DÉCIMA CÂMARA CÍVEL Apelação Cível nº Desembargador GILBERTO DUTRA MOREIRA

Transcrição

1 1 Apelação Cível. Sumário. Ação indenizatória. Contrato de transporte aéreo de passageiros. Atraso na conexão Nova York-Miami que resultou na perda do vôo para o Rio de Janeiro, destino final dos autoresapelados. Prazo prescricional de 05 (cinco) anos. Inteligência do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. Preliminar que se rejeita. Inaplicabilidade da Convenção de Montreal. Embarque e desembarque. Procedimentos demorados, não sendo o interregno de menos de 40 minutos suficiente para que os autores-apelados lograssem embarcar em conexão. Defeito na prestação do serviço de transporte aéreo, impondo à transportadora o dever de indenizar. Passageiros que amargaram sofrimento, angústia, transtornos, abalo e desequilíbrio emocional, decorrentes do injusto atraso de mais de vinte e quatro horas no retorno, frustrando o transporte tal qual contratado. Danos morais caracterizados. Valor arbitrado pelo douto Juízo a quo em R$ ,00 (dez mil reais) que se mostrou excessivo. Redução que se impõe para R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em favor de cada autor, quantia que se mostra mais adequada à hipótese e em consonância com os parâmetros estipulados por este Tribunal de Justiça e, ainda, por esta Câmara Cível. Provimento parcial do recurso, apenas para reduzir o valor atribuído aos danos morais, mantida, no mais, a sentença. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº , em que é apelante American Airlines Inc e apelados Mattheus de Almeida Belan e Caio José de Almeida Fontoura rep/p/s/mãe. ACORDAM os Desembargadores da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso, apenas para reduzir o valor atribuído aos danos morais, mantida, no mais, a sentença.

2 2 Trata-se de ação indenizatória, pelo rito sumário, ajuizada pelos Apelados em face da Apelante, alegando que adquiriram passagens Rio-NovaYork-Miami no dia 26/12/07, restando pactuado o retorno em 02/02/08, às 15:55h, o que não foi integralmente cumprido, já que, no retorno, o atraso na conexão de Nova York-Miami impediu o embarque com destino ao Rio de Janeiro, que só foi realizado no dia seguinte, em vôo com escalas e que também atrasou, sendo concluído o transporte 24 horas depois. Por tais razões, pretendem indenização por danos morais em valor a ser arbitrado pelo Magistrado. Em audiência de conciliação, a ré apresentou contestação (fls. 55/72), invocando a prescrição e preliminar de inépcia da inicial e, no mérito, aduziu que se aplica a Convenção de Montreal nos contratos de transporte internacional, como no caso dos autos, devendo ser observados os limites estabelecidos em tal ato normativo; que não foi possível o embarque em conexão por culpa exclusiva dos autores, tendo em vista que o atraso não foi significativo; que a perda do vôo não pode ser imputada à ré; que a hipótese configura mero aborrecimento. Na sentença de fls. 99/103, o douto Juízo a quo rejeitou a preliminar invocada e julgou procedente o pedido, condenando a ré a indenizar os danos morais no valor de R$ ,00 (dez mil reais) em favor de cada autor, impondo-lhe, ainda, os ônus sucumbenciais. A ré apelou, às fls. 111/144, requerendo a reforma da sentença, insistindo na prescrição e demais argumentos de sua peça de defesa, pretendendo, na eventualidade, a redução da indenização. (fls. 151/154). Em contra-razões, os apelados prestigiaram a sentença O Ministério Público, às fls. 156/157, e a douta Procuradoria de Justiça, às fls. 159/168, opinaram no sentido do desprovimento do recurso. É o relatório. Inicialmente, insiste a ré-apelante na ocorrência da prescrição consoante disposição da Convenção de Montreal, nos termos do art. 35, in verbis: Artigo 35 Prazo Para as Ações

