Nº COMARCA DE CAXIAS DO SUL PAULO ROBERTO LISBOA TRICHES ACÓRDÃO

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1 EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONFISSÃO DE DÍVIDAS COM GARANTIA HIPOTECÁRIA. REVISÃO DE CONTRATO DE FATURIZAÇÃO. Alegação da existência de operação de factoring, como causa geradora da dívida, com a prática de encargos abusivos, como fundamento para nulificação do título. Ausência de lastro probatório nesse sentido. CDC. INAPLICABILIDADE. CAPITALIZAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PACTUAÇÃO OU INCIDÊNCIA NA AVENÇA. ENCARGOS. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE. Previsão de juros moratórios à taxa legal, correção monetária e multa de 2%, consignados no título exeqüendo, para o caso de inadimplemento, não ensejando intervenção judicial, porque ausente abusividade. EXCESSO DE EXECUÇÃO. Não caracterização. APELO DESPROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL COMARCA DE CAXIAS DO SUL TRICHES ADMINISTRACAO E PARTICIPACOES LTDA PAULO ROBERTO LISBOA TRICHES RETA BRASIL FOMENTO MERCANTIL LTDA APELANTE APELANTE APELADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo. Custas na forma da lei. 1

2 Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. RUBEM DUARTE. Porto Alegre, 09 de novembro de DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO, Relator. RELATÓRIO DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO (RELATOR) TRICHES ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA. apelou da sentença que, nos autos dos embargos que opôs à ação de execução que lhe move RETA BRASIL FOMENTO MERCANTIL LTDA., julgou improcedentes os embargos. Alegou que o instrumento de confissão de dívida é oriundo de contrato de fomento mercantil, havendo ilegalidades consistentes na abusividade dos encargos cobrados, implicando nulidade da confissão de dívidas firmada, possibilitando o reconhecimento da existência de contrato de mútuo. Advogou, portanto, a possibilidade de revisão de todos os contratos firmados e a exclusão da capitalização. Referiu que não é aplicável à espécie o entendimento referente às instituições bancárias no que tange aos juros, porquanto a apelada não se caracteriza como tal. Invocou a aplicação do CDC à espécie. Sustentou haver excesso de execução, já que o valor a ser pago, de R$ ,30, passou para R$ ,32, havendo, ainda, equívoco quanto à aplicação da multa compensatória de 2%. Requereu a intimação do síndico da massa falida da co-devedora Enxuta Industrial Ltda., provendo-se o apelo. 2

3 Intimado para contra-razões, o apelado pugnou a manutenção da decisão hostilizada, aduzindo que as razões de apelação destoam da realidade dos autos. Apontou diferenças entre o mútuo e o contrato de factoring, referindo vários dispositivos legais. Aduziu que a cobrança de juros se encontra condizente com a realidade do mercado, destacando, por último, a Súmula nº. 648, do STF. Após, subiram os autos a esta Egrégia Corte. É o relatório. VOTOS DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO (RELATOR): Embora não tenha sido juntado aos autos, pela apelada, o contrato originário de fomento mercantil, entendo que não há cogitar da incidência do estatuído no artigo 359, inciso I do CPC na hipótese, porquanto quando instado à dilação probatória, fl.78, nada requereu o apelante nesse sentido. Também não se aplicam à situação dos autos as disposições do Código de Defesa do Consumidor. O contrato de factoring tem natureza mercantil; consiste na compra e venda de ativos financeiros, não se configurando relação de consumo e, portanto, o apelante não pode ser tido como parte hipossuficiente. Assim, lhe incumbia a juntada dos documentos relativos à contratualidade, o que inocorreu. Preclusa, pois, qualquer postulação nesse sentido. Quanto à pretensão revisional, consistente no aditivo contratual e confissão de dívida, fls.31/35 e documentos de fls.85/87, que evidenciam ter havido operação de factoring, tenho que descabe. Nos contratos de factoring não há incidência de juros propriamente ditos, mas sim do Fator de Compra (fator mensal), em que a remuneração é constituída pela diferença na compra dos direitos (créditos), ou seja, do resultado entre o preço de compra e o valor nominal dos títulos. 3

