Étic e justiç n vlição: frude e o copinço no processo ensino/prendizgem Crlos Alberto Gomes* Resumo Neste texto present-se um breve reflexão sobre frude n vlição de conhecimentos em contexto escolr e universitário, slientndo sus implicções ético-moris, sociis e culturis. Recusndo qulquer tipo de reltivismo ético ou complcênci fce um fenómeno que se consider de extrem grvidde e de pesds consequêncis, reflexão pretende contribuir pr o lnçmento de um debte consequente sobre um tem quse sempre trtdo pens de form episódic e essencilmente mediátic e pr dopção de um politic de combte à frude e o copinço ( col ), em nome d justiç e d qulidde cdémic, cívic e democrátic do processo de ensino/prendizgem. Plvrs-chve: Ensino Pedgogi Avlição Competição Étic. Ethics nd justice: frude nd cheting in the teching-lerning process Abstrct This text presents short reflection on cheting in knowledge ssessment in school or university context, emphsizing its ethicl/morl, socil, nd culturl implictions. Rejecting ny kind of morl reltivism or complcency towrds phenomenon considered extremely serious nd of mjor consequences, this pper ims t contributing to the lunching of n ensuing debte on theme tht is lmost lwys delt with in n episodic nd essentilly medi-driven fshion; prllel im is the * Professor Auxilir (doutordo) do Deprtmento de Sociologi d Educção e Administrção Educcionl do Instituto de Educção e Psicologi d Universidde do Minho. E DUCAÇÃO & L INGUAGEM ANO 11 Nº 17 147-159, JAN.-JUN. 2008 147
doption of policy of combting frud nd cheting, in the nme of justice nd cdemic, civic nd democrtic qulity in the teching/lerning process. Keywords: Teching Pedgogy Evlution Competition Ethics. Étic y justici en l evlución: l frude y l copi en el proceso enseñnz/prendizje Resumen En este texto se present un breve reflexión sobre el frude en l evlución de conocimientos en contexto escolr y universitrio, destcndo sus implicciones ético-morles, sociles y culturles. Rechzndo culquier tipo de reltivismo ético o complcenci nte un fenómeno que se consider de extrem grvedd y de pesds consecuencis, l reflexión pretende contribuir un debte consecuente sobre un tem csi siempre trtdo solmente de form episódic y esencilmente mediátic sí como l dopción de un polític de combte l frude e l cto de copir, en nombre de l justici y de l clidd cdémic, cívic y democrátic do proceso de enseñnz/prendizje. Plbrs clves: Enseñnz Pedgogí Evlución Competición Étic. A frude como técnic de sucesso : um desfio os pressupostos éticos e institucionis d vlição 1 Como explicm Germin-Grisez e Russel Shw (1996, p. 13): [ ] plvr étic signific o estudo filosófico d morl, dos seus fundmentos, e ds implicções que derivm de um ponto de vist morl sistemático n vid prátic. A étic deve começr por clrificr s noções fundmentis de liberdde, cção e sociedde, exminndo depois distinção entre o bem e o ml morl, entre um cção correct e outr incorrect. Sem dúvid, só dremos resposts verddeirmente úteis, qundo formos cpzes de resolver problems moris concretos: devo fzer isto? Um formulção ind mis precis é oferecid por Botto (2001, p. 122): cção étic ncor-se, pois, n intencionlidde d cção, n relção d consciênci pr consigo mesm, n integridde do ser humno frente seus semelhntes. O sujeito morl é, por definição, quele cpz de distinguir entre o bem e o ml; e, portnto, cpz de se desvir do cminho prescrito, cpz de decidir, de escolher, de deliberr pelo reconhecimento d fronteir entre o justo e o injusto. 148 E DUCAÇÃO & L INGUAGEM ANO 11 Nº 17 147-159, JAN.-JUN. 2008
