Licitação: publicidade

Transcrição

1 Licitação: publicidade Parecer n o 18/00-FNB Ementa: Publicação de avisos de licitação aberta pela Câmara Municipal. A disposição do art. 21, n o II, da Lei federal n o 8.666, de 1993, que manda promovê-la no Diário Oficial do Estado tem sido considerada, pela doutrina majoritária, inconstitucional, porque agressiva à autonomia do Município. A divulgação respectiva, porém, não deve restringir-se ao Diário da Câmara Municipal, de circulação limitada, sendo de rigor estendê-la ao D.O. Rio ( Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro ), sem prejuízo da obrigatoriedade de estamparse em jornal diário de circulação municipal, regional ou nacional (inciso III do art. 21, referido), ou da faculdade da Administração de dá-la a público por outros meios quaisquer, que lhe assegurem amplo conhecimento. Parecer pela resposta negativa a ambas as indagações levantadas no expediente inicial. Senhor Procurador-Geral: Pelo ofício de fls. 2, o ínclito Órgão interessado propõe indagação sobre o regime legal de publicidade dos avisos de licitação, em âmbito municipal, buscando esclarecer se esta Câmara Municipal estaria obrigada a fazê-los imprimir no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, ou poderia publicá-los, somente, no Diário da Câmara Municipal e em jornal diário; junta cópia incompleta de relatório e voto proferidos em consulta deslindada em 1994 pelo Egrégio Tribunal de Contas do Município, que concluiu por considerar o princípio da publicidade dos editais atendido mediante a publicação, no Diário Oficial do Município, quando se tratar de licitação feita por órgão, ou entidade, da Administração Pública Municipal, e uma vez em jornal diário de grande circulação no Município (fls. 3/10). Autuado o expediente, por despacho do Ilmº. Sr. Diretor-Geral de Administração (fls. 2), encaminhou-se ao Exm o. Sr. Primeiro Secretário, que reclamou exame e pronunciamento desta Procuradoria-Geral (fls. 11), onde Vossa Excelência distribuiu o feito ao signatário do presente (fls. 12). 292 Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 5, n. 9, jan./jun. 2001

2 I. Histórico 2. Vê-se que, há cerca de 7 (sete) anos passados, o Poder Executivo deste Município levantou a questão da obrigatoriedade, entrevista na disposição do inciso II do art. 21 da Lei federal n o 8.666, de 21 de junho de 1993, com suas alterações posteriores leia-se: Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez: [... ] II - no Diário Oficial do Estado, ou do Distrito Federal, quando se tratar respectivamente de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Estadual ou Municipal, ou do Distrito Federal; (grifos daqui) de publicação dos avisos de licitação municipais no órgão informativo oficial do Estado (fls. 3). Consulta formulada a respeito gerou extenso voto de ilustre Conselheiro do Egrégio Tribunal de Contas do Município presumidamente acolhido pelo Plenário da Corte, sustentado em inconstitucionalidade daquele dispositivo legal (fls. 7), no sentido de satisfazer-se a exigência de publicidade com a divulgação dos avisos no órgão de imprensa municipal e em jornal de grande circulação. 3. Submete-se, agora, a matéria a esta Procuradoria-Geral, cogitando-se da exigibilidade de publicação dos avisos de licitação do Legislativo no DO- ERJ e da suficiência de difusão por meio do Diário da Câmara Municipal. É o que se passa a examinar. II. Fundamentação 4. A escassez de achegas doutrinárias ao tema, à época daquela consulta à Colenda Corte de Contas (cf. fls. 4), já não existe hoje, abundando manifestações no sentido da inconstitucionalidade do art. 21, n o II, da Lei federal n o 8.666, de 1993, na parte em que determina às Municipalidades publicar avisos de licitação em órgãos de imprensa estadual. Sirva de exemplo a lição de MARÇAL JUSTEN FILHO, para quem [o] inciso II do caput [do referido art. 21] contém regra parcialmente inconstitucional, que impõe aos Municípios o dever de divulgar concorrências e tomadas de preços no Diário Oficial do Estado. Ora, cabe ao Município determinar o órgão de imprensa oficial onde serão divulgados os seus atos administrativos e legislativos. O dispositivo viola a autonomia municipal: a lei federal poderia, quando muito, Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 5, n. 9, jan./jun