4 A empresa que recebe os títulos para faturização tem o direito de cobrar pelos serviços prestados. É o chamado deságio, o qual se justifica em virtude dos riscos por ela assumidos na transação. Esse não tem natureza de juros, mas sim de remuneração, especialmente porque o contrato de factoring é atípico, de gênese complexa, não consistindo em negócio jurídico bancário. A respeito do tema, insta referir o que diz Fábio Ulhoa Coelho in Manual de Direito Comercial, Ed. Saraiva, 11ª ed., p. 447: Faturização é o contrato pelo qual uma instituição financeira (faturizadora) se obriga a cobrar os devedores de um empresário (faturizado), prestando a este os serviços de administração de crédito.... O contrato de faturização tem a função econômica de poupar o empresário das preocupações empresariais decorrentes da outorga de prazos e facilidades para pagamento aos seus clientes. Por esse negócio, o banco presta ao empresário o serviço de administração do crédito, garantindo o pagamento das faturas por ele emitidas. A instituição financeira faturizadora assume, com a faturização, as seguintes obrigações: a) gerir os créditos do faturizado, procedendo ao controle dos vencimentos, providenciando os avisos e protestos assecuratórios do direito creditício, bem como cobrando os devedores das faturas; b) assumir os riscos do inadimplemento dos devedores do faturizado; c) garantir o pagamento das faturas objeto de faturização.... O Banco Central já considerou a faturização um contrato bancário pela Res. BC n. 703/82, que foi revogada pela Res. BC n /89. Atualmente, portanto, inexiste ato infralegal que vede a exploração da atividade de faturização de créditos a não-exercentes de atividade bancária. A legislação tributária, por sua vez, conceitua factoring como sendo a prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (Lei n /95, arts. 28, 1º, c.4, e 48, parágrafo único, c.4). Tomando esta definição por base, a Res. BC n /95 esclarece que a prática de quaisquer atos financeiros pela faturizadora, estranhos à definição legal, caracteriza infringência à LRB e à Lei n /86. Nada há de ilegal, portanto, no fato de a apelada atuar como empresa de factoring e, nessa condição, ter comprado diversas duplicatas mercantis da devedora principal, Enxuta Industrial Ltda. que, inadimplidas, 4

5 estariam sendo cobradas do apelante. O embargante figura na condição de garantidor do título que embasa a execução, o que legitima a pretensão. Inexiste óbice legal a recompra dos títulos, desde que o cedente assuma os riscos da solvabilidade do devedor, consoante dispõem os arts.295 e 296, ambos do CC/02. In casu, foi o que ocorreu, caso contrário não teria sido firmada, pelo apelante, voluntariamente, a confissão de dívidas e aditamento exeqüendos. Não se trata, pois, de direito de regresso. Cuida-se de opção que pode ou não ser exercida. Nesse sentido já se pronunciou este Tribunal de Justiça: AÇÕES DECLARATÓRIAS DE NULIDADE DE CONTRATO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA E DE TÍTULOS DE CRÉDITO. AÇÃO CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. FACTORING. RECOMPRA DOS TÍTULOS. SE A AUTORA SOLICITOU A RECOMPRA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO QUE HAVIA NEGOCIADO COM A RÉ, EM CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL, E CONFESSOU SER DEVEDORA DOS MESMOS, POR MEIO DO CONTRATO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA, NÃO PODE PRETENDER A SUA ANULAÇÃO, SOB A ALEGAÇÃO DE COAÇÃO OU SIMULAÇÃO. CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL QUE PREVÊ A RESPONSABILIDADE DA VENDEDORA PELOS DIREITOS CREDITÍCIOS, EM CASO DE OPOSIÇÃO DO SACADO, VÍCIO OU MÁ-FÉ NA ORIGEM DO CRÉDITO. VERBA HONORÁRIA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (APELAÇÃO CÍVEL Nº , QUINTA CÂMARA CÍVEL, DO RS, RELATOR: LEO LIMA, JULGADO EM 19/05/2005) AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. FACTORING. AGRAVO RETIDO IMPROVIDO. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA- E-VENDA. NÃO PROVADO PELAS AUTORAS QUE HOUVE SIMULAÇÃO NA COMPRA-E-VENDA DO IMÓVEL ADQUIRIDO PELA APELADA, É VÁLIDO O NEGÓCIO JURÍDICO FIRMADO E, CONSEQÜENTEMENTE, A ESCRITURA PÚBLICA LAVRADA. LEGALIDADE DA CLÁUSULA QUE PREVÊ O REEMBOLSO OU RECOMPRA DOS TÍTULOS COM VÍCIO OU MÁ-FÉ EM SUA ORIGEM. TAXA DE JUROS. JUROS COMPENSATÓRIOS MANTIDOS, CONFORME DECIDIU A SENTENÇA. INEXISTÊNCIA DE CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. AGRAVO RETIDO E APELAÇÃO DAS AUTORAS IMPROVIDOS E APELAÇÃO DA RÉ CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, IMPROVIDA. (APELAÇÃO CÍVEL Nº , DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, DO RS, RELATOR: VOLTAIRE DE LIMA MORAES, JULGADO EM 16/03/2005) Quanto à pretensão revisional, sequer referiu o apelante os percentuais que reputa excessivos, padecendo a alegação de generalidade 5

