TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº , da Comarca de Limeira, em que são apelantes/apelados ALLAN RIBEIRO BARBOSA e ELTON JULIANO DE MENEZES, é apelado/apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento aos recursos defensivos e deram provimento ao apelo ministerial para condenar os acusados, como incursos no art. 304, c.c. o art. 298, ambos do Código Penal, às penas de 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, substituídas as penas privativas de liberdade por 10 (dez) dias-multa cada, no valor unitário mínimo legal. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores EDISON BRANDÃO (Presidente) e LUIS SOARES DE MELLO., 14 de abril de 2015 CAMILO LÉLLIS RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação nº Comarca: Limeira Apelantes/Apelados: Ministério Público do Estado de São Paulo, Allan Ribeiro Barbosa e Elton Juliano de Menezes Juiz Sentenciante: Adilson Araki Ribeiro Voto nº APELAÇÃO CRIMINAL Uso de atestado médico falso (Art. 304, c.c. o art. 302, ambos do CP) Recursos defensivos PLEITOS DE ABSOLVIÇÃO Impossibilidade. Materialidade e autoria demonstradas pela prova oral e pericial Falsificação não grosseira Recursos não providos. Apelo ministerial APLICAÇÃO DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 298 DO CP Cabimento. Sendo o atestado médico documento particular, incide, nos termos dos arts. 304, c.c. o 298, ambos do CP, a pena cominada ao delito de falsificação de documento particular. Acusados que não são médicos e, assim, impossível a combinação com o art. 302 do CP, por se tratar de crime próprio Recurso provido. Vistos. A r. sentença de fls. 143/149 condenou Elton Juliano de Menezes e Allan Ribeiro Barbosa às penas de 01 mês de detenção, substituídas por 10 dias-multa, no valor unitário mínimo, ambos como incursos no art. 302, c.c. o art. 304, ambos do Código Penal. Inconformadas, apelam as partes. Apelação nº Limeira - VOTO Nº 2/8

3 O Ministério Público objetiva a aplicação da pena cominada no art. 298 do Código Penal, e não no art. 302 do mesmo diploma legal (fls. 152/154). Elton, por sua vez, objetiva a absolvição, ao argumento de ausência de potencialidade lesiva do falso (fls. 156/160). Allan também pugna pela absolvição, ao argumento de atipicidade de conduta (fls. 169/171). Contrariados os recursos (fls. 179/181, 185/187 e 189/191), subiram os autos, tendo a douta Procuradoria de Justiça opinado pelo provimento somente do apelo ministerial (fls. 195/198). É o relatório. A imputação é a de que, em data e horário indeterminados, pouco antes do dia 26 de abril de 2012, durante o expediente, no estabelecimento industrial CCS Tecnologia e Serviços Ltda., localizado na Avenida Anhanguera, altura do km 145, comarca de Limeira, os acusados fizeram uso de documentos particulares falsificados, a saber, dois atestados médicos. Narra a denúncia que os réus, visando a obter afastamento temporário de suas funções, fizeram uso de dois atestados médicos, os quais os davam como impossibilitados ao trabalho. Tais documentos foram Apelação nº Limeira - VOTO Nº 3/8

4 apresentados no estabelecimento industrial acima indicado, no qual os acusados trabalhavam, embora soubessem que se tratava de atestados falsificados, porquanto não emitidos pelo médico constante como subscritor dos documentos, cujos teores também eram falsos. A materialidade delitiva restou comprovada pelo auto de exibição e apreensão (fls. 05/07) e laudo pericial (fls. 53/57). A autoria é certa. Elton alegou que o médico da Medical não lhe deu atestado para ficar em casa alguns dias, pois o interrogado não estava doente. Então, Allan lhe disse que arrumaria atestados médicos de 14 dias para ambos. Os réus apresentaram os atestados na empresa CCS (fls. 12/13). Em juízo, disse que não sabia que o atestado era falsificado (fls. 126). O corréu Allan disse que queria se ausentar do serviço em razão de dores nas costas. Em conversa com Spencer, funcionário da CCS, este lhe informou que conhecia um rapaz que poderia obter um atestado, mediante o pagamento de R$ 50,00. Conseguiu um atestado, apresentou na empresa e foi demitido, diante da informação de que era falso. Juntamente com o corréu e Spencer, foi ao médico emitente, o qual lhes disse que os atestados eram falsos. O interrogado pensou que eram verdadeiros (fls. 25 e 125). Apelação nº Limeira - VOTO Nº 4/8

