gerações 1 e 3), referente ao exemplo 2. Exemplo nº9. Comparação de contornos intervalares entre sub-axioma (a) e quatro teoremas (b-d)..as classes de contorno indicam o perfil básico da topografia intervalar. No caso do ex.9 (cardinalidade 3), há apenas duas classes possíveis (3-1 e 3-2),
9 9 porém com alternativas distintas de orientação (P e I, como indicam os gráficos ao lado das partituras), o que influencia, obviamente, a percepção da similaridade. Um algoritmo desenvolvido empiricamente para o cálculo do C s procura capturar da maneira mais precisa possível tais características, incluindo diferenças entre contornos de mesma classe e especificação (como o que acontece entre as formas (a) e (d) do exemplo 9) e relações de simetria, como inversão estrita (formas (a) e (b)). Os coeficientes de similaridade das variantes resultam de um conjunto de penalidades referentes ao grau de distanciamento que apresenta em relação ao contorno referencial. Os valores resultantes são apresentados no exemplo. 15 Um algoritmo similar é aplicado no domínio rítmico. Os Teoremas, ao serem inseridos no plano concreto, também precisam ser associados a coeficientes de similaridade. Seu cálculo é, no entanto, bem mais simples, resumindo-se a uma média aritmética dos valores C s das formas abstratas (teoremas) envolvidas (ver exemplo 10). Em última instância, os coeficientes de similaridade dos Teoremas é que são de fato relevantes para o Sistema-Gr, pois referem-se a estruturas musicais concretas. A importância dos valores C s dos teoremas (abstratos) reside justamente em propiciar a formação daqueles. Exemplo nº10. Cálculo do coeficiente de similaridade de um Teorema, a partir do processo de recombinação. 4.2 Curva derivativa O conceito de curva derivativa apresenta duas configurações possíveis: como curva de planejamento e como curva de realização (ou analítica). A curva derivativa de planejamento, associada à fase pré-composicional, estabelece, em essência, o comportamento derivativo do material a ser elaborado, em função de uma forma predeterminada. É plotada em um sistema plano definido por dois eixos ortogonais: no eixo das abcissas (x) posiciona-se a linha do tempo, representada pela segmentação formal. No eixo das ordenadas (y) é disposta a escala centesimal do coeficiente de similaridade. São adotados não valores específicos de C s (já que não é possível um grau de tal precisão neste estágio), mas faixas de comportamento, consideravelmente abrangentes: alta similaridade (C s entre 0,75 e 1,00), média similaridade (0,60-0,74), baixa similaridade/baixo contraste (0,40-0,59), médio contraste (0,25-0,39) e alto
10 10 contraste (0,00-0,24). 16 O exemplo 11 apresenta o planejamento derivativo de uma peça hipotética em forma-sonata. Exemplo nº11. Curva derivativa de planejamento. Como se pode observar, a curva básica determina áreas consideravelmente amplas (os retângulos com lados tracejados) dentro das quais se inserirão, na plotagem da curva analítica, as resultantes (ver mais adiante) dos Teoremas atuantes em cada segmento. 17 Percebe-se, portanto, que o comportamento derivativo do material a ser empregado (i.e., suas relações de similaridade e contraste com a origem) é estabelecido a priori pelo Sistema-Gr. Sendo assim, considerando o segmento Exposição, uma resultante que apresente valor C s igual a 0,77, 0,82 ou 0,95, por exemplo, é válida, porém não no caso de um valor 0,61, pois assim ficaria fora dos limites convencionados. Em outros termos, a curva cria condições para a seleção artificial (no sentido biológicoevolutivo) do material a ser empregado, antes mesmo de ele ter sido criado, o que representa um fator característico do sistema. A escolha do material é, portanto, condicionada a um comportamento derivativo pré-estabelecido. Pela configuração da curva é também possível visualizar um perfil abrangente das correlações de similaridade/contraste entre as seções da peça, resultando numa perspectiva global de tal aspecto. Dependendo do detalhamento intencionado para o planejamento formal, comportando segmentação das seções principais, é aconselhável que o planejamento derivativo seja também estendido às subseções delimitadas, aumentando assim seu grau de precisão. O exemplo 12 apresenta o detalhamento formal da seção Exposição do exemplo 11. As subseções resultantes são associadas às especificações dos comportamentos derivativos de seus respectivos conteúdos (os retângulos escuros dentro do retângulo com lados tracejados).
