PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Marília, em que é apelante/apelado ELAINE DE OLIVEIRA CAVALCANTE, é apelado/apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "negaram provimento ao apelo ministerial e deram provimento ao apelo defensivo interposto por ELIANE DE OLIVEIRA CAVALCANTE para absolvê-la do delito de falsa identidade, com fulcro no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal, mantendo, no mais, a r. decisão atacada, por seus próprios e jurídicos fundamentos. v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), OSNI PEREIRA E BORGES PEREIRA. São Paulo, 10 de março de Guilherme de Souza Nucci RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação nº Comarca: Marilia Apelantes/Apelados: Ministério Público e Elaine de Oliveira Cavalcante VOTO Nº.8466 Apelação Ministerial. Violação de direito autoral. DVDs piratas. Pedido objetivando a condenação. Laudo pericial por amostragem lacunoso. Materialidade não demonstrada Improvido. Apelação defensiva. Falsa identidade. Pleito almejando a absolvição. Viabilidade. Acusada que teria se identificado como outrem no momento da abordagem policial. Conduta atípica, abarcada pela autodefesa. Provido. Tratam-se de recursos de apelação interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e por ELAINE DE OLIVEIRA CAVALCANTE contra sentença de primeiro grau (fls. 242/247), prolatada em 10 de dezembro de 2013, pelo MM. Juiz de Direito, Dr. Angel Tomas Castroviejo, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Marilia, que a absolveu da conduta delitiva tipificada pelo art. 184, 2º, do Código Penal, condenando-a, contudduto, como incursa no art. 307 do mesmo diploma, à pena de 3 meses Apelação nº

3 de detenção, substituída por prestação de serviços à comunidade. Irresignado, o membro do parquet interpôs recurso de apelação pleiteando, em resumo, a condenação de Elaine pelo crime de violação de direito autoral, ante a suficiência de provas. Igualmente insatisfeita, recorre Elaine almejando a absolvição do delito de falsa identidade, em vista da atipicidade da conduta praticada. Devidamente contrarrazoados, em seu parecer, a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento ao apelo ministerial e improvimento ao recurso defensivo. É o relatório. Devidamente processados, somente o apelo defensivo provimento, merecendo reparo a r. decisão atacada. Nada obstante entendimento particular no sentido da desnecessidade de manifestação dos titulares dos direitos autorais para presença do elemento normativo do tipo com violação do direito do autor afinal, não se trata de ação pública condicionada, não vislumbro, pelo laudo de fls. 14/16, a materialidade delitiva. Além de o laudo se limitar tão somente à apreciação dos aspectos extrínsecos e parciais das mídias apreendidas, silenciou acerca dos autores ou produtoras cujos direitos de autor tenham sido violados. Apelação nº

4 Como bem observou o magistrado sentenciante (fl.244) inclusive citando maciça jurisprudência desta C. Câmara, não há menção, todavia, sequer de quais obras teriam sido efetivamente reproduzidas, dos respectivos titulares dos direitos violados e, ainda, da ausência desse consentimento. Esta Relatoria tem recebido vultosa quantidade de laudos lacunosos, supérfluos, contraditórios ou truncados, demonstrando-se, portanto, imprestáveis à comprovação da violação de direitos autorais, como no caso sub judice. O laudo carreado foi incapaz de fornecer os nomes dos autores ou produtores responsáveis pelas obras, combalindo quaisquer chances de identificação dos titulares supostamente ofendidos. Dessa feita, em que pese ser dispensável a manifestação daqueles cujos direitos foram violados, é imprescindível, pelo menos, sua identificação. De tal sorte, ante a total ausência de identificação dos sujeitos passivos da suposta violação, de rigor a manutenção da absolvição de Eliane. Por outro lado, no tocante ao delito de falsa identidade, não agiu com costumeiro acerto o magistrado a quo ao deixar de reconhecer a atipicidade da conduta de Eliane, posto que, ao apresentar-se como outrem, na oportunidade de sua abordagem, com o claro intuito de eximir-se da ação policial, a acusada exerceu seu direito de autodefesa. Apelação nº

