CÍRIO ADMINISTRADORA DE VALORES LTDA.

Transcrição

1 Processo nº: 057/ COMARCA DE LAGOA VERMELHA - 2ª VARA JUDICIAL Nº de Ordem: Processo nº: 057/ Natureza: Revisão de contrato Autor: Móveis Rodial Ltda. Réu: Círio Administradora de Valores Ltda. Prolatora: Anelise Boeira Varaschin Data: 15 de dezembro de 2006 Vistos etc. MÓVEIS RODIAL LTDA. ajuizou ação de revisão de contratos de factoring cumulada com repetição de indébito contra CÍRIO ADMINISTRADORA DE VALORES LTDA. Disse que o contrato de fomento mercantil realizado entre as partes se ajusta mais a empréstimo com garantia de títulos em caução, sendo que contém cláusulas abusivas, as quais prevêem, entre outros não permitidos em lei, juros acima de 12% ao ano e capitalização mensal dos mesmos. Dizendo ser possível a revisão de toda a contratualidade, bem como ser aplicável à relação jurídica havida entre as partes o Código de Defesa do Consumidor, postulou a

2 Processo nº: 057/ procedência da ação, para que fosse declarada a natureza comercial da atividade de factoring, reconhecido o desvirtuamento dos contratos, que se tratavam de meros empréstimos, bem como a revisão de todos os contratos firmados e condenação da requerida na restituição de eventuais valores pagos a maio pela autora. Em sede de tutela antecipada, requereu fosse determinada a abstenção de ser efetuado qualquer registro do nome da empresa autora em qualquer órgão de proteção ao crédito, bem como de ser levado a protesto títulos vinculados aos contratos de factoring mantidos com a requerida. Juntou documentos (fls. 18/75). Deferiu-se parcialmente a tutela antecipada requerida (fl. 76/76v.). Citada, a empresa demandada contestou a ação, alegando, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que encerrado está o contrato de fomento mercantil que existiu entre as partes, sendo que as duplicatas adquiridas foram todas pagas; e a inépcia da inicial, ante a ausência de relação entre o pedido, o fundamento legal e o resultado pretendido. No mérito, disse que a atividade de fomento mercantil não se trata de atividade financeira, mas de atividade mercantil. Referiu que não há cobrança de juros, mora, comissão de permanência e demais encargos. Salientou que as operações por si efetuadas consistem na

3 Processo nº: 057/ aquisição de títulos de crédito, com a cobrança de um preço, conhecido como fator de compra. Tais operações são legais e consagradas na legislação pátria. Mencionou a diferença entre fomento mercantil e desconto de títulos. Teceu considerações acerca do princípio da socialidade, da boa-fé contratual, bem como do fator mensal. Aduziu a inexistência de reembolso de duplicatas, referindo que existe apenas o instituto da recompra. Insurgiu-se contra a prova pericial, aplicabilidade do CDC, revisão de contratos extintos, bem como ao pedido de repetição de indébito. Requereu a improcedência da ação (fls. 79/127). Juntou documentos (fls. 128/144). Réplica às fls. 158/170. O Ministério Público ofertou parecer (fls. 172/175) As preliminares suscitadas pela requerida foram afastadas (fl. 176). Indeferida a prova pericial pretendida pela autora (fl. 182), foi interposto agravo retido (fls. 184/188), contraarrazoado (fls. 194/195). Em parecer final, o Ministério Público opinou pela improcedência da ação (fls. 205/211). Concluíram-se os autos para sentença.

4 Processo nº: 057/ É o relatório. Passo a fundamentar. Julgo antecipadamente a lide, nos termos do art. 330, inc. I do CPC, tendo em vista que a matéria controvertida versa unicamente sobre direito, sendo desnecessária a produção de outras provas. Afasto a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido em razão da extinção do contrato de fomento mercantil, por ausência de provas neste sentido. No mérito, a autora pleiteia a revisão de cláusulas constantes do contrato de abertura de fomento mercantil realizado entre as partes, alegando que, em verdade, trata-se de empréstimo com garantia de títulos em caução, através do qual foram cobrados durante as diversas operações realizadas, encargos abusivos. Com efeito, nos contratos de factoring, mediante os quais a empresa que recebe os títulos cobra pelos serviços prestados mediante deságio, não há cobrança de juros. Portanto, não há que se falar em capitalização mensal e repetição do indébito de valores cobrados a maior, mormente porque à relação jurídica existente entre as partes, de natureza mercantil, não se aplicam as disposições do Código de Defesa do Consumidor.

