PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito nº , da Comarca de São Paulo, em que é recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é recorrido LUCIANE COSTA CAMPOS. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E NEWTON NEVES. São Paulo, 23 de fevereiro de Guilherme de Souza Nucci PRESIDENTE E RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Recurso em sentido estrito Comarca: São Paulo Recorrente: Ministério Público Recorrida: Luciane Costa Campos VOTO Nº Recurso em sentido estrito. Crimes ambientais. Decisão de rejeição da denúncia. Recurso ministerial. Maus tratos. Tipo penal vago. Ofensa ao princípio da taxatividade. Animais mantidos em cativeiro, com cuidados adequados, porém sem poder voar e fora de seu ambiente natural. Impossibilidade de definir-se tal conduta como sendo, ou não, maus tratos. Rejeição mantida. Manutenção de animal ameaçado de extinção. Fatos ocorridos em Espécie incluída na lista de animais ameaçados apenas em Irretroatividade. Rejeição também mantida. Recurso ministerial improvido. Trata-se de recurso em sentido estrito, interposto pelo Ministério Público contra a decisão de fls. 102/103, proferida em 27/05/2015 pelo MM. Juiz de Direito, Dr. Carlos Eduardo Lora Franco, da 3ª Vara Criminal da Comarca da Capital, que rejeitou a denúncia ofertada contra LUCIANE COSTA CAMPOS pela prática das condutas previstas no art. 32 e art. 29, 1º c.c. 4º, I, ambos da Lei 9.605/98. Sustenta o parquet haver justa causa para o prosseguimento da ação, sendo as condutas formal e materialmente típicas (fls. 107/112). O recurso foi respondido (fls. 121/125), a Recurso Em Sentido Estrito nº

3 decisão foi mantida por seus próprios fundamentos (fl. 126) e a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do reclamo ministerial (fls. 136/138). Segundo consta, em 15/09/2012, a recorrente mantinha em sua residência dois espécimes de papagaios verdadeiros (amazona aestiva), tendo, também, os submetido a maus tratos. Iniciemos com o suposto crime de maus tratos aos animais. Conforme se verifica da narração apresentada pelos policiais ambientais responsáveis pela apreensão dos espécimes, os animais encontravam-se bem tratados, com características de domesticação, adaptação ao cativeiro e afetividade com seu possuidor. Ao contrário do quanto sustenta o parquet, o mero afastamento do espécime de seu ambiente natural, a ausência de convívio com outros animais e a impossibilidade de voar não bastam para a caracterização dos maus-tratos. Em verdade, conforme tenho defendido, a redação do art. 32 da Lei de Regência mostra-se insuficiente e precária, impossibilitando sua adequada aplicação, posto ser o tipo penal deveras aberto, ofendendo o princípio da taxatividade. Sobre o tema já nos manifestamos: Maltratar um animal seria deixá-lo isolado, sem companhia de outro da Recurso Em Sentido Estrito nº

4 mesma espécie ou sem cruzamento com espécime do sexo oposto? Seria mau tratamento (abrindo a expressão em outro enfoque) o fato de se deixar um animal exposto ao relento em noite de chuva? (...) A comparação feita, inclusive pelos exemplos fornecidos pelos autores supracitados, tem o intuito de demonstrar a ferida aberta à taxatividade e à legalidade, não sendo possível ao intérprete corrigir distorções criadas pelo legislador. Entendemos ser impossível aplicar as duas primeiras formas: praticar ato de abuso e maus-tratos contra animais silvestres. (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, Forense, p ) Assim, tenho por impossível definir se o caso sub judice preenche o tipo penal, sendo a melhor solução, de fato, a rejeição da denúncia em relação ao art. 32 da Lei 9.605/98. Já em relação ao art. 29 da mesma Lei, antes mesmo de se adentrar nas questões relativas à justa causa para a ação penal, mister se faz a análise de circunstância relacionada à irretroatividade da lei prejudicial. Pois vejamos. Recurso Em Sentido Estrito nº

5 Os fatos ora apurados ocorreram em 15/09/2012, porém, conforme narra a própria denúncia, tal espécie foi incluída na lista da CITES - Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção apenas em 12/06/2013; e na lista de espécies ameaças de extinção no Estado de Paulo apenas em 07/02/2014 (Decreto nº ). Portanto, à época dos fatos, não se pode considerar o papagaio verdadeiro como ameaçado de extinção. Inclusive, consta do próprio termo de apreensão dos animais que os mesmos não se encontram na lista de ameaçados. Ademais, fosse diferente a situação, caberia ao próprio órgão acusatório demonstrar a existência da norma que incluísse tal espécie dentre as ameaçadas. Desta feita, não se encontram preenchidos os elementos do 4º do art. 29 da Lei de Crimes Ambientais, motivo pela qual se conclui pela rejeição da denúncia também em relação a tal infração. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso ministerial, mantendo-se, na íntegra, a r. decisão atacada. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator Recurso Em Sentido Estrito nº

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