A evolução dos investimentos diretos de empresas gaúchas no exterior
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- Isabella Eger Estrada
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1 A evolução dos investimentos diretos de empresas gaúchas no exterior Beky Moron de Macadar * INTRODUÇÃO Grande parte dos investimentos diretos no exterior (IDEs) é realizada pelos países desenvolvidos; no entanto, há evidências de que empresas originárias dos países em desenvolvimento (PEDs) e das economias em transição 1 estão tendo uma presença internacional cada vez maior em função do seu crescimento acelerado durante as duas últimas décadas. Apenas entre 2003 e 2008, a saída de IDEs desse grupo de países passou de US$ 56,2 bilhões para US$ 351 bilhões, destacandose no conjunto a expansão Sul-Sul das transnacionais dos PEDs. O estoque de IDEs desses países atingiu US$ 1,9 trilhão em 2007, o que representava 11,9% do total mundial (WIR, 2009). As fusões e aquisições (F&A) transfronteiras configuram outro indicador do crescimento dos IDEs. As F&A converteram-se em um importante meio para ingressar em outro país, e essa modalidade também está sendo utilizada pelas transnacionais dos PEDs e das economias em transição. Entretanto a crise internacional atual cujo ápice foi em setembro de 2008, com a quebra do Lehman Brothers nos Estados Unidos teve um impacto negativo sobre os fluxos globais de IDEs. Segundo estimativas da UNCTAD (2010), o fluxo mundial de IDEs caiu 30% em 2009, passando de US$ 1,7 trilhão em 2008 para pouco mais de US$ 1,0 * Técnica da FEE, Economista e Doutora em Administração pelo PPGA da UFRGS. A autora agradece as colegas Sônia U. Teruchkin e Teresinha Bello pelas críticas e sugestões. Erros e omissões remanescentes são de responsabilidade da autora. 1 A UNCTAD considera os países da Europa Sul-Oriental e da Comunidade de Estados Independentes (CEI) como economias em transição (WIR, 2006). O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
2 trilhão naquele ano. Conforme o World Investment Report de 2009 (WIR, 2009), a perspectiva é a de uma lenta recuperação em 2010 e uma volta aos níveis de 2008 apenas em Os crescentes desinvestimentos das empresas transnacionais no mundo todo contribuíram para a retração dos fluxos globais de IDE. A partir de meados de 2008, tais desinvestimentos, seja na forma de repatriação de investimentos, seja na de reversão de empréstimos entre empresas do mesmo grupo, ou na de reembolso de dívidas com a matriz, superaram os fluxos brutos de IDE em vários países. No Brasil, esse fenômeno começou a manifestar-se em 2009, quando, de janeiro a julho, os retornos superaram as saídas em US$ 5,4 bilhões. O objetivo deste artigo é analisar a relevância dos IDEs realizados pelas empresas gaúchas de capital nacional ao longo das três últimas décadas, os principais tipos de IDEs, os países de destino e a funcionalidade desses investimentos para o crescimento da empresa. Para tanto, além desta Introdução, o artigo conta com três seções e as Considerações finais. Na primeira seção, analisam-se os motivos para a expansão internacional dos IDEs. A segunda trata dos IDEs brasileiros e gaúchos no exterior, com foco na repercussão dos possíveis custos e benefícios sobre a renda e o emprego nacionais. A terceira descreve brevemente a inserção externa das empresas gaúchas mais internacionalizadas. Por último, discutem-se as tendências futuras dos IDEs de empresas gaúchas e suas possíveis repercussões econômicas. O artigo tem caráter exploratório de cunho qualitativo, com base em informações contidas em monografias, estudos de caso, livros e artigos acadêmicos, anais de congressos, jornais e páginas da web das empresas. 1 MOTIVOS PARA A EXPANSÃO INTERNACIONAL DOS IDES Quais são os motivos que levam as empresas a realizarem investimentos diretos no exterior? Os motivos geralmente são diversos e, muitas vezes, complementares. O tema da internacionalização da firma é O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
