PN.: 1133/991; AP: TC Abrantes; Ap.e2: Ap.a3: Acordam no Tribunal da Relação de Évora 1. O Ap.e demandou a Ap.a, nos termos do disposto nos art.s 205º e 207º CPEREF, alegando em síntese: (a) Em 94.01.24, por contrato de promessa de compra e venda, celebrado mediante escritura pública devidamente registada, prometeu vender ao A., e este prometeu comprar, o prédio urbano designado por, sito em Alferrarede, descrito na C. Reg. P. Abrantes sob o nº00993/101293, bem como, todas as suas acessões existentes à data da promessa ou futuras; (b) A esta promessa atribuíram as partes eficácia real (art. 413º CC); (c) Por sentença de 97.02.13, foi declarada em estado de falência; (d) O liquidatário judicial informou o A., por carta registada A/R, de que nos termos do art. 161º/3 CPEREF não honraria o contrato de promessa em causa, porque o mesmo não era do interesse da Massa Falida; (e) Mas o A. é afinal titular de um direito real de aquisição que prevalece sobre todos os direitos pessoais ou reais referentes ao prédio, mas que se encontrem registados em data posterior à do registo da promessa; (f) Pelo que o liquidatário, ao manifestar o propósito de a não cumprir, entrou em incumprimento que, por sua vez, confere ao A. o direito à execução específica (art.s 413º e 830º CC). 1 ML (577) MM (52(2000) 2 Adv.: Dr. 3 Adv.: Dr.ª 1
Pediu que o tribunal proferisse sentença com os efeitos da declaração da parte faltosa, determinada a transmissão do direito de propriedade do prédio em causa e respectivas acessões em favor dele. 2. Na contestação foi aduzido em síntese: (a) O contrato promessa invocado foi celebrado em 94.01.24; (b) Em 95.05.29, deu início a processo especial de recuperação de empresa, que veio a terminar pela declaração de falência; (c) A decisão de 1ª instância foi porém embargada pela Falida, e já em sede de recurso foi declarada em estado de falência desde 97.02.13; (d) Nos termos do art. 161º/3 CPEREF, a promessa foi tida por desinteressante para a Massa Falida através de deliberação da comissão de credores, tendo-se optado pelo não cumprimento do contrato. 3. Em reconvenção, a R. alegou a simulação da promessa, com a consequente nulidade: (a) Nenhum dos documentos exibidos para prova do pagamento à promitente vendedora, nem os respectivos valores, cheques e numerário, deram entrada nas contas da Falida; (b) Trata-se de operação que apenas visou proteger falsos interesses e com o propósito deliberado de favorecer o A. e quiçá os sócios da Falida, mas nunca esta, em detrimento da qual foi gizada; (c) E com o objectivo claro de, por um lado, retirar aos credores a possibilidade de se fazerem pagar através da venda do prédio objecto do negócio (era já então notória a existência de incumprimento generalizados) e, por outro lado, de fazer nascer um crédito, de crescimento acelerado com valência bastante para pesar na aprovação de uma medida de recuperação (foi estabelecida uma cláusula penal pesada, para valer diariamente, após a relativamente próxima data assinada para a celebração da escritura). 2
4. Na resposta, o A. manteve a posição inicial. 5. Foi proferida sentença nos termos do disposto no art. 508ºB/1 CPC, considerados provados os seguintes factos: (a) Em 94.01.24, no C. Not. Tomar, entre Luís, que outorgaram na qualidade de únicos sócios e gerentes, em representação de Anti-, como segundo outorgante, foi celebrado um contrato do qual consta: (1) Os primeiros outorgantes, na qualidade invocada, prometem vender ao segundo outorgante, e este comprar-lhes, a parcela de terreno destinada à construção urbana, com área de 11 900m2, no sítio de, Abrantes, a confrontar do N. e Nasc. com estrada camarária, do S., do Po. com, descrita na C. Reg. P. Abrantes sob o nº993, com registo de aquisição a favor de de prédio omisso na matriz; (2) O preço global da venda: Pte. 80 000 000$00;, a quem a adquiriu, por