3 determinar a publicação através da imprensa oficial municipal. 1 ; inteligência que ecoa no magistério de MAURÍCIO BALESDENT BARREIRA, a teor do qual [j]á há muito se discute acerca da constitucionalidade da imposição, por lei federal, de formas e meios de publicidade dos atos municipais. Tais preceitos ofendem, a toda prova, a autonomia dos Municípios, que lhes garante exclusiva competência para determinar em qual órgão de divulgação serão publicados os avisos de edital e demais atos do processo licitatório, desde que respeitados os princípios do art. 3 o. 2 ; e consoa no avançado ensinamento de TOSHIO MUKAI, em cujo entendimento [m]esmo com essa qualificação [de norma geral], não pode a lei federal determinar (inciso II do art. 21, parte final) que o Município publique seus atos no Diário Oficial do Estado, mormente se aquele tiver (e eventualmente o tem) órgão oficial de imprensa; nesse sentido, a disposição indicada é absolutamente inconstitucional. 3. Vê-se que a orientação do Egrégio Tribunal de Contas do Município veio a ser, pelo tempo adiante, largamente prestigiada pelos especialistas. 5. Isto responde à primeira das questões vestibularmente formuladas: a Câmara Municipal, tal como quaisquer outros Órgãos da Administração direta municipal, não está adstrita a publicar avisos de licitação no Diário Oficial do Estado. Escusado acrescentar que tampouco está proibida de fazê-lo: se parecer conveniente à Administração do Legislativo divulgação mais ampla do certame, nada lhe obstará promovê-la, até mesmo, pelo Diário Oficial da União, ou em órgão jornalístico circulante no exterior. 6. Quanto à segunda das indagações suscitadas, começa a adiantar-lhe a resposta a doutrina do eminente consultor do IBAM, Dr. MAURÍCIO BARREIRA, acima transcrita, ao assinalar a obrigatoriedade genérica de observância do art. 3 o da Lei federal referida, verbis, Art. 3 A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade 1 JUSTEN Filho, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 3. ed. Rio de Janeiro : Aide, p. 121; inserção entre colchetes daqui. 2 BARREIRA, Maurício Balesdent. Licitações e contratos municipais : doutrina, rotinas, modelos. Rio de Janeiro : IBAM, v. I, p MUKAI, Toshio. Licitações e contratos públicos. 5. ed. São Paulo : Saraiva, p ; inserção entre colchetes daqui. 294 Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 5, n. 9, jan./jun. 2001

4 administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (grifos daqui), que traduz aplicação do art. 37, initio, da Constituição da República, in litteris, Art A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...). (grifo daqui), e do inciso XXI do mesmo artigo constitucional, que impõe: XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (grifo daqui). A insistente ênfase com que o constituinte e o legislador ordinário retornam às expressões publicidade e pública leva o intérprete, inevitavelmente, a acrescentar-lhes o adjetivo ampla e o advérbio amplamente. A publicidade dos atos licitatórios deve ser tal que somente escape ao conhecimento de quem por eles não se interessar; deve estar ao alcance de todos, de tal modo que possa qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvimento (art. 4 o da Lei n o 8.666, mencionada), requerer à Administração Pública os quantitativos das obras e preços unitários de determinada obra executada (art. 7 o, 8 o, da mesma Lei), impugnar preço constante do quadro geral em razão de incompatibilidade desse com o preço vigente no mercado (art. 15, 6 o ) ou o edital de licitação por irregularidade na aplicação da lei (art. 41, 1 o ), provocar, (...), a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e sua autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a ocorrência de ato possivelmente punível (art. 101) e representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades (art. 113, 1 o ). 7. Flagrantemente, a mens legis não é a de criar-se, tão-só, uma presunção de conhecimento geral, como se dá relativamente à divulgação de um texto normativo ou de um ato de provimento de cargo público, por exemplo. Tratase, aí, de gerar uma efetiva acessibilidade da publicação a qualquer pessoa, de sorte a dar-se a largamente preconizada transparência dos negócios públicos e a permitir-se a fiscalização dos gastos estatais por todos os cidadãos interessados porque pretendentes à adjudicação de aquisições governamentais ou, simplesmente, enquanto contribuintes, preocupados com a correta gestão Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 5, n. 9, jan./jun

