UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
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- Maria Laura Araújo Estrela
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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA ÍNDICE DE RESISTÊNCIA MÚLTIPLA AOS ANTIMICROBIANOS, CONCENTRAÇÃO INIBITÓRIA MÍNIMA E BETA-LACTAMASES DE ESPECTRO ESTENDIDO EM LINHAGENS DE Proteus mirabilis E Proteus vulgaris ISOLADAS DE DIFERENTES AFECÇÕES EM ANIMAIS DOMÉSTICOS VANESSA ZAPPA BOTUCATU-SP 2015
2 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA ÍNDICE DE RESISTÊNCIA MÚLTIPLA AOS ANTIMICROBIANOS, CONCENTRAÇÃO INIBITÓRIA MÍNIMA E BETA-LACTAMASES DE ESPECTRO ESTENDIDO EM LINHAGENS DE Proteus mirabilis E Proteus vulgaris ISOLADAS DE DIFERENTES AFECÇÕES EM ANIMAIS DOMÉSTICOS VANESSA ZAPPA Tese apresentada junto ao Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária para obtenção do título de Doutor. Área: Saúde Animal, Saúde Pública Veterinária e Segurança Alimentar Orientador: Prof. Dr. Márcio Garcia Ribeiro
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4 i Nome do Autor: Vanessa Zappa Título: ÍNDICE DE RESISTÊNCIA MÚLTIPLA AOS ANTIMICROBIANOS, CONCENTRAÇÃO INIBITÓRIA MÍNIMA E BETA-LACTAMASES DE ESPECTRO ESTENDIDO EM LINHAGENS DE Proteus mirabilis E Proteus vulgaris ISOLADAS DE DIFERENTES AFECÇÕES EM ANIMAIS DOMÉSTICOS BANCA EXAMINADORA Professor Adjunto Márcio Garcia Ribeiro Presidente e Orientador Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia- FMVZ-UNESP/Botucatu,SP Simone Baldini Lucheis Membro Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios APTA, Bauru, SP Professor Adjunto Paulo Francisco Domingues Membro Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia- FMVZ-UNESP/Botucatu,SP Professor Daniel Moura de Aguiar Membro Faculdade de Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia da UFMT Geraldo de Nardi Junior Membro Tecnologia em Agronegócio Faculdade de Tecnologia de Botucatu,SP Data da Defesa: 29 de maio de 2015
5 ii Ninguém que se entusiasme com o seu trabalho tem algo a temer na vida Samuel Goldwyn
6 Muito especialmente, desejo agradecer ao meu orientador Prof. Doutor Márcio Garcia Ribeiro, pela disponibilidade, atenção dispensada, paciência, dedicação e profissionalismo... Muito Obrigada. iii
7 iv AGRADECIMENTOS A Deus por me fazer persistir e lutar por meus sonhos. Aos meus pais Sonia e Luiz que mesmo na ausência sempre estiveram perto me apoiando e acreditando que tudo daria certo, pelo amor incondicional. Muito obrigada! Ao meu amor, amigo e companheiro Ricardo Perri, por ser meu grande incentivador desde o principio, por sempre acreditar em mim, pelo apoio, pela convivência e carinho que sempre me dedicou. Muito obrigada! Ao técnico em laboratório, Fernando José Paganini Listoni, ao acadêmico de medicina veterinária João Luis Revolta Callefe, e todos os estagiários e pósgraduandos do Laboratório de Microbiologia da FMVZ- UNESP/ Botucatu, SP. À Faculdade de Ensino Superior e Formação Integral-FAEF, pela disponibilidade de horários quando precisei me ausentar para o desenvolvimento deste trabalho.
8 v LISTA DE QUADROS Quadro 1. Antimicrobianos pertencentes a dez grupamentos distintos, utilizados no teste in vitro de sensibilidade microbiana método de difusão com discos em linhagens de Proteus vulgaris e Proteus mirabilis isoladas de diferentes afecções em animais domésticos. Botucatu, SP, Quadro 2. Comparação da concentração inibitória mínima e perfil de sensibilidade in vitro no teste de difusão com discos em isolados de Proteus spp. obtidos de diferentes manifestações clínicas em animais domésticos. Botucatu, SP, Quadro 3. Distribuição dos valores de concentração inibitória mínima, CIM 50 e CIM 90 para amoxicilina/ácido clavulânico, ceftriaxona, ciprofloxacino e gentamicina, em 73 linhagens de Proteus spp. isoladas de diferentes manifestações clínicas em animais domésticos. Botucatu, SP,
9 vi LISTA DE TABELAS Tabela 1. Ocorrência de espécies do gênero Proteus em 73 linhagens isoladas de diferentes afecções em animais domésticos. Botucatu, SP, Tabela 2. Ocorrência de diferentes afecções em animais domésticos causadas por linhagens de Proteus mirabilis e Proteus vulgaris. Botucatu, SP, Tabela 3. Perfil de sensibilidade microbiana "in vitro", no teste de difusão com discos, em isolados de Proteus mirabilis e Proteus vulgaris obtidos de diferentes afecções em animais domésticos. Botucatu, SP, Tabela 4. Perfis de multirresistência aos antimicrobianos em linhagens de Proteus mirabilis e Proteus vulgaris isoladas de caninos. Botucatu, SP, Tabela 5. Perfis de multirresistência aos antimicrobianos em linhagens de Proteus mirabilis e Proteus vulgaris isoladas de bovinos, equinos e felinos. Botucatu, SP,
10 vii LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT-Associação brasileira de normas técnicas CEUA- Câmara de Ética no Uso de Animais CIM- concentração inibitória mínima CIM 50 - Concentração inibitória mínima que inibi a multiplicação de 50% isolado CIM 90 = Concentração inibitória mínima que inibi a multiplicação de 90% isolados CLSI- Clinical Laboratory Standards Institute CO 2 - Dióxido de carbono ESBL- extended-spectrum beta-lactamase producers FMVZ-UNESP- Faculdade de medicina veterinária e zootecnia da Universidade Estadual Paulista FMVZ-USP- Faculdade de medicina veterinária e zootecnia da Universidade de São Paulo. H 2 S- ácido sulfídrico IRMA- Índice de Resistência Múltipla aos Antimicrobianos MBC- minimum bactericidal concentration MIC- minimum inhibitory concentration ph- potencial hidrogeniônico µg/ml = microgramas / mililitro % = porcentagem - maior ou igual >-maior
11 viii SUMÁRIO RESUMO... ABSTRACT INTRODUÇÃO REVISÃO DE LITERATURA Propriedades gerais do gênero Proteus Fatores de virulência e patogenicidade Afecções nos animais Doença nos humanos Considerações sobre a resistência aos antimicrobianos Testes in vitro de sensibilidade aos antimicrobianos Índice de Resistência Múltipla aos antimicrobianos Concentração inibitória mínima e Concentração bacteriostática mínima Sensibilidade e resistência in vitro do gênero Proteus aos antimicrobianos Beta-lactamases de espectro estendido (ESBL) HIPÓTESES DE ESTUDO OBJETIVOS Geral Específico MATERIAL E MÉTODOS Animais e micro-organismos Diagnóstico microbiológico Perfil de sensibilidade microbiana in vitro (método de difusão com discos) Índice de Resistência Múltipla aos Antimicrobianos (IRMA) Concentração Inibitória Mínima (CIM) Beta-lactamases de espectro estendido Amostragem (micro-organismos) e análise dos resultados Comissão de Ética RESULTADOS Isolamento das linhagens Manifestações clínicas e espécies animais Perfil de sensibilidade microbiana in vitro Índice de resistência múltipla aos antimicrobianos Concentração inibitória mínima Perfis de multirresistência