3 tratado tanto na literatura da área da administração e de negócios como na análise econômica. Na primeira, predomina o modelo comportamentalista, que considera o processo de internacionalização como sendo gradual ou evolutivo, e seus maiores expoentes são Johanson e Vahlne (1977; 2001), da Escola de Uppsala. Na segunda, o paradigma principal é o da teoria eclética da internacionalização, que utiliza o conceito de custos de transação para explicar as decisões de internacionalização da firma, e está associada a Dunning (1979; 2001). 1.1 O modelo comportamentalista da Escola de Uppsala Para os autores da Escola de Uppsala, a internacionalização da firma é um processo no qual o envolvimento internacional é gradual. A interação entre a aquisição de conhecimentos sobre os mercados externos, por um lado, e o crescente comprometimento de recursos nesses mercados, por outro, dita a evolução do processo (Macadar, 2009). Segundo Johanson e Wideersheim-Paul (1975), as firmas seguem dois padrões nos seus processos de internacionalização. Pelo primeiro deles, o comprometimento da firma em um determinado país evolui conforme um processo sequencial, ou seja, inicialmente inexistem atividades de exportação para aquele mercado; depois, a exportação fazse através de representantes independentes; a seguir, através de uma subsidiária de vendas; e, eventualmente, poderá chegar-se à produção local. Essa evolução gradativa denota um comprometimento cada vez maior de recursos relacionado com a aprendizagem e a redução da incerteza decorrente de um melhor conhecimento do mercado. As formas organizacionais desse maior envolvimento podem assumir o formato de joint ventures, licenciamento ou subsidiárias, tanto para o atendimento comercial como para a produção industrial. O segundo padrão identificado é que as firmas entram inicialmente em mercados que apresentam uma menor distância psíquica. A distância manifesta-se, por exemplo, nas diferenças de idioma, de educação, de O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
4 cultura, de sistemas políticos, de práticas de negócios e de desenvolvimento industrial. Por isso, as empresas que se internacionalizam iniciam o processo preferencialmente naqueles mercados que mais se assemelham ao país de origem. Um dos pressupostos subjacentes ao modelo da Escola é que a internacionalização da firma é uma consequência de seu crescimento. Quando o mercado interno fica saturado para o produto da firma, as oportunidades lucrativas para ampliar a produção local diminuem, e a firma vê-se compelida a buscar novos segmentos de produção ou novos locais para se expandir. Descartada a expansão vertical, a firma deverá procurar sua expansão geográfica (Hilal; Hemais, 2001). Uma das principais críticas à Escola de Uppsala é a de ser muito determinista, não reconhecendo que uma empresa possa querer manterse em um estágio sem avançar para o seguinte, ou que uma empresa faça uma escolha diferente quanto aos modos de entrada e expansão no mercado internacional. 1.2 A teoria eclética da internacionalização da firma A teoria eclética da internacionalização da firma foi desenvolvida principalmente por Dunning (1979; 1988; 2001) através do seu paradigma eclético e tenta explicar por que uma empresa toma a decisão de produzir no exterior. Essa proposta considera que determinadas falhas de mercado, tais como custos de informação e de transação, oportunismo dos agentes e especificidades de ativos conduziriam uma empresa a optar pelo investimento direto no exterior, ao invés de atender a determinado mercado através de exportações ou licenciamento. No entanto, para a empresa comprometer-se com um IDE, ela deve contar com vantagens que a diferenciem de outras firmas. Para Dunning (1979), há três tipos de vantagens que impulsionam os IDE: as de propriedade, as de internalização e as de localização. O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
5 Em primeiro lugar, a empresa deve possuir vantagens de propriedade, as quais geralmente estão relacionadas com ativos intangíveis, tais como patentes, marcas, capacidades tecnológicas e de gestão, habilidade para a diferenciação de produtos. Essas vantagens lhe permitirão enfrentar outros concorrentes no mercado-alvo. Segundo, deve ser mais favorável para a empresa explorar seus ativos diretamente do que os vender ou os ceder na forma de licenciamento para empresas estrangeiras, ou seja, internalizar as vantagens como parte de suas atividades. Terceiro, deve ser mais lucrativo para a empresa fazer uso dessas vantagens em associação com algum fator externo ao país doméstico (por exemplo, recursos naturais, mão de obra de baixo custo, mercado protegido), para que seja mais vantajoso produzir no exterior do que exportar (vantagens de localização). Para Dunning (2001), os motivos que levam as empresas a instalar unidades produtivas