Doença difusa aguda febril
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- Alícia Paula Monteiro Faro
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1 Doença difusa aguda febril Ricardo Milinavicius Pneumologista do Serviço de Doenças Respiratórias do HSPE-SP Maria Raquel Soares Pneumologista do Serviço de Doenças Respiratórias do HSPE-SP Carlos AC Pereira Diretor do Serviço de Doenças Respiratórias do HSPE-SP Relato do caso: Feminina, 30 anos, natural e procedente de São Paulo, professora Paciente deu entrada no pronto socorro em 08/08/2010 com dispnéia aos médios esforços há aproximadamente cinco dias e piora nas últimas 24 hs. Associada à dispnéia relatava febre, tosse seca e dor torácica ventilatório-dependente. Negava doenças prévias, tabagismo, exposição ambiental relevante, uso de drogas ilícitas, epidemiologia para SIDA e viagens recentes. Estava em uso de anticoncepcional e fórmula para tratamento de acne. Exame físico: REG, taquipnéica, corada, hidratada e febril (tax: 38 C); RCR2T, sem sopros, PA 120x80mmHg, FC:100 bpm; FR 32 ipm, sons respiratórios preservados com roncos difusos e crepitações bibasais, SatO2(aa)= 88%; abdome: flácido, RHA+, DB-; MMII: sem edema e sem sinais de TVP. Exames Complementares iniciais: Hemograma: Ht: 42% / Hb: 13,9g/dl / Leucócitos: / mm 3 (Bast:4%, Seg:74%, Eo: 3%, B: 0%,Li: 13%, M:6%); plaquetas / mm 3 PCR: 14,8 Gasometria arterial (aa): ph 7,43/ PCO 2 :29mmHg/ PO 2 :60mmHg/ BIC: 21mmol/l / SatO 2 90% Bioquímica: Glicemia:105mg/dl, uréia :11mg/dl, Creatinina :0,6mg/dl, Na :142mEq/l, K: 4,5mEq/l, DHL: 164U/l; Proteínas totais: 6,9g/dl, Alb:2,6g/dl Urina I: normal
2 Radiografia do tórax (08/08/2010): Tomografia de tórax (09/08/2010): Questão 1: Assinale a alternativa correta em pacientes com infiltrado difuso agudo: A) Na pneumocistose derrame pleural ocorre em ~30% dos casos B) Linhas septais e derrame pleural bilateral apontam para provável miocardite infecciosa, com insuficiência cardíaca C) A realização de lavado broncoalveolar tem papel central na investigação D) Tratamento para pneumonia atípica deve ser iniciado de imediato
3 E) Após sete dias de tratamento empírico para PAC sem resposta, corticosteróide deve ser iniciado DISCUSSÃO: A apresentação de infiltrado pulmonar difuso envolve amplo diagnóstico diferencial. Duas questões devem ser consideradas inicialmente: 1 O paciente é um hospedeiro comprometido ou imunocompetente? 2 A doença aguda resulta de sobreposição a uma doença difusa já existente ou é um processo novo? Primeiramente, o diagnóstico de hospedeiro comprometido pode não ter sido feito, de modo que exames (sorologia HIV e outros) devem ser realizados em todo paciente com infiltrado difuso recente. O principal hospedeiro comprometido a ser considerado é o portador do vírus HIV. As infecções oportunistas, incluindo a tuberculose, permanecem a maior causa de mortalidade em pacientes com HIV, e a contagem de linfócitos T ainda é o melhor fator para predição do risco de infecção oportunista. A pneumocistose (PCP) caiu em incidência após a introdução do esquema HAART, mas continua sendo doença de apresentação comum em infectados por HIV. Classicamente, na PCP surgem opacidades reticulares ou em vidro fosco simétricas, bilaterais. Na doença leve, as opacidades são geralmente perihilares, enquanto que na doença grave, as opacidades são difusas. Menos freqüentemente, a PCP pode apresentar-se como opacidades unilaterais ou assimétricas. Cistos de paredes finas ou pneumatoceles são vistos em 10% a 20% dos casos. Derrame pleural e adenopatia intratorácica na PCP são raras. Muitos clínicos fazem tratamento empírico na suspeita de PCP, mas na presença de insuficiência respiratória aguda (IRA), a não realização de outros diagnósticos pode ser catastrófica. No presente caso, a sorologia para HIV foi negativa. Insuficiência cardíaca congestiva deve sempre ser considerado na presença de infiltrado pulmonar agudo. No caso em questão, linhas septais e derrame pleural bilateral eram evidentes na TC de tórax, porém a silhueta cardíaca tinha tamanho normal e não existiam achados ao exame físico indicativos de possível ICC, embora a ausência destes não exclua completamente esta possibilidade. Um ecocardiograma pode ser de grande auxílio. Foi realizada punção diagnóstica pleural em 10/08/2010: Líquido amarelo citrino, ph 7,4, Glicose: 110 mg/d, Proteínas: 2,4 g/dl (relação proteínas líquido/ plasma: 0,34), DHL: 250 U/l (relação DHL líquido/plasma: 1,1), ADA: 9,7 U, Citologia e diferencial: N: 22% Eo:2% L/M:76%; citologia oncótica negativa. Pela dosagem de DHL, trata-se de um exsudato, dado contra a possibilidade de ICC. Diversas condições podem resultar em lesão pulmonar difusa, a mais comum sendo pneumonias. Pneumonia de comunidade (PAC) grave é causada principalmente por S. Pneumoniae, seguda de H. Influenzae, S. Aureus, bacilos gram-negativos, L.