5 Nesse sentido, vimos entendendo: Autodefesa: não é infração penal a conduta do agente que se atribui falsa identidade para escapar da ação policial, evitando sua prisão. Está, em verdade, buscando fugir ao cerceamento da sua liberdade. Ora, se a lei permite que a pessoa presa possa fugir, sem emprego de violência, considerando isso fato atípico, é natural que a atribuição de falsa identidade para atingir o mesmo fim também não possa ser assim considerada 1. Eis a exata situação sub judice, porquanto, na ocasião do flagrante, Eliana identificou-se aos policias como Elizabete, não sendo sequer conduzia ao distrito policial. Somente em oportunidade posterior, após a instauração do inquérito policial, desvendou-se a real identidade da recorrente, a qual, já em seu interrogatório, foi devidamente qualificada, portanto, em nada extrapolando seu direito de autodefesa. Em semelhante prisma já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, in verbis: 1 NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, Forense, 14ª ed., nota 18 do art Apelação nº

6 HABEAS CORPUS. PENAL. ART. 155, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. ESPECIAL REPROVABILIDADE DA CONDUTA DO AGENTE. REINCIDÊNCIA E MAUS ANTECEDENTES. PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTA CORTE. ART. 307 DO CÓDIGO PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. EXERCÍCIO DE AUTODEFESA. CONDUTA ATÍPICA. PRINCÍPIO "NEMO TENETUR SE DETEGERE". POSITIVAÇÃO NO ROL PETRIFICADO DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS (ART. 5.º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA). ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. A aplicabilidade do princípio da insignificância no delito de furto é cabível quando se evidencia que o bem jurídico tutelado (no caso, o patrimônio) sofreu mínima lesão e a conduta do agente expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social. Apelação nº

7 2. Conforme decidido pela Suprema Corte, "O princípio da insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica de bagatela e devem se submeter ao direito penal." (STF, HC /RS, 1.ª Turma, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 21/05/2010.) 3. De fato, a lei seria inócua se fosse tolerada a reiteração do mesmo delito, seguidas vezes, em frações que, isoladamente, não superassem certo valor tido por insignificante, mas o excedesse na soma, sob pena de verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal, mormente para aqueles que fazem da criminalidade um meio de vida. 4. Na hipótese dos autos, não se verifica o desinteresse estatal à repressão do delito praticado pelo ora Paciente, o qual registra duas condenações definitivas, Apelação nº

8 que serviram, aliás, para justificar a exasperação da pena-base e para o reconhecimento da reincidência. 5. O direito do investigado ou do acusado de não produzir prova contra si foi positivado pela Constituição da República no rol petrificado dos direitos e garantias individuais (art. 5.º, inciso LXIII). É essa a norma que garante status constitucional ao princípio do "Nemo tenetur se detegere" (STF, HC /RJ, Rel.Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, 1.ª Turma, DJ de 14/12/2001), segundo o qual, repita-se, ninguém é obrigado a produzir quaisquer provas contra si. 6. É atípica a conduta de se atribuir falsa identidade perante autoridade policial com o intuito de não se incriminar, pois se trata de hipótese de autodefesa, consagrada no art. 5.º, inciso LXIII, da Constituição da República, que não configura o crime descrito no art. 307 do Código Penal. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. 7. Habeas corpus parcialmente concedido para absolver o Paciente do crime de falsa identidade.(hc /MG, Rel. Apelação nº

9 Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 23/08/2012) Com efeito, percebe-se atípica a conduta de Eliane que, uma vez respaldada pelo exercício de autodefesa, apenas identificou-se aos policiais como outrem, no momento de sua abordagem, contudo, forneceu os dados corretos na ocasião de sua qualificação, restando de rigor sua absolvição, também em relação à conduta tipificada pelo art. 307 do Código Penal. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo ministerial e dou provimento ao apelo defensivo interposto por ELIANE DE OLIVEIRA CAVALCANTE para absolvê-la do delito de falsa identidade, com fulcro no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal, mantendo, no mais, a r. decisão atacada, por seus próprios e jurídicos fundamentos. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator Apelação nº