12 ix 6.7 Beta-lactamases de espectro estendido DISCUSSÃO CONCLUSÕES REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... ANEXOS
13 ZAPPA, V. Índice de resistência múltipla aos antimicrobianos, concentração inibitória mínima e beta-lactamases de espectro estendido em linhagens de Proteus mirabilis e Proteus vulgaris isoladas de diferentes afecções em animais domésticos. Botucatu, p. Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus de Botucatu, SP, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. RESUMO Nas últimas décadas é crescente o número de infecções por enterobactérias oportunistas multidroga resistentes em animais domésticos e humanos, em geral secundárias ao uso abusivo de antimicrobianos, incluindo pelo gênero Proteus. No entanto, as infecções por linhagens do gênero Proteus em animais domésticos são negligenciadas, relegadas ao segundo plano ou, por vezes, o microorganismo é considerado contaminante, ainda que em infecções como agente primário. Os registros de infecções por Proteus sp. em animais domésticos estão praticamente restritos aos relatos de casos, estudos retrospectivos ou compondo estudos com outros micro-organismos. São restritos no Brasil os estudos sistematizados envolvendo os principais aspectos clínico-epidemiológicos das afecções pelo gênero Proteus em grande número de animais domésticos, tampouco da presença de linhagens multirresistentes e/ou produtoras de betalactamases de espectro estendido (ESBL). O presente estudo investigou o índice de resistência múltipla (IRMA) e a concentração inibitória mínima (CIM) de 73 isolados de Proteus mirabilis (n=69) e Proteus vulgaris (n=4) a diferentes antimicrobianos, bem com a produção fenotípica de ESBL, em isolados obtidos de várias manifestações clínicas em animais domésticos. Em cães, o microorganismo foi identificado predominantemente em casos de cistite (48,21%), enterite (21,42%), otite (14,29%), conjuntivite (3,57%), dermatite (1,79%), artrite (1,79%) e em secreção de ferida cirúrgica (1,79%). Nos bovinos, o agente foi isolado de casos enterite (22,22%), abscesso (11,11%), otite (11,11%), onfalite (11,11%), peritonite (11,11%), metrite (11,11%) e em fragmento de órgão (11,11%). Nos equinos, enterite (50,0%), artrite (22,22%) e abscesso (16,67%) foram as principais afecções clínicas, enquanto nos felinos o agente foi isolado exclusivamente de casos de enterite (100,0%). A maior sensibilidade dos isolados no teste de sensibilidade microbiana in vitro utilizando o método padrão de difusão com discos foi observada para imipeném (98,63%), norfloxacino (95,89%), amicacina (95,89%), levofloxacino (90,41%), ceftriaxona (87,64%) e florfenicol (87,67%). Em contraste, a maior resistência das linhagens foi observada para novobiocina (95,89%), azitromicina (57,53%) e sulfametoxazole-trimetropim (39,73%). Dentre as 73 linhagens, a eficácia da amoxicilina/ácido clavulânico, gentamicina, ceftriaxona e ciprofloxacino utilizando o teste de CIM foi, respectivamente, 87,67%, 86,30%, 84,93% e 82,19%. A CIM 50 para amoxicilina/ácido clavulânico, ceftriaxona, ciprofloxaicno e gentamicina foi, respectivamente, 1,0 µg/ml, 0,004 µg/ml, 0,03 µg/ml e 1,0 µg/ml. O índice de resistência múltipla aos antimicrobianos (IRMA 0,3) foi observado em 33 (45,21%) linhagens. O IRMA dos isolados variou entre 0,1 a 1. Dentre os isolados com perfis de multirresistência, a maior ocorrência foi observada em cães (n=25; 75,76%), particularmente em animais com cistite (n=13; 52,0%), seguido pelos bovinos (n=4; 12,12%), equinos (n=2; 6,06%) e felinos (n=2; 6,06%). A presença fenotípica de ESBL foi identificada em dois (2,7%) dos isolados obtidos de dermatite e fezes de cães. Infere-se o comportamento oportunista das espécies 1
14 de Proteus nas infecções em animais domésticos em razão da diversidade de manifestações clínicas, a presença de isolados ESBL-positivos e a ocorrência de isolados multirresistentes aos antimicrobianos, reforçando a importância da instituição do tratamento do patógeno com respaldo em testes in vitro de sensibilidade microbiana e do uso racional de antimicrobianos no tratamento de infecções em animais domésticos. Palavras-chave: Proteus sp., resistência múltipla aos antimicrobianos, betalactamases de espectro estendido, animais de produção e de companhia, manifestações clínicas. 2
15 3 ZAPPA, V. Multiple antibiotic resistance index, minimum inhibitory concentration, and extended-spectrum beta-lactamase producers of Proteus mirabilis and Proteus vulgaris strains isolated from different clinical manifestations in domestic animals. Botucatu, p. Tese. Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus de Botucatu, Universidade Estadual Paulista. ABSTRACT In the last decades have been highlighted the increase number of infections in domestic animals and humans caused by opportunistic multidrug resistant enterobacteria, commonly associated to improper use of antimicrobials, including by Proteus species. However, Proteus infections in domestic animals have been misdiagnosed or the microorganism is considered a contaminant of microbiological cultures, besides to be a primary agent of diseases. Descriptions of Proteus infections in domestic animals usually are restricted to case reports, retrospective studies or part of studies involving other microorganisms. In Brazil, are restricted the comprehensive studies involving the main clinical and epidemiologic aspects of Proteus infections in a great number of domestic animals, as well as multiple drug resistant strains to conventional antimicrobials, and extended-spectrum betalactamase producers (ESBL). The present study investigated multiple antibiotic resistance index, minimum inhibitory concentration (MIC), and ESBL production in 73 strains of Proteus mirabilis (n=69) and Proteus vulgaris (n=4) isolated from different clinical manifestations in domestic animals. In dogs, the pathogen was identified most commonly causing cystitis (48.21), enteritis (21.42%), otitis (14.29%), conjuntivitis (3.57%), dermatitis (1.79%), arthritis (1.79%), and from surgical wound secretion (1.79%). In bovines, the microorganism occurred predominantly in enteritis (22.22%), abscesses (11.11%), otitis (11.11%), omphalitis (11.11%), peritonitis (11.11%), and in organ fragments (11.11%). Among equines, diarrhea (50.0%), arthritis (22.22%), and abscesses (16.67%) were