4 Pneumophila e M pneumoniae. Em um hospedeiro imunocompetente deve-se considerar especialmente a possibilidade de pneumonia por influenza A. Pneumonia por influenza A tem algumas características sugestivas: início súbito, febre > 39 o C, mialgias graves especialmente do pescoço e costas, com prostração profunda. A influenza A pandêmica afeta primariamente adultos jovens. Linfopenia e trombocitopenia podem ser observadas. Os achados radiológicos são inespecíficos. Em um estudo brasileiro, as TC(s) de 20 pacientes com pneumonia por influenza grave foram analisadas (Marchiori, 2010). Os achados frequentes foram opacidades bilaterais em vidro fosco e/ou consolidação. Um achado laboratorial importante na influenza suína é a elevação da CPK. O diagnóstico da influenza (H1N1) pode ser feito por PCR de secreção de faringe, mas o teste é de disponibilidade restrita. Exames patológicos mostram DAD, e coinfecção bacteriana em muitos casos. Bronquiolite necrotizante e hemorragia extensa podem ser observados. Condições incomuns que devem ser consideradas em situações epidemiológicas específicas incluem a hantavirose, a leptospirose, e outras doenças infecciosas ainda mais raras. Diversas overdoses de drogas podem resultar em LPA, porém não havia dados na história clínica. Em relação ao uso de fármacos usuais, também podem ocorrer vários tipos de lesão pulmonar. As lesões agudas mais comuns por drogas são o DAD, BOOP e DPI aguda (edema pulmonar), e podem se manifestar logo após a administração da droga (ex. edema pulmonar induzido pela hidroclorotiazida), horas ou dias mais tarde (ex. dano alveolar difuso induzido pela quimioterapia, lesão aguda pela nitrofurantoina, pneumonia eosinofílica induzida pela minociclina) ou, inexplicavelmente, após meses ou anos de tratamento (ex, pneumonite pelo metotrexate, toxicidade pulmonar aguda pela amiodarona). Para consulta às possíveis drogas e lesões pulmonares resultantes, consulte O lavado bronco alveolar (LBA) pode ser extremamente útil para avaliar a possibilidade de condições infecciosas e não infecciosas, tais como pneumonia viral, PCP, tuberculose, Legionella sp, infecções fúngicas, e outros patógenos não usuais e pneumonia de hipersensibilidade ou pneumonias eosinofílicas. Broncoscopia (10/08/2010): sem alterações endobrônquicas; LBA: Pesquisa BAAR, fungos e culturas negativas; Pesquisa de células neoplásicas: negativa Contagem diferencial = eosinófilos:38%; macrófagos:49%; neutrófilos:23% Resposta correta à questão 1. Alternativa C Questão 2: Assinale o ponto de corte dos eosinófilos no lavado bronco-aleveolar, acima do qual se caracteriza o grupo de pneumonias eosinofílicas: A) 10% B) 15% C) 20% D) 25% E) 30% DISCUSSÃO: Lavagem da árvore brônquica foi relatada pela primeira vez em 1927, e o termo "lavado" foi introduzido por Stitt em Lavagem pulmonar foi posteriormente