A frude n vlição de conhecimentos, mterilizd em vários tipos de prátics, tem profunds implicções étics 1, moris 2, educcionis, escolres, cdémics e institucionis. A prátic discente, que n gíri ou clão escolr e cdémico recebe designção de copinço (e que é, tlvez, mis difundid form de frude) consiste, concretmente, n utilizção de meios frudulentos pr obter vntgens competitivs no âmbito dos processos de vlição e clssificção do trblho exigido os lunos. Um luno ou grupo de lunos que copi present, pr efeitos de vlição, sob form de respost questões num teste ou exme, ou sob form de trblhos individuis ou de grupo, produtos escolres que, efectivmente, não correspondem um trblho genuíno relizdo pelo próprio ou próprios, procurndo obter, por vis ilegítims, clssificções positivs (s bos nots ) e o correspondente sucesso escolr certificdo. O copinço, independentemente do nível de consciênci dos ctores, represent, sempre, um form de ctução que escp os pressupostos e regrs, formis e/ou informis, que enqudrm (ou deverim enqudrr) um momento muito sério d experiênci escolr e cdémic, que, liás, corresponde dus ds principis funções sociis do sistem eductivo: função de selecção e função de certificção. Com efeito, um luno que copi não é, de fcto, vlido, pois não se expõe o processo de vlição, não executndo, ele próprio, s trefs escolres prescrits no âmbito do processo de vlição de conhecimentos. Este processo está ssente em pressupostos e critérios de nturez meritocrátic (com os quis se vli, clssific e hierrquiz o desempenho dos lunos, fectndo, por ess vi, s sus oportuniddes de sucesso n escol e pós escol). Os lunos são vlidos no qudro de um estrutur de competição objectiv, que deve estr orgnizd de molde grntir iguldde de circunstâncis e de oportuniddes formis de sucesso. Pr que este sistem funcione dequdmente, e por todos sej visto como formlmente 2 De cordo com Ernst Tugendht (1999, pp. 14-15), um juízo morl é [ ] um juízo de que um certo tipo de gir é bom ou mu, e neste sentido, de que lgo deve ser permitido ou proibido [ ]. E DUCAÇÃO & L INGUAGEM ANO 11 Nº 17 147-159, JAN.-JUN. 2008 149
justo, é necessário dotá-lo de um conjunto de grntis institucionis (p. ex., existênci e funcionmento de um polític nti-frude, de meios de controlo eficzes e de um sistem de snções opertivo), étics e moris (p. ex., clrificção, visibilizção e protecção de vlores e norms). Só ssim o processo de vlição se credibiliz socilmente e é inspirdor de confinç socil no sistem de ensino. É pois preciso crir condições pr que n vlição de conhecimentos, sej de fcto, e tão só, vlido o trblho e o esforço genuíno e utêntico dos lunos. Est exigênci tem um bse étic e morl, pois o processo vlitivo só deve ceitr vlidr e legitimr s clssificções obtids por meios institucionl e eticmente ceitáveis. N escol, como n vid, é preciso fzer prevlecer o princípio de que nem sempre os fins (sucesso escolr e socil) justificm os meios. A socilizção num cultur de frude Funcionr com bse num lógic de frude result de um prendizgem que ocorre muito cedo, e que, de cordo com certos sinis e indicdores 3, tinge um expressão ltmente significtiv nos níveis mis elevdos do sistem de ensino 4. Com efeito, muitos lunos form formdos nesse utêntico currículo oculto d escol que é prendizgem d rte de contornr s regrs e os vlores oficiis que regem o processo de vlição, 3 Cf. Domingues, 2002. 4 N edição de 27 de Mrço de 2006, d Newsweek, foi publicdo um extenso rtigo (pp. 45-47) sobre prátic de frude e copinço ( student cheting ) em prestigids universiddes de vários píses (Estdos-Unidos, Inglterr, Índi, Chin, Corei do Sul). Vle pen trduzir lgums reveldors e inquietntes pssgens: De Pequim Bristol, durnte últim décd, s txs de frude cdémic tingirm níveis elevdíssimos. Num vsto estudo brngendo 50.000 estudntes universitários e 18.000 lunos do ensino secundário nos Estdos Unidos, relizdo pelo Duke Universirty s Center for Acdemic Integrity, mis do que 70% dmitirm ter cometido frude ; A competição [ ] é o principl culpdo. À medid que o mercdo de trblho fic cd vez mis sturdo e o número de licencidos ument, s qulificções educcionis de topo são crescentemente vists como o único meio pr lcnçr o sucesso ; Os sociólogos rgumentm que o crescimento d desonestidde escolr tmbém reflecte titudes culturis mis mpls, ns quis frude se tornou ceitável e mesmo dmird. 150 E DUCAÇÃO & L INGUAGEM ANO 11 Nº 17 147-159, JAN.-JUN. 2008
