Pré-hipertensão: mudança do estilo
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- Isadora Ana Luísa Dias Casado
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1 Pré-hipertensão: mudança do estilo de vida sem medicação, para todos Manuel Teixeira Veríssimo Consultor de Medicina Interna dos H.U.C. Professor Agregado da Faculdade de Medicina de Coimbra Presidente do Conselho de Administração do Centro de Reabilitação da Região Centro Rovisco Pais Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências da Nutrição e Alimentação Secretário-Geral da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose Coordenador do Núcleo de Estudos Geriátricos da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna Membro da Section Board Geriatric Medicine of the European Union of Medical Specialists O aumento crescente da pré-hipertensão (PHTA), bem como da hipertensão arterial (HTA), nas sociedades desenvolvidas tem evoluído em paralelo com o desenvolvimento das mesmas. Porquê esta associação? O que é que mudou nas sociedades desenvolvidas que justifique tal aumento? Essencialmente o estilo de vida, consubstanciado em dois factores: a diminuição da actividade física e o aumento da ingestão calórica, os quais são responsáveis pela pandemia de excesso de peso e obesidade que grassa nas sociedades desenvolvidas e que se associa com frequência não só à PHTA E HTA, mas também a outros factores de risco cardiovascular como a dislipidemia e a diabetes, entre outros, que na prática traduzem a síndrome metabólica. De facto tudo começa com o aumento de gordura abdominal, que provocando insulino-resistência e consequentemente hiperinsulinismo, vai estar na origem da constelação de factores de risco cardiovascular desta síndrome, entre os quais se encontra a PHTA e HTA. A PHTA, correspondendo a um aumento ligeiro da pressão arterial sistólica e/ou diastólica, enquadra-se no conjunto dos pequenos aumentos que isoladamente parecem ter pouco significado, mas que na prática, associados a outros, acabam por determinar um aumento significativo do risco cardiovascular. Importa referir que o risco cardiovascular associado à pressão arterial começa a aumentar a partir de valores superiores a 115 mm/hg de sistólica e 75 mm/hg de diastólica e de um modo mais marcado acima de 130 e 90, respectivamente. Por isso, mesmo que a PHTA seja isolada deverá ser tratada. Mas ser tratada não quer dizer uso de fármacos, embora muitas vezes haja a tentação de o fazer em vez de começar pelas medidas higieno-dietéticas, as quais, não sendo suficientes na maioria dos casos de HTA declarada, o são contudo nas situações de PHTA. Naturalmente que cada caso é um caso e o tipo de tratamento deverá depender sempre da avaliação global do risco cardiovascular de cada indivíduo, embora pareça claro que em prevenção primária a PHTA deva ser tratada através da modificação do estilo de vida, enquanto em prevenção secundária, dependendo da situação em causa, para além das alterações do estilo de vida possa ser adequado juntar fármacos desde o início. As alterações do estilo de vida com repercussão na pressão arterial são essencialmente as relacionadas com a alimentação e a actividade física, que por sua vez estão directamente relacionadas com o que verdadeiramente é grande causa de PHTA e HTA, isto é a obesidade, designadamente a abdominal. Também o tabagismo e o stress, fazendo parte de um padrão de vida moderno associado aos anteriormente referidos, contribuem para esta elevada frequência de aumento da pressão arterial nos países desenvolvidos. 32 Recebido para publicação: Julho de 2009 Aceite para publicação: Julho de 2009
2 Revista Factores de Risco, Nº15 OUT-DEZ 2009 Pág Importa referir que o risco cardiovascular associado à pressão arterial começa a aumentar a partir de valores superiores a 115 mm/hg de sistólica e 75 mm/hg de diastólica e de um modo mais marcado acima de 130 e 90, respectivamente. O excesso de gordura corporal, em particular a gordura visceral, está na base de um conjunto de alterações metabólicas das quais a PHTA e HTA acabam por ser uma consequência. O incremento deste tipo de gordura provoca o aumento da pressão arterial por várias vias: insulino-resistência e consequente hiper-insulinemia com estimulação do Sistema Nervoso Simpático (SNS) produzindo vasoconstrição por aumento da produção de óxido nítrico, bem como retenção de sódio a nível renal com aumento da volémia; produção de adipocinas pela célula gorda (angiotensinogénio e leptina) que por diversos mecanismos aumentam a pressão arterial; activação do sistema renina-angiotensina-aldosterona