6 que impede qualquer manifestação. E não há mínimo indício tenha sido cobrada capitalização ou praticados juros onzenários. Consta da escritura pública de confissão de dívida, com garantia hipotecária prestada pela apelante e do Aditamento de fls.34/35, no qual o débito foi consolidado em R$ ,32, para pagamento em trinta e seis parcelas mensais e sucessivas de R$ ,62, encargos pactuados para o caso de inadimplência, nos seguintes termos: multa compensatória de 2%, juros moratórios de 1% ao mês e correção monetária pelo INPC. Não evidenciando qualquer abusividade capaz de ensejar intervenção judicial no pacto. Não há, portanto, previsão, tanto no aditivo contratual como na confissão de dívida, de cobrança de juros, de capitalização e de cumulação de comissão de permanência com correção monetária. Afigura-se descabida a pretendida revisão contratual, especialmente no que toca à limitação de juros. O apelante, quando da contratação, estava ciente das cláusulas contratuais, em especial dos valores que seriam cobradas pela apelada pelos riscos assumidos, tendo, inclusive, sido beneficiado pelo negócio firmado com essa, visando fomentar suas atividades. Aliás, sequer há alegação da existência de qualquer vício de consentimento. Quanto ao excesso de execução alegado, por oportuno, transcrevo parte da sentença que bem analisou o pedido:...por fim, releva mencionar que o argumento desenvolvido pelos embargantes no sentido de que haveria excesso de execução não calha. É que no aditamento a obrigação originária foi substituída por uma nova, qual seja a de pagar a quantia de R$ ,32 (trezentos e cinqüenta e dois mil, cento e quarenta e um reais e trinta e seis centavos), em trinta e seis (36) parcelas mensais de R$ 14,017,62 (quatorze mil e dezessete reais e sessenta e dois centavos), a tudo aquiescendo a interveniente hipotecante Triches, representada por seu sócio Paulo, ora embargantes. 6

7 Ou seja, evidenciada não só a voluntariedade, como a anuência das partes envolvidas, o argumento de ter havido equívoco no transporte de valores da Escritura Pública para o Aditamento firmado, o que implicaria excesso de execução, não prospera. Há que se considerar, ainda, o transcurso de tempo entre a lavratura de um e outro, onde, por óbvio, incidiram encargos. De resto, nada há de ilegal quanto à multa compensatória de 2%, disposta na cláusula quinta. A simples leitura deixa entrever que, havendo previsão de encargos, essa incide sobre o valor atualizado do débito. No que tange à intimação do síndico da massa falida da empresa Enxuta Industrial Ltda, indeferido por ocasião da sentença, nada há a modificar, mormente não tendo vindo aos autos qualquer documento que comprove ter sido decretada a falência daquela. Nada impede, todavia, que o apelante busque seu crédito na via adequada. Do exposto, nego provimento à apelação. É o voto. DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo. DES. RUBEM DUARTE - De acordo. APELAÇÃO CÍVEL DE CAXIAS DO SUL: NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. Julgador(a) de 1º Grau: CARMEN CAROLINA CABRAL CAMINHA 7