escritura de hoje, (3) O segundo outorgante pagará aos representantes da sociedade, como sinal e princípio de pagamento, a quantia de Pte. 79 999 000$00, contra a entrega do presente contrato registado na C. Reg. P., devendo o restante Pte. 1 000$00 ser àqueles entregue no acto da escritura definitiva, ou antes desta depositado à ordem deles na CGD; (4) A escritura de compra e venda será celebrada no prazo máximo de 120 dias, contado da promessa, sem prejuízo de eventual renovação mediante escrito das partes, ficando no entanto a promitente vendedora obrigada a uma indemnização diária em favor do promitente-comprador no montante de Pte. 184 000$00; 3
(5) O prédio objecto da promessa, com todas as acessões presentes e futuras, será transmitido na data da escritura definitiva de compra e venda, ao segundo outorgante, livre de quaisquer ónus ou encargos, e desocupado; (6) As partes acordam em atribuir a esta promessa de alienação eficácia real, nos termos do art. 413º CC. (b) Está descrito na C. Reg. P. Abrantes, sob o nº00993/151293, o prédio urbano de, parcela de terreno destinada a construção urbana de 11 900m2, com as confrontações ditas na promessa, e inscritas (1) a aquisição a favor de por compra a, cc, na separação de bens (Ap. 01/250194); (2) a promessa de alienação a favor de, cc, na separação de bens, pelo prazo de 120 dias, a contar de 94.01.24, com eventual renovação mediante acordo (Ap. 02/250194); (3) a penhora, efectuada em 94.04.21, para garantia de Pte. 26 296 888$00, em execução da Fazenda Nacional à executada (Ap. 19/260494); (4) a penhora, convertida em definitiva, efectuada em 26.10.94, para garantia de Pte. 11 599 326$00 em execução de, à executada (Ap. 06/091294, e 280995 Av. 1); (5) a apreensão em processo de falência, efectuada em 97.02.18; requerente: ; falida: a mesma. (c) Por carta de 97.04.07, o liquidatário judicial da falência de, comunicou a não ser do interesse da Massa Falida honrar a sobredita promessa: assim, ao brigo do disposto no art. 161º/3, DL 132/93, 23.04, procedemos à resolução do mesmo, sem prejuízo do disposto na parte final da norma jurídica em causa; (d) Foi pedido o registo da presente acção na C. Reg. P. Abrantes em 98.03.05; (e) Na falência, os créditos não impugnados e reconhecidos pelo gestor judicial remontam a Pte. 974 852 918$10, tendo garantias reais (hipoteca) e Cel Montepio Geral; os créditos não impugnados mas 4
não reconhecidos pelo gestor judicial, nomeadamente o de Pte. 128 909 000$00, reclamado por, remontam a Pte. 295 299 000$00; (f) Em 95.05.29, requereu providência especial de recuperação de empresas, que veio a terminar com a declaração de falência em 97.02.13 (processo nº198/95, 2º Juízo, 2ª Secção, TC Abrantes); (g) O valor total das reclamações de créditos apresentadas é de Pte. 1 466 675 852$20, e o valor dos bens apreendidos para a Massa Falida é de Pte. 33 383 000$00, tendo em conta a liquidação já efectuada. 6. Com base na matéria assente, a sentença recorrida julgou improcedente o pedido, e em consequência não admitiu a reconvenção: (a) Não resulta que já tivesse havido tradição; (b) O objecto do contrato de promessa não é o contrato prometido, mas a obrigação de o celebrar, derivando por conseguinte da promessa apenas a obrigação de os promitentes emitirem as correspondentes declarações de vontade; (c) Não resulta assim daquela (por si só) a transferência do prédio prometido em venda para o comprador, mas tão somente a obrigação de celebrar o contrato prometido; (d) Ora, nos termos do disposto no art. 161º/3 CPEREF, só os contratos de compra e venda se não extinguem, acaso o vendedor seja o falido e o domínio da coisa se tiver transmitido, à data de declaração de falência; caso contrário, cabe ao liquidatário optar pelo cumprimento do contrato ou pela resolução dele, ficando direito salvo para o comprador reclamar da Massa Falida a indemnização devida pela falta de cumprimento. 7. Esta decisão foi notificada por carta remetida para o Adv. Dr. Joaquim Marques, R., devolvida por não atendimento (esta era com efeito a morada constante da procuração junta com a PI e repetida no carimbo a óleo aposto na resposta à reconvenção). 5