pelos mecanismos atrás referidos e por compressão medular do rim; e alterações hemodinâmicas decorrentes da maior necessidade de oxigénio e sobrecarga cardiovascular. O mecanismo atrás referido para a associação entre a obesidade e o aumento da pressão arterial é apenas uma parte de uma constelação maior, que centrada na obesidade abdominal, insulino-resistência e hiperinsulinemia, consubstancia o que hoje é denominado como síndrome metabólica, que, para além dos parâmetros atrás referidos, associa a dislipidemia, a hiperglicemia, o estado prótrombótico e a disfunção endotelial. É este conjunto que faz da obesidade uma ameaça para o mundo moderno, sendo mesmo considerada a pandemia do Século XXI, principalmente pela sua forte associação com as doenças cardiovasculares. Sendo este um problema multifacetado que tem na sua génese o aumento da gordura abdominal, que por sua vez tem origem no estilo de vida desadequado existente nas sociedades desenvolvidas, com certeza que o tratamento ideal deverá também ser dirigido á sua Quadro I Objectivos da alimentação saudável Objectivos Manter peso saudável Níveis recomendados de C-LDL Níveis recomendados de C-HDL Níveis recomendados de triglicerídeos Níveis normais de glicémia Valor normal de Pressão arterial Como atingir - balanço energético equilibrado - balanço de nutrientes equilibrado - actividade física regular - limitar consumo de gordura saturada - limitar consumo de gordura trans - limitar consumo de colesterol - ingerir quantidade adequada de fibras - manter peso adequado - moderado consumo de bebidas alcoólicas - actividade física regular - manter peso adequado - previlegiar o consumo de peixe - manter peso normal - adequação na quantidade e qualidade de hidratos de carbono - refeições com índice glicémico adequado - manter peso normal - reduzir ingestão de sal - moderado consumo de bebidas alcoólicas - consumo elevado de potássio 33
3 Pré-hipertensão: mudança do estilo de vida sem medicação, para todos principal causa, isto é ao desequilíbrio entre o consumo e os gastos de energia, traduzido por ingestão alimentar excessiva e por actividade física reduzida. Assim a principal medida para tratar a PHTA em indivíduos com pré-obesidade ou obesidade deverá ser o emagrecimento que em regra é suficiente para normalizar a pressão arterial, bem como para corrigir, ou ajudar a corrigir, os outros factores de risco associados à síndrome metabólica. Na verdade o emagrecimento é a única via fisiológica para tratar esta síndrome. A alimentação com vista ao tratamento e prevenção da pré- -HTA deverá assim assentar, por um lado no controlo de energia de modo a atingir o peso adequado, e, por outro, no equilibrado consumo de macro e micronutrientes O emagrecimento, sendo importante não é, contudo, a única via para controlar a PHTA. A restrição de sal, o consumo de alimentos ricos em potássio, a restrição de bebidas alcoólicas e a prática regular de actividade física também têm um papel importante. Em média uma diminuição de peso de cerca de 10Kg associa-se a uma redução na pressão arterial sistólica de 5 20 mmhg; uma dieta equilibrada, rica em vegetais e pobre em gordura saturada e sal - dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension) a uma redução de 8 14 mmhg; uma dieta hipossódica, com menos de 6g/dia de sal, a uma redução de 2 8mmHg; a prática regular de atividade física a uma redução de 4 9mmHg; e a restrição de álcool a uma redução de 2 4mmHg. A alimentação com vista ao tratamento e prevenção da PHTA deverá assim assentar, por um lado no controlo de energia de modo a atingir o peso adequado, e, por outro, no equilibrado consumo de macro e micronutrientes, com reforço de alimentos ricos em potássio como fruta, legumes e hortaliças e em cálcio como leite e derivados magros, o que de resto não é mais do que a alimentação saudável que deverá ser aconselhada à população em geral, apenas com ligeiras adaptações em função da patologia ou factor de risco específico de cada indivíduo (Quadros I, II e III). As regras básicas para uma alimentação preventiva das doenças cardiovasculares e por extensão da PHTA e HTA assentam essencialmente em: consumir a quantidade de energia necessária para atingir e manter o peso adequado; não comer carne em excesso, cuja gordura é predominantemente saturada e aterogénica (não mais que uma vez por dia, preferir as carnes magras - frango, perú, coelho). não comer as gorduras visíveis e ter cuidado com os produtos de charcutaria - chouriço, presunto, morcela, paio, etc, que para além de serem ricos em gordura saturada contêm sal em excesso); comer