PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Registro: ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Campinas, em que é apelante LEANDRO AURELIO DE MIRANDA MALAQUIAS, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 11ª Câmara Criminal Extraordinária do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram parcial provimento ao recurso para condenar Leandro por infração ao artigo 304, combinado com o artigo 301, 1º, ambos do Código Penal, à pena de 03 meses e 15 dias de detenção, no regime aberto, substituindo-se a segregativa por prestação de serviços à comunidade.v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FRANCISCO BRUNO (Presidente) e ALEXANDRE ALMEIDA. São Paulo, 1º de dezembro de Newton Neves RELATOR Assinatura Eletrônica

2 2 11ª CÂMARA CRIMINAL EXTRAORDINÁRIA VOTO Nº: APEL Nº: COMARCA: CAMPINAS APTE...: LEANDRO AURÉLIO DE MIRANDA MALAQUIAS APDO...: MINISTÉRIO PÚBLICO *USO DE DOCUMENTO FALSO Nulidade da sentença Inocorrência Alteração da capitulação na sentença que não exige a aplicação da regra do art. 384, CPP Preliminar afastada Quadro probatório que se mostra seguro e coeso para evidenciar autoria e materialidade do delito Confissão corroborada pelas demais provas Conduta específica capitulada como crime autônomo Uso de atestado médico falso para justificar ausência no trabalho Correção quanto à capitulação do fato Conduta que remete às penas do art. 301, 1º, CP Adequação da pena Manutenção do regime aberto e da substituição da segregativa pela prestação de serviços à comunidade, tão-somente Recurso parcialmente provido (voto nº 34589).* A r. sentença de fls. 104/108, com relatório adotado, julgou procedente a ação penal para condenar LEANDRO AURÉLIO MIRANDA MALAQUIAS ao cumprimento da pena corporal de 02 anos e 04 meses de reclusão, no regime aberto, além do pagamento de 12 dias-multa, no valor unitário mínimo legal, como incurso nas sanções do artigo 304, combinado com o artigo 297, por duas vezes, na forma do artigo 71, todos do Código Penal, substituindo-se a pena segregativa por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo. Recorre o réu alegando, em sede preliminar, a nulidade da r. sentença ante a

3 3 inobservância do artigo 384, do Código de Processo Penal. No mérito, busca sua absolvição ante a insuficiência probatória (fls. 117/120). Recurso processado e respondido, manifestando-se o Ministério Público, em ambas as instâncias, por seu desprovimento. É o relatório. Alega a d. defesa, em sede preliminar, irregularidade na r. sentença ao condenar o réu por infração ao artigo 304, combinado com o artigo 297, do Código Penal, enquanto a denúncia o tinha imputado o delito do artigo 304, combinado com o artigo 298, do mesmo Codex, por se tratar de documento particular falso, o que demandaria o procedimento previsto no Código de Processo Penal, artigo 384 (fls. 118). Sem razão, contudo. Ocorre que a inicial acusatória descreveu que os atestados eram do Hospital Municipal de Paulínia, ou seja, documentos públicos, sendo ao ora recorrente oportunizado se defender dos fatos como descritos na denúncia. A r. sentença, então, apenas corrigiu a capitulação delitiva, o que perfeitamente possível de acordo com o artigo 383, do Código de Processo Penal.

4 4 levantada. Afasta-se, portanto, a preliminar Foi o réu denunciado porque, entre os dias 27 de setembro e 09 de outubro de 2.012, em hora incerta, no interior da empresa Terra Contemporânea Móveis e Design LTDA, situada na Rua Expedicionários, nº 333, Sousas, em Campinas, fez uso de documento particular falso, por duas vezes, consistente em atestados médicos, cuja falsidade era de seu conhecimento. Segundo a inicial acusatória, Leandro trabalhava na empresa como ajudante geral. Assim é que, nos dias 27 de setembro e 09 de outubro de 2.012, a fim de justificar suas faltas ao serviço, fez uso de dois atestados médicos falsos, ciente de sua falsidade. Um dos referidos documentos continha o carimbo e assinatura do médico Marcos Kiyoshi Assato e o outro da médica Tricia A. R. Lessard, sendo ambos supostamente expedidos nas dependências do Hospital Municipal de Paulínia. Contudo, em contato com referido estabelecimento, o empregador de Leandro, Sílvio Luiz Venturini, constatou que ambos os médicos eram ginecologistas obstetras e que não havia registro de atendimento do réu naquele hospital