the most common clinical manifestations, whereas in domestic cats the agent was identified exclusively in two cases of enteritis. In vitro standard disk diffusion method showed that the most effective antimicrobials against strains were imipenem (98.63), norfloxacin (95.89), amikacin (95.89), levofloxacin (90.41), ceftriaxone (87.64), and florfenicol (87.67). In contrast, the most common resistance of isolates was observed to novobiocin (95.89), azithromycin (57.53) and trimethropim/sulfamethoxazole (39.73). Among 73 isolates, efficacy of amoxicillin/clavulanic acid, gentamicin, ceftriaxone, and ciprofloxacin on basis in MIC was 87.67%, 86.30%, 84.93%, and 82.19%, respectively. MIC 50 of amoxicillin/clavulanic acid, ceftriaxone, ciprofloxacin, and gentamicin was, respectively, 1.0 µg/ml, µg/ml, 0.03 µg/ml, and 1.0 µg/ml. Thirty-three strains (45.21%) showed multiple antibiotic resistance (MAR) index ( 0.3). The MAR range of isolates was 0.1 to 1.0. Multidrug resistant profiles of isolates were observed most frequently in dogs (n=25; 75.76%), particularly in animals with cystitis (n=13; 52.0%), followed by bovines (n=4; 12.12%), equines (n=2; 6.06%), and cats (n=2; 6.06%). Phenotypic diagnosis identified two (2.7%) strains ESBLproducers obtained from canine skin and feces. Here, we observed a diversity of clinical manifestations in domestic animals caused by Proteus infections probably
16 by typical opportunistic behavior of the microorganism. In addition, the presence of multidrug resistance isolates, and ESBL-producers highlights the need of adequate use of antimicrobials and in vitro antimicrobial tests to support therapy. Key words: Proteus sp., multidrug-resistant, extended-spectrum beta-lactamase, livestock, companion animals, clinical manifestations 4
17 5 1. INTRODUÇÃO O gênero Proteus pertence à microbiota entérica de animais e humanos (MURRAY et al., 2007; KOENIG, 2012). Estes organismos são encontrados no ambiente de criatórios de animais, bem como contaminando água, alimentos, vegetais, utensílios, equipamentos de uso comum em animais e em instrumental cirúrgico (QUINN et al., 2011). A eliminação fecal e a ampla distribuição no ambiente conferem às bactérias do gênero Proteus comportamento tipicamente oportunista nas infecções em animais e humanos (SONGER e POST, 2005; MURRAY et al., 2007). Apesar das infecções do trato urinário e otite representarem as manifestações clínicas mais frequentes de infecções por Proteus sp. em animais domésticos (QUINN et al., 2005, 2011), grande diversidade de outras afecções são descritas em animais, que incluem septicemias e enterites neonatais, infecções uterinas, prostatite, mastites e dermatites (PHILPOT e NICKERSON, 2002; MURRAY et al., 2007; SANCHEZ, 2007; RADOSTITS et al., 2007; KOENIG, 2012). É motivo de preocupação o aumento crescente de infecções por enterobactérias oportunistas em animais domésticos, incluindo Proteus sp., em geral secundárias ao uso abusivo de antimicrobianos, no decorrer de tratamentos imunossupressivos, ou após procedimentos diagnósticos e cirúrgicos invasivos (KOENIG, 2012). Em virtude da maior ocorrência das infecções em humanos e em animais por enterobactérias consideradas mais patogênicas como Escherichia coli, Salmonella sp., Klebsiella pneumoniae, Shigella sp. e Enterobacter sp., as infecções por espécies do gênero Proteus são negligenciadas, relegadas ao segundo plano ou, por vezes, o micro-organismo é considerado contaminante, ainda que seja o agente causal primário. No entanto, tem-se observado que o gênero Proteus tem sido crescentemente diagnosticado em diversas manifestações clínicas em humanos e em animais, bem como é objeto de estudos
18 6 a ocorrência de isolados do micro-organismo multidroga resistentes (O HARA et al., 2000; SONGER e POST, 2005; QUINN et al., 2011). As enterobactérias - incluindo o gênero Proteus - são produtoras de enzimas que inativam certas cefalosporinas e penicilinas. As linhagens resistentes a diversos fármacos desses grupamentos são denominadas beta-lactamases de espectro estentido (ESBL) e têm sido motivo de preocupação entre os profissionais da saúde nas últimas décadas (GIGUÈRE et al., 2010). Nesse contexto, o presente estudo investigou o índice de resistência múltipla, a concentração inibitória mínima in vitro de diferentes antimicrobianos e a presença de ESBL em linhagens de Proteus mirabilis e Proteus vulgaris isoladas de diferentes manifestações clínicas em espécies domésticas.
19 7 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1 Propriedades gerais do gênero Proteus As bactérias do gênero Proteus pertencem à família Enterobacteriaceae. São relacionadas aos gêneros Providencia e Morganella devido às semelhanças de propriedades bioquímicas, compondo historicamente a tribo Proteea (O HARA et al., 2000). Na última década, cinco espécies do gênero Proteus foram taxonomicamente bem descritas: Proteus mirabilis (P. mirabilis), Proteus vulgaris (P. vulgaris), Proteus penneri (P. penneri), Proteus hauseri (P. hauseri) e Proteus myxofaciens (SONGER e POST, 2005; MURRAY et al., 2007), embora P. mirabilis e P. vulgaris sejam as espécies mais patogênicas e de maior significância clínica para animais e humanos (MANDELL et al., 2005; SONGER e POST, 2005). Mais recentemente, com o advento das técnicas moleculares aplicadas à taxonomia das bactérias, particularmente o sequenciamento do gene 16S rrna, genomoespécies de Proteus têm sido propostas (QUINN et al., 2011). O gênero Proteus pertence à microbiota entérica de pássaros, animais de sangue frio, animais domésticos e selvagens, além dos humanos (SONGER e POST, 2005; MURRAY et al., 2007; KOENIG, 2012). É encontrado também no solo (SONGER e POST, 2005), contaminando água, alimentos e vegetais, bem como utensílios, equipamentos de uso comum em animais e instrumental cirúrgico (QUINN et al., 2011). Proteus spp. são bactérias anaeróbias facultativas (SONGER e POST, 2005), embora tolerem aerobiose no isolamento primário em cultivo microbiológico. No que tange ao uso de substratos e degradação de compostos utilizados no diagnóstico fenotípico, as bactérias do gênero Proteus são lactose, lisina e oxidase negativas. Reduzem o nitrato para nitrito. Produzem gás e degradam a glicose, além de apresentarem reações positivas nas provas bioquímicas da urease, fenilalalinina desaminase (LTD) e H 2 S (TRABULSI e ALTERTHUM, 2005). O gênero Proteus se distingue das demais enterobactérias - na rotina de diagnóstico microbiológico - pela capacidade de oxidar a fenilalanina desaminase e triptofano (SONGER e POST, 2005).