peixe pelo menos uma vez por dia, de preferência o de águas profundas e escama azul, como a sardinha, cavala, salmão, etc. (ricos em gordura polinsaturada e ácidos gordos ómega 3), que protege contra a aterosclerose e suas consequências; não comer mais que três ovos por semana devido à sua riqueza em colesterol; ter cuidado com alguns produtos lácteos gordos (preferir o leite e derivados magros ou meio gordos e evitar as natas); usar preferencialmente como gordura de adição o azeite; para fritar usar o azeite, o óleo de amendoim ou a banha; não consumir manteiga ou margarina em excesso e ter a noção que algumas margarinas vegetais, bem como alimentos confeccionados com certos tipos de gordura, têm elevada concentração de ácidos gordos trans, que são aterogénicos; comer regularmente leguminosas secas, legumes frescos, hortaliças, saladas vegetais e fruta; Concluindo poder-se-á dizer que a pré-hta é uma situação frequente que tendo como principal causa um estilo de vida desadequado, deverá encontrar na alimentação saudável, na prática de actividade física e na manutenção do peso adequado a solução. 34
4 Revista Factores de Risco, Nº15 OUT-DEZ 2009 Pág Quadro II Como atingir os objectivos na prática Objectivos Métodos Balanço energético Balanço de nutrientes Actividade física regular - Variável (cerca de Kcal / Kg / dia) - O necessário para manter o peso adequado Consumo diário de alimentos com grande densidade de nutrientes: - carne e/ou peixe e/ou ovos - lacticínios - cereais - vegetais - fruta Limitar os alimentos com baixa densidade de nutrientes: - gordura e açúcar de adição - bebidas açucaradas - snacks - sobremesas Excluir da alimentação: - gorduras visíveis nas peças de carne -Incorporar mais movimento na actividade quotidiana -Actividade física programada Limitar consumo de gordura saturada - Consumo reduzido de carne vermelha ( 7% do VCT) - Consumo adequado de peixe e aves - Lacticínios meio-gordos ou magros - Azeite, como gordura de adição Limitar o consumo de gordura trans - Consumo reduzido de alimentos processados pela indústria alimentar ( 1% do VCT) - Preferir os óleos vegetais às gorduras sólidas - Consumo reduzido de fritos - Na fritura utilizar o azeite, o óleo de amendoim e a banha de porco Limitar a ingestão de colesterol alimentar - Consumo reduzido de carne vermelha. (< 300 mg / dia) - Lacticínios meio-gordos ou magros - Excluir da alimentação as gorduras visíveis da carne - Não mais que 3 ovos /semana Adequação do consumo de hidratos de carbono - 4 a 5 vezes por dia com boa distribuição por cada refeição (55 65% do valor energético total) - Usar preferencialmente os integrais ou pouco polidos - Mistura de alimentos com diferentes índices glicémicos - Uso regular de leguminosas secas - Escolha do momento para ingerir alimentos muito hiperglicemiantes - Não os ingerir isoladamente, especialmente os de elevado índice glicémico Redução da ingestão de sal - Usar pouco sal na confecção dos alimentos. (6-8 g / dia) - Limitar bastante o consumo: - de charcutaria. - de alimentos processados pela indústria alimentar - Não usar sal de mesa Moderação no consumo de álcool - Quem optar por consumir bebidas alcoólicas pode fazê-lo: (< 30 g / dia) - de um modo moderado - de preferência vinho tinto - consumidas com as refeições. Consumo elevado de potássio Consumo de fibra alimentar Alimentação rica em: (> 25 g / dia) - Fruta - Legumes e hortaliça - Leguminosas secas - Farináceos pouco polidos - Consumo de vegetais e fruta - Privilegiar tipos de confecção que inclua a água de cozedura de vegetais. 35
5 Pré-hipertensão: mudança do estilo de vida sem medicação, para todos comer regularmente e de forma moderada farináceos (pão, massa, arroz, etc.) preferindo os menos refinados por serem ricos em fibra, vitaminas e minerais; quando comer doces e produtos com índice glicémico elevado, não o fazer isoladamente; saber que as bebidas alcoólicas podem ter efeito protector, mas apenas quando bebidas moderamente (preferível o vinho tinto - não mais que 250 cc/dia para a mulher e 400 para o homem); saber que o chá, o café e o cacau, bem como as oleaginosas secas (noz, amêndoa, avelã, etc.) podem ter efeito protector devido à sua riqueza em antioxidantes; evitar o sal de adição, (substituir por ervas aromáticas) e alguns alimentos conservados com sal (charcutaria, queijo curado, azeitonas, etc.); preferir a confecção dos alimentos à base de cozidos, grelhados, assados sem gordura e estufados com pouca gordura; comer sopa de legumes às principais refeições; fazer 5 a 6 refeições diárias, equilibradamente distribuídas por 3 refeições