no exterior podem ser classificados como segue: a) busca de recursos (resource seeking) - o investimento tem como objetivo explorar vantagens locacionais de menores custos, tais como mão de obra mais barata, recursos naturais abundantes, ou capacidades comerciais e tecnológicas; b) busca de mercados (market seeking) - o IDE volta-se para o atendimento do mercado interno do país hospedeiro e, marginalmente, para a exportação a outros países da região. Esse tipo de investimento é muito influenciado pelo crescimento dos mercados locais, pelas barreiras ao comércio, pelos custos do transporte e pelas semelhanças ou diferenças entre o país de origem e o país de destino; c) busca da eficiência (efficiency seeking) - com essa estratégia procura-se racionalizar os investimentos já realizados, concentrando a produção para a exportação em alguns mercados, aproveitando as economias de escala e de escopo e diversificando riscos. A intenção é explorar racionalmente as diferenças entre os O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
6 diferentes países hospedeiros quanto a políticas econômicas, ambiente institucional, benefícios fiscais, fornecedores, etc. Em um grau mais avançado de internacionalização, a empresa busca distribuir as várias etapas de sua cadeia produtiva entre países diferentes que possuam vantagens para a produção de uma fase específica do processo produtivo; d) busca de capacidades (asset/capability seeking) - os IDEs são realizados com base em considerações estratégicas de longo prazo. Os ativos adquiridos viabilizam, por exemplo, a entrada em um novo mercado, a ampliação das sinergias comerciais e tecnológicas ou a redução de custos. As fusões e aquisições (F&A), por sua vez, podem ampliar o poder de mercado para enfrentar os concorrentes e aumentar a participação de mercado. 2 OS INVESTIMENTOS DIRETOS BRASILEIROS E GAÚCHOS NO EXTERIOR 2.1 Custos e benefícios da internacionalização de empresas brasileiras Considerando que uma boa parte do comércio internacional consiste em comércio intrafirma, o desempenho exportador de um país tenderá a aumentar, quando suas empresas instalam subsidiárias no exterior. A influência das subsidiárias nas exportações da matriz é exercida de diversas maneiras, tais como vincular-se com canais de comercialização, adaptar os produtos às demandas de mercados específicos, ampliar mercados, facilitar o acesso a fontes de recursos financeiros mais baratos, ou absorver tecnologias não disponíveis no mercado interno (De Negri; Salerno; Castro, 2005). Apesar dos benefícios possíveis da internacionalização através dos IDEs, existe o receio de que o estabelecimento de subsidiárias no exterior gere empregos em outros países, em detrimento da geração de empregos no próprio país. Por esse motivo, no caso do Brasil, é importante analisar O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
7 os resultados de pesquisas que investigaram alguns aspectos do impacto, na economia brasileira, dos investimentos diretos do País no exterior. Arbix, Salerno e De Negri (2004) demonstram que os investimentos diretos de empresas brasileiras com unidades no exterior, cuja principal fonte de informação para a inovação origina-se nessas unidades, têm um efeito positivo no desempenho exportador. A pesquisa conclui que as empresas internacionalizadas com foco na inovação pagam melhores salários, empregam pessoas com maior escolaridade e, consequentemente, geram empregos de melhor qualidade. Além disso, utilizam uma proporção mais elevada de recursos em treinamento da mão de obra em relação ao faturamento, contribuindo, assim, para a maior qualificação da mão de obra doméstica. Há evidências de que a inovação tecnológica está positivamente relacionada com o crescimento da firma (Arbache, 2005). Assim sendo, as firmas que utilizam IDEs para ampliar seus mercados no exterior teriam maiores possibilidades de expansão e crescimento, já que a internacionalização facilita a captação de inovações tecnológicas no exterior, as quais são repassadas e absorvidas pela matriz e, inclusive, difundidas às filiais domésticas. Desse modo, o crescimento da firma no exterior aumenta seu potencial de geração de empregos no mercado interno, e a geração de empregos no exterior pode ocorrer de forma simultânea com a ampliação de empregos no Brasil. De Negri, Salerno e Castro (2005) mostram que o faturamento médio das firmas brasileiras com IDE supera não só o das demais firmas brasileiras, mas, também, o das subsidiárias das empresas transnacionais industriais instaladas no Brasil. Isso é atribuído à escala de produção obtida pelas firmas nas indústrias onde o Brasil tem vantagens comparativas, tais como celulose, metalurgia, siderurgia e petroquímica. A escala constitui um ativo específico de algumas firmas industriais brasileiras que incursionam no exterior e facilita a captação de recursos, pois o peso de seus ativos serve de garantia para o financiamento dos novos investimentos. O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
