O flanêur benjaminiano e o homem da multidão de E. A. Poe
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- Matilde Vasques Ferretti
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1 1 O flanêur benjaminiano e o homem da multidão de E. A. Poe Abraão Carvalho abraaocarvalho.com Elas vinham e viam Sorriam e corriam Mas nada, nada diziam 1 RESUMO Nosso ponto de partida serão as reflexões do filósofo Walter Benjamin acerca da vida na cidade, a partir de seu ensaio Sobre alguns temas em Baudelaire e no trecho O Flâneur, do ensaio A Paris do Segundo Império em Baudelaire, na perspectiva de articular tais reflexões para promover um exercício interpretativo do conto de Edgar Allan Poe O homem da multidão. Palavras-chave: E. A. Poe, Benjamin, Cidade, Vivência Entendendo ser o tema da cidade inseparável da multidão que nela vive, e sobrevive na condição de deformidade e esquecimento, Benjamim irá expor no seu ensaio Sobre alguns temas em Baudelaire 1 Pixel 3000/ Fred Zero Quatro; Pela orla dos velhos tempos.
2 2 e no trecho O Flâneur, do ensaio A Paris do Segundo Império em Baudelaire, as condições históricas de vida próprias àqueles que têm a cidade como espaço de vivência, bem como as alegorias que somente foram possíveis desde o surgimento da cidade moderna, e como a literatura incorpora estes elementos. O que de fato consiste no tema da experiência urbana, se refere às alterações bruscas pelas quais passaram aqueles que viram a cidade, sobretudo a partir do século XIX, tomar proporções nunca antes vistas na história da humanidade. Ora, mas de que alterações bruscas, que só foram possíveis desde o surgimento da cidade moderna, que para nós, passantes urbanos contemporâneos, é tão corriqueiro e banal, estamos falando? Antes de tudo estamos nos referindo às condições históricas de sociabilidade, percepção sensível e memória, próprias àqueles que na cidade, quase não se encontram em outra condição histórica, senão enquanto devedores e credores,...vendedores e clientes,... patrões e empregados 2. Sendo os despossuídos de qualquer direito fundamental à vida, aqueles que estão à margem de tais relações que têm como centro aglutinado a mercadoria, ora enquanto força de trabalho, ou mesmo como produto resultante do trabalho alienado, possível a partir da divisão técnica do trabalho. Paradoxalmente, esta divisão técnica do trabalho, que em sua efetivação se torna cada vez mais especializado, ao invés de reduzir a carga horária dos trabalhadores, sem redução de salário, enquanto alternativa de inclusão dos que estão à margem do mundo do trabalho, funciona como intensificador dos abismos sociais no mundo capitalista urbano, pois os dirigentes do capital optam pela demissão em massa e não redução das horas de trabalho. O que resulta em uma apropriação 2 Benjamin, O flâneur, p. 68.
3 3 da ciência e da técnica, neste aspecto, enquanto meio de acumulação do capital. Deste modo, a cidade é marcada sobretudo pela ausência de laços sociais e culturais que tenham outra mediação senão a competição, ou seja, a necessidade da busca desenfreada e bizarra por uma ocupação remunerada, pois o dinheiro, capaz de mover paixões e ódios, se coloca como algo inseparável das relações sociais e políticas no capitalismo. Ora, isto resulta no fato de que o homem urbano só se encontra em meio à multidão desde o momento em que este também é um consumidor, é por entre as mercadorias que o passante urbano estabelece vínculos aparentes com os demais passantes do solo urbano. Edgar Allan Poe, no conto O homem da multidão, foi capaz de expor alguns dos traços do existir na cidade, sobretudo quando narra a imagem do outro que tem diante de si, em meio à multidão, como aquele que não se deixa ler 3, sendo a descrição dos passantes algo da ordem da conjectura, possível apenas a partir da vestimenta, do ritmo do caminhar e do semblante de tais passantes. Esta maneira de narrar o outro, imerso e anônimo na multidão, consiste no olhar próprio ao modo de vida do habitante urbano da cidade moderna, pois este, na acepção de Benjamin, é desvinculado de uma tradição, e antes de tudo, no que se refere às suas condições históricas de sociabilidade, não possui laços sociais, éticos e culturais, com nenhuma comunidade que tenha maturado no raio histórico, um fio de continuidade entre as gerações, no qual a linguagem é depositária. O narrador, que por diversas vezes andara enfermo, ao sentarse solitário em um Café de Londres, fala de um certo modo de estar na 3 Poe, p. 131.
4 4 cidade que lhe é visível através da janela, ou seja, Poe se refere aos passantes de um aspecto prazerosamente comercial e que continuavam, apressados o seu caminho 4. Ora, aqueles que no interior da urbe seguem apressados o seu caminho, o fazem assim desde que sejam capturados pelo tempo do calendário e do relógio. Poe, no entanto, no conto O homem da multidão, lembra nos de que há outra alegoria da vida urbana que caminha na urbe de outra maneira, senão oposta, ao ritmo da circulação de capitais, no qual está sujeito o homem de negócios. Este é o flanêur, que possui os seus modos de ser diferenciados, com o seu andar espontâneo e interessado pelas ruas. Segundo Benjamin, brada o andarilho urbano: que os outros se ocupem dos seus negócios 5. No conto de Poe, a multidão, o perseguidor - investigador e o desconhecido, constituem se na dinâmica da própria narrativa. Benjamin abre a perspectiva de que Esse desconhecido é o flanêur. Ora, se esse desconhecido é o flanêur, solidão e multidão, existir na cidade, extrair o poético do histórico, o eterno do transitório, consistem na arte de flanar. Baudelaire, quando se refere ao passeador solitário e pensativo, o flanêur - ou o andarilho urbano-, se refere àquele que possui uma capacidade incomum de existir na cidade. Afirma Baudelaire com veemência, desde a ótica do andarilho urbano: Quem não sabe povoar a sua solidão também não sabe estar só em meio a uma multidão atarefada 6. Ora, aquele que vive na cidade por entre a multidão de passantes sujeitos ao trabalho alienado, é aquele que segundo o perseguidor do conto de Poe Recusa-se a estar só. É o homem da 4 Idem, p Benjamin, Sobre Alguns Temas em Baudelaire, p Baudelaire, As Multidões, Pequenos poemas em prosa.
5 5 multidão. Será escusado segui-lo: nada mais saberei a seu respeito ou a respeito dos seus atos. Na cidade, o outro, como o afirma Poe, é aquele que não se deixa ler, pois não possui laços sociais e culturais com nenhuma comunidade da multidão. No conto de Poe o narrador, subitamente, é tomado pelo imperioso desejo de manter o homem sob minhas vistas... de saber mais sobre ele. O outro, de súbito, como que de modo abrupto, passa diante do narrador convalescente, que se depara com um semblante, o de um velho decrépito. Logo em seguida, refletindo acerca do velho pensa consigo mesmo: Que extraordinária história não estará escrita naquele peito!
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