7.1 Entretanto, o CDOA, Lisboa, informou que o Adv. Dr se encontrava com inscrição suspensa, a seu pedido, desde 79.02.05, e foi então mandada notificar a sentença ao A. (bem como o teor da menção), a qual seguiu por carta registada de 99.01.21. 7.2 Em 99.01.12, porém, o CG.OA deu conta de que o domicílio profissional do era, 7.3 E, em 99.02.08, foi recebido fax do Dr. (como consta da folha de capa, manuscrita pelo expedidor), com requerimento de interposição de recurso de apelação, junto o suporte em 11 pf., acompanhado do talão do registo da notificação postal da sentença ao A., datado de 99.01.24. 7.4 Em 99.02.18, foi depois remetido fax pelo CG.OA, informando que o Adv. tem inscrição em vigor desde 88.10.07, nunca tendo estado suspensa, e apenas se devendo a lapso a menção contrária do CDOA, Lisboa, reiterando-se que consta como domicílio profissional do mesmo, 7.5 Foi então proferido o seguinte despacho: pese embora o teor do art. 254º/2.3 CPC, admito o recurso interposto mediante o requerimento recebido por fax de 99.02.08 7.6 A parte contrária foi notificada deste último despacho (sem cópia do requerimento de interposição) por carta registada expedida em 99.02.23, e respondeu, em 99.03.16, interpondo recurso subordinado, que não foi admitido por extemporâneo, e ilegitimidade (não decaiu), com o que se conformou. 8. Concluiu o recorrente: 6
(a) O fundamento jurídico da decisão impugnada é constituído por errada interpretação do art. 161º/3 CPEREF, que consistiu na confusão entre os conceitos de transmissão do domínio da coisa (a que se refere a norma) e de transmissão ou tradição da coisa (entendimento que daquele conceito se faz na sentença); (b) O preceito em causa deve, pelo contrário, ser interpretado no sentido da sua aplicação exclusiva aos contratos de compra e venda que, respeitando a coisa futura ou indeterminada, não têm uma eficácia real imediata; (c) Logo, nunca ao contrato dos autos; (d) Isto porque a transferência do domínio da coisa, no caso em apreço, é imediato e por mero efeito do contrato de alienação de coisa determinada, nos termos dos art.s 408º/1 e 879ºa. CC; (e) É irrelevante, também, tratar-se de um contrato promessa de compra e venda, uma vez que, dispondo de eficácia real, e mostrando-se registado, prevalece sobre todos os direitos pessoais ou reais que posteriormente se constituam em relação à coisa, tudo se passando, sob este aspecto, até nos termos do art. 6º/3 C. Reg. P., como se a alienação prometida se houvesse efectuado na data em que a promessa foi registada; (f) Assim, deve ao contrato promessa com eficácia real ser aplicado o regime próprio que decorre dos art.s 410ºe 830º CC, por forma a que o A. obtenha, como é seu direito, sentença que substitua a declaração negocial do faltoso; (g) Nestes termos, forçoso é concluir-se ter havido erro na determinação da norma aplicável, porquanto deveriam ter sido aplicados, não o art. 161º/3 CPEREF, mas sim os art.s 408º, 413º e 830º CC e ainda o art. 6º C. Reg. P.; (h) Foram violadas consequentemente todas estas normas legais; (i) E actualmente, deve o art. 164ºA CPEREF, aditado pelo DL 315/98, 20.10, ser aplicado ao caso presente, porquanto, sendo lei de processo é de aplicação aos processos pendentes, e sendo lei interpretativa se integra na lei interpretada (CPEREF em geral, e respectivo art. 161º/3, em particular), nos termos do art. 13º CC; (j) Deve ser revogada a sentença recorrida, com todas as legais consequências. 7