5 utilizada para fins terapêuticos, mas não foi utilizado como procedimento diagnóstico até 1974, quando Reynolds e Newball publicaram as suas observações sobre o uso de lavagem com solução salina para amostras de secreções de áreas distintas do pulmão humano através de uma broncoscópio flexível. Nos últimos anos várias recomendações e orientações em torno dos aspectos técnicos do LBA foram publicadas, mas nenhum consenso existe ainda para todos os aspectos de desempenho e análise do LBA. No entanto, o LBA ganhou ampla aceitação como um procedimento útil para recuperar os componentes celulares e acelulares das secreções respiratórias dos pulmões para fins de investigação diagnóstica. Como a broncoscopia com LBA é considerado um procedimento seguro, sua indicação é fundamental para contribuir com informações diagnósticas em algumas entidades específicas, especialmente se infecção respiratória é a causa do infiltrado pulmonar. Porém, além disso, a utilidade do LBA já esta bem estabelecida em algumas DPD(s) não infecciosas. O LBA obtido de indivíduos adultos saudáveis, não fumantes e sem doença pulmonar contém apenas pequenas porcentagens de neutrófilos, linfócitos e outras células inflamatórias. Macrófagos alveolares são as células predominantes da população (80-90%), seguidos de linfócitos 15%, neutrófilos 3%, eosinófilos 0.5% e mastócitos 0.5%. Doenças pulmonares eosinofílicas constituem um grupo heterogêneo de doenças caracterizadas por infiltração do tecido pulmonar por eosinófilos, que podem estar associadas ou não com eosinofilia periférica. Alguns dessas doenças são sistêmicas, outras estão localizadas apenas nos pulmões. Existem muitas causas possíveis, tais como infecções, reações induzidas por drogas e doenças alérgicas, como é o caso da aspergilose broncopulmonar alérgica. Outras são de origem indeterminada e são rotuladas como doenças pulmonares eosinofílicas idiopáticas, incluindo a pneumonia eosinofílica crônica idiopática, pneumonia eosinofílica aguda idiopática, síndrome de Churg-Strauss e síndrome hipereosinofílica. O diagnóstico clínico de pneumonia eosinofílica geralmente é feito pela combinação de infiltrado pulmonar na imagem e aumento da contagem de eosinófilos no sangue e/ou no LBA. O LBA é atualmente considerado uma técnica minimamente invasiva e amplamente aceita para estabelecer o diagnóstico de pneumonia eosinofílica. A contribuição na investigação diagnóstica é particularmente útil se o nível de eosinófilos no sangue é normal. Na prática clínica, o diagnóstico de pneumonia eosinofílica pode ser feito se o diferencial de células do LBA mostra 25% ou mais de eosinófilos e, geralmente, superior à contagem de neutrófilos. Importante é sempre considerar que o valor diagnóstico de uma eosinofilia leve no LBA é limitado, podendo estar associado a diversas doenças pulmonares intersticiais. Portanto, nas doenças pulmonares eosinofílicas o LBA pode fornecer pistas suficientes para o diagnóstico e assim evitar a biópsia cirúrgica na maioria dos casos. Questão 2. Resposta correta: Alternativa D Após o resultado do LBA, foi solicitada a composição da fórmula prescrita para o tratamento da acne, constatando-se a presença de minociclina.
