ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO

Transcrição

1 SEXTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento nº Agravante: LUCIENE FERREIRA DA SILVA Agravado: LEASING PANAMÁ EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA Relatora: DES. TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS E PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. DISTRATO. VANTAGEM MANIFESTAMENTE EXCESSIVA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DO HABITE-SE QUE IMPEDE A CONCESSÃO DE FINANCIAMENTO. VEROSSIMILHANÇA. 1. Para a concessão da antecipação da tutela é necessário que estejam presentes os requisitos autorizadores expressamente dispostos nos incisos do art. 273 do CPC. A decisão de antecipação ou não de pedido de tutela fica adstrita ao poder discricionário que a lei confere ao julgador monocrático. 2. Agravante celebrou contrato de promessa de compra e venda de unidade condominial autônoma com a agravada, pagou as parcelas pactuadas, exceto aquela ajustada para pagamento através de financiamento pelo programa Minha Casa Minha Vida. 3. Alega que a agravada não forneceu a documentação relativa ao habite-se, necessária para obtenção do financiamento, mas passou a exigir o pagamento do saldo devedor. 4. Cláusula do instrumento de promessa de compra e venda previa que o prazo de pagamento da parcela a ser quitada mediante repasse de financiamento do programa Minha Casa Minha Vida não poderia ultrapassar noventa dias da expedição do habite-se. 5. Se a agravada não obteve o habite-se não pode exigir da agravante o pagamento da parcela que seria quitada com o citado financiamento. Regra do art. 476 do Código Civil de Exceção de contrato não cumprido. fag 1

2 6. Distrato restringiu direito da Agravante, afrontando o disposto no artigo 51, 1º, inciso III, do CDC. 7. Acolhimento do pedido de suspensão dos efeitos do distrato, pois, in casu, entendo estar presente à verossimilhança da alegação da Autora quanto à ausência do habite-se. 8. Para apreciação do pedido que visa compelir a agravada a fornecer o habite-se, mister analisar as razões do agravado. Uma vez formado o contraditório, deverá o juízo de primeiro grau apreciar o pedido. Precedentes do TJRJ. Recurso parcialmente provido, com fulcro no art. 557, 1º - A, do CPC. DECISÃO Trata-se de agravo de instrumento contra decisão proferida pelo juízo da 7ª Vara Cível de Nova Iguaçu que nos autos da ação de obrigação de fazer c/c reparação de danos indeferiu o pedido de antecipação da tutela, por entender não estarem presentes seus requisitos. O pedido da agravante visava suspender os efeitos do distrato da promessa de compra e venda de imóvel e compelir a agravada a fornecer o habite-se devidamente averbado no Registro de Imóveis para conclusão do financiamento junto à Caixa Econômica Federal pelo programa Minha Casa Minha Vida. Inconformada, a agravante interpôs o presente recurso, alegando que celebrou contrato de promessa de compra e venda de unidade condominial autônoma com a agravada, efetuando o pagamento das parcelas pactuadas, exceto aquela ajustada para pagamento através de financiamento pelo programa Minha Casa Minha Vida da Caixa Econômica Federal. Destaca que para a liberação pela CEF é imperiosa a expedição de habite-se, o que não ocorreu; assim, a agravada passou a exigir o pagamento da parcela. fag 2

3 Acrescenta que obteve carta de crédito da CEF e a apresentou à preposta da agravada, que informou que o habite-se ainda não havia sido liberado. Por fim, afirma que os representantes da agravada informaram que não foi dado prosseguimento ao processo de financiamento, pois havia necessidade de nova análise da documentação pela CEF e que teria que se executar o distrato. É o relatório. Decido. Atendidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso e passo a decidir de plano o presente agravo de instrumento, com fundamento no art. 557, caput e 1º-A do CPC. Trata-se de relação jurídica de consumo, ocupando a Agravante a posição de consumidor, parte mais fraca desta relação jurídica e a Agravada a posição de fornecedor, configurando a hipótese do art. 3º do CDC. Tecidas estas considerações, adentremos ao mérito do recurso. O d. magistrado de primeiro grau entendeu por indeferir o pedido de antecipação de tutela, porque não verificou a presença de elementos suficientes que possibilitem a concessão da tutela pretendida. Pois bem, é de curial sabença que o devedor deve cumprir a prestação a que está obrigado nos precisos termos em que a obrigação foi constituída, cabendo a ambas as partes da relação obrigacional o dever de proceder com honestidade e lealdade recíprocas, isto é, com boa-fé. Por outro lado, o descumprimento da obrigação pode ser ou não imputável ao devedor e o será quando este atua culposamente, devendo responder pelos prejuízos que causar. Entretanto, é pacífico que em tais casos, é ônus do Autor comprovar o fato constitutivo da relação jurídica, fag 3

