ALICE NO PAÍS DOS ESPELHOS CASO
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- Raquel Nunes Cerveira
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1 ALICE NO PAÍS DOS ESPELHOS CASO PARTE 1 Alice, de 14 anos, é trazida contrariada à consulta pela mãe, muito preocupada porque a filha vem perdendo peso. A mãe refere que há seis meses o pai, então gerente de uma firma de produtos eletrônicos que entrou em falência, está desempregado, o que determinou uma queda brusca na situação financeira da família e problemas no relacionamento em casa. Ela, inclusive, suspeita que ele esteja se relacionando com outra mulher. Desde essa época, Alice nega-se a sentar-se à mesa com a família para as refeições e a sair de casa com as amigas. Diz que "todos os passeios acabam em lanchinhos". A mãe de Alice relata estar muito assustada porque a filha nunca lhe trouxe preocupações ou problemas, exceto por ter sido um bebê trabalhoso na alimentação, porque "golfava" muito. Sempre foi sua filha mais organizada, a primeira da classe, um modelo de bom comportamento. Recentemente, diante de situações novas ela apresenta "crises de nervos" com suores, tremores, náuseas e dor abdominal. Quando questionada a respeito de sua magreza, nega estar muito magra e diz ter medo de ficar gorda. Está emagrecida, com pele e mucosas pálidas, fala pouco e se recusa a ser pesada e examinada neste momento, alegando estar com pressa. Concorda em retornar para consulta médica em outro momento. Quais são os principais diagnósticos diferenciais para a perda ponderal de Alice? Justifique suas hipóteses. Quais as informações essenciais de anamnese e exame físico, além das descritas no caso, que seriam necessárias para esclarecimento deste problema? Que aspectos do relacionamento familiar devem ser aprofundados neste caso?
2 PARTE 2 Alice retorna com a mãe à Unidade Básica de Saúde em dois dias. Diz que não era gorda, mas que no período próximo a sua primeira menstruação (aos 12 anos e meio) observou um aumento de peso que a incomodou muito, levando inclusive a abandonar seu esporte predileto natação por vergonha do próprio corpo. Desde então, vem diminuindo a ingestão de carboidratos. Nos últimos tempos não mais compartilha as refeições com a família, já que o clima está muito tenso e seu pai nem parece a mesma pessoa. Quando lhe perguntam sobre seus ciclos menstruais, refere amenorréia há quatro meses. Está também entristecida porque seus cabelos estão caindo muito. Em relação aos hábitos intestinais, diz ser constipada e freqüentemente faz uso de laxativos. Ao exame, apresenta-se com palidez cutâneo-mucosa de +/4, Peso: 33Kg, Altura: 155 cm, IMC: 13,75, PA: 110 X 70 mmhg, FC: 60bpm, Tanner 4, unhas quebradiças, sem sinais de desidratação, força muscular preservada e exame neurológico sem alterações. Qual é a sua avaliação do estado nutricional de Alice? Qual é a sua impressão diagnóstica? Que exames complementares devem ser solicitados? Que critérios devem ser utilizados para avaliar a necessidade de internação nesta situação clínica?
3 PARTE 3 Após uma semana, Alice retorna para consulta, acompanhada dos pais. Sua mãe diz que a filha tem-se alimentado um pouco melhor. O pai mantém-se calado durante toda a consulta, manifestando-se apenas para dizer que o comportamento de Alice está errado e que não vê motivo para tanta preocupação com essas "frescuras de criança". A mãe se exalta dizendo que ele é mesmo uma pessoa insensível. Os exames laboratoriais de Alice são normais, exceto por uma anemia discreta. Pede-se aos pais que aguardem na sala de espera enquanto se realiza o exame físico. Ao ser pesada, Alice aumentou 200g, o que a deixa preocupada. Face a isso diz que irá intensificar sua atividade física, porque não quer virar uma "baleia gorda". Quando lhe perguntam a respeito do que tem feito nas horas vagas, começa a chorar dizendo que não gosta de falar, já que seu amigos acham-na muito chata e sem graça. Irá à consulta com a psicóloga após a consulta clínica. Na consulta com a psicóloga mostra-se inicialmente calada. Após a insistência da profissional, começa dizendo que sua mãe é preocupada demais e que tem mania de forçar todos da casa a comer, que ela come bem e que não vê motivo para tantas entrevistas. A respeito do afastamento dos amigos, refere que as pessoas não são sinceras e que os seus amigos de verdade são seus animais dois cachorros, que gostam dela sem exigir nada em troca. Diz ainda que leva os estudos muito a sério e que tem medo de tantas consultas interferirem no rendimento escolar, já que, além de estudar, ajuda a mãe nas tarefas domésticas, fazendo o jantar para os irmãos. Quanto à menstruação, revela-se muito feliz de estar livre desse incômodo. Concorda em retornar na próxima semana. Qual é a equipe ideal mínima para acompanhamento de um caso de anorexia nervosa? Como poderá ser trabalhada a interdisciplinaridade? Que aspectos do funcionamento familiar ainda necessitariam ser investigados?