9. Nas contra-alegações, disse-se: (a) O presente recurso foi interposto já depois de decorrido o prazo para o efeito, e sem obediência ao disposto no art. 254º/4 CPC, pelo que da sua admissão resultaram ofendidos os art.s 677º, 685º e 254º/2.3 CPC; (b) Ao Ap.o não foi notificado o teor do requerimento de interposição do recurso, pelo que só agora teve conhecimento da intempestividade do mesmo e da falta de invocação do justo impedimento, pelo que é oportuna a presente arguição; (c) O art. 161º/3 CPEREF constitui norma especial, e posterior, relativamente às regras do CC, as quais regulamentam igual matéria, pelo que prevalece sobre as mesmas; (d) O mencionado preceito faz eco do princípio que prevaleceu na feitura do CPEREF, na versão aprovada pelo DL 132/93, segundo o qual aos credores deverá, em processo de falência, ser dado igual tratamento, regra esta que apenas deveria ceder a título excepcional; (e) A expressão por transmissão do domínio da coisa, utilizada na norma em análise, reporta-se à transmissão da posse e não ao direito de propriedade; (f) Logo, o contrato promessa de compra e venda em que o falido era promitente vendedor poderá, desde que não tenha ocorrido transmissão da posse, ser legitimamente resolvido pelo Liquidatário, sem prejuízo do direito de indemnização que ao promitente não faltoso assista, visando o ressarcimento dos danos efectivamente sofridos; (g) Inexistindo posse do prédio prometido em venda, os interesses sacrificados são indemnizáveis em condições de igualdade com os demais credores, porquanto inexiste privação de qualquer bem de cuja disponibilidade o lesado usufruísse já; (h) O DL 315/98, 20.10, que aprovou as alterações ao CPEREF, introduziu o art. 164ºA, entrou em vigor em 98.11.20, e não tendo eficácia retroactiva, não se aplica ao caso vertente; 8
(i) É que a norma não tem carácter adjectivo, pelo que quanto a ela não vale o princípio da aplicabilidade imediata; (j) Tão pouco se deve ter como norma interpretativa; (k) Deve ser confirmada a sentença recorrida, mas entendendo-se diferentemente, deve o processo baixar à 1ª instância para apreciação e decisão sobre a matéria da reconvenção. 10. O recurso está pronto para julgamento. 11. Deveremos começar pela questão prévia suscitada nas contra-alegações, atinente à crítica da admissão do recurso. Muito embora seja exacto que a R. não foi notificada da data de interposição do recurso, também é certo que interveio depois no processo (pretendendo fazer seguir recurso subordinado), o que trouxe a consequência da preclusão da faculdade de recorrer do despacho de admissão pelo motivo da extemporaneidade. Mas é certo que a admissão do recurso na 1ª instância não faz caso julgado, pois a lei remete para o Tribunal da Relação a definitividade de conhecer dele ou não. E não conhecerá se ele tiver sido interposto fora de prazo, porque então também ele não cabe: neste caso, as formalidades, nomeadamente os prazos assinados às partes e de ordenamento contraditório da lide, são verdadeiramente consubstanciais ao Direito, entendido como uma estrutura racional de discussão e solução de um litígio. Ora, resulta dos autos, com toda a segurança, que a morada do Adv. do A. para a qual foi endereçada a primeira notificação da sentença é aquela que ele próprio apõe, ou declara, para efeitos postais, não obstante estar anotada de forma algo diferente no registo de escritórios da Ordem dos Advogados. E foi essa mesmo também que declarou no processo. Assim, tem de ter-se por cumprida, por efeito do disposto no art. 254º/2.3 CPC, a inicial notificação da sentença, contra a qual por conseguinte não foi reagido, no prazo, através de requerimento de interposição da apelação: não é esta admissível, então, por extemporaneidade. 9
12. Visto o disposto nos já citados art.s da lei e nos art.s 685º/1, 700º/1e. e 701º/1 CPC, decidem não tomar conhecimento da presente apelação. 13. Custas pelo Ap.e, sucumbente. 10