PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº , da Comarca de Mairiporã, em que é impetrante JOAO DIONISIO DA SILVA GAULES e Paciente REINALDO MANOEL BELO DE OLIVEIRA. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Concederam a ordem, nos termos do v. acórdão. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E JAIME FERREIRA MENINO. São Paulo, 27 de setembro de Guilherme de Souza Nucci RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Habeas Corpus nº Comarca: Mairiporã Impetrante: João Dionisio da Silva Gaules Paciente: REINALDO MANOEL BELO DE OLIVEIRA VOTO Nº Habeas corpus. Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. Pleito objetivando o trancamento da ação penal. Alegada atipicidade do fato. Paciente empresário do setor de segurança pública. Possibilidade. Excepcional hipótese reconhecida pela presente via. Existência de prova préconstituída da alegação, consistente na juntada dos certificados de registros das armas apreendidas, com validade em vigor. Ordem concedida. Trata-se de Habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de REINALDO MANOEL BELO DE OLIVEIRA, contra ato do MM. Juiz de Direito, Dr. Enio José Hauffe, da 2ª Vara Judicial da Comarca de Mairiporã, sob a alegação de o paciente sofrer constrangimento ilegal, decorrente do recebimento de denúncia inepta. Sustenta-se, em apertada síntese, haver inépcia da inicial acusatória, na qual se imputa ao paciente suposto fato atípico de porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei /03). Narra o impetrante ter sido o acusado surpreendido por policiais militares, no interior de sua residência, Habeas Corpus nº

3 na posse de uma pistola Glock, calibre 380, e uma espingarda, calibre 12, as quais, embora devidamente registradas perante os órgãos competentes, possuíam a documentação (guia de transporte) com a data de validade expirada. Como tal documento irregular somente impediria o transporte das aludidas armas de fogo, mas não a posse, alega a atipicidade do fato quanto ao crime descrito no art. 14 da Lei /03, e, por consequência, ausência de justa causa para o recebimento da denúncia. Destarte, requer a concessão de liminar para suspender o processo até o julgamento do presente writ e, no mérito, a anulação da decisão de recebimento da denúncia e o trancamento da ação penal. Indeferiu-se a liminar (fls. 132/135). Por meio de ofício, a autoridade coatora prestou as informações necessárias (fls. 138/139). Em seu parecer, a Procuradoria Geral de Justiça opinou pela denegação do writ (fls. 150/153). É o relatório. A ordem deve ser concedida. O paciente foi preso em flagrante, no dia 1º de janeiro de 2016, no interior da residência situada na Alameda das Orquídeas, 11, cidade de Mairiporã, após ser surpreendido por policiais militares na posse de uma pistola Glock, calibre 380, e uma espingarda, calibre 12. Segundo o apurado, os agentes policiais foram acionados pela companheira do paciente, Luciana Habeas Corpus nº

4 Rodrigues, a qual disse ter sido ameaçada com uma arma de fogo. Chegando ao local, Luciana franqueou a entrada dos policiais na residência, oportunidade em que o acusado foi flagrado com a pistola na cintura, colocando-a imediatamente em um móvel que estava ao seu lado. Em diligências pelo imóvel, os milicianos encontraram a espingarda, guardada no interior de um automóvel. Durante as investigações, apurou-se que o paciente, empresário do ramo de segurança pública, possuía diversas armas de fogo registradas perante os órgãos competentes, sendo que aquelas encontradas em sua posse estavam com as guias de transporte vencidas. Ao final, a autoridade policial arbitrou fiança para a liberação do paciente, devidamente recolhida. Entretanto, numa análise mais atenta aos documentos juntados aos autos, percebe-se que as armas apreendidas estão com os respectivos Certificados de Registro válidos, com datas de expiração previstas somente para 7 de novembro de 2016 e 26 de março de 2018, permitindo ao paciente manter regularmente, no interior de sua residência, a pistola (fls. 42) e a espingarda (fls. 45) encontradas em seu poder, nos termos do art. 5º, caput, da Lei /03. Embora as armas efetivamente estejam com as Guias de Transporte expiradas, verifica-se, in casu, não ter o paciente praticado nenhum ato irregular de transporte, capaz de configurar crime, tendo sido apenas surpreendido com elas no interior do imóvel em que mora, onde pode, legalmente, Habeas Corpus nº

5 guardá-las, sem incorrer em ilícito penal, dada a validade em vigor dos mencionados registros. Deste modo, conclui-se ser o fato apurado atípico, posto possuir o paciente autorização válida para manter as armas de fogo exclusivamente no interior da sua residência. Portanto, verificando-se ser atípico o ato praticado pelo paciente, resta demonstrada a ausência de justa causa para a deflagração da ação penal, devendo esta ser trancada, pois eivada de irregularidade, consubstanciada na inépcia da denúncia. Com efeito, se o fato exposto pela acusação não é crime e a situação é, por demais, evidente, o juiz já deveria ter rejeitado a denúncia. 1 Por fim, impende observar que o trancamento da ação, em sede de habeas corpus, é medida excepcional, somente admissível quando for teratológica a situação analisada, como ocorre no presente caso, no qual se verifica a instauração de ação penal para apurar fato evidentemente atípico. Saliente-se que o acusado pode insurgirse contra um recebimento indevido de denúncia ou queixa através de habeas corpus (art. 648, I, CPP), uma vez que não há recurso específico para tanto, podendo o Tribunal conceder a ordem para trancar a ação. Tal situação se dá unicamente 1 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, Ed. Forense, 15ª edição, art. 397, item 52. Habeas Corpus nº

6 quando a falta de justa causa é cristalina. 2 Em sendo assim, melhor solução para o caso resulta no trancamento da ação penal, instaurada indevidamente em face do paciente, sendo evidente o constrangimento ilegal dela decorrente. Ante o exposto, pelo meu voto, concedo a presente ordem impetrada a fim de trancar a ação penal nº , reconhecendo-se a atipicidade do fato atribuído ao paciente. Oficie-se à vara de origem. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator 2 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, Ed. Forense, 15ª edição, art. 396, item 35. Habeas Corpus nº