11 11 Exemplo nº12. Detalhamento da seção Exposição da curva derivativa de planejamento do ex.11. A curva de realização retrata o extremo oposto do processo composicional: do conjunto de estruturas musicais produzidas (ou seja, os Teoremas), o compositor a partir de sua experiência, intenções construtivas e de seu senso de forma seleciona aquelas que lhe pareçam as mais adequadas para cada segmento formal pré-estabelecido, tendo, no entanto, como orientação primordial, os comportamentos derivativos determinados a priori pela curva de planejamento. A curva de realização tem como base um sistema de eixos ortogonais semelhante àquele empregado para a curva de planejamento. Distingue-se, no entanto, pelo fato de que o eixo horizontal, além da forma, passa a apresentar também o tempo da peça, em segundos (assume-se que o detalhamento da estrutura formal nesse estágio já permita sua cronometragem). Além disso, o eixo vertical apresenta não mais as faixas de comportamento derivativo, mas a escala C s, em valores absolutos. A curva de realização consiste na plotagem das resultantes derivativas de cada segmento formal sobre o sistema de eixos. Uma resultante é uma linha horizontal que representa em média (não aritmética) todos os Teoremas atuantes em um determinado segmento. Seu cálculo é realizado a partir da fórmula apresentada no exemplo 13, onde R seg é a resultante derivativa de um segmento formal, C s/ti é o coeficiente de similaridade de um Teorema atuante genérico i (T i, considerando-se a atuação de n Teoremas no segmento), d i é a duração (em segundos) de T i.
12 12 Exemplo nº13. Fórmula de cálculo da resultante derivativa de um segmento formal O exemplo 14a ilustra a aplicação da fórmula da resultante, com uma curva de realização hipotética para a subseção introdutória que consta do planejamento do exemplo 12, considerando-se a seleção de sete Teoremas (T 1 -T 7 ), cada qual com suas respectivas durações em segundos (calculadas a partir do andamento estabelecido) e coeficientes de similaridade (exemplo 14b). Como se percebe, a linha resultante insere-se adequadamente no retângulo préestabelecido pelo planejamento para essa subseção. Exemplo nº14. Realização hipotética do planejamento proposto no exemplo 12 para a subseção Introdução : (a) curva analítica; (b) Teoremas atuantes, com respectivos coeficientes de similaridade e durações em segundos; (c) cálculo da resultante (de acordo com a fórmula do exemplo 13). O mesmo processo é então aplicado aos demais segmentos formais, possibilitando a geração da curva derivativa analítica definitiva. O exemplo 15 apresenta uma possível realização, a partir da curva de planejamento (os retângulos cinza correspondem às áreas delimitadas no exemplo 11).
13 13 Exemplo nº15. Uma possível curva derivativa analítica (definitiva) para a peça hipotética considerada (comparar com os exemplos 11, 12 e 14). Conclusões Embora encontre-se ainda em fase de implementação, passível, portanto, de aperfeiçoamentos, o Sistema-Gr apresenta-se como uma das ramificações mais promissoras do projeto de pesquisa como um todo. É importante acrescentar que o sistema está sendo atualmente aplicado como estratégia composicional em disciplina sob minha orientação da grade do curso de Mestrado (área de Composição) do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os resultados obtidos nos trabalhos discentes têm-se mostrado bastante satisfatórios, constituindo um ótimo teste prático dos elementos conceituais desenvolvidos pelo modelo. Acrescente-se que, a despeito do que possa parecer a princípio, o Sistema-Gr é consideravelmente flexível, pois não apresenta coerções composicionais, a não ser a orientação prévia de seleção do comportamento derivativo. A partir disso, o processo de criação transcorre da maneira convencional: o compositor, a cada momento, faz suas escolhas diante das alternativas disponíveis. Ainda que subordinadas aos coeficientes de similaridade, as possibilidades de produção de Teoremas são em tão grande número que as opções tornam-se virtualmente infinitas. Ou seja, as melhores composições serão aquelas que resultarem de escolhas no equilíbrio entre forma e conteúdo, como em qualquer outro sistema.