independentemente de quels e estes terem, ou não, sido objecto de um trtmento forml, por exemplo, sob form de regulmentos 5. Em consequênci, muitos lunos chegm o ensino superior perfeitmente formdos n ideologi, nos discursos, ns técnics e ns rtes d frude e do copinço, prátics nunc questionds, pois, é muito provável que, o longo do seu percurso escolr, nunc tenhm sido confrontdos com discursos e prátics de des-legitimção d frude, que pusessem em evidênci s sus implicções ético-moris, cdémics e sociis, com excepção de determinds situções 6. Ddos de investigção oferecem indicções de que frude e o copinço constituem um prátic generlizd, nturlizd e bnlizd no espço escolr. N escol secundári 7, lunos de 5 Sobre s estrtégis dos lunos fce à vlição e especificmente sobre o uso d frude como técnic de sucesso, Philippe Perrenoud (1996, pp. 137-140) oferece seguinte nálise: Ao longo de tod crreir escolr, consider-se que o luno prende pr vir ter sucesso. Or, o luno pode-se poupr um prte deste trblho se prender ter sucesso e, sempre que puder, prender jogr com s prêncis, gir sobre os sinis exteriores de competênci. [ ]. É impossível cptr competêncis directmente: pens s podemos inferir prtir do que diz ou do que fz o luno, ou sej, d excelênci observável. [ ] É por isso que os produtos e s titudes, com que gerlmente escol vli os lunos, se tornm sinis exteriores de competênci que estes prendem reconhecer como tl e mnipulr n medid ds sus possibiliddes. [ ] Mnipulr os sinis exteriores de competênci pode ser rrnjr form de submeter o juízo do professor, recorrendo diversos tipos de frudes, produções que não derivrm exclusivmente ds competêncis do luno. 6 Ns norms de um Exme Ncionl do Ensino Básico, um instrução reltiv frudes, determin Aos professores vigilntes compete suspender imeditmente s provs dos exminndos e de eventuis cúmplices que no decurso d relizção d prov de exme cometm ou tentem cometer inequivocmente qulquer frude, não podendo esses exminndos bndonr sl té o fim do tempo de durção d prov. 7 No rtigo O copinço: s titudes dos ctores, Domingues (1996) reliz um interessnte nálise do copinço no ensino secundário unificdo, com bse num mostr de 50 lunos (de mbos os sexos) e de 15 professores. 8 No livro Culturs juvenis (1993, p. 229), o sociólogo José Mchdo Pis present um nálise sobre tipos estudntis (mrrões, grxs, bcns, blds). Sobre estes últimos, escreve: [ ] têm jeito pr cbulr. Desenvolvem técnics, perícis e sberes no fzer ds cábuls. [ ] fzer cábuls envolve um duplo processo de prendizgem: de como um bo cábul deve ser feit e dos conteúdos ds cábuls, rigorosmente filtrdos e sintetizdos. Resumir mtéri num cábul bem feit, implic, de lgum form, um domínio extensivo dess mesm mtéri e cpcidde (rrmente vlid pelos professores) de sber sintetizr. E DUCAÇÃO & L INGUAGEM ANO 11 Nº 17 147-159, JAN.-JUN. 2008 151
tods s clsses e meios sociis dmitem que copim de form sistemátic, em tods s disciplins, com todos os professores 8. Existe e funcion um discurso de uto-justificção e de desculpbilizção que fz pelo às virtuliddes cognitivs do copinço e fctores de ordem psicológic, como insegurnç, o stress e nsiedde nos testes e exmes 9, ou de ordem socil, como pressão competitiv pr o sucesso escolr e socil. Neste contexto, copir trnsformou-se num rte que lcnç su expressão máxim e espectculr no mplo leque de técnics de copinço trnsmitids, desde há muito tempo, de gerção em gerção, no qudro de um cultur socil globl n qul frude é frequentemente vist como um importnte competênci