4 conforme dispõe o inc. I do art. 333 do CPC, nem mesmo a inversão do ônus da prova se presta para tal deslinde, posto que esta não pode suprir a total falta de demonstração do fato constitutivo do seu direito. Como se sabe, a decisão de antecipação ou não de pedido de tutela fica adstrita ao poder discricionário que a lei confere ao julgador monocrático, não constituindo, a princípio, ato abusivo ou ilegal, sendo certo que somente haverá interferência da instância superior em caso de decisão teratológica, contrária à lei ou à prova dos autos, o que não ocorre na hipótese ora analisada. Para a concessão da antecipação da tutela pretendida é necessário que estejam presentes os seus requisitos autorizadores expressamente dispostos nos incisos do art. 273 do CPC, quais sejam o perigo de dano de difícil reparação e a verossimilhança das alegações. No que diz respeito à verossimilhança, faz-se necessário que, mediante prova inequívoca, encontrem-se demonstradas as alegações aduzidas para que aquela esteja presente. Milita em favor do consumidor a presunção de verdade, até porque o Agravado, na qualidade de fornecedor do serviço, é que detém cópia dos documentos necessários à comprovação de fatos extintivos ou modificativos do direito da agravante. De mais a mais, o consumidor é hipossuficiente técnico, parte mais fraca e vulnerável desta relação, fazendo jus à inversão do ônus da prova, na forma do art. 6º, VIII do C.D.C. é direito básico do consumidor a facilitação da sua defesa. Contudo, ainda que se considere a inversão do ônus prova em favor do consumidor, deverá este trazer aos autos elementos mínimos probatórios do direito pleiteado, de modo que se possa extrair esse último requisito para a concessão da tutela antecipatória. fag 4

5 A agravante celebrou instrumento de promessa de compra e venda de imóvel com a agravada e pagou as parcelas pactuadas, exceto aquela ajustada para pagamento através de financiamento pelo programa Minha Casa Minha Vida. Alega a Agravante que a agravada não forneceu a documentação relativa ao habite-se, necessária para obtenção do financiamento e mesmo assim passou a exigir o pagamento do saldo devedor. Narra que não teve informações claras sobre o programa Minha Casa Minha Vida e que assinava todos os documentos fornecidos pela agravada, acreditando se tratar de mero procedimento administrativo. A agravante assinou distrato com a agravada, que restringiu direitos previstos na promessa de compra e venda. A cláusula XVI da promessa de compra e venda previa que o prazo para pagamento da parcela mediante repasse de financiamento não poderia ultrapassar noventa dias da expedição do habite-se. No entanto, o distrato fixou a data de 25/04/2013 para que fosse efetuado o pagamento do saldo devedor, sem nada esclarecer sobre a documentação relativa ao habite-se. Ora, se a agravada não forneceu o habite-se, não poderia exigir da agravante o pagamento da parcela a ser quitada através de financiamento pelo programa Minha Casa Minha Vida (cláusula XVI 1 e 2). O distrato concedeu vantagem excessiva à agravada, em evidente afronta ao disposto no artigo 51, 1º, inciso III, do CDC. Ademais, verifico que a agravante comprovou que conseguiu Carta de Crédito Habitacional da Caixa Econômica Federal (fls. 38) em 12/04/2013, antes da data limite acordada no distrato para a agravante pagar o saldo devedor (25/04/2013). fag 5