14 14 Como etapas futuras do projeto, além da constante busca pelo refinamento dos processos quantitativos estabelecidos empiricamente (como, por exemplo, para os cálculos de penalidades visando o estabelecimento dos coeficientes de similaridade dos teoremas) e por tornar o sistema cada vez mais consistente e robusto, duas novas e interessantes perspectivas se vislumbram: (a) a adaptação do método para a composição de música para cinema e para arranjos em música popular (áreas nas quais a extração de variantes de ideias básicas e seu emprego de maneira econômica são especialmente importantes); (b) a pesquisa para a composição integralmente via computador, a partir de um planejamento estabelecido, o que também pode ser associado a pesquisas do campo da inteligência artificial ligada a aspectos musicais, campo este bastante profícuo atualmente. Referências ALMADA, Carlos de L. Simbologia e hereditariedade na formação de uma Grundgestalt: a primeira das Quatro Canções Op.2 de Berg. PerMusi, Belo Horizonte, vol.26, p (no prelo). Aplicações composicionais de um modelo analítico para variação progressiva e Grundgestalt. Opus, Goiânia, v. 18, n. 1, 2012a (no prelo).. A estrutura derivativa e suas contribuições para a análise e para a composição musical. In: ENCONTRO DE MUSICOLOGIA DE RIBEIRÃO PRETO, IV, 2012, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: EDUSP, 2012b (no prelo).. Derivação temática a partir da Grundgestalt da Sonata para Piano op.1, de Alban Berg. In: II ENCONTRO INTERNACIONAL DE TEORIA E ANÁLISE MUSICAL. Anais... São Paulo: UNESP-USP-UNICAMP, 2011a, p A Variação Progressiva aplicada na geração de ideias temáticas. In: In: II SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE MUSICOLOGIA. Anais... Rio de Janeiro: UFRJ, 2011b (no prelo). BARRETO, Jorge M. Sistemas formais. Texto do curso Teoria da Computação, Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: Acesso em: 7/9/2012. FORTE, Allen. The structure of atonal music. New Haven: Yale University Press, HOFSTADTER, Douglas R. Gödel, Escher, Bach: An eternal golden braid. Nova Iorque: Basic Books, JANOS, Michel. Matemática e natureza. São Paulo: Livraria da Física, LOURENÇO, Bruno F. etal. L-Systems, scores, and evolutionary technics. In: 6 TH SOUND AND MUSIC COMPUTING CONFERENCE. Porto (Portugal), 2009, p McCORMACK, John. Grammar based music composition. Computer Science Department. Monah University, Clayton Victoria (Austrália). Disponível em: Acesso em: 20/8/2012. MORRIS, Robert D. Composition with pitch-classes: A theory of compositional design. New Haven: Yale University Press, 1987.
15 15 PRUSINKIEWICZ, Przemyslaw & LINDENMAYER, Aristid. The algorithmic beauty of plants. Nova Iorque: Springer-Verlag, SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da composição musical. (Eduardo Seicmann, trad.) São Paulo: EDUSP, WORTH, Peter & STEPNEY, Susan. Growing music: musical interpretation of L-System. Department of Computer Science, University of York, Inglaterra. Disponível em: <www-users.cs.york.ac.uk/susan/bib/ss/nonstd/eurogp05.pdf> Acesso em: 15/4/2012 Sobre o autor Carlos Almada é professor adjunto da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atuando como docente nos níveis de graduação e pós-graduação. É doutor e mestre em Música pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), ambos os cursos com pesquisas voltadas para análises estruturais da Primeira Sinfonia de Câmara op.9, de Arnold Schoenberg. É compositor, com diversas obras apresentadas em edições da Bienal de Música Brasileira Contemporânea, bem como registradas em CD s pela gravadora Ethos Brasil. Atua também na música popular como arranjador, com inúmeros trabalhos gravados recentemente. É pesquisador, com vários artigos publicados em periódicos acadêmicos, tendo apresentado comunicações nos quatro últimos congressos da ANPPOM, a partir de suas pesquisas. É autor dos livros Arranjo (Editora da Unicamp, 2001), A estrutura do choro (Da Fonseca, 2006) e Harmonia funcional (Editora da Unicamp, 2009), bem como coautor de uma série de 12 livros sobre música popular brasileira, publicados entre 1998 e 2010 pela editora americana MelBay. 