socil pr s pessos se sfrem n vid : Copir pelo prceiro, levr cábuls n folh de exercício, escrits lápis, ou com um esferográfic sem tint, levr s cábuls num relógio lrgo; levr s cábuls ns sols dos sptos; usr cdernos de cp pret; levr folhs escrits, no meio ds folhs de exercício; levr cábuls em lenços de ppel; escrever, num port-lápis de lt, lápis, s cábuls; introduzir s cábuls em esferográfics; usr cábul em mei-lu; escrever s cábuls n crteir; colr cábul ns costs do professor, tendo o cuiddo de tirr ntes de ele se dirigir pr sl de professores; chmr o professor à noss beir, dndo ssim os outros, oportunidde de copirem; usr clçs com bolsos ns perns; usr bots por cim ds clçs, e pôr s cábuls dentro ds bots; escrever cábuls n mng do csco; usr cmisols muito comprids, onde se colm, por dentro, s cábuls; levr mini-si e escrever s cábuls ns perns; se o professor for do sexo msculino temos sempre o rgumento de que não deve olhr pr s nosss perns; no Verão, levr s cábuls no seio; escrever cábuls ns mãos; escrever n cp do cderno, plvrs o contrário; usr uscultdores, se o 9 Cf. o rtigo de Cruz e Mesquit (1998), Ansiedde nos testes e exmes: fctores cognitivos e fectivos. 10 Est inventrição de técnics de copinço foi retird de um trblho A rte de copir ou um técnic pr ml produzir, elbordo, com minh orientção, no no lectivo de 1989/90, por um grupo de lunos d Licencitur em Ensino de Mtemátic d Universidde do Minho. No referido trblho form entrevistdos 152 E DUCAÇÃO & L INGUAGEM ANO 11 Nº 17 147-159, JAN.-JUN. 2008
professor não desconfir, são exemplos, mesmo ssim não exustivos, dest rte 10. A cultur d frude (que pr ser eficzmente combtid exige dopção de medids eductivs desde o ensino básico) reproduz-se, como liás não poderi deixr de ser, n universidde 11. Tmbém qui ddos de investigção 12 (e o testemunho de muitos ctuis e ntigos lunos e professores) pontm pr grnde difusão e pr existênci de um grnde número de lunos que usm frude como meio ilegítimo de sucesso cdémico. N universidde encontrmos os trços específicos já identificdos em níveis inferiores do sistem de ensino: utilizção de forms de frude e de copinço (utilizção de cábuls, trblhos copidos d Internet, de livros ou rtigos, etc.) que não respeitm vlores e expecttivs sociis e institucionis, reltivs à trnsprênci dos processos de vlição de conhecimentos; pressão pr conformidde, exercid pelos pres, e solidriedde negtiv que impõe lei do silêncio, os discursos de uto-justificção e de desculpbilizção, inversão de vlores, nturlizção d frude e do copinço, como um mero expediente pr obter sucesso cdémico, utilizção de técnics há muito tempo prendids e dominds, o prgmtismo utilitrist e individulist, insensível vlores de honestidde cdémic e intelectul e o indispensável fir-ply n vid cdémic. Deve dizer-se, no entnto, que há, em contexto universitário, um concinco lunos e cinco professores de um escol secundári de Brg. Vle pen fixr dt, pois o desenvolvimento tecnológico permitiu um ctulizção e modernizção ds técnics de copinço, nomedmente com utilizção de telemóveis. A este propósito, vejmos seguinte norm de um Exme Ncionl do Ensino Básico: Pr relizção ds provs os lunos não podem levr pr sl quisquer suportes escritos não utorizdos (exemplos: livros, cdernos, folhs), computdores portáteis, nem prelhos de vídeo ou áudio, incluindo telemóveis, bips, etc. Os demis objectos (mochils, crteirs, estojos, etc.) devem ser colocdos junto à secretári dos professores vigilntes. 11 No rtigo Atitudes fce o copinço n universidde, Domingues (2002) present um nálise sociológic sobre frude cdémic, com bse num pesquis relizd em 1998, n qul form entrevistdos 40 lunos e 20 professores de um universidde portugues. 12 CF. Domingues, 2002. E DUCAÇÃO & L INGUAGEM ANO 11 Nº 17 147-159, JAN.-JUN. 2008 153