20 8 A diferenciação bioquímica de rotina das duas principais espécies do gênero é baseada na redução do indol, visto que P. vulgaris é indol positivo enquanto P. mirabilis é indol negativo (SONGER e POST, 2005; QUINN et al., 2011). A bactéria apresenta motilidade pela presença de diferentes tipos de flagelos (MANDELL et al., 2005) dispostos de forma peritríquia (TORTORA et al., 2005). A sensibilidade a ampicilina e reação negativa ao indol, associado às características bioquímicas supracitadas, são utilizadas na diferenciação bioquímica de rotina de P. mirabilis das demais espécies de Proteus. A utilização da ornitina e produção de ácido a partir da maltose, adonitol, arabitol, trealose e inositol também são utilizadas na diferenciação fenotípica das espécies. P. hauseri, anteriormente reconhecido como subgrupo de P. vulgaris, é negativo para salicilina e esculina, características que o diferenciam de P. vulgaris (MURRAY et al., 2007). O micro-organismo é isolado em meios convencionais como o ágar acrescido de sangue ovino ou bovino (5%) desfibrinado, ou seletivos para enterobactérias como o meio de MacConkey, entre 24 e 48 horas de cultivo, em condições de aerobiose a 37 o C. No ágar sangue produzem colônias típicas com aspecto de véu, enxame, ou anéis que se difundem de forma concêntrica a partir do centro das colônias, devido à multiplicação em ciclos e variação na quantidade de flagelos dos isolados (TRABULSI e ALTERTHUM, 2005). As linhagens dotadas de grande quantidade de flagelos se movem de maneira centrífuga a partir do centro da colônia. Em seguida, perdem a maioria dos flagelos, limitando a motilidade. A repetição destes ciclos de multiplicação gera a aparência típica de anéis sobrepostos no isolamento bacteriano em meios sólidos (TORTORA et al., 2005; SONGER e POST, 2005). As colônias são despigmentadas ou branco-acinzentadas no ágar sangue, com odor forte, atingindo 2 a 3 mm de diâmetro com 24 horas e, após 48 horas, formam véu ou anéis por toda a superfície das placas, dificultando, inclusive, a identificação de outras bactérias no mesmo cultivo (SONGER e POST, 2005; MURRAY et al., 2007).
21 9 A classificação taxonômica e tipagem das linhagens do gênero Proteus utiliza, atualmente, a associação de métodos bioquímicos, sorológicos, fagos e métodos moleculares, como a reação em cadeia de polimerase (PCR) [O HARA et al., 2000]. 2.2 Fatores de virulência e patogenicidade Os micro-organismos do gênero Proteus são essencialmente oportunistas (MANDELL et al., 2005). Diferentes fatores são considerados na virulência e patogenicidade do organismo, como a produção de urease, presença do lipopolissacarídeo de membrana (LPS) ou endotoxina, marcada motilidade por flagelos peritríquios, produção de hemolisinas, proteases e quelação de íons ferro (SONGER e POST, 2005). A liberação da fração lipídica (lipídio A) do LPS das bactérias gramnegativas, incluindo no gênero Proteus, estimula a ação de prostaglandinas e citocinas pró-inflamatórias que culminam com quadros de choque endotóxico (TRABULSI e ALTERTHUM, 2005; SONGER e POST, 2005). O gênero Proteus expressa diferentes tipos de fímbrias simultaneamente, particularmente MR/P, que estão associadas à adesão do micro-organismo a superfície das células epiteliais (bexiga, rins), semelhante às pilis tipo 1 de Escherichia coli (MANDELL et al., 2005). P. mirabilis secreta uma protease denominada ZapA - considerada fator de virulência - por degradar imunoglobulinas de superfície de mucosas da classe IgA (SONGER e POST, 2005). A marcada mobilidade da bactéria em ciclos por flagelos peritríquios, em forma de véu ou enxame, favorece a disseminação do patógeno por superfícies e por via ascendente do trato urinário (SONGER e POST, 2005; QUINN et al., 2011). A virulência do gênero Proteus está associada também a produção de hemolisina, formando poros nas membranas das células eucarióticas. Ainda, foi evidenciada a produção em P. mirabilis de um aminoácido desaminase com afinidade pelo íon ferro, podendo atuar de forma semelhante aos sideróforos de Escherichia coli (SONGER e POST, 2005). Estes mecanismos de quelação são fundamentais na captação do íon ferro, que é essencial para o metabolismo da grande maioria das bactérias (EMODY et al., 2003; SIQUEIRA et al., 2009).