3 3 1. O direito à indenização se extinguirá se a ação não for iniciada dentro do prazo de dois anos, contados a partir da data de chegada ao destino, ou do dia em que a aeronave deveria haver chegado, ou do da interrupção do transporte. Ao contrário do que alega, incide na espécie a regra do art. 27, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe o prazo de 05 (cinco) anos, para prescrição da pretensão à reparação dos danos causados por fato do produto ou de serviço, como bem assinalado na sentença. Por tais razões, rejeita-se a prescrição invocada. Quanto ao mérito, o atraso na conexão que resultou na perda do vôo de retorno ao Rio de Janeiro restou incontroverso, fato que constitui defeito na prestação do serviço de transporte aéreo, impondo à transportadora o dever de indenizar. Ressalte-se, outrossim, que a apelante não logrou comprovar que a perda do vôo se deu por culpa dos apelados, argumento que não se confirma com a simples afirmação de fls. 67, onde a transportadora argumenta que o vôo aterrissou em Miami às 19:52h, enquanto que o vôo com destino ao Rio de janeiro decolou 20:35h, o que evidencia que o lapso para a conclusão da conexão era insuficiente. Isto porque, é fato notório que o embarque e o desembarque são procedimentos demorados, razão porque o interregno de menos de 40 minutos não seria suficiente para que os autores-apelados lograssem embarcar, como pretende fazer crer a apelante. Com efeito, inegável que o contrato de transporte de passageiros é de prestação de serviços, sendo-lhe aplicável o Código de Defesa do Consumidor, eis que os passageiros são os destinatários finais do serviço de transporte, e assim, a ré responde objetivamente pelos danos causados em razão da oferta da prestação dos serviços a consumidores indeterminados e conforme preceitua o art. 3º do CODECON. Na hipótese vertente, resta incontroverso o descumprimento do contrato em razão do atraso na conexão de Nova York- Miami impediu o embarque com destino ao Rio de Janeiro, fato que, por si só, já caracteriza o defeito na prestação do serviço de transporte aéreo, impondo à transportadora o dever de indenizar os danos decorrentes dos transtornos sofridos pelos passageiros.

4 4 justiça: Neste sentido, já decidiu este egrégio Tribunal de RESPONSABILIDADE CIVIL - ATRASO DE VÔO - FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - DANO MORAL - EXISTÊNCIA. Ação de Indenização pelos danos morais sofridos em virtude do atraso de mais de 10 (dez) horas no vôo da Companhia Aérea Ré, no qual os Autores viajavam, o que lhes causou prejuízos como a perda de diária de hotel e passeios previamente programados. - O atraso nos vôos nacionais e internacionais tem se tornado uma prática corriqueira das companhias aéreas, o que não descaracteriza a ilicitude de tal prática, em especial, quando os consumidores ainda são tratados com descaso e falta de respeito. - Ao serviço de transporte aéreo aplicam-se as regras e princípios estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade objetiva. - Falha da prestação do serviço caracterizada pelo atraso do vôo, pois o transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos. Problemas no sistema aeroviário brasileiro que pudessem gerar atrasos ou cancelamento de vôos são fatos inerentes ao risco empresarial, o que não exonera a Ré de sua responsabilidade. - Dano moral. Existência. Verba fixada em R$ 8.000,00 (oito mil reais) para cada Autor. Quantum que se ostenta adequado, fixado com proporcionalidade e razoabilidade entre o fato e seus efeitos, não representando enriquecimento para os Autores, mas sim uma compensação pelos transtornos causados, além de penalidade para a Ré, para evitar igual e reiterado comportamento da mesma. - Aplicação do caput do art. 557 do Código de Processo Civil. - Recurso que liminarmente se nega seguimento. ( Apelação - DES. CAETANO FONSECA COSTA - 09/03/ SETIMA CAMARA CIVEL) Ademais, inexiste controvérsia acerca dos percalços enfrentados pelo autor que amargou o cancelamento da viagem, sendo oportuno destacar, como já dito, que eventuais falhas técnicas nas aeronaves e suas conseqüências não caracterizam força maior e não podem ser amargadas pelos consumidores, devendo as companhias aéreas buscarem meios alternativos para evitar os transtornos aos passageiros.

5 5 A toda evidência, incumbe ao fornecedor o dever de arcar com os prejuízos decorrentes das possíveis falhas técnicas decorrentes da automação dos serviços e não o consumidor, já que tal hipótese configura o fortuito, eis que inesperado, porém, como este se relaciona com a atividade desenvolvida, constitui risco do negócio, devendo ser suportadas as conseqüências pelo fornecedor dos serviços, tratando-se da modalidade interna. Efetivamente, o dever de indenizar pressupõe a existência de ato ilícito, assim, não merece reparo a sentença, vez que, de fato, a ré atuou de forma contrária ao direito, violando o dever de cuidado quando do abusivo cancelamento do vôo por ausência de prévia manutenção da aeronave, devendo assim ser punida por sua má conduta. Ressalte-se, por oportuno, que a indenização pelos danos morais é evidentemente devida, face à confusão, ao sofrimento, à angústia, à dor, aos transtornos, ao abalo e ao desequilíbrio emocional, decorrentes do injusto cancelamento do vôo, frustrando o transporte contratado. Ademais, a jurisprudência é assente no sentido não só de conceder tal indenização, como também em afastar a limitação aos valores previstos no Pacto de Varsóvia, conforme entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL E MATERIAL. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. SOBREVENDA DE PASSAGENS. REMOÇÃO PASSAGEIROS OUTRO PAÍS. TRATAMENTO HOSTIL. CONSTRANGIMENTO. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. - Em vôo internacional, se não foram tomadas todas as medidas necessárias para que não se produzisse o dano, justifica-se a obrigação de indenizar. - Cabe indenização a título de dano moral pelo atraso de vôo aéreo internacional. O dano decorre da demora, desconforto, aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro, não se exigindo prova de tais fatores. - Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, as hipóteses de indenização por atraso de vôo não se restringem àquelas descritas na Convenção de Varsóvia, o que afasta a limitação tarifada. (AgRg no REsp / SP - Ministro Humberto Gomes de Barros - 30/11/ DJ RSTJ vol. 195 p. 263)