5 Não obstante tais versões, certo é que os acusados tinham ciência da falsidade. Airton Junior, médico anestesista, disse que estava trabalhando, quando foi chamado pela assistente social, que questionou a emissão dos atestados. A letra e assinatura neles constantes não eram suas, mas apenas o carimbo. Acrescentou que atestados médicos de psiquiatria não são concedidos em pronto-socorro. Não conhece os réus (fls. 110). Spencer Ferreira alegou que não forneceu os atestados aos acusados nem conhece o médico Airton (fls. 123). Por fim, Claudia Ferreira, supervisora de recursos humanos, narrou que os réus apresentaram os atestados no ambulatório da empresa. A enfermeira desconfiou dos documentos, porque foram emitidos na mesma data e com a mesma CID. O médico telefonou para a empresa e esclareceu que não subscreveu os atestados (fls. 124). Indubitável, pois, que os acusados apresentaram os atestados médicos na empresa em que trabalhavam, fato este, aliás, que não negam, sendo pouco crível, por outro lado, a alegação de que não sabiam que os documentos em tela eram falsos. Apelação nº Limeira - VOTO Nº 5/8

6 Isso porque eles próprios afirmaram que queriam se ausentar do serviço e que não se submeteram à consulta médica, solicitando a um terceiro que lhes arranjasse os aludidos atestados. Não se trata, ademais, de falsificação grosseira. Esta ocorre apenas se a qualquer um é dado perceber a adulteração, à vista de um simples exame ocular do documento, pois evidente, clara, perceptível por um leigo e feita sem nenhum cuidado, com rasuras e alterações grosseiras. Não é, à evidência, o caso dos autos (vide atestados às fls. 06/07). Além disso, a desconfiança somente surgiu, porque os documentos foram emitidos em circunstâncias similares (tais como mesma data e mesma Classificação Internacional de Doenças), e não porque, à primeira vista, os atestados aparentavam ser falsos. Aliás, a enfermeira somente teve plena certeza da contrafação depois de travar contato com o médico supostamente subscritor. No mais, decerto que os atestados possuíam potencialidade lesiva, na medida em que a empregadora seria lesada, caso os fatos não tivessem sido trazidos a relevo. A condenação, pois, foi medida de rigor, não Apelação nº Limeira - VOTO Nº 6/8

7 prosperando os pleitos absolutórios. De outra banda, verifica-se que o apelo ministerial comporta provimento. Tratando-se de delito de uso de documento falso, aplica-se a pena cominada à falsificação ou à alteração, conforme dispõe o art. 304 do Código Penal. Logo, sendo o atestado médico um documento particular, a sanção a ser imposta é o preceito secundário do art. 298 do Código Penal, ou seja, pena de 01 a 05 anos de reclusão, e multa. Equivocada a imposição da reprimenda pertinente ao delito de falsidade de atestado médico (art. 302 do Código Penal), tendo em vista que este tipo penal é crime próprio, não havendo sequer indícios de que o médico concorreu para a emissão dos aludidos documentos. A propósito, já julgou este Tribunal de Justiça: Ademais, o pedido de desclassificação para o crime previsto no artigo 302 do Código Penal não pode ser acolhido, já que o referido tipo penal descreve a seguinte conduta típica: 'Dar o médico, no exercício da sua profissão, atestado falso'. Trata-se, portanto, de crime próprio, no qual o sujeito ativo apenas pode ser o médico que elabora atestado médico, ciente de sua falsidade. (3ª Câm. Crim., Apelação nº , Apelação nº Limeira - VOTO Nº 7/8

8 Rel. Toloza Neto, j. em ). Nessa toada, seguindo os parâmetros estabelecidos na sentença, as penas dos acusados resultam no mínimo legal de 01 ano de reclusão, e 10 dias-multa, lembrando que a atenuante da menoridade (no caso de Allan) não traz reflexo na pena, conforme teor da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça. Nos termos do art. 44, 2º, do Código Penal e não tendo sido questionada pelo Parquet, mantém-se a substituição das penas privativas de liberdade por multa. Por fim, sanável, nesta via processual, a omissão em relação ao regime inicial que ora se fixa o aberto. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento aos recursos defensivos e dou provimento ao apelo ministerial para condenar os acusados, como incursos no art. 304, c.c. o art. 298, ambos do Código Penal, às penas de 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, substituídas as penas privativas de liberdade por 10 (dez) dias-multa cada, no valor unitário mínimo legal. CAMILO LÉLLIS Relator Apelação nº Limeira - VOTO Nº 8/8