5 da coisa pública. 8. Ora, para tal fim, é obviamente necessária a publicação dos atos licitatórios em impressos cuja circulação possa garantir tal acessibilidade. Parece razoável extrair-se da norma a exigibilidade de publicação em órgão onde, em regra, são procurados os atos municipais, considerando-se, inclusive, o generalizado desconhecimento, pelo homo medius, dos meandros da estrutura da Administração comunal. 9. Sob tal perspectiva, mostra-se o Diário da Câmara Municipal insuficiente para os objetivos da lei. Trata-se de órgão de circulação limitada, até mesmo desconhecido de muitos cidadãos. Em busca de notícias das atividades municipais, o homem comum, muito provavelmente, irá à cata do conhecido D.O. Rio Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, pouco provavelmente lhe ocorrendo que atos do Legislativo estejam estampados alhures. 10. Não se alegue que a publicação em jornal diário de maior circulação supriria a deficiência de alcance do órgão da Casa de Leis. Observe-se o teor do inciso III do art. 21 da Lei específica, já acima parcialmente transcrito: Art. 21. [... ] III - em jornal diário de grande circulação no Estado e também, se houver, em jornal de circulação no Município ou na região onde será realizada a obra, prestado o serviço, fornecido, alienado ou alugado o bem, podendo ainda a Administração, conforme o vulto da licitação, utilizar-se de outros meios de divulgação para ampliar a área de competição. (grifos daqui). O que se preconiza não é a simples satisfação formal da exigência de publicidade, mas que se empenhe a Administração em estender quanto possível, em função das dimensões do certame, o âmbito da divulgação. 11. Nesta ordem de idéias, entremostra-se convinhável a publicação dos avisos em tela não somente no Diário da Câmara Municipal, senão também no pré-falado D. O. Rio, para ter-se por inequivocamente cumprida a determinação legal e rigorosamente observado o princípio da publicidade. Sem embargo, insista-se, da faculdade da Administração de, levando em conta a extensão do mercado fornecedor do objeto da licitação, divulgá-la por tantos outros meios quantos lhe parecerem necessários. III. Conclusão 12. Em síntese, não está a Câmara Municipal obrigada à publicação dos avisos de suas licitações no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, conquanto não lhe seja defeso promovê-la. A exigência legal de publicidade, 296 Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 5, n. 9, jan./jun. 2001

6 todavia, não deve reputar-se satisfeita com a impressão em periódico de circulação limitada, como o Diário da Câmara Municipal, cabendo efetivá-la, igualmente, no D.O. Rio ( Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro ), mais conhecido do público-alvo; não se dispensa, com isto, a divulgação em jornal diário de circulação municipal, regional ou nacional, nem se obsta à Administração o emprego adicional de outros meios que assegurem o amplo conhecimento do certame. Tal o parecer, que se submete à elevada consideração de Vossa Excelência. Rio de Janeiro, 04 de dezembro de Francisco das Neves Baptista Subprocurador-Geral da Câmara Municipal do Rio de Janeiro Visto. Aprovo o Parecer n o 18/00-FNB, retro. É quase unanimemente reconhecida a inconstitucionalidade do art. 21, n o II, da Lei n o 8.666/93, na parte em que se refere aos Municípios; donde não ser exigível a publicação de avisos de licitação desta Câmara no Diário Oficial do Estado. Por outro lado, o princípio da ampla publicidade impõe a divulgação dos avisos, não só pelo Diário da Câmara Municipal, mas também pelo D.O. Rio, por jornal diário de circulação e por outros meios que a Administração julgue valiosos. Encaminhe-se à consideração do Exm o. Sr. Primeiro Secretário. Em 04 de dezembro de Roberto Benjó Procurador-Geral da Câmara Municipal do Rio de Janeiro Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 5, n. 9, jan./jun