6 6 Quanto à pretensão de redução da indenização, de fato o valor arbitrado pelo douto Juízo a quo em R$ ,00 (dez mil reais) se mostrou excessivo a impor a redução para R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em favor de cada autor, quantia que se mostra mais adequada à hipótese e em consonância com os parâmetros estipulados por este Egrégio Tribunal de Justiça e, ainda, por esta Colenda Câmara Cível, em hipóteses análogas: TRANSPORTE AÉREO. ATRASO DE VÔO. Condições climáticas desfavoráveis que não podem ser utilizadas para afastar a responsabilidade civil da companhia. Cidade européia de conexão conhecida por seu tempo instável e corriqueiramente sujeita ao fechamento de seus aeroportos. Decolagem com atraso setenta e um (71) minutos, determinantes para a perda da conexão, diante do exíguo intervalo de tempo (75 minutos) dado ao consumidor para realizar a troca da aeronave. Alimentação especial (comida Kocher) não fornecida conforme o contratado, desrespeitando o consumidor que segue fielmente a religião judaica. Vício do serviço configurado. Fortuito interno. Danos materiais comprovados que merecem ressarcimento no valor de R$ 380,55 (trezentos e oitenta reais e cinqüenta e cinco centavos). Danos morais in re ipsa que se arbitra no patamar de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Apelo provido. (Apelação ( ) - Des. Celso Peres - 09/09/ DECIMA Câmara Cível) APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - RESGATE DE MILHAS ATRAVÉS DO PROGRAMA SMILES NÃO HONRADO PELAS RÉS - CANCELAMENTO DO VOO DOIS DIAS ANTES DA VIAGEM RELAÇÃO DE CONSUMO SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO COM RELAÇÃO A PRIMEIRA RÉ VRG LINHAS AÉREAS S/A CONDENANDO-A A RESGUARDAR AS MILHAGENS ADQUIRIDAS PELO AUTOR ATRAVÉS DO PROGRAMA SMILES, JULGANDO IMPROCEDENTES OS DEMAIS PEDIDOS - APELO DA RÉ VRG E DA DEMANDANTE. - EDITAL DE ALIENAÇÃO, ACOSTADO AOS AUTOS ESTABELECENDO ENTRE AS OBRIGAÇÕES DA VRG A DE MANTER O SISTEMA SMILES ADMINISTRADO PELA EMPRESA RECUPERANDA. - RELAÇÃO DE CONSUMO. - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DE

7 7 AMBAS AS RÉS QUE, IN CASU, RESPONDEM SOLIDARIAMENTE PELOS DANOS CAUSADOS AOS CONSUMIDORES. - DANO MORAL EVIDENCIADO. - REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA PARA CONDENAR AS RÉS AO PAGAMENTO DA QUANTIA DE R$5.000,00 (CINCO MIL REAIS) A TÍTULO DE DANOS MORAIS - NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU e DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR. (Apelação Des. Sidney Hartung - 11/05/ QUARTA Câmara Cível) RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. ATRASO. CANCELAMENTO DO VÔO. INCIDÊNCIA DO CODECON. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. DANO MORAL. FIXAÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. (...) De fato, caracterizam-se como fortuito interno englobado, portanto, no risco do empreendimento o que enseja o dever de indenizar os danos sofridos nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Configuração de danos morais. O montante de R$ 3.000,00 (três mil reais) arbitrado na sentença, mostra-se incompatível com o valor fixado por este Tribunal em casos semelhantes. Assim, reputo o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) mais consentâneo com a repercussão dos fatos narrados nestes autos e com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Por fim, não assiste razão à ré no que tange aos honorários advocatícios. Honorários corretamente fixados. Recurso do autor parcialmente provido e recurso da ré ao qual se nega provimento. Apelação Des. Mario Assis Goncalves - 17/11/2010 3ª Câmara Cível Por tais fundamentos, dá-se parcial provimento ao recurso, apenas para reduzir o valor atribuído aos danos morais, mantida, no mais, a sentença. Rio de Janeiro, 19 de setembro de GILBERTO DUTRA MOREIRA Desembargador Relator