PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de São Paulo, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado FÁBIO OLIVEIRA GONÇALVES. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso, nos termos do v. acórdão. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E OSNI PEREIRA. São Paulo, 23 de fevereiro de Guilherme de Souza Nucci RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação nº Comarca: São Paulo Apelante: Ministério Público Apelado: FABIO OLIVEIRA GONÇALVES VOTO Nº Apelação ministerial. Uso de documento falso. Absolvição sumária. Pleito objetivando o prosseguimento do feito em face do apelado. Possibilidade. Exibição a pedido da autoridade. Irrelevância para configuração da ilicitude. Provido. Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público contra decisão de primeiro grau (fls. 144/145), proferida em 7 de julho p.p., pelo MM. Juiz de Direito, Dr. Antonio Carlo de Campos Machado, da 19ª Vara Criminal da Comarca da Capital, que absolveu sumariamente de FABIO OLIVEIRA GONÇALVES da conduta delitiva capitulada pelo art. 304 combinado com o art. 297, ambos do Código Penal. Irresignado, o parquet interpôs recurso de apelação objetivando, em resumo, a continuidade do feito em face do acusado sob o argumento de que a exibição do falso documento, independentemente de prévio pedido pela autoridade, se basta para a configuração do delito, existindo, portanto, justa causa para a ação penal. Em seus contrarrazões o apelado bateuse pelo acerto do decisum, salientando seu direito em utilizar o Apelação nº

3 falso documento, inclusive para preservar sua liberdade, uma vez foragido da justiça. A douta Procuradoria Geral de Justiça apresentou parecer opinando pelo provimento ao apelo ministerial. Devidamente processado, o apelo ministerial comporta provimento, merecendo reforma a r. decisão atacada. Segundo descreve a denúncia, no dia 6 de março de 2012, na Rua Pedro Alba nº 66, policiais militares abordaram o apelado que, a pedido daqueles, apresentou cédula de identidade, apurando-se ser documento falso. Nesse sentido, não agiu com o costumeiro acerto o magistrado a quo ao absolver sumariamente o apelado, sob o pálido entendimento de atipicidade da conduta, em razão da apresentação do documento mediante o pedido da autoridade policial, porquanto, tal fato, não tem o condão de afastar a prática delitiva, de per si. Sobre esse aspecto, assim vimos nos posicionando: Apresentação espontânea ou exigência da autoridade: cremos ser totalmente irrelevante se o agente utiliza o documento falso em ato unilateral ou se o faz porque qualquer autoridade assim exige. Há perfeita possibilidade de configuração do tipo penal quando a Apelação nº

4 exibição de uma carteira de habilitação falsa, por exemplo, é feita a um policial rodoviário que exige sua apresentação, por estar no exercício de sua função fiscalizadora 1. Na mesma esteira, oportuno mencionar julgados, perfeitamente amoldáveis ao caso sub judice, nos quais o Superior Tribunal de Justiça assim pronunciou-se: O delito previsto no art. 304 do Código Penal consuma-se mesmo quando a carteira de habilitação falsificada é exibida ao policial por exigência deste, e não por iniciativa do agente. Precedentes. (HC /SP, 5ª Turma, rel. Laurita Vaz, 31/03/2014, v.u.) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. ART. 304 DO CP. USO DE DOCUMENTO FALSO. ENTREGA REALIZADA MEDIANTE SOLICITAÇÃO DE AGENTE POLICIAL OU DE FORMA ESPONTÂNEA. NÃO AFASTAMENTO DA CONSUMAÇÃO DO DELITO DE USO DE DOCUMENTO 1 NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, Forense, 14ª Ed., art. 304, nota 145. Apelação nº

5 FALSO. MEIO DE AUTODEFESA. IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. SÚMULA 83/STJ. 1. A Sexta Turma deste Superior Tribunal firmou o entendimento de que a atribuição de falsa identidade - por meio de apresentação de documento falso - não constitui mero exercício do direito de autodefesa, a tipificar, portanto, o delito descrito no art. 304 do Código Penal. 2. A circunstância de o documento falsificado ser solicitado pelas autoridades policiais não descaracteriza o crime do art. 304 do Código Penal. (AgRg no REsp /RS, 6ª Turma, rel. Sebastião Reis Júnior, 21/06/2013, vu) HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. APRESENTAÇÃO DE CARTEIRA DE RESERVISTA FALSIFICADA À AUTORIDADE POLICIAL, POR SER O Apelação nº

6 RÉU FORAGIDO DA JUSTIÇA. TESE DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. IMPROCEDÊNCIA. INFRAÇÃO CARACTERIZADA, NOS TERMOS DO ART. 304 DO CÓDIGO PENAL. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. 1. Portar documento falso para ocultar o fato de ser foragido da Justiça não configura a hipótese de autodefesa, consagrada no art. 5.º, inciso LXIII, da Constituição da República, mas sim da prática delitiva tipificada no artigo 304 do Código Penal. Precedentes. 2. Ordem de habeas corpus denegada. (HC /SP, 5ª Turma, rel. Laurita Vaz, 23/08/2013, v.u.) Reiterada é a jurisprudência desta corte e do STF no sentido de que há crime de uso de documento falso ainda quando o agente o exibe para sua identificação em virtude de exigência por parte da autoridade policial (REsp nº DF, rel. José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma, , v.u.) Em suma, ao que tudo indica, o apelado Apelação nº

7 agiu de maneira espontânea, porquanto, uma vez solicitada a documentação, apresentou a cédula reputada falsa, comprovando-se, assim, o elemento volitivo necessário à configuração do delito. Com efeito, afasta-se a tese de atipicidade da conduta e, por derradeiro, a consequente absolvição sumária conferida pelo magistrado a quo, posto que, o fundamento adotado para tanto não ilide, de plano, a eventual prática da infração penal. Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo ministerial para determinar o prosseguimento do feito em face de FABIO OLIVEIRA GONÇALVES, remetendo-se os presentes autos ao juízo a quo. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator Apelação nº