POTÊNCIA CIRCULATÓRIA - MARCADOR PROGNÓSTICO NÃO-INVASIVO EM PACIENTES COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
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- Bernadete Leveck Cavalheiro
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1 65 POTÊNCIA CIRCULATÓRIA - MARCADOR PROGNÓSTICO NÃO-INVASIVO EM PACIENTES COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA Henrique Güths Resumo A busca incessante pelo melhor marcador de prognóstico para pacientes com insuficiência cardíaca tem como principais objetivos aperfeiçoar estratégias terapêuticas, entender mecanismos fisiopatológicos determinantes na evolução da doença e, como resultado disso, buscar uma melhor qualidade de vida. Potência circulatória é um marcador do inotropismo cardíaco central, mensurado de forma não-invasiva, mediante o produto do VO 2 de pico pela pressão arterial sistólica no pico do exercício. Palavras-chave Insuficiência cardíaca, potência circulatória, índice prognóstico, qualidade de vida. Abstract The incessant search for an optimum marker of prognostic for patients with heart failure has as its main objective to improve and to perfect therapeutic strategies, to understand physiological and pathological mechanisms in the evolution of the illness and, as a result, better quality of life. A new variable was derived from a cardiopulmonary exercise test, the circulatory power, a surrogate of cardiac power, at peak exercise, in patients with chronic heart failure. It can give further prognostic power to a peak VO 2 in the assessment of patients with congestive heart failure.
2 66 Keywords chronic heart failure, circulatory power, prognosis, quality of life. INTRODUÇÃO Há mais de 50 anos, são utilizadas técnicas invasivas de avaliação hemodinâmica tais como o débito cardíaco, potência ventricular, relações pressãovolume e sua relação com a mortalidade para predizer a função cardíaca. Apesar de não oferecerem facilidade na metodologia aplicada, novas técnicas nãoinvasivas foram sendo desenvolvidas, mediante modelos matemáticos, para poder predizer substitutos não-invasivos das variáveis hemodinâmicas e índices de mortalidade em pacientes com Insuficiência Cardíaca (IC) (COHEN-SOLAL et al., 1995). Muitos estudos têm demonstrado que o V 2 de pico é utilizado como padrão ouro para estratificação de risco para transplante cardíaco e como marcador de prognóstico em pacientes com IC (MANCINI et al., 1995; HUGES et al., 1999; DAGANOU et al., 1999; NANAS et al., 1999). Entretanto, tal procedimento está sendo modificado devido a um subgrupo de pacientes com o VO 2 de pico muito diminuído em quem esse marcador específico perde seu valor prognóstico (RIBEIRO et al., 1987; MANCINI et al., 1991; CLARK e COATS, 1994;). Além disso, estudos com avaliações hemodinâmicas por métodos invasivos, durante o exercício, têm mostrado que essas variáveis possuem maior valor prognóstico que o VO2 de pico (REID e SMARAI, 1995; KOIKE et al., 1995; GOS- SENLINK et al., 1997). O desenvolvimento de um índice substituto e não-invasivo, denominado potência circulatória, calculado a partir do produto do consumo de oxigênio (VO 2 ) de pico pela Pressão Arterial Sistólica (PAS) no pico do exercício, traz aplicabili-
3 67 dade para a prática clínica com alto poder prognóstico. Esse índice reflete o inotropismo cardíaco central mensurado de forma não-invasiva e está sendo utilizado como marcador de prognóstico promissor (COHEN-SOLAL et al., 1995). Devido à facilidade de mensuração desse marcador de forma não-invasiva, a abrangência de tal recurso é colocada à disposição de laboratórios, clínicas e centros de reabilitação com poucos recursos. A possibilidade de mensurar a potência circulatória irá refletir, na prática clínica, melhores estratégias terapêuticas que visam à qualidade de vida desses pacientes. FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO Durante o exercício dinâmico, os músculos são ativamente contraídos e desenvolvem força que é transformada em movimento e trabalho. Isso é acompanhado por um aumento no consumo de oxigênio, na medida em que o oxigênio é captado pela artéria pulmonar e transportado aos músculos em exercício (DEGROOTE et al., 1996). Em indivíduos sedentários, durante o exercício, o consumo de oxigênio máximo pode aumentar em 12 vezes ao valor consumido em repouso, diferentemente