junto de fctores que fcilitm frude. Fctores reltivos os lunos (hábitos de trblho e de estudo que conduzem que se estude à últim d hor, desrticulção entre vid cdémic e vid extr-cdémic, chei de constntes estímulos pr consgrção de um cultur hedonist de fest permnente, dopção conformist e crític de estrtégis de sobrevivênci), fctores de tipo orgnizcionl (concentrção d vlição num período determindo, com inevitável redução d pressão cdémic quotidin sobre os lunos), fctores pedgógicos (ensino trnsmissivo e expositivo, métodos pedgógicos que não suscitm o interesse dos lunos, crácter excessivmente teórico de certs disciplins e mtéris leccionds, deficiente relção pedgógic e interpessol entre professores e lunos, métodos e forms de vlição centrdos em testes, n memorizção e reprodução crític ds mtéris leccionds) 13, fctores reltivos os professores (diversidde de perspectivs e de titudes fce à frude, diversidde de estrtégis e de métodos de controlo diversidde cujos efeitos negtivos, de crácter institucionl, são em grnde medid reforçdos pel inexistênci de um código normtivo que uniformize procedimentos), fctores institucionis (não clrificção dos vlores 14 e dos princípios éticos ter em considerção, por tod cdemi, no processo ensino/prendizgem e no processo de vlição); não ruptur, em termos discursivos, orgnizcionis e políticos, com cultur d frude e com os discursos que sustentm, reltivizm e desculpbilizm; permnênci d frude cdémic como ssunto 13 É pelo menos de considerr hipótese de o sucesso ds novs bordgens pedgógics proposts no âmbito do processo de Bolonh (muito centrds no trblho utónomo [e desejvelmente critivo] dos lunos) poder ser serimente meçdo pelo potencil de degrdção d pedgogi, d prendizgem e dos processos de vlição reveldo pel cultur d frude. Ms hipótese contrári tmbém é interessnte: de que um efectiv e progressiv ruptur com um trdicionl sistem de prendizgem de tipo unidireccionl, bsedo n memorizção e repetição e nos exmes como principl form de vlição poss contribuir pr redução d mrgem de mnobr pr plicção, bem sucedid, de estrtégis de sucesso cdémico ilegítimo. 14 Sobre este specto, ver o rtigo de Almerindo Afonso (1990), Do endoutrinmento à educção de vlores democráticos: o percurso d socilizção normtiv nos últimos nos d escol portugues. 154 E DUCAÇÃO & L INGUAGEM ANO 11 Nº 17 147-159, JAN.-JUN. 2008
tbu, ou, tlvez mesmo, como um não ssunto, um espécie de the drk side of the university, sem debte crítico n comunidde universitári 15 ; usênci de um discurso ético-morl de deslegitimção d frude cdémic; inexistênci de regrs formis que condenem e estipulem snções pr os diversos tipos de frude cdémic 16 ; usênci de um polític de combte efectivo à frude, que contemple, pr fins eductivos e formtivos, visibilizção d cção correctiv ds competentes instâncis universitáris. Há, contudo, de cordo com ddos de investigção e testemunhos credíveis, um significtivo número de lunos que não prticm qulquer tipo de frude, que, pelo contrário, condenm, e que, n usênci de qulquer controlo efectivo são, de fcto, profundmente penlizdos n escol, n universidde e ns sus oportuniddes de vid, pois sofrem concorrênci de pessos que usrm, de form mis ou menos sistemátic, meios e processos ilegítimos pr se presentrem em condições competitivs no mercdo de trblho. Efeitos institucionis e sociis d frude A degrdção e descredibilizção d formção, d pedgogi e do processo ensino/prendizgem é um ds principis consequêncis d institucionlizção d frude n universidde. Com efeito, frude trnsform vlição num processo desenvolvido sem referênci vlores e princípios éticos s noções de bem e de ml, de justo e de injusto, de certo e de err- 15 Num esclrecimento que serve pr pensr questão d formção étic n universidde, Goergen (2001, p. 147) precis o que entende por educção morl: Educção morl, no mbiente escolr, signific introduzir os educndos no contexto do debte ético com o objectivo de fomentr, por meio de um procedimento rgumenttivo/ dilógico, sensibilidde pr s questões moris e formção de um subjectividde como o fórum de decisões prátics. 