5 Processo nº: 057/ Dessa forma, não é possível revisar os contratos e firmados entre as duas empresas, que realizaram operações mercantis, sem que tenha havido desequilíbrio material entre elas, ou seja, a autora não é parte hipossuficiente. Além disso, os contratos de fomento mercantil não se confundem com empréstimo, pois naqueles ocorre uma compra e venda de ativos financeiros, não se aplicando, à hipótese, a limitação de juros pretendida. Neste sentido, a jurisprudência: AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO, RECONVENÇÃO E EMBARGOS DO DEVEDOR. CONTRATO DE FACTURIZAÇÃO. CONFISSÃO DE DÍVIDAS COM GARANTIA HIPOTECÁRIA. NOVAÇÃO CARACTERIZADA. DISTINÇÃO ENTRE CONTRATO DE FACTORING E MÚTUO BANCÁRIO. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 286 DO STJ. REVISÃO DE CONTRATO DE FATURIZAÇÃO. CDC. INAPLICABILIDADE. CAPITALIZAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PACTUAÇÃO. ENCARGOS. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE. EXCESSO DE EXECUÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. APELO DESPROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº , VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: JOSÉ AQUINO FLORES DE CAMARGO, JULGADO EM 14/12/2005) FACTORING. REVISÃO CONTRATUAL. DUPLICATAS. DESÁGIO. JUROS. RECOMPRA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENDOSSO. CESSÃO DE CRÉDITO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DESCABIMENTO. 1 - O CONTRATO DE FACTORING NÃO CONSTITUI NEGÓCIO JURÍDICO BANCÁRIO, RAZÃO PELA QUAL DESCABE ACOLHER-SE A PRETENSÃO QUE VISA A REVISÃO DAS CLÁUSULAS RELATIVAS AOS JUROS. INAPLICABILIDADE DA

6 Processo nº: 057/ LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL. A EMPRESA FATURIZADORA POSSUI O DIREITO DE COBRAR PELOS SERVIÇOS PRESTADOS AO FATURIZADO, EM PERCENTUAL SOBRE OS CRÉDITOS, NA MODALIDADE DE DESÁGIO, O QUE NÃO REVELA A INCIDÊNCIA DE JUROS. VEDAÇÃO INEXISTENTE NA LEI. 2 AUSÊNCIA DE DESCARACTERIZAÇÃO DA NATUREZA DO NEGÓCIO DE FACTORING, QUE DIFERE DA OPERAÇÃO DE DESCONTO BANCÁRIO. 3 TÍTULOS ENDOSSADOS. RECOMPRA. POSSIBILIDADE. PREVISÃO LEGAL. 4 PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ASSESSORIA. AUSÊNCIA DE SOLICITAÇÃO NO PERÍODO CONTRATO. PREVISÃO CONTRATUAL DE COBRANÇA DOS TÍTULOS ENDOSSADOS. 5 - INEXISTÊNCIA DE VALORES A RESTITUIR, RAZÃO PELA QUAL DESCABE O PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE EM PRIMEIRO GRAU. APELO IMPROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº , DÉCIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: PAULO ANTÔNIO KRETZMANN, JULGADO EM 25/03/2004) REVISÃO CONTRATUAL. FACTORING. REVISÃO DOS CONTRATOS FINDOS. IMPOSSIBILIDADE. JUROS, CAPITALIZAÇÃO E COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. REVISÃO DESCABIDA POR NÃO-PACTUADOS. APELAÇÃO IMPROVIDA. (APELAÇÃO CÍVEL Nº , DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: PEDRO LUIZ RODRIGUES BOSSLE, JULGADO EM 11/02/2004) Por todo o exposto, improcede a ação. Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a ação de revisão contratual proposta por MÓVEIS RODIAL LTDA contra CÍRIO ADMINISTRADORA DE VALORES LTDA.

7 Processo nº: 057/ Nestes termos, revogo a liminar deferida às fls. 76/76v. Condeno a autora no pagamento das despesas processuais e em honorários advocatícios do procurador do requerido, os quais fixo em R$ 1.000,00, com base no art. 20, 4º CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Lagoa Vermelha, 15 de dezembro de 2006 Anelise Boeira Varaschin Juíza de Direito