6 Dessa forma, entendo que merece acolhido o pedido da agravante que visa suspender os efeitos do distrato da promessa de compra e venda, pois, in casu, entendo haver verossimilhança da alegação da Autora no tocante à ausência do habite-se, que inviabiliza o financiamento pela Caixa Econômica Federal. Neste sentido invoco lições de jurisprudência desta Corte, in verbis: ª Ementa - AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. ELISABETE FILIZZOLA - Julgamento: 18/05/ SEGUNDA CAMARA CIVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO. REPARAÇÃO DE DANOS. TUTELA ANTECIPADA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA CONCLUSÃO DA OBRA. EXIGIBILIDADE DA DÍVIDA. O atraso na conclusão das obras pela construtora autoriza a suspensão do pagamento das parcelas pelo comprador. Inteligência do art. 476 do Código Civil. As obras atrasaram por mais de dois anos, o que impossibilitou a contratação de financiamento do saldo residual junto à instituição financeira pelos contratantes, diante da exigência de averbação da construção junto ao RGI. Logo, não haveria como a ré exigir dos autores o pagamento da última parcela antes de cumprir com a prestação a que se obrigou, qual seja, a entrega do imóvel e a obtenção do "habite-se". RECURSO PROVIDO. (grifo nosso) ( ) fag 6

7 1ª Ementa - AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. MARCO AURELIO BEZERRA DE MELO - Julgamento: 10/08/ DECIMA SEXTA CAMARA CIVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE DEFERIU O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, DETERMINANDO QUE A AGRAVANTE PROVIDENCIE JUNTO AO ÓRGÃO COMPETENTE A AVERBAÇÃO DA CERTIDÃO DE HABITE-SE DO IMÓVEL ADQUIRIDO PELOS AGRAVADOS, BEM COMO, FORNEÇA TODA A DOCUMENTAÇÃO NECESSÁRIA PARA A OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO JUNTO A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PRESENÇA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART.273 DO CPC. VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES. AS PARTES FIRMARAM ESCRITURA PÚBLICA DE PROMESSA DE CESSÃO DE DIREITOS AQUISITIVOS E DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE AUTÔNOMA EM CONSTRUÇÃO. O PRAZO PARA ENTREGA DA OBRA ERA SETEMBRO DE 2008, CONFORME CLÁUSULA 2 DA ESCRITURA. OS AGRAVADOS MANIFESTARAM OPORTUNAMENTE À AGRAVANTE O INTERESSE EM FINANCIAR O SALDO DO PREÇO DO REFERIDO IMÓVEL JUNTO A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. RECEIO DE DANO. A OBTENÇÃO DO REFERIDO FINANCIAMENTO É CONDIÇÃO ESSENCIAL PARA QUE OS AGRAVADOS POSSAM REALIZAR O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES VINCENDAS. DECISÃO QUE AINDA QUE NÃO ESTIVESSE REVESTIDA DE INEGÁVEL ACERTO, MERECE SER MANTIDA EM HOMENAGEM À SÚMULA 59, DO TJRJ, POR NÃO SE REVELAR TERATOLÓGICA, CONTRÁRIA À LEI OU À PROVA DOS AUTOS. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 557, CAPUT, CPC. fag 7

8 Destaco que não há perigo de irreversibilidade da tutela, uma vez que se a parte autora for vencida ao final, poderá a agravante ajuizar ação de cobrança de valores eventualmente devidos. No tocante ao pedido para compelir a agravada a fornecer o habite-se, entendo necessário analisar as razões do agravado. Assim, uma vez formado o contraditório, deverá o juízo de primeiro grau apreciar esse pedido. Ante o exposto, conheço do recurso para DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, na forma do art. 557, 1º - A do CPC, para determinar a suspensão dos efeitos do instrumento particular de distrato com cláusula resolutiva celebrado entre as partes. Oficie-se o juízo a quo para dar cumprimento a presente decisão. Rio de Janeiro, 02 de fevereiro de TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES Desembargadora Relatora fag 8