4 TEORIA Anorexia Nervosa A anorexia nervosa é um problema que afeta tipicamente o sexo feminino durante a adolescência e se caracteriza por uma negação à ingestão de alimentos, não sendo simplesmente falta de apetite. Há uma acentuada perda de peso com ausência de doença física que justifique o quadro. Em alguns casos, a anorexia nervosa é indício de grave doença psíquica, quando se faz acompanhar por idéias suicidas e/ou por uma apatia generalizada, exemplificada pela falta de interesse no relacionamento social. A taxa de morbimortalidade alcança de 5% a 15% dos casos pesquisados e, ao que tudo indica, parece tratar-se também de um fenômeno em expansão. O diagnóstico de anorexia nervosa baseia-se nos critérios da Associação Americana de Psiquiatria (1993), como a recusa em manter o peso corporal acima do mínimo normal para idade e estatura, intenso medo de ganhar peso ou chegar a ser considerado obeso, alteração da percepção do peso ou do aspecto corporal e ausência de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos em adolescentes que já tenham passado pela menarca. A presença e a vinculação da família ao plano terapêutico exercem grande importância na assistência a adolescentes com anorexia nervosa. Em muitos casos, faz-se necessário o acompanhamento da mãe, independentemente do atendimento à adolescente, já que se trata preferencialmente de um problema psíquico localizado na relação mãe-filha. Este problema de saúde requer uma abordagem interdisciplinar. A equipe mínima deve ser constituída, se possível, por médico, nutricionista e psicólogo. De acordo com cada caso, esta equipe deverá ser ampliada com outros profissionais, como nutricionistas e terapeutas de família. As reuniões periódicas de toda a equipe envolvida permitirão a troca de informações, a discussão das melhores estratégias para a condução do caso e a análise da evolução e dos resultados. No acompanhamento clínico é fundamental incluir na anamnese, da mãe e da adolescente, questões relacionadas com fatores desencadeantes da perda ponderal, idade da menarca, periodicidade e duração das menstruações, presença de lipotímias, queda de cabelos, manifestações gastrintestinais (desconforto ou dor abdominal, náuseas, vômitos, distensão abdominal, constipação, diarréia, pirose), atividade física, fadiga, fraqueza muscular, utilização de condutas purgativas (vômitos provocados, uso de laxantes, diuréticos e eméticos), transtornos do sono, estado emocional, relações sociais, presença de poliúria e/ou polidipsia, entre outros. O exame físico deve incluir avaliação do estado geral, do grau de desnutrição (avaliação do déficit de peso através da disposição das medidas antropométricas em gráficos apropriados e cálculo do IMC) e hidratação, verificação de sinais vitais (temperatura corporal, freqüência cardíaca e pressão arterial), avaliação de pele e fâneros, avaliação da tireóide, exame neurológico, entre outros. Além disso, é indispensável a investigação da presença de critérios que configurem risco iminente de vida: IMC<13, freqüência cardíaca<40bpm, PA sistólica<70 e sinais de desidratação, os quais determinam a necessidade de internação A solicitação de exames complementares para confirmação de hipóteses diagnósticas inclui hemograma, velocidade de hemossedimentação (VHS), glicemia, uréia e creatinina séricas, ionograma plasmático, colesterolemia, testes de função hepática, albumina sérica, densidade urinária, além de outros indicados.
5 GLOSSÁRIO Imagem corporal - representação mental do próprio corpo. DICAS A anorexia nervosa não é sinônimo de falta ou diminuição do apetite; é uma vontade ativa e persistente de não comer.
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