DISSECÇÃO AGUDA DE AORTA
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- Fernando Fidalgo Bandeira
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1 Capítulo 10 DISSECÇÃO AGUDA DE AORTA Flávio de Souza Brito INTRODUÇÃO A dissecção aguda de aorta é a mais comum e letal catástrofe envolvendo a aorta, sendo sua letalidade estimada em 1% por hora após o início do quadro Requer, portanto, diagnóstico precoce e tratamento imediato Doença relatada historicamente por Vesalius, Nichols (fez o diagnóstico post mortem do rei Jorge II da Inglaterra), Morgagni (descreveu os achados de um paciente com tam ponamento cardíaco pós-ruptura de aorta) e Laënec (em 1826 usou pela primeira vez o termo aneurisma dissecante de aorta) EPIDEMIOLOGIA Acomete predominantemente o sexo masculino ( 2 3 dos casos) nas 5ª e 6ª décadas de vida Incidência de 2,6 a 3,5 casos a cada pessoas/ano, o que no Brasil representa aproximadamente casos/ano Somente 50 a 70% dos casos são clinicamente reconhecidos, devido principalmente à apresentação sintomática variada e à falta de suspeita clínica FISIOPATOLOGIA Geralmente, o evento inicial na dissecção aguda de aorta é uma ruptura da túnica íntima ( fenda intimal ) através da qual o sangue penetra na camada média da parede aórtica, separando a íntima da adventícia, gerando tanto uma verdadeira quanto uma falsa luz Os locais mais comuns de ruptura são: junção sinotubular da aorta ascendente (logo acima do anel aórtico) e a região ístmi ca na aorta descendente (logo após a origem da artéria subclávia esquerda) De forma mais habitual, a dissecção propaga-se em direção à aorta distal (dissecção anterógrada), porém em 5 a 10% dos Cardiologia_UNIFESP_10.indd /06/10 11:21
2 146 URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS CARDIOVASCULARES casos pode haver extensão para a aorta proximal (dissecção retrógrada) Dissecção sem fenda é o termo atualmente utilizado para definir casos em que se encontra hematoma intramural sem lesão intimal. São os chamados variantes de dissecção e envolvem, além do hematoma, a úlcera penetrante da aorta (placa de ateroma complicada com ulceração) ETIOLOGIA Em pacientes jovens é importante estar atento para doenças do tecido conectivo, como síndromes de Marfan, Ehler-Danlos, Turner e Noonan, assim como arterite de células gigantes, que conferem maior risco à dissecção aguda de aorta Coarctação de aorta e valva aórtica bicúspide também podem estar relacionadas à dissecção Extremamente frequente é a relação da HAS com a doença (na maioria das séries clínicas há associação em torno de 80 a 90% dos casos) Gestantes, usuários de cocaína, pacientes submetidos a cateterismo cardíaco, uso de balão intra-aórtico ou que apresentaram trauma torácico não penetrante (principalmente envolvendo mecanismo de aceleração-desaceleração) também estão mais suscetíveis à dissecção aguda da aorta CLASSIFICAÇÃO São três as principais formas de classificação propostas: STANFORD (DALY, 1970) Tipo A: dissecção envolvendo a aorta ascendente Tipo B: dissecção não envolvendo a aorta ascendente (apenas a descendente é acometida) DE BAKEY (1982) Tipo I: dissecção envolvendo toda a aorta Tipo II: dissecção envolvendo apenas a aorta ascendente Tipo III: dissecção envolvendo a aorta descendente isoladamente SVENSSON (1999) Classe 1: dissecção clássica com verdadeira e falsa luz Classe 2: hematoma intramural ou hemorragia Cardiologia_UNIFESP_10.indd /06/10 11:21
3 DISSECÇÃO AGUDA DE AORTA 147 Classe 3: dissecção sutil sem hematoma Classe 4: úlcera penetrante aterosclerótica Classe 5: dissecção traumática ou iatrogênica I II IIIA IIIB Avaliação de De Bakey. SINTOMAS E EXAME FÍSICO De acordo com o IRAD, estes foram os principais sintomas apre sentados e suas respectivas porcentagens de ocorrência: Dor ( dilacerante, lancinante ou sensação de estar sendo rasgado ): Dor no peito (72,7%) Início súbito (84,8%) Dor na região anterior do tórax (60,9%) Dor na região posterior do tórax (35,9%) Dor abdominal (29,6%) Síncope (9,4%) Pressão arterial: Hipertensos (PAS > 150mmHg; 49%) Cardiologia_UNIFESP_10.indd /06/10 11:21
4 148 URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS CARDIOVASCULARES Normotensos (PAS mmHg; 34,6%) Hipotensos (PAS < 100mmHg; 8%) Choque ou tamponamento cardíaco (PAS < 80mmHg; 8,4%) Sopro de insuficiência aórtica (31,6%) Déficit de pulsos (15,1%) AVC (4,7%) Paraplegia ou paraparesia (acometimento da artéria medular anterior) (3%) Insuficiência cardíaca (6,6%) IAM por acometimento do óstio coronariano (ACD predominantemente) (1 a 2%) Isquemia mesentérica (3 a 5%) Envolvimento da artéria renal (5 a 8%) Outros achados como derrame pleural (mais comum à esquerda), rouquidão, compressão de vias aéreas superiores e hemoptise podem ser apresentações atípicas da dissecção aórtica. EXAMES COMPLEMENTARES ELETROCARDIOGRAMA Fundamental para o diagnóstico diferencial com outras causas de dor torácica, principalmente o IAM, em especial nos casos raros em que a dissecção envolve o óstio da coronária