22 10 Grande parte do conhecimento da patogenia das afecções pelo gênero Proteus em animais está relacionada às infecções do trato urinário. A habilidade de produção de urease tem sido confirmada como fator de virulência em razão da formação de cálculos ( pedras ) no trato urinário (MANDELL et al., 2005; SONGER e POST, 2005). A hidrolização da uréia em CO 2 e amônia no trato urinário - pela ação da urease - altera o ph da urina, causando a precipitação de íons, favorecendo a formação de cálculos de cristais de estruvita e apatita, contendo fosfato de cálcio e magnésio (TRABULSI e ALTERTHUM, 2005; MURRAY et al., 2007). Os cálculos renais obstruem o fluxo normal da urina e as altas concentrações de amônia são lesivas para o uroepitélio (SONGER e POST, 2005). O desenvolvimento de urolitíase é considerado típico das infecções pelo gênero Proteus. Além de atuarem como corpo estranho no organismo do susceptível, Proteus sp. se localiza no interior do cálculo, dificultando a ação do sistema imune e dos antimicrobianos. No interior de certos cálculos a bactéria se mantém multiplicando, favorecendo a cronicidade das infecções do trato urinário (MANDELL et al., 2005; SONGER e POST, 2005). O micro-organismo pode se disseminar também - via ascendente - para os rins causando pielonefrite e, ocasionalmente, invadir a circulação causando septicemia, acometendo outros órgãos (SONGER e POST, 2005). 2.3 Afecções nos animais As infecções pelo gênero Proteus em animais domésticos são oportunistas, causadas mais frequentemente pelas espécies P. mirabilis e P. vulgaris (SONGER e POST, 2005; RADOSTITS et al., 2007; QUINN et al., 2011; GREENE, 2012; KOENIG, 2012). A eliminação pelas fezes favorece a ampla distribuição do micro-organismo no ambiente dos animais, contribuindo para infecções oportunistas. A coinfecção com outros patógenos entéricos, excesso de umidade no ambiente e desvitalização de tecidos e ferimentos são considerados fatores predisponentes (QUINN et al., 2005, 2011). A proximidade do reto e região perianal com as vias urinárias, particularmente nas fêmeas, favorece a ocorrência de afecções do trato geniturinário por enterobactérias, incluindo pelas diferentes espécies de Proteus
23 11 (ZIMMEL, 2007). Animais imunossuprimidos, acometidos por doenças debilitantes ou hospitalizados são mais expostos à infecção pelo micro-organismo (QUINN et al., 2011; KOENIG, 2012). Em geral, as descrições do gênero Proteus em animais domésticos estão restritas aos relatos de casos, estudos retrospectivos, ou compondo estudos com outros micro-organismos (RADOSTITS et al., 2007; OLIVEIRA et al., 2012; GREENE, 2012). As infecções do trato urinário em cães e equinos, peritonite em cães, e otite em cães e gatos parecem representar as formas clínicas mais frequentes de afecções pelo gênero Proteus em animais domésticos (PLUNKET, 2000; SONGER e POST, 2005; QUINN et al., 2005, 2011). Ocasionalmente, são relatadas septicemias neonatais e infecções uterinas em equídeos, provavelmente por contaminações no momento do coito, no parto, ou mesmo em procedimentos como inseminação artificial e exames genitais (SANCHEZ, 2007). O gênero Proteus é considerado micro-organismo ambiental na ocorrência da mastite em animais de produção, em virtude de contaminação hídrica (SANTOS e FONSECA, 2007; QUINN et al., 2011). Estes micro-organismos alcançam a glândula mamária por contaminação da água utilizada no ambiente da ordenha, ou por soluções de pré ou pós-dipping. Ainda, podem contaminar cânulas no tratamento intramamário (PHILPOT e NICKERSON, 2002). As mastites por Proteus sp. são de baixa frequência em animais de produção se comparadas a outros agentes ambientais. Em geral cursam sob a forma clínica, em propriedades com problemas de higiene no procedimento da ordenha, assim como no ambiente da pré e pós-ordenha (RIBEIRO, 2008). Nas afecções do trato urinário em animais de companhia e produção, o micro-organismo tem origem do próprio ambiente, da microbiota entérica ou da região perianal dos animais. Linhagens patogênicas migram pela uretra e aderemse às células da bexiga. Ocasionalmente, o micro-organismo se dissemina por via ascendente até os rins, causando pielonefrite (ZIMMEL, 2007). A capacidade de motilidade e de adesão às células uroepiteliais são fatores preponderantes nas infecções do trato urinário - usualmente mediados por fímbrias bacterianas - impedindo a eliminação do micro-organismo pelo fluxo natural da urina. Cerca de 10% das infecções do trato urinário em cães são causadas pelo gênero Proteus,
24 12 superado somente por Escherichia coli e pelos estafilococos (NELSON e COUTO, 2010). Proteus sp. figura dentre as principais causas de otite em cães. Em estudo da etiologia e sensibilidade microbiana in vitro de 95 casos de otite em cães atendidos no Hospital Veterinário da Universidade Estadual de Londrina, PR, em 10 (10,5%) animais foi isolado o gênero Proteus em cultura pura, além de coinfecções com estafilococos, estreptococos e Pseudomonas sp. (MEGID et al., 1990). O cultivo microbiológico de 429 amostras de secreção do conduto auditivo externo de cães com otite atendidos ao longo de sete anos na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, em Lima, Perú, P. mirabilis e P. vulgares foram isolados em, respectivamente, 65% e 16% dos espécimes clínicos (SÁNCHES et al., 2011). A etiologia, o perfil de sensibilidade microbiana in vitro e aspectos epidemiológicos de 616 casos de otite em cães foram avaliados retrospectivamente, ao longo de oito anos, em animais atendidos na FMVZ- UNESP/Botucatu, SP. Neste estudo, P. mirabilis foi isolado em cultura pura em 28 (3,97%) animais, além do isolamento em coinfecções com Pseudomonas aeruginosa e outros patógenos. Ainda, no mesmo estudo, P. vulgaris foi observado em menor ocorrência (OLIVEIRA et al., 2012). Os antimicrobianos mais efetivos frente às linhagens foram norfloxacino (89,62%), gentamicina (83,25%) e ofloxacina (80,16%), enquanto alta ocorrência de resistência dos isolados foi observada para neomicina (30,84%) e cefalexina (27,63%). Resistência múltipla a três ou mais e a cinco ou mais dos antimicrobianos foi encontrada em, respectivamente, 34,9% e 15,5% dos isolados. Os autores salientaram para a alta ocorrência de isolados multidroga resistentes e a necessidade do tratamento da otite canina com respaldo de testes de sensibilidade microbiana in vitro, visando otimizar as taxas de cura e o uso racional dos antimicrobianos. Em estudo que investigou os principais achados em cães diagnosticados com colesteatoma em orelha média, realizado na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade degli Studi di Milano, na Itália, P. mirabilis foi isolado em 11 animais, a partir do cerúmen do conduto auditivo (GRECI et al., 2011).