16 Qundo não existem norms reltivs o controlo e punição de comportmentos de frude no processo de vlição, não é, sociologicmente, e de form lgo prdoxl, possível flr em desvio em relção norms, pois, como explic (Giddens, 1997, p.149), o desvio signific inconformidde em relção um cert norm ou conjunto de norms ceites por um número significtivo de pessos de um comunidde ou sociedde. E DUCAÇÃO & L INGUAGEM ANO 11 Nº 17 147-159, JAN.-JUN. 2008 155
do, não são considerds n precição e vlorção individul e colectiv dos comportmentos e titudes protgonizdos n cdemi 17. Vlores como o respeito e leldde pr com os colegs e os professores 18 e com instituição universitári, tmbém não. Um nível elevdo de recurso à frude, como técnic de sucesso, coloc, desde logo, problems qunto à qulidde d prendizgem e d formção dos lunos universitários. Há qui que distinguir entre os conceitos de sucesso rel e de sucesso certificdo. Só há verddeiro sucesso qundo há correspondênci entre s dus situções 19. Coloc-se, portnto, questão de sber o que é de fcto certificdo qundo nos deprmos com resultdos escolres obtidos por meios frudulentos (situção que sugere leiturs menos optimists ds txs de sucesso escolr oficilmente ssumids ) e que tipo de profissionis se form, quer do ponto de vist técnico, quer do ponto de vist ético e normtivo. Pr lém de se correr o risco d reprodução, n vid pessol e profissionl, de comportmentos que não form objecto de crític e snção n universidde, é tmbém importnte considerr, médio e longo przos, os efeitos decorrentes d não 17 Crlos Estêvão present n obr Educção, justiç e utonomi (2004), um importnte e muito útil reflexão sobre s dimensões étics d educção. Destcmos, em prticulr, o cpítulo IV, Étic, justiç e educção, no qul, de form sistemtizd, o utor propõe um reflexão sobre modliddes de étic (étic d crític, étic d justiç e vlores, étic do cuiddo) muito pertinentes pr estruturção de um debte sobre frude e comportmentos éticos no interior d universidde. 18 Fic especilmente prejudicdo o poder normtivo dos professores que, como explic Formosinho (1980, p. 307), [ ] é quele tipo de poder em que A fz pelo norms e vlores pr obter de B o que ele (A) quer. Apelo norms moris, religioss, jurídics, profissionis, estétics, de convivênci socil, cívics, de cortesi, etc. [ ]. 19 Sobre este tem consultr obr de Luís Sntos (2001), Adptção cdémic e rendimento escolr. 20 Chmndo tenção pr decisiv importânci ds dimensões étic e cívic n qulidde e credibilidde d formção universitári, Simão, Sntos e Almeid (2005, pp. 31-32), escrevem: Um cmpo de ctução em que s instituições de ensino superior detêm um dominânci expressiv tem ver com formção de recursos humnos ltmente qulificdos, podendo mesmo firmr-se que o seu contributo mis significtivo pr s expecttivs de desenvolvimento é o que decorre dos níveis qulittivos com que se reliz ess formção e d dinâmic de inserção de qudros ltmente qulificdos ns orgnizções. [ ] Entre esses objectivos, situ-se ges- 156 E DUCAÇÃO & L INGUAGEM ANO 11 Nº 17 147-159, JAN.-JUN. 2008
prendizgem e d não interiorizção efectiv de sberes necessários à prátic profissionl 20. A proliferção, no espço socil, d idei de que, n universidde, o clim de permissividde e de inérci fce à frude (inérci que pode ser vist n usênci de um código de bos prátics que sirv de referênci ético-morl e cdémic, de regulmentção específic, de visibilizção de procedimentos correctivos ou muito simplesmente de snções exemplres) fcilit s estrtégis de sucesso ilegítimo, min o prestígio d Universidde e confinç ds entiddes empregdors e ds ssocições profissionis 21. Conclusão A desonestidde escolr e