de indivíduos treinados, quando o consumo pode ser elevado em até 18 vezes comparado com o consumido em repouso. Entretanto, em qualquer indivíduo, o consumo máximo de oxigênio depende da integração das respostas dos sistemas cardíaco, metabólico, vascular e respiratório. Ou seja, o aumento do oxigênio requisitado pelos músculos em exercício acontece pelo aumento do débito cardíaco e da extração de oxigênio do sangue arterial pelo músculo esquelético, promovendo um aumento na diferença artério-venosa de oxigênio (DEGROOTE et al., 1996). A capacidade do coração em aumentar o débito cardíaco apropriadamente ao aumento do consumo de oxigênio em qualquer nível de exercício é
4 68 conhecida pela habilidade de aumento da freqüência cardíaca do que pelo volume sistólico em resposta à ação simpática. O aumento da necessidade metabólica pelos músculos é acompanhado por uma troca da utilização dos ácidos graxos livres em repouso, pela quebra acelerada das reservas de glicogênio muscular e ênfase no consumo da glicose sanguínea, suprida pelo aumento da gliconeogenese hepática (DEGROOTE et al., 1996). Devido ao metabolismo dos carboidratos produzir mais dióxido de carbono que o metabolismo das gorduras, o quociente respiratório (relação da produção de CO 2 pelo consumo de O 2 = R) eleva-se de 0,7 quando em repouso para valores em torno de 1,0 durante o exercício. A oferta de sangue oxigenado e suprido de glicose aos músculos em exercício é realçada na presença do endotélio normal. A redução da resistência vascular dos músculos esqueléticos mediada pelos produtos do metabolismo e pela vasoconstrição mediada pelo sistema simpático em locais não exercitados gera redistribuição de fluxo sanguíneo (DEGROOTE et al., 1996). Durante o exercício progressivo, é necessário que o sistema respiratório aumente o consumo de oxigênio através do incremento da ventilação minuto numa relação linear. Quando o nível de exercício for alcançado até o ponto em que o oxigênio circulante é insuficiente para a necessidade do músculo em exercício, o metabolismo anaeróbio gera uma acidose metabólica, levando a um aumento do quociente respiratório para valores superiores a 1,0 e, desse modo, força a ventilação minuto a níveis desproporcionais do consumo de oxigênio. Nesse nível, o acúmulo de íons hidrogênio geralmente causa fraqueza muscular, dor e fadiga da muscular ventilatória, levando o indivíduo à exaustão e cessação do exercício (DEGROOTE et al., 1996).
5 69 AVALIAÇÃO HEMODINÂMICA INVASIVA DURANTE O EXERCÍCIO A avaliação hemodinâmica invasiva tem sido, há muito tempo, utilizada particularmente para avaliação de doença valvular e miocardiopatia, porém pode ser utilizada também para estudar a integração das respostas fisiológicas do sistema cardiovascular ao estresse. O estado de contratilidade ventricular é mais efetivamente avaliado pelos índices invasivos derivados das curvas de relação pressão-volume como a relação pressão-volume sistólica final, trabalho sistólico ou dp/dtmax., relação volume diastólico final ou relação de estresse póscarga-fração de ejeção obtidos pela avaliação das variáveis da função de bomba cardíaca, tornando o índice, chamado de potência ventricular máxima, mais específico para mudanças no estado de contratilidade (COHEN-SOLAL et al., 1995). Esse índice corresponde à fase de ejeção ventricular que ocorre logo após o início do fluxo aórtico quando as pressões da artéria central e ventricular são iguais. Dessa forma, na ausência de doença valvular aórtica, a pressão arterial central pode substituir a pressão ventricular para determinar a potência. Entretanto, a sensibilidade a modificações na pós-carga é precária e, assim, desenvolveu-se outro índice, dividindo a potência ventricular máxima pelo volume diastólico final ao quadrado, obtendo-se um índice de contratilidade carga-independente, melhor que o anterior e mais sensível a mudanças inotrópicas. Durante muito tempo, a potência cardíaca (potente índice da função sistólica cardíaca) foi utilizada como preditora de prognóstico e, durante o exercício, para avaliar a capacidade da bomba cardíaca. Recentemente sugeriu-se que é possível avaliar a Potência Cardíaca não-invasivamente durante o exercício, usando o método de re-inalação do CO 2 para avaliar o Débito Cardíaco (DC) durante o exercício (DEGROOTE et al., 1996).