25 13 P. mirabilis tem sido descrito também como causa primária de enterite em ruminantes domésticos e cães filhotes. O uso prolongado de antimicrobianos em bezerros é considerado fator predisponente para a enterite por Proteus sp. O cultivo microbiológico de 204 amostras de fezes de bezerros com diarreia em animais de raças leiteiras na região de Ribeirão Preto, SP, identificou P. vulgaris em 10 (4,9%) animais (PEREIRA et al., 2004). 2.4 Doença nos humanos Infecções do trato urinário (cistite, pielonefrites), particularmente de origem nosocomial (cateter urinário), são as principais manifestações clínicas descritas em humanos pelo gênero Proteus (MANDELL et al., 2005; TORTORA et al., 2005; TRABULSI e ALTERTHUM, 2005). No entanto, em virtude do comportamento oportunista do micro-organismo, da presença dessa bactéria na microbiota fecal de animais e humanos, bem como contaminando utensílios de uso comum e superfície de estruturas, tem-se descrito ampla variedade de outras manifestações clínicas, registradas, notadamente, na forma de relatos de casos. Outras afecções em humanos incluem peritonite, enterite, meningoencefalite, empiema, osteomielite, dermatite, prostatite, endocardite, aneurisma, flebite e infecções oculares. As infecções por Proteus sp. têm sido superadas somente por Escherichia coli como agente de septicemia em humanos (O HARA et al., 2000; MANDELL et al., 2005). P. mirabilis e P. penneri tem sido isolados de humanos com diarreia, indicando que estas espécies da bactéria poderiam servir como agentes primários de infecções entéricas (MURRAY et al., 2007). Evidências têm demonstrado aumento do isolamento de espécies de Proteus na cultura da urina de pacientes com artrite reumatoide (RASHID e EBRINGER, 2008). Doudi et al. (2012) estudaram a ocorrência de infecções secundárias bacterianas em lesões de pele de pacientes positivos para leishmaniose cutânea no Irã, assim como a sensibilidade microbiana in vitro. Os principais microorganismos isolados foram Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis, Bacillus sp., Streptococcus pyogenes, Escherichia coli, Klebsiella sp. e Proteus
26 14 sp., enquanto os antimicrobianos mais efetivos foram ciprofloxacino, eritromicina, cefazolina e clindamicina (DOUDI et al., 2012). Estudando retrospectivamente os casos de infecções pelo gênero Proteus na Arábia Saudita, Bahashwan e Shafey (2013) relataram que as espécies mais frequentemente identificadas nos pacientes foram P. vulgaris, P. mirabilis e P. penneri. Destes, P. mirabilis foi responsável por 90% da casuística, encontrado mais frequentemente em infecções urinárias e em complicações por septicemia. Estas espécies de Proteus foram diagnosticadas também em pacientes com meningite, empiema, osteomielite, gastroenterites, em contaminação de feridas cirúrgicas e em afecções do trato respiratório inferior. Mordeduras de cães em humanos ocorrem comumente nos principais centros urbanos. P. mirabilis foi identificado em 4% dos micro-organismos contaminantes de 50 feridas em estudo que investigou os patógenos presentes nas lesões de humanos por mordeduras de cães (TALAN et al., 1999; ABRAHAMIAN et al. 2011). Na Itália, P. mirabilis foi identificado em 99 infecções diversas em pacientes adultos, dos quais 30,3% evoluíram para óbito devido à complicações por septicemia (TUMBARELLO et al. 2012) Considerações sobre a resistência bacteriana aos antimicrobianos A ocorrência de bactérias multirresistentes aos antimicrobianos figura dentre os problemas mais preocupantes atualmente em saúde pública (TRABULSI e ALTHERTUM, 2005; TAVARES, 2007) e em saúde animal (ANDRADE e GIUFFRIDA, 2008; GUARDABASSI et al., 2010; GIGUÈRE et al., 2010). O conhecimento do fenômeno de resistência dos micro-organismos a agentes químicos e físicos remonta desde a era microbiana. Ehrlich e colaboradores, em 1907, observaram que, com a introdução de substâncias químicas com finalidade quimioterápica, poderia ocorrer resistência entre linhagens de uma mesma população bacteriana. Após o advento do uso clínico das sulfonamidas em 1933 e, posteriormente, da penicilina em 1941, foi especulado que a resistência das bactérias aos antimicrobianos poderia ocorrer de forma natural ou adquirida. Ao descobrir a penicilina em 1929, Alexander
27 15 Fleming também observou, paralelamente, a resistência natural de microorganismos ao fármaco (TAVARES, 1996). A resistência aos antimicrobianos é um fenômeno genético, relacionado à presença de genes no micro-organismo que codificam diferentes mecanismos bioquímicos capazes de impedir a multiplicação (bacteriostáticos) ou eliminar os micro-organismos (bactericidas) [TAVARES, 1996, 2007]. O desenvolvimento de resistência pelos micro-organismos pode ocorrer via cromossomal (como resultado de mutações espontâneas) ou pela transferência de material genético e plasmídios de uma bactéria para outra por transdução (transferência de genes por bacteriófagos), transformação (incorporação de DNA liberado por outra bactéria), conjugação (transferência de elementos genéticos por ponte citoplasmática entre bactérias) e transposons (material genético móvel) [GIGUÈRE et al., 2010]. Os plasmídios são segmentos de DNA extra-cromossomal capazes de se replicarem independente do cromossoma bacteriano, contendo informações genéticas para a produção de toxinas, uso de substratos, produção de fatores de colonização (fímbrias) e de resistência aos antimicrobianos, este último denominado também plasmídio de resistência (fator R). Os transposons são pequenos fragmentos de DNA capazes de se movimentar entre as bactérias (plasmídios, cromossomos ou bacteriófagos), podendo conter genes de resistência aos antimicrobianos. Atualmente, sugere-se que a transferência de genes de resistência aos antimicrobianos entre as bactérias ocorra principalmente por plasmídios e transposons (TAVARES, 2007; ANDRADE e GIUFFRIDA, 2008; GIGUÈRE et al., 2010). A transferência de resistência aos antimicrobianos é muito comum em enterobactérias, Pseudomonas sp. e anaeróbios entéricos. A resistência de uma bactéria a um determinado antimicrobiano pode gerar também resistência cruzada a fármacos da mesma classe, como observado com o grupo dos bacteriostáticos, que incluem as sulfonamidas, tetraciclinas, aminoglicosídios e macrolídeos. Bactérias não patogênicas ou comensais podem adquirir resistência aos antimicrobianos que habitualmente seriam eficazes frente a estes organismos (QUINN et al., 2005). Outros mecanismos de resistência bacteriana aos antimicrobianos são representados por diminuição da permeabilidade da parede celular bacteriana,
28 16 produção de enzimas que inativam o fármaco, transporte ativo do fármaco para fora da bactéria, desenvolvimento de vias metabólicas alternativas e alteração de receptor da bactéria para o antimicrobiano (ANDRADE e GIUFFRIDA, 2008). O aumento da ocorrência de linhagens multidroga resistentes coincide com a ampla utilização de diferentes grupos de antimicrobianos, notadamente a partir da década de 1960, no tratamento de diversas manifestações clínicas em humanos e em animais, com o uso industrial na conservação de alimentos e na medicina experimental (TAVARES, 1996, 2007). Em medicina humana, a ocorrência de micro-organismos multidroga resistentes é notória em ambientes hospitalares. Particularmente em animais de produção, o uso mais recente de antimicrobianos como promotores do crescimento de aves e suínos (ANDRADE e GIUFFRIDA, 2008; SAWANT et al., 2007; SOBESTIANSKY e BARCELLOS, 2012), na profilaxia de doenças específicas em animais como na terapia da vaca seca (SANTOS e FONSECA, 2007), ou mesmo estimulado pelo apelo comercial de certos fármacos, têm aumentado o uso dos antimicrobianos em animais domésticos favorecendo, em tese, o aumento da pressão seletiva para linhagens multidroga resistentes (RIBEIRO, 2008). O uso indevido ou não racional dos antimicrobianos (subdoses, superdoses, tempo de tratamento insuficiente, tratamento sem o respaldo dos testes de sensibilidade in vitro, descontinuidade do tratamento) pode aumentar a pressão de seleção para linhagens com resistência (intrínseca ou adquirida) aos antimicrobianos (TAVARES, 2007; RIBEIRO, 2008). Nesses casos, a população bacteriana resistente multiplica-se desordenadamente e a propriedade de resistência aos fármacos pode ser transmitida para micro-organismos da mesma espécie e, por vezes, até para outros gêneros de bactérias (TAVARES, 1996; ANDRADE e GIUFFRIDA, 2008, GIGUÈRE et al., 2010; QUINN et al., 2011). No entanto, a resistência aos antimicrobianos não é uma propriedade adquirida recentemente ou dependente exclusivamente do uso de antimicrobianos, posto que estafilococos e Bacillus licheniformes preservados e isolados antes do uso das penicilinas produziam beta-lactamases (enzimas que degradam as penicilinas e outros derivados beta-lactâmicos), evidenciando que estes micro-organismos possuíam características genéticas codificadoras de resistência aos antimicrobianos (TAVARES, 1996).
