O mercado de câmbio brasileiro, no primeiro bimestre de 2014 Grupo de Economia / Fundap O ano de 2014 começou com um clima bem agitado nos mercados financeiros internacionais, com o anúncio feito pelo banco central estadunidense (o Federal Reserve, Fed), na reunião de 18 de dezembro, de que o tapering seria deslanchado em janeiro. Como era esperado pelos mercados, o movimento de desmontagem da política de afrouxamento quantitativo (o quantitative easing, QE) foi gradual, com uma redução do programa de compra de ativos de US$ 85 bilhões para US$ 75 bilhões, em janeiro. Embora inicialmente tenha assumido esse ritmo suave de US$ 10 bilhões, mantido também em fevereiro, o tapering e a divulgação de indicadores desfavoráveis sobre o desempenho da economia chinesa desencadearam, na última semana de janeiro, uma nova fase de turbulência nos mercados cambiais de algumas economias emergentes. Além da Argentina, em crise cambial aberta, também foram especialmente atingidos a Turquia, a África do Sul, a Índia, a Indonésia e o Brasil. O grupo logo passou a ser denominado, pela imprensa especializada, de os cinco frágeis (fragile five), após um estudo do banco Morgan Stanley, divulgado em agosto de 2013, que apontou esses países como os mais vulneráveis ao então provável início da normalização da política monetária estadunidense, devido aos elevados déficits em transações correntes, altas taxas de inflação e desaceleração do crescimento (MORGAN STANLEY, 2013). A resposta, no final de janeiro, dos governos turco, indiano, indonésio e sul-africano, aos ataques especulativos contras suas moedas, foi o aperto da política monetária, o que contribuiu para acalmar os ânimos dos investidores internacionais, em fevereiro. No caso do Brasil, esse aperto já tinha se iniciado em abril de 2013. No primeiro bimestre de 2014, o Banco Central do conjuntura econômica em foco 5
Brasil (BCB) somente deu continuidade à nova fase de alta da meta da taxa de juros básica, que passou de 10%, em dezembro de 2013, para 10,75%, em fevereiro (resultante dos aumentos de 0,5 p.p. e 0,25 p.p., decididos, respectivamente, nas reuniões de janeiro e fevereiro). Consequentemente, o diferencial de juros brasileiro 1, considerado o mais elevado no âmbito das principais economias emergentes, seguiu em alta, atingindo 8,8% em fevereiro, contra o de 5,4%, da Indonésia, e o de 3,2%, da África do Sul (e os percentuais ainda mais baixos, dos demais países selecionados; Gráfico 1). Gráfico 1. Países selecionados: diferencial de juros (de jan./2012 a fev./2014) 10,0% 8,8% 8,0% 6,0% 5,9% 5,4% 4,0% 3,2% 2,0% 0,0% jan/12 fev/12 mar/12 abr/12 mai/12 jun/12 jul/12 ago/12 set/12 out/12 nov/12 dez/12 jan/13 fev/13 mar/13 abr/13 mai/13 jun/13 jul/13 ago/13 set/13 out/13 nov/13 dez/13 jan/14 fev/14 Brasil Coreia do Sul Tailândia Turquia Indonésia África do Sul México Peru Fonte: BCB e Bloomberg. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. Esse diferencial de juros excepcional estimulou o ingresso de investimentos de portfólio em títulos públicos e contribuiu, decisivamente, para a menor depreciação do real, em janeiro (%), em relação tanto ao observado nas várias economias emergentes no mesmo período, como à depreciação registrada pela moeda brasileira entre 22/5/2013 e 30/8/2013 (de 14%), quando a sinalização do Fed, de que o tapering poderia se iniciar ainda em 2013, desencadeou uma realocação dos portfólios dos investidores globais em direção aos títulos de longo prazo do governo estadunidense e, simultaneamente, à liquidação de posições em ativos e moedas dessas economias (Gráfico 2). Vale destacar, igualmente, a maior duração da trajetória de depreciação do real no movimento de fuga para a qualidade, em 2013 desencadeado pela mera ameaça de antecipação do tapering, na comparação com o observado no primeiro bimestre de 2014, quando o tapering tornou-se uma realidade. Enquanto, no primeiro período, a taxa de câmbio do real traçou uma trajetória altista de forma praticamente ininterrupta ao longo de três meses (passando de R$/US$ 2,03, no final de maio, para R$/US$ 5, no final de agosto), o início da desmontagem da política de afrouxamento quantitativo pelo Fed, na terceira semana de janeiro, provocou uma leve elevação dessa taxa (do patamar de R$/US$ 2,33, em 20 de janeiro, para R$/US$ 2, em 28 do mesmo mês), que se reverteu ao longo de fevereiro. Considerando o acumulado do primeiro bimestre do ano, o real registrou, inclusive, uma ligeira apreciação (de 1%; ver Gráficos 2 e 3). (1) O diferencial de juros equivale à diferença entre a taxa de juros básica de cada país e a soma da taxa de juros básica dos Estados Unidos com o prêmio do Credit Default Swap de cinco anos de cada país (medida do risco-país). 6 conjuntura econômica em foco