direita Geralmente, encontram-se ritmo sinusal, sobrecarga de câmeras esquerdas e alterações da repolarização ventricular inespecíficas RADIOGRAFIA DE TÓRAX Muito útil para mostrar alargamento do mediastino e/ou derrame pleural Cardiomegalia pode indicar derrame pericárdico Duplo contorno na aorta (difícil de ser visualizado e incomum), a separação da calcificação intimal do vaso de sua adventícia é sinal patognomônico quando maior que 6mm Lembrar que até 20% das radiografias de tórax são normais nesta emergência, não afastando em hipótese nenhuma a doença MARCADORES SANGUÍNEOS D-dímero encontra-se elevado em 98 a 99% dos pacientes com dissecção aguda de aorta. Correlaciona-se positivamente com a extensão anatômica da dissecção e com a mortalidade hospitalar Cardiologia_UNIFESP_10.indd /06/10 11:21
5 DISSECÇÃO AGUDA DE AORTA 149 A cadeia pesada da miosina do músculo liso, originada do dano das células musculares lisas da camada média após exposição secundária à ruptura intimal, apresenta-se como possível marcador futuro (sensibilidade de 90% e especificidade de 97%) Troponinas, proteína C-reativa, DHL e leucocitose podem estar presentes sem correlação significativa com a doença EXAMES SUBSIDIÁRIOS ESPECÍFICOS Tomografia de tórax multi-slice, RNM e ECO TE têm tido resultados equivalentes em últimos estudos RNM e ECO TE têm, como grande vantagem, a visualização de um flap ondulante da íntima dentro da luz aórtica, diferencian do a verdadeira e a falsa luz. Porém, RNM e ECO TE ainda apresentam alto custo Aortografia, além de invasiva, necessita de contraste iodado A seguir, a comparação em quesitos dos quatro principais exames específicos Invasividade Facilidade de locomoção Uso de contraste iodado Estudo completo da aorta Avaliação do envolvimento de outros órgãos ECO TE Semi- -invasivo TC Multi-slice RNM Aortografia Não Não Sim Sim Não Não Não Não Sim Contraste paramagnético Tórax Tórax e abdome Tórax e abdome Sim Não Sim Sim Não Visão Não Sim Sim Não endoscópica Custo Tórax e abdome Cardiologia_UNIFESP_10.indd /06/10 11:21
6 150 URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS CARDIOVASCULARES DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL As seguintes doenças devem fazer parte do arsenal diagnóstico do emergencista frente a uma dissecção aórtica: Síndromes coronarianas agudas AVC Pericardites Tromboembolia pulmonar Endocardite infecciosa com insuficiência aórtica aguda Pneumotórax hipertensivo Ruptura esofágica Tumor de mediastino TRATAMENTO CLÍNICO NA FASE AGUDA ANALGESIA Medida fundamental, pois a dor, pelo aumento do tônus adrenérgico, leva à elevação da FC e da PA, contribuindo para a progressão da dissecção O sulfato de morfina é a droga de escolha; a meperidina é outra opção CONTROLE DE PRESSÃO E DA FREQUÊNCIA CARDÍACA Visa manter a FC entre 50 e 60bpm e a PA entre 100 e 120mmHg (ou o menor valor possível mantenedor da perfusão orgânica) Reduzir a força das contrações ventriculares e diminuir a declividade da onda aórtica de pulso são determinantes para controlar a extensão da dissecção/ruptura Faz-se uso clássico e eficaz da combinação metoprolol, IV (5mg, repetir até três vezes, chegando ao máximo de 15mg), um betabloqueador seletivo e nitroprussiato de sódio, IV (0,25 a 6µg/kg/min), dilatador venoso e arterial, até a obtenção de estabilidade clínica ou valores-alvo de FC e PA CUIDADOS INTENSIVOS ATÉ DECISÃO TERAPÊUTICA DEFINITIVA Monitoração de PAM, oxigenação, débito urinário, ECG, PVC e PCP (se possível) em UTI Cardiologia_UNIFESP_10.indd /06/10 11:21
7 DISSECÇÃO AGUDA DE AORTA 151 TRATAMENTO CIRÚRGICO DISSECÇÃO DO TIPO A: CIRURGIA IMEDIATA A cirurgia apresenta mortalidade de 15 a 20%, ao passo que o tratamento clínico tem mortalidade de 58%, de acordo com o IRAD, neste tipo de dissecção. DISSECÇÃO DO TIPO B: CONTROVERSO O tratamento clínico conservador ainda é o mais preconizado, restando a opção cirúrgica para pacientes com complicações graves como dor persistente, hemotórax e isquemia abdominal, medular ou de membros inferiores. Recentemente, o uso de stents expansíveis na aorta (tratamento percutâneo) mostrou diminuição da morbimortalidade, com taxas de sucesso em torno de 95%, e comparação favorável com a cirurgia, mais ainda carece de estudos comparativos contra o tratamento clínico em casos não complicados. Na EPM-UNIFESP, utiliza-se um escore numérico para avaliar os candidatos ao tratamento percutâneo, o qual leva em conta aspectos anatômicos (relacionados aos colos distal e proximal), clínicos (dor, ruptura, expansão, permeabilidade pela luz falsa, HAS) e via de acesso. ALGORITMO DE ESTRATÉGIAS NA DISSECÇÃO AÓRTICA Suspeita de dissecção da aorta HMA/EF/laboratório/ RX tórax/ecg/ ECO TE ou TC ou RNM ou aortografia TIPO A CIRURGIA DE URGÊNCIA TIPO B Morfina/metoprolol/ Nitroprussiato/UTI Dor refratária/ruptura/ Derrame pleural/ Isquemia abdominal ou periférica CIRURGIA clássica Stent percutâneo Cardiologia_UNIFESP_10.indd /06/10 11:21
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