29 17 Idealmente, o tratamento de infecções em animais e em humanos deveria ser realizado com base em testes in vitro de sensibilidade aos antimicrobianos. Apesar da divergência entre certos grupos de pesquisadores, o tratamento com respaldo de testes de sensibilidade microbiana in vitro facilita a decisão na escolha do antimicrobiano de eleição para uma determinada infecção, aumenta as taxas de cura e evita o uso de fármacos cujas linhagens não são sensíveis. Paralelamente, permite monitorar a ocorrência de multirresistência aos antimicrobianos. No entanto, nem sempre a sensibilidade in vitro assegura a eficácia in vivo em todas as situações de tratamento, posto que vários fatores intrínsecos aos micro-organismos, aos fármacos, ao local de infecção, ao tipo de reação inflamatória, a evolução do caso, a precocidade do tratamento e a espécies animal, concorrem para o sucesso do tratamento (TRABULSI, 1999; ANDRADE e GIUFFRIDA, 2008; RIBEIRO, 2008; GIGUÈRE et al., 2010). O antimicrobiano ideal para o tratamento de doenças bacterianas em animais deveria apresentar espectro de ação para o micro-organismo alvo escolhido previamente com base em testes de sensibilidade microbiana in vitro (GIGUÈRE et al., 2010). Ainda, deveria apresentar efeito bactericida, estabilidade, ação na presença de material purulento e debris celulares, atingir altas concentrações terapêuticas no tecido lesado, atóxico para o animal e para fêmeas gestantes, ausência de resíduos em produtos de origem animal, boa relação custo/benefício e fácil disponibilidade no mercado. No entanto, poucos antimicrobianos reúnem a maioria destas qualidades consideradas desejáveis (ANDRADE e GIUFFRIDA, 2008; RIBEIRO, 2008). Ainda, em animais com sinais graves de doenças que necessitam tratamento imediato, por questões econômicas, ou mesmo logísticas (dificuldade de acesso a laboratórios e pessoal capacitado), nem sempre é possível realizar os testes de sensibilidade in vitro previamente ao início do tratamento (ANDRADE e GIUFFRIDA, 2008). Assim, na prática, em Medicina Veterinária, na impossibilidade de realização de testes in vitro de sensibilidade aos antimicrobianos, à escolha do fármaco para o tratamento, por vezes, recai na experiência do profissional em casos pregressos similares, na avaliação da relação custo/benefício, ou mesmo no apelo comercial de certos produtos. O conjunto destes fatores pode resultar na baixa eficácia terapêutica, no uso indevido ou não racional de fármacos e no consequente
30 aumento da pressão de seleção para linhagens bacterianas multidroga resistentes (RIBEIRO, 2008) Testes in vitro de sensibilidade aos antimicrobianos O perfil in vitro de sensibilidade de micro-organismos aos antimicrobianos permite determinar fármacos com maior probabilidade de eficácia nos tratamentos. No entanto, outros fatores concorrem para a eficácia do antimicrobiano, como tipo de lesão (piogranulomas, granulomas), presença de material purulento, ph e biodisponibilidade tecidual do fármaco, dose, tempo e via de administração, produção de enzimas e localização intracelular dos microorganismos que podem dificultar a ação do fármaco (TAVARES, 2007). Com efeito, a sensibilidade in vitro de uma linhagem bacteriana a determinado antimicrobiano não quer predizer, necessariamente, que este fármaco será eficaz em todas as situações in vivo (TAVARES, 1996; ANDRADE e GIUFFRIDA, 2008; GIGUÈRE et al., 2010). Diferentes testes foram desenvolvidos para o estudo in vitro do perfil de sensibilidade microbiana, como as diluições em caldo, difusão com discos, gradientes em ágar (fitas impregnadas) e, mais recentemente, métodos automatizados. O teste de difusão com discos - padronizado pelo National Commitee for Clinical Laboratory Standars, também conhecido como Clinical Laboratory Standards Institute - CLSI (CLSI, 2006, 2014) - é um método qualitativo de fácil execução, de custo acessível na rotina laboratorial, indicado principalmente para bactérias de isolamento rápido, aproximadamente com 24 horas (GIGUÈRE et al., 2010; QUINN et al., 2011) Índice de Resistência Múltipla aos Antimicrobianos O Índice de Resistência Múltipla aos Antimicrobianos (IRMA) foi idealizado inicialmente para avaliar a multirresistência em linhagens de Escherichia coli (E. coli) visando identificar o risco de contágio humano, particularmente de alimentos, por linhagens com potencial de resistência múltipla aos antimicrobianos (KRUMPERMAN, 1983). O IRMA é calculado pela razão entre o número de classe(s) de antimicrobiano(s) contra a(s) qual (ais) cada linhagem é resistente e o número
31 19 total de classes testadas. Comumente são testadas, no mínimo, dez classes e considera-se que índices >0,3 são considerados como fonte potencial de transmissão de genes de resistência pelos isolados. Nas últimas décadas, o IRMA tem sido utilizado também para outros microorganismos, além de E. coli. Neste contexto, recentemente no Brasil, foi observada alto IRMA em 67 linhagens de Rhodococcus equi isoladas de equinos, humanos e do ambiente, particularmente para os isolados de origem animal (GIRARDINI et al., 2013) Concentração inibitória mínima e Concentração bactericida mínima A caracterização quantitativa do perfil de sensibilidade dos microorganismos pode ser determinada pela concentração inibitória mínima ( minimum inhibitory concentration MIC), que corresponde a menor concentração in vitro de um fármaco capaz de inibir a multiplicação (crescimento) de um determinado isolado, também denominada concentração bacteriostática. Paralelamente, a concentração bactericida mínima ( minimum bactericidal concentration MBC) é a menor diluição de um antimicrobiano capaz de inativar um determinado microorganismo, ou seja, determina a ação bactericida (TAVARES, 2007; GIGUÈRE et al., 2010). A MIC e MBC podem ser realizadas em tubos, em microdiluições ou em kits diagnósticos. Nas últimas décadas foi elaborado método comercial de difusão dos antimicrobianos com fitas impregnadas contendo gradientes decrescentes de concentração dos fármacos. Este teste de impregnação dos antimicrobianos em fitas permite a quantificação da sensibilidade dos isolados (CIM) de maneira rápida e prática, embora o custo ainda seja elevado na prática clínica cotidiana (TAVARES, 2007; CAMPANA et al., 2011). A CIM de linhagens de Proteus sp. obtidos de cães, gatos e equinos na Alemanha revelou que os isolados apresentaram maior resistência para tetraciclina, sulfametoxazole/trimetoprim e cloranfenicol (GROBBEL et al., 2007). Em humanos, Aragón et al. (2008) observaram que 7 (41,25%) dentre 17 isolados de P. mirabilis apresentaram resistência à associação amoxicilina/ácido clavulânico, com CIM variando de 16 a 64µg/mL. Luzzaro et al. (2001) investigaram a CIM em isolados de P. mirabilis obtidos de infecções em humanos.