6 Questão 3. Assinale a alternativa correta em relação à lesão pulmonar induzida pela minociclina: A) Eosinofilia sanguínea está ausente em 90% dos casos B) Padrão perilobular sugere BOOP C) A re-introdução da droga não resulta em recidiva do quadro D) Derrame pleural é comum E) Corticosteróides devem sempre ser prescritos na pneumonia eosinofílica Minociclina é um antibiótico do grupo das tetraciclinas usado para o tratamento de acne. A minociclina tem sido associada com uma variedade de efeitos adversos pulmonares, mais notavelmente BOOP e infiltrado pulmonar com eosinofilia. Na pneumonia eosinofílica pela minociclina, eosinofilia sanguínea estava ausente, como no presente caso, em 10 de 27 (37%) casos revistos em 1995 (Dykhuizen, 1995). Drogas são causas freqüentes de pneumonias eosinofílicas, e incluem, além das tetraciclinas, sulfasalazina, nitrofurantoina, fenitoina, paracetamol, ampicilina e outras, perfazendo dezenas de drogas. O primeiro caso de PEo induzida pela minociclina foi descrito em 1979 (Ho, 1979). A dose é variável, e a duração do tratamento pode variar entre de um dia a quatro semanas. Em todos os casos a relação temporal entre uso da droga e quadro pulmonar é claro. Na PEA, linhas septais e derrame pleural são achados comuns. Um caso foi descrito em que linhas de Kerley foram observadas após teste de provocação após readministração da minociclina (Yokoyama, 1990). No presente caso, um padrão perilobular era também evidente na TCAR. Padrão perilobular é observado classicamente na BOOP (Ujita, 2004), não tendo sido descrito em pneumonia eosinofílica aguda, porém um estudo de pneumonias eosinofílicas induzidas por drogas publicado em 2005 mostra figuras com este padrão, embora não descritos no texto (Souza, 2005). Adenopatias hilares e mediastinais podem ser observadas. Num relato de seis casos (Toyoshima,1996) opacidades em vidro fosco e linhas septais foram observados em todos, seguindo-se derrame pleural (4/6), consolidações (3/6), micronódulos e linfadenopatia (2/6 cada). O mecanismo pelo qual a minociclina produz pneumonia eosinofílica é pouco conhecido. Presumivelmente, a minociclina ou seus derivados, unidos a proteínas são exibidos na membrana dos macrófagos, sendo reconhecidos pelos linfócitos T CD4+ e CD8+ citotóxicos, desencadeando a reação (Correas,2005). Reação do tipo I parece também estar envolvida, pela elevação da IgE. Existem diversos casos de pneumonite por minociclina confirmados com re-teste positivo, mas não é necessária para o diagnóstico. Em quase todos os casos relatados corticosteróides foram usados no tratamento, embora apenas a retirada da droga possa ser suficiente. Quando o quadro patológico é de BOOP, parece haver uma resposta apenas parcial com a retirada da droga, com plena recuperação ocorrendo após o uso de corticosteróides. Na presença de pneumonia eosinofílica não grave, apenas a retirada da droga é suficiente, com rápida recuperação. Evolução para IRA com necessidade de ventilação invasiva tem sido descrita. Questão 3. Alternativa correta:d Evolução Durante a internação paciente recebeu como tratamento antibioticoterapia (ceftriaxona + claritromicina) e suporte ventilatório não invasivo. Diante do achado de eosinofilia no LBA
7 e culturas negativas, a composição da fórmula utilizada para o tratamento da acne foi revista, tendo-se constatada a presença de minociclina. A paciente foi mantida em observação, constatando-se resolução das lesões pulmonares. Radiografia do tórax pré-alta (16/08/2010): Referências 1. Correas FJH, Morera SA, Ramallal M, de Llano J, Garrote Martínez Gj, Díaz G. Pleurocarditis y neumonía eosinofílica inducida por minociclina: a propósito de un caso. Farm Hosp 2005; 29: Dykhuizen RS, Zaidi AM, Godden DJ, Jegarajah S, Legge JS. Minocycline and pulmonary eosinophilia. BMJ 1995;310(6993): Ho D, Tashkin DP, Bein ME, Sharma O. Pulmonary infiltrates with eosinophilia associated with tetracycline. Chest. 1979;76(1): Hull MW, Phillips P, Montaner JS. Changing global epidemiology of pulmonary manifestations of HIV/AIDS. Chest. 2008;134(6): Marchiori E, Zanetti G, Hochhegger B, Rodrigues RS, Fontes CA, Nobre LF, Mançano AD, ET al. High-resolution computed tomography findings from adult patients with Influenza A (H1N1) virus-associated pneumonia. Eur J Radiol. 2010;74(1): Meyer KC Bronchoalveolar lavage as a diagnostic tool. Semin Respir Crit Care Med. 2007;28(5): Souza CA, Müller NL, Johkoh T, Akira M. Drug-induced eosinophilic pneumonia: high-resolution CT findings in 14 patients. AJR Am J Roentgenol. 2006;186(2): Toyoshima M, Sato A, Hayakawa H, Taniguchi M, Imokawa S, Chida K. A clinical study of minocycline-induced pneumonitis. Intern Med. 1996;35(3):176-9.
8 9. Ujita M, Renzoni EA, Veeraraghavan S, Wells AU, Hansell DM. Organizing pneumonia: perilobular pattern at thin-section CT. Radiology. 2004;232(3): Yokoyama A, Mizushima Y, Suzuki H, Arai N, Kitagawa M, Yano S. Acute eosinophilic pneumonia induced by minocycline: prominent Kerley B lines as a feature of positive re-challenge test. Jpn J Med. 1990;29(2):195-8.
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