cdémic, express em vários tipos de frude, é, como vimos, resultdo de um prendizgem desde cedo inicid. Por ess rzão, pr combter é necessári um cção proctiv em vários níveis do sistem de ensino 22. N escol básic e secundári muito poderi ser feito se este tem (problem) fosse borddo, de form consequente, o nível do trblho desenvolver no âmbito d formção cívic e democrátic ds jovens gerções, e se, de form coerente, se tomssem medids efectivs de controlo, pr lém dquels que oficilmente se doptm em circunstâncis especiis (por exemplo, em tção de um conjunto de cpciddes e titudes individuis, própris d integrção ness sociedde, como sejm ssunção de utonomi individul, o culto do rigor, interiorizção de exigênci e rigor ético nos comportmentos sociis e profissionis, o sentido empreendedor, ssunção do risco, petênci continud pelo sber. [ ] Pede-se, ssim, às instituições de ensino superior que inclum como elemento importnte n progrmção estrtégic ds sus ctividdes de formção indução generlizd desse potencil de civilidde gerdor de um cpitl socil que é fonte de sucesso n sociedde do conhecimento e, de igul form, do progresso ds diferentes instituições e entiddes que nel convergem. 21 Pr um reflexão sobre os problems que se colocm à inserção profissionl dos licencidos d Universidde do Minho, consultr obr de Albertino Gonçlves, As ss do diplom, 2001. 22 Este combte deve ser trvdo num contexto culturl dverso, pois ns socieddes pós-morlists em que vivemos (Lipovetsky, 1994, p. 17), [ ] cultur quotidin deixou de ser irrigd pelos impertivos hiperbólicos do dever e pssou sê-lo pelo bem-estr e pel dinâmic dos direitos subjectivos, deixámos de reconhecer obrigção de nos ligrmos qulquer cois pr lém de nós próprios. E DUCAÇÃO & L INGUAGEM ANO 11 Nº 17 147-159, JAN.-JUN. 2008 157
exmes ncionis). Qunto à universidde, ntes de mis, seri importnte começr por reconhecer existênci do problem (cultur e prátic d frude no processo de vlição de conhecimentos). Depois, seri útil lnçr um reflexão e um debte que permitisse evidencir s vntgens d construção colectiv e prticipd de um estrtégi nti-frude. As vntgens serim enormes do ponto de vist d credibilidde do processo ensino/ prendizgem, d étic e d justiç n vlição e clssificção dos lunos, d qulidde d formção, d imgem públic e d confinç socil n universidde. Finlmente, deve sublinhr-se que o defender o fir-ply no processo ensino-prendizgem e n vlição, em nome de vlores e ideis de justiç e de iguldde de oportuniddes, universidde ssume ctivmente um importnte ppel n formção cívic d juventude universitári, contribuindo, de form muito significtiv, pr o desenvolvimento e consolidção de um sociedde inspird em vlores e princípios democráticos. Bibliogrfi AFONSO, Almerindo Jnel. Do endoutrinmento à educção de vlores democráticos: o percurso d socilizção normtiv nos últimos nos d escol portugues. In: ALMEIDA L. et l. (orgs.). A cção eductiv. nálise psico-socil. Leiri: ESEL/APPORT, 1990. p. 58-83. BOTO, Crlot. Étic e educção clássic: virtude e felicidde no justo meio. Educção & Sociedde, Número Especil, n. 76, Étic, Educção & Sociedde: um debte contemporâneo, p. 121-146, 2001. CRUZ, José Fernndo A. & MESQUITA, Artur Pedros. Ansiedde nos testes e exmes: fctores cognitivos e fectivos. Revist Portugues de Educção, n. 1, p. 79-93, 1988. DOMINGUES, Ivo. O copinço: s titudes dos ctores. Cdernos de Ciêncis Sociis, n. 15/16, p. 189-205, 1996. DOMINGUES, Ivo. Atitudes fce o copinço n Universidde. Sociedde e Cultur, 4, Cdernos do Noroeste, Série Sociologi, v. 18 (1-2), p. 5-23, 2002. ESTÊVÃO, Crlos Vilr. Educção, justiç e utonomi; os lugres d escol e o bem eductivo. Porto: As, 2004. GIDDENS, Anthony. Sociologi. Lisbo: Fundção Clouste Gulbenkin, 1997. 158 E DUCAÇÃO & L INGUAGEM ANO 11 Nº 17 147-159, JAN.-JUN. 2008
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