32 20 A amicacina foi o antimicrobiano mais efetivo diante das 50 linhagens. Em contraste, os autores reportaram resistência dos isolados frente à gentamicina, ciprofloxacino, levofloxacino, trimetoprim/sulfametoxazole e piperacilina. No mesmo estudo, somente 12 (24,0%) isolados foram sensíveis ao grupo das fluoroquinolonas Sensibilidade e resistência in vitro do gênero Proteus aos antimicrobianos O perfil de sensibilidade in vitro de linhagens de Proteus isoladas de animais e humanos pode variar em diferentes países, devido à pressão de uso e disponibilidade de certos antimicrobianos, além do critério de uso dos fármacos e diferenças técnicas entre laboratórios na realização dos testes (TAVARES, 2007; GIGUÈRE et al., 2010). Em linhas gerais, os isolados do gênero Proteus obtidos de infecções em humanos e em animais usualmente são sensíveis aos aminoglicosídios (amicacina, tobramicina, gentamicina), carbapenemas (imipeném), cefalosporinas (cefazolina, cefuroxime, cefotaxime, ceftazidime, ceftriaxona), cloranfenicol, fluorquinolonas (ciprofloxacino, enrofloxacino), rifampicinas e sulfonamidas/trimetoprim (LUZZARO et al., 2001; MANDELL et al., 2005; NELSON e COUTO, 2010). No entanto, o gênero Proteus, particularmente P. mirabilis apresenta resistência intrínseca as tetraciclinas e nitrofurantoínas (O HARA et al., 2000). Em relação às carbapenemas (imipeném), foi observado mais recentemente que a sensibilidade para linhagens de P. mirabilis tem sido reduzida da ordem de 35% para esse grupo de fármacos (RENNIE e JONES, 2014). Em animais de companhia, os principais antimicrobianos indicados para o tratamento de infecções por enterobactérias - incluindo do gênero Proteus - são aminoglicosídios (amicacina, gentamicina, tobramicina), amoxicilina/ácido clavulânico, cefalosporinas (ceftiofur, cefotaxime, ceftazidime), fluorquinolonas (ciprofloxacino, enrofloxacino), ticarcilina e imipeném (KOENIG, 2012). Nas infecções do trato urinário de cães os principais antimicrobianos recomendados são amoxacilina/ácido clavulânico, fluorquinolonas e cefalosporinas (NELSON e COUTO, 2010).
33 21 A presença de espécies de Proteus multirresistentes aos antimicrobianos têm sido relatada em humanos (MANDELL et al., 2005) e em animais (SONGER e POST, 2005; QUINN et al., 2011). A resistência adquirida dos isolados do gênero Proteus ocorre principalmente por mutações ou aquisição do fator R. A presença de linhagens de Proteus sp. com resistência múltipla aos antimicrobianos é comum em humanos, notadamente em infecções nosocomiais em hospitais (TRABULSI e ALTERTHUM, 2005; MANDELL et al., 2005; TORTORA et al., 2005). Em humanos, P. mirabilis e P. vulgaris são, em geral, naturalmente resistentes as polimixinas, tetraciclinas, nitrofurantoína e ampicilina (TRABULSI e ALTERTHUM, 2005). Linhagens de P. mirabilis de origem humana são resistentes a nitrofurantoína, mas habitualmente sensíveis a sulfametoxazole/trimetoprim, ampicilina, amoxacilina, cefalosporinas, aminoglicosídios e imipeném (MURRAY et al., 2007). Embora a maioria dos isolados de P. mirabilis obtidos de infecções em humanos seja sensível ao ciprofloxacino, tem-se descrito crescente resistência de linhagens associadas ao uso excessivo deste antimicrobiano (O HARA et al., 2000). P. penneri comumente é mais sensível à penicilina do que P. vulgaris (MURRAY et al., 2007). Al-Tawfiq et al. (2014) estudaram estratégias para diminuir a resistência bacteriana, com base em métodos que consistem em listar os antimicrobianos conforme indicação recomendada de uso e espectro de ação, bem como retirar de circulação deliberadamente os antimicrobianos que correm risco de prescrição descontrolada. Os autores relataram resultados positivos para o controle de resistência para a maioria das espécies de bactérias. Particularmente para P. mirabilis, a sensibilidade bacteriana às cefalosporinas de terceira geração aumentou de 48% para 92% e para piperacilina-tazobactam houve aumento de 10% para 98%, reforçando que o uso racional dos fármacos pode aumentar as taxas de cura microbiana. Estudos recentes têm registrado alta frequência de mortalidade hospitalar em pacientes com infecção septicêmica por linhagens de P. mirabilis multidrogaresistentes (MDR). Dentre 99 pacientes internados, 30 evoluíram para óbito, dos quais 50% estavam infectados por P. mirabilis multidroga resistentes, todos produtores de beta-lactamases de espectro estendido (ESBL). Nestes 30
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