6 70 POTÊNCIA CIRCULATÓRIA A potência circulatória de pico é preditora independente de mortalidade em pacientes com IC, podendo ser avaliada não-invasivamente durante o exercício máximo. Isso, devido ao triplo produto do DC X PAS X Diferença artériovenosa de Oxigênio (diferença (a-v)o 2 ). Dessa forma, pode ser assumida como reflexo da potência cardíaca no pico do exercício, dado que é verdadeiro somente se a diferença (a-v)o 2 não for muito diferente no pico do exercício e a Pressão Arterial Média (PAM) e a PAS aumentarem em paralelo durante o exercício. Considerando a diferença (a-v)o 2, alguns pacientes podem ter o conteúdo arterial de oxigênio reduzido ou captarem pouco oxigênio no pico do exercício, mostrando que a diferença (a-v)o 2 varia menos que o DC entre alguns pacientes com ICC, embora a PAM e a PAS não variem em paralelo durante o exercício desses pacientes (COHEN-SOLAL et al., 1995). A resposta reduzida da diferença (a-v)o 2 (devida a valores elevados em repouso) associa-se a uma pior reserva hemodinâmica e pior desfecho cardiovascular. Estudos têm demonstrado que a diferença (a-v)o 2 varia menos que o DC no pico do exercício em pacientes com ICC (12). O trabalho sistólico circulatório no pico do exercício foi considerado de menor valor prognóstico que a potência circulatória. Isso não surpreende porque o trabalho sistólico circulatório equivale ao produto do pulso de oxigênio e a PAS, demonstrando que o valor prognóstico do pulso de oxigênio no pico do exercício é menor que o VO 2 pico em pacientes com ICC, provavelmente porque a resposta do VO 2 integra a resposta da Freqüência Cardíaca (FC). De forma similar, a potência circulatória integra a resposta cronotrópica, portanto suporta-se o uso da potência circulatória nestes pacientes (COHEN-SOLAL et al., 1995). No modelo de análise multivariada, quando o VO 2 pico foi forçado a entrar, somente a PAS permaneceu como variável independente preditora de
7 71 desfecho, confirmando a hipótese de que a combinação do VO 2 pico com a resposta pressórica fortalece o valor prognóstico do teste cardiopulmonar, especialmente em um subgrupo de pacientes com valor do VO 2 pico e resposta pressórica muito baixos (COHEN-SOLAL et al., 1995). CONCLUSÃO Quando comparamos a aplicabilidade, a segurança e a rotina entre a potência cardíaca e a potência circulatória, deparamo-nos com situações favoráveis à potência circulatória. A realidade de se realizar um teste máximo de potência cardíaca com medidas invasivas é questionável na prática clínica ou ambulatorial. Além disso, existe a dificuldade de se manter essa rotina, em centros de ergoespirometria, devido à segurança de realizar tal tipo de teste, de forma invasiva, em um delicado grupo de pacientes. Portanto, a Potência Circulatória não deve ser considerada um substituto perfeito da Potência Cardíaca, mas como um novo índice global para ser incorporado à avaliação de prognóstico e desfecho em pacientes com ICC. Em adição, a Potência Cardíaca é mensurada somente em exercícios submáximos, ao contrário da Potência Circulatória que pode ser avaliada em exercícios máximos, de fácil aplicabilidade e determinação. Por se tratar de uma metodologia não-invasiva, a Potência Circulatória oferece menos riscos aos pacientes, podendo o teste de esforço atingir cargas máximas; como índice de fácil obtenção e baixo custo, isso favorece sua utilização na rotina de avaliação durante o teste cardiopulmonar. Tudo isso permite que centros de avaliação cardiopulmonar que utilizam a ergoespirometria de rotina incluam em seus protocolos de avaliação a Potência Circulatória, favorecendo uma melhor estratégia terapêutica e contribuindo para uma melhor oferta da qualidade de vida.
8 72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CLARK A.L. e COATS A.J. Mechanism of exercise intolerance in cardiac failure: abnormalities of skeletal muscle and pulmonary function. Curr Opin Cardiol. n. 9, p , COHEN-SOLAL A. et al. Prolonged kinetics of recovery of oxygen consumption after maximal graded exercise in patients with chronic heart failure: analysis with gas exchange measurements and NMR spectroscopy. Circulation. n. 91, p , DAGANOU M. et al. Pulmonary function and respiratory strength in chronic heart failure: comparison between ischaemic and idiophatic dilated cardiomyopathy. Heart. n. 81, p , DEGROOTE P. et al. Kinetics of oxygen consumption during and after exercise in patients with dilated cardiomyopathy. New markers of exercise intolerance with clinical implications. J Am Coll Cardiol. n. 28, p , GOSSENLINK R. et al. Exercise training in COPD patients: the basic question. Eur Respir J. n. 10, p , HUGES P.D. et al. Diaphragm strength in chronic heart failure. Am J Crit Care Med. n. 160, p , KOIKE A. et al. Evaluation of exercise capacity using submaximal exercise at a Constant work rate in patients with cardiovascular disease. Circulation. n. 91, p , MANCINI D. et al. Demonstration of respiratory muscle deoxigenation during exercise in patients with heart failure. J Am Coll Cardiol. n. 18, p , MANCINI D.M. et al. Benefit of seletive respiratory muscle training on exercise capacity in patients with chronic congestive heart failure. Circulation. n. 91, p , NANAS S. et al. Respiratory muscles performance is related to oxygen kinetics during maximal exercise and early recovery in patients with congestive heart failure. Circulation. n. 100, p , 1999.
9 73 REID W.D. e SMARAI B. Respiratory muscle training for patients with chronic obstructive pulmonary disease. Phys Ther. n. 75, p , RIBEIRO J.P. et al. Periodic Breathing during exercise in severe heart failure. Chest. n. 92, p , 1987.
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