Gráfico 2. Países selecionados: variação das taxas de câmbio. jan./14 jan.- fev./14 25,0 23,0 22/5/13 a 30/8/13 Argentina Africa do Sul Japão Indonésia Índia Brasil Turquia Uruguai Rússia Colômbia Malásia Peru Euro Filipinas Canadá Nova Zelândia Tailândia Noruega Taiwan Vietnã Chile Ucrânia Cingapura Bolívia Hong Kong Paraguai Inglaterra Suiça Rep. Tcheca China Hungria México Bulgária Romênia Coreia Israel Polônia Suécia Austrália - - -0,7-1,6-1,8-2,3-3,2-3,6-3,8-4,0-4,5-4,9-5,7-5,9-7,6-9,3 14,1 10,6 10,3 6,5 5,8 5,2 5,0 4,2 3,3 3,2 1,0 0,9 26,9 23,4 22,8 22,3 19,6 20,7 20,8 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0-5,0 7,1 3,9 6,8 9,8 6,0 2,5 5,7 6,4 5,0 2,7 4,8 6,4 4,8 6,4 4,8 4,2 4,6 4,3-0,3 3,3-1,2 2,9 0,5 2,7 2,6-0,5 1,6 2,3 0,7-3,2-1,0 2,0-0,2 1,9-0,4 1,7-0,5 1,7 1,7 1,6-0,5 1,1 0,4 1,0-1,0-0,4 0,9 0,0-4,6 0,3 1,5 0,0-0,2-0,3 - -0,7 1,1-1,5-1,9 0,4-1,9-3,1-3,3-10,0 Argentina Hungria Rússia Africa do Sul Chile Turquia Colômbia Uruguai Canadá Ucrânia Polônia Noruega Romênia Coreia Rep. Tcheca México Filipinas Paraguai Brasil Malásia Bulgária Suécia Taiwan Suíça Israel Cingapura Índia Tailândia Peru Indonésia Hong Kong China Bolívia Vietnã Inglaterra Nova Zelândia Euro Austrália Japão Fonte: Bloomberg. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. Nota: (+) Desvalorização; (-) Valorização Gráfico 3. Taxa de câmbio (em R$/US$) 2,5 5 2,39 2 2,3 5 2,33 2,33 2,16 2,1 2,0 2,03 1,9 1,8 01-fev-13 09-fev-13 17-fev-13 25-fev-13 05-mar -13 13-mar -13 21-mar -13 29-mar -13 06-abr-13 14-abr-13 22-abr-13 30-abr-13 08-mai-13 16-mai-13 24-mai-13 01-jun -13 09-jun -13 17-jun -13 25-jun -13 03-jul-13 11-jul-13 19-jul-13 27-jul-13 04-ago-13 12-ago-13 20-ago-13 28-ago-13 05-set-13 13-set-13 21-set-13 29-set-13 07-out -13 15-out -13 23-out -13 31-out -13 08-nov -13 16-nov -13 24-nov -13 02-dez-13 10-dez-13 18-dez-13 26-dez-13 03-jan-14 11-jan-14 19-jan-14 27-jan-14 04-fev-14 12-fev-14 20-fev-14 28-fev-14 Fonte: Banco Central do Brasil (BCB). Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. conjuntura econômica em foco 7
Além do maior diferencial de juros, três fatores explicam o melhor desempenho da moeda brasileira comparativamente ao das demais moedas emergentes no primeiro bimestre de 2014, bem como ao seu próprio desempenho no trimestre junho-agosto de 2013. O primeiro fator refere-se à característica do mercado de câmbio brasileiro: a existência de um segmento futuro (contratos negociados na BM&FBovespa) líquido e totalmente aberto para investidores estrangeiros, que se contrapõe a um mercado à vista com grau bem menor de liquidez. Essa característica torna a trajetória da taxa de câmbio brasileira estreitamente vinculada às negociações nesse segmento. Tal como mostra o Gráfico 4, em reação à expectativa de mudança na política monetária americana, os investidores estrangeiros (principal grupo de investidor nesse segmento) inverteram sua posição líquida em contratos futuros de dólares, que passou, no final de maio de 2013, de liquidamente vendida (valores negativos, que significam uma aposta na depreciação do dólar, que lucra com a apreciação do real) para liquidamente comprada, a partir do início de junho (valores positivos, que significam uma aposta na apreciação do dólar americano, que lucra com a depreciação do real). O início efetivo do tapering resultou numa elevação adicional da posição líquida comprada que, após atingir o recorde de 305 mil contratos 2, no dia 24 de janeiro, recuou para 164 mil, no final de fevereiro. Ou seja, grande parte do ajuste das posições dos investidores estrangeiros no mercado futuro de câmbio já havia ocorrido antes do início efetivo do tapering. Gráfico 4. Posições líquidas dos investidores em contratos futuros de US$ (em mil contratos 1 ) 400 300 200 232 306 164 100 0-100 -200-300 -400-500 -600 4/1/2013 14/1/2013 24/1/2013 3/2/2013 13/2/2013 23/2/2013 5/3/2013 15/3/2013 25/3/2013 4/4/2013 14/4/2013 24/4/2013 4/5/2013 14/5/2013 24/5/2013 3/6/2013 13/6/2013 23/6/2013 3/7/2013 13/7/2013 23/7/2013 2/8/2013 12/8/2013 22/8/2013 1/9/2013 11/9/2013 21/9/2013 1/10/2013 11/10/2013 21/10/2013 31/10/2013 10/11/2013 20/11/2013 30/11/2013 10/12/2013 20/12/2013 30/12/2013 9/1/2014 19/1/2014 29/1/2014 8/2/2014 18/2/2014 Bancos Inv. Não Residente Invest. Institucional Nacional Pessoa Jurídica Não Financeira Fonte: BM&FBovespa. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. (1) Valor de cada contrato: US$ 50 mil. O segundo fator diz respeito ao clima de pessimismo verificado nos mercados doméstico e externo em relação ao desempenho macroeconômico do Brasil (sobretudo devido à deterioração das contas fiscais e externas), o qual sofreu uma distensão em fevereiro, após o anúncio, pelo governo federal, da meta fiscal para 2014, considerada crível e realista pelo mercado. Nesse contexto, reduziram-se as apostas em prol da depreciação da moeda brasileira (ver Gráfico 3). O terceiro fator foram as tensões políticas havidas em outros países (Argentina, Venezuela e Ucrânia), que os tornaram alvos privilegiados dos ataques especulativos de investidores externos. O papel central da dinâmica do mercado futuro de câmbio na trajetória da taxa de câmbio R$/ US$ fica ainda mais evidente quando o desempenho do mercado à vista é incluído na análise. Em (2) Cada contrato de dólar futuro na BM&FBovespa vale US$ 50 mil. Assim, as apostas naquele momento totalizavam US$ 15,2 bilhões. 8 conjuntura econômica em foco
fevereiro, o movimento de câmbio contratado foi negativo em US$ 1,86 bilhão, em função do déficit nas operações comerciais (em mais de US$ 2 bilhões), resultado que não se traduziu em depreciação cambial, como seria de se esperar (Gráfico 5). Gráfico 5. Movimento de câmbio contratado (em US$ milhões) 18.000 13.000 8.000 3.000-2.000-7.000-12.000 jan/13 fev/13 mar/13 abr/13 mai/13 jun/13 jul/13 ago/13 set/13 out/13 nov/13 dez/13 jan/14 fev/14 Saldo Financeiro Comercial Fonte: Banco Central do Brasil (BCB). Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. Num regime cambial de flutuação suja, como o vigente no Brasil desde janeiro de 1999, déficits no mercado de câmbio à vista podem ser financiados pela venda de divisas pelo BCB a partir das reservas internacionais ou pela variação da posição cambial dos bancos com carteira de câmbio. Como em fevereiro o BCB manteve sua estratégia de não realizar intervenções de dólar pronto (vigente desde 2012), foi a ampliação da posição vendida dessas instituições que supriu o excesso de demanda por dólares à vista (Gráfico 6). Gráfico 6. Mercado de câmbio à vista (em US$ milhões) 13.000 10.000 7.000 4.000 1.000-2.000-5.000-8.000-11.000-9 577-14.000-12 289-17.000-20.000-16 593-18 124 jan/14 dez/13 nov/13 out/13 set/13 ago/13 jul/13 jun/13 mai/13 abr/13 mar/13 fev/13 jan/13 saldo do movimento de câmbio Posição dos bancos - vendida Intervenções BCB - linhas de recompra Posição dos bancos - comprada Intervenções BCB - Pronto Fonte: Banco Central do Brasil (BCB). Elaboração: Grupo de Economia / Fundap. Se, nos próximos meses, o ritmo do tapering se mantiver suave e se não surgir nenhuma surpresa negativa em relação à economia chinesa e ao desempenho macroeconômico doméstico (sobretudo relacionado à inflação e às contas fiscais e externas), nosso excepcional diferencial de conjuntura econômica em foco 9
juros deve seguir atuando no sentido de evitar depreciações adicionais da moeda brasileira o que comprometeria ainda mais a eficácia da política de metas de inflação. Isso porque, além de atrair aplicações de não residentes no mercado de dívida pública (contribuindo para o ingresso de divisas), esse diferencial também estimula a formação de posições líquidas vendidas em dólar no mercado futuro, que equivalem a uma operação de carry trade no mercado à vista e, com isso, contribuem para a apreciação do real. Referência MORGAN STANLEY. Global Outlook, Aug. 2013. Disponível em: http://www.morganstanleyfa.com/ public/projectfiles/dce4d168-15f9-4245-9605-e37e2caf114c.pdf. Acesso em: 20 fev. 2014.