principais (pequeno almoço, almoço e jantar) e 2 ou 3 intercalares (meio da manhã, merenda e, eventualmente, ceia). A actividade física tem efeito benéfico na PHTA exercendo o seu efeito quer directamente através do tónus arterial e do volume plasmático, quer indirectamente através do controlo da gordura corporal. É particularmente recomendada a actividade física aeróbia, quer organizada sob a forma de desporto ou programas de exercício físico, quer inseridas na vida Quadro III Regras a transmitir à população em geral Fazer 4-6 refeições por dia Ingerir diariamente 5 porções de vegetais e fruta - vegetais (2): ao almoço e jantar (sopa + acompanhamento de peixe ou carne) - fruta ( 3 peças de ± 150 g. / dia) Ingerir cereais em todas as refeições - sob a forma de pão, arroz ou massas - escolher as formas menos polidas (mais integrais) Preferir a fruta inteira ao sumo de fruta Ingerir leguminosas regularmente (frequência semanal): - incluídas na sopa ou a acompanhar a carne ou o peixe. Carne - limitar consumo de carne vermelha (2-3 vezes por mês) - preferir carne de aves (sem pele) - retirar toda a gordura visível às carnes antes de a cozinhar - limitar consumo de carnes processadas com alto teor em gordura saturada (charcutaria e conservas) Peixe - consumir regularmente (mínimo de 2-3 vezes por semana) - preferir os peixes de águas frias e escama azul Consumir diariamente lacticíneos meio gordos ou magros Na confecção dos alimentos: - ter cuidado na preparação da carne a cozinhar (retirar toda a gordura visível) - cozinhar com pouca gordura - preferir os óleos vegetais às gorduras sólidas - preferir o azeite, como gordura de adição - a fritura deve ser excepcional (quando a fizer utilizar o azeite, óleo de amendoim ou a banha de porco) - adicionar pouco sal - cozinhar em lume brando. Ovos - não mais que 3 por semana - ter em atenção que estes entram em diversos tipos de confecção. 36
6 Revista Factores de Risco, Nº15 OUT-DEZ 2009 Pág quotidiana. Importante é que seja praticada com regularidade, três a cinco vezes por semana, com a duração de 30 a 60 minutos cada, e adaptada às capacidades e gostos de cada indivíduo. Nas modalidades aconselhadas encontram-se a dança, ginástica, corrida, marcha, natação, ciclismo, bem como práticas competitivas de lazer como o ténis, golfe e desportos de equipa. Para quem não gosta de desporto, andar a pé e as ocupações como jardinagem, horticultura, trabalhos manuais, etc., podem ser uma alternativa. O stress, conduzindo a um aumento da actividade do sistema nervoso simpático e consequente elevação da produção de renina está entre os supostos mecanismos patogénicos da PHTA e HTA. Por isso deverão evitar-se as situações que causam stress, assim como conhecer estratégias que ajudam a lidar com o mesmo. Algumas práticas como a meditação, massagem, ioga, tai chi chuan, pescaria, trabalhos manuais, trabalhos voluntários, etc., têm demonstrado bons resultados. O tabaco também aumenta a pressão arterial. Não apenas por isso, mas também porque é um importante factor de risco cardiovascular e de cancro, entre outros, deverá ser evitado. Concluindo poder-se-á dizer que a PHTA é uma situação frequente que tendo como principal causa um estilo de vida desadequado, deverá encontrar na alimentação saudável, na prática de actividade física e na manutenção do peso adequado a solução. As medidas farmacológicas só se justificarão em situações de prevenção secundária em que para além do desvio tensional existam outros benefícios trazidos por esse tipo de medicação. Bibliografia American Heart Association. Heart Disease and Stroke Statistics 2005 Update. Dallas, Tex: American Heart Association; Disponível: Centers for Disease Control and Prevention, National Center for Health Statistics. Faststats A to Z. Disponível: Diet and Lifestyle Recommendations Revision Circulation. 2006; 114: ESH-ESC Guidelines for the management of arterial hypertension. European Heart Journal (2007) 28, Field AE, Coakley EH, Must A, Spadano JL, Laird N, Dietz WH, Rimm E, Colditz GA. Impact of overweight on the risk of developing common chronic diseases during a 10-year period. Arch Intern Med 2001; 161: Iori I, Fatati G, Fusco MH, Leonardi F, Matthieu G, Scanelli G, Lanti M, Menotti A. Survey of Cardiovascular Risk Factors in Overweigth and Obese Patients (SCOOP Study). Eur J Int Med 2009; 20: US Department of Health and Human Services; US Department of Agriculture. Dietary Guidelines for Americans, th ed. Washington, DC: US Government Printing Office; Manuel Teixeira Veríssimo 37
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