1 ALMADA (2013, 2012a, 2012b, 2011a e 2011b). 2 Para maiores detalhes sobre a constituição do modelo analítico, ver ALMADA (2012a). 3 Originalmente, motive-forms, termo cunhado por Schoenberg para definir variantes com implicações estruturais (SCHOENBERG, 1991, p.36). 4 Por motivos de simplicidade, são listadas no exemplo apenas operações ditas abrangentes. É possível ainda considerar (principalmente sob a perspectiva do modelo composicional) a existência de operações seletivas (i.e., aquelas aplicadas a apenas um dos elementos de uma forma abstrata referencial), a partir de regras pré-determinadas, sejam elas baseadas em probabilidade ou em condições contextuais. 5 Para sistemas formais, ver HOFSTADTER (1999) e BARRETO (2012). Para processos de reescrita a partir de gramáticas construídas com a aplicação de algoritmos (como nos sistemas- L), ver PRUSINKIEWICZ & LINDENMAYER (1996), JANOS (2009), LOURENÇO (2009), McCORMACK (2012) e WORTH & STEPNEY (2012). 6 Um software para produção de variantes a partir de uma dada Grundgestalt está atualmente em fase de testes e será tema de um artigo futuro. 7 É preciso dizer, no entanto, que tal isomorfismo também faz parte da constituição do modelo analítico, contudo, com finalidades puramente descritivas, prescindindo do processo de formalização, a seguir descrito. Acrescente-se que, em relação ao original, algumas modificações foram realizadas, resultantes de refinamentos efetuados. 8 Ver FORTE (1973).
16 16 9 Observe-se que, por definição, o número zero não faz parte dos conjuntos i e d, pelo fato de ser inconcebível a existência intervalos ou durações nulos. 10 Os colchetes angulados < > indicam que os elementos neles formam um conjunto ordenado. 11 Observe-se que a cardinalidade c de um cti corresponde a um número c+1 de alturas, já que a medida de um intervalo pressupõe um ponto inicial. Este fato implica a necessidade de tradução de cti s em ctm s (cuja cardinalidade é igual ao número de elementos), de modo que possa existir compatibilidade na recombinação com contornos rítmicos (ctr s). 12 Os colchetes [ ] e a separação dos elementos por ponto-e-vírgula indicam simultaneidade. Por convenção, adota-se na notação o sentido esquerda-direita como correspondência isomórfica para grave-agudo. Observe-se ainda que para a correta construção dos subdomínios ctm e ac é necessário levar-se em conta as direções intervalares determinadas pelo cti referencial, ao qual estão subordinados. 13 Uma importante distinção que surge entre o Sistema-Gr e o modelo analítico que lhe deu origem é o fato de que a precisa identificação da geração na qual foi produzido a variante (ou teorema abstrato, no caso do sistema), imprescindível na análise derivativa, passa a ser irrelevante, pois os teoremas abstratos são apenas elementos transitórios no processo, como ficará evidente mais adiante. 14 Tanto os sub-axiomas quanto os teoremas abstratos ficam de fora do alfabeto, por consistirem em um mero estágio intermediário (dentro do plano abstrato) para a produção dos Teoremas definitivos (formas concretas). 15 Por motivo de simplicidade, o detalhamento do algoritmo não é aqui apresentado. É importante acrescentar que, tendo sido obtido pelo método empírico de tentativa e erro, o processo ainda não está consolidado, sendo, portanto, passível de aperfeiçoamentos, em busca da minimização de discrepâncias e incongruências de resultados. 16 Valores obtidos empiricamente. A rigor, os extremos deveriam ser excluídos das faixas, pois são reservados para situações bem específicas: identidade (C s =1,00) e contraste absoluto (0,00). 17 Pode-se, na verdade, considerar que as alturas dos retângulos são diretamente proporcionais às extensões formais a quais estão associados: quanto menor for o território a ser coberto, mais estreita deve ser a faixa de similaridade planejada.
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