5 5 nos dias expressos nos documentos. Averiguou-se, ainda, que a letra e assinatura não são dos médicos que constaram dos atestados e que um dos carimbos possuía erro ortográfico relativo ao nome do médico Marcos. Pese o empenho da combativa defesa, não há se falar em absolvição do recorrente. A materialidade delitiva está demonstrada por meio do boletim de ocorrência e do auto de exibição e apreensão (fls. 05). Já a autoria mostra-se inconteste ao longo da instrução processual. Sob o crivo do contraditório, Leandro admitiu ter feito uso de dois atestados médicos falsos, para justificar ausência no trabalho, alegando que encontrou as folhas, que já continham carimbos e assinaturas, em um envelope no ônibus (mídia digital fls. 100). A corroborar sua confissão, está a fala de Silvio Luiz Venturini, representante da empresa, que afirmou que, após se ausentar do trabalho em dois dias, o réu apresentou atestados médicos do Hospital de Paulínia, de cuja veracidade o depoente desconfiou por serem de outra cidade. Em contato com o estabelecimento de saúde, descobriram que o rapaz não havia se

6 6 consultado no local (mídia digital - fls. 100). Marcos Kyoshi Assato informou ser obstetra, não tendo atendido Leandro. Declarou que a assinatura do atestado de fls. 22 não partiu de seu punho (mídia digital - fls. 100). A falsidade do atestado também foi confirmada por Trícia Albuquerque Rocha Lessard que, ouvida somente na fase inquisitiva, garantiu que não emitiu o atestado apresentado por Leandro em seu serviço, acrescentando que, como ginecologista, não atende homens (fls. 31). E isso é o que basta à certeza da responsabilidade do réu, sendo sua confissão devidamente confirmada pelas demais provas carreadas aos autos. recorrente. Mantém-se, portanto, a condenação do Contudo, deve a capitulação do delito ser corrigida. Isso porque, respeitados doutos entendimentos em sentido contrário, a capitulação do delito como efetuada pelo Juízo é equivocada, uma vez que, embora se trate de uso de documento falso, figura prevista no artigo 304, do Código Penal, necessário observar qual documento falso foi utilizado, vez que a lei determina aplicação

7 7 das mesmas penas cominadas à falsificação ou à alteração. O crime de falsificação de atestado é autônomo e específico (art. 301, CP), sendo uma modalidade mais brandamente apenada de falsificação de documento público ou falsidade ideológica por ser, sem dúvida, conduta de menor ofensividade ao bem público, não podendo, por isso, serem equiparadas. E o crime específico de falsificação material de atestado médico, como previsto no artigo 301, 1, do Código Penal, pode ser praticado por qualquer pessoa, ao contrário do tipo previsto no caput que, por abranger a falsidade ideológica, somente pode ser praticado pelo funcionário público em razão de seu ofício. O crime aqui tratado, como se vê dos fatos apurados, trata-se do falso material (art. 301, 1, do CP), dando a denúncia tipificação diversa e observando-se também a solução do conflito aparente de normas ambas vigentes hoje e ao tempo da ação pelo princípio da especialidade. Assim, com apoio no artigo 383, do Código de Processo Penal 1, forçosa a adequação da 1 Art O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.

8 8 capitulação jurídica dos fatos descritos na denúncia, assegurada que foi a ampla defesa e o contraditório, possível ao apelante defender-se dos fatos descritos na inicial. Logo, comprovado que incorreu o réu no artigo 304 combinado com o artigo 301, 1º, do Código Penal 2, ao passo que fez uso de atestado médico falso, com a finalidade específica de, mediante a apresentação do documento, justificar suas ausências no trabalho, de rigor a condenação nesta capitulação. Ausente inconformismo pontual e adequando-se a reprimenda para o tipo ora aplicado, mantém-se a pena-base no mínimo legal, 03 meses de detenção, majorando-se a reprimenda em 1/6 na terceira fase diante da continuidade delitiva, restando finalmente sedimentada em 03 meses e 15 dias de detenção. O regime fica mantido o aberto. E, observando-se que a reprimenda agora ficou abaixo de 01 ano de reclusão, cabível sua substituição por apenas uma restritiva de direitos, mantendo-se a prestação de serviços à 2 Art. 304 Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302: Pena: a cominada à falsificação ou à alteração. Art. 301 omissis 1º - Falsificar, no todo ou em parte, atestado ou certidão, ou alterar o teor de certidão ou de atestado verdadeiro, para prova de fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem: Pena - detenção, de três meses a dois anos. (g.n.).

9 9 comunidade. Ante o exposto, rejeitada a preliminar, dá-se parcial provimento ao recurso para condenar Leandro por infração ao artigo 304, combinado com o artigo 301, 1º, ambos do Código Penal, à pena de 03 meses e 15 dias de detenção, no regime aberto, substituindo-se a segregativa por prestação de serviços à comunidade. Newton Neves Relator