8 Pesquisa conduzida por Arbix, Salerno e De Negri (2005) confirma a hipótese de que há uma relação entre a inovação tecnológica, a internacionalização das firmas industriais brasileiras e a obtenção de preço-prêmio nas exportações. O preço-prêmio consiste no valor adicional que a firma consegue cobrar pelo seu produto exportado, quando comparado ao preço obtido pelos demais exportadores domésticos do setor. Ou seja, há evidências de que a inovação tecnológica de produto novo para o mercado produz ativos específicos, que possibilitam a internacionalização da empresa e a obtenção de preço-prêmio por suas exportações. Entretanto há diferenças entre os mercados de destino. Para o total das exportações brasileiras e para os mercados da América Latina, a relação entre internacionalização via IDE e preço-prêmio nas exportações não foi significativa. Já, para as firmas brasileiras com IDE nos mercados dos Estados Unidos e da Europa, as chances de exportar com preço-prêmio são maiores. A explicação dessa diferença estaria em que as firmas brasileiras acumulam ativos específicos em setores mais relacionados com a maior disponibilidade de recursos naturais e mão de obra. Nesses segmentos industriais, a capacidade de diferenciação de produto e inovação da firma tende a ser menor, e o que determina sua internacionalização são a escala de produção e a capacidade de produzir produtos padronizados de menor custo e preço. Nos mercados dos países desenvolvidos, a exposição das firmas a demandas de consumidores mais exigentes e o enfrentamento com outras firmas concorrentes provocam a adequação dos produtos às novas condições, acarretando uma maior diferenciação e melhorias na qualidade. Algumas consequências indiretas da internacionalização de empresas brasileiras dizem respeito ao efeito-demonstração, à projeção externa da cadeia de valor e à criação e consolidação da marca Brasil (Frischtak, 2008). O efeito-demonstração para outras empresas do mesmo setor é um tipo de externalidade não desprezível que se difunde O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
9 entre os concorrentes locais, principalmente em um contexto de limitada experiência internacional. Já a projeção externa da cadeia de valor ocorre quando os fornecedores de insumos acompanham a empresa internacionalizada, instalando subsidiárias nas mesmas localidades que o cliente. Da mesma forma, as transnacionais brasileiras têm um papel muito importante, ao contribuir para tornar a marca Brasil conhecida e consolidada no exterior. Outro benefício das empresas brasileiras com IDE principalmente daquelas com ações cotadas em bolsas internacionais é o acesso a recursos financeiros de mais longo prazo e a taxas de juros mais baixas do que no mercado interno. Esses recursos, muitas vezes, são os que permitem o crescimento da firma e as economias de escala indispensáveis para enfrentar os concorrentes no mercado internacional. Entretanto os IDE podem apresentar efeitos indesejados, quando ocorre uma transnacionalização espúria (Frischtak, 2008, p. 24), ou seja, em vista dos elevados custos sistêmicos para produzir no Brasil, relacionados à infraestrutura física, à incerteza regulatória, à complexidade do regime tributário, à elevada carga tributária, ao custo do trabalho qualificado, dentre outros, as empresas desativam suas plantas industriais no Brasil e deslocam suas operações para outros países. 2.2 Os investimentos diretos brasileiros no exterior O surgimento das multinacionais de países emergentes é uma sequência natural da expansão das exportações daqueles países, uma vez que, num mundo globalizado, a experiência adquirida na fase exportadora e as novas formas de organizar a produção estimulam o acesso a novos mercados e ativos. O Brasil conta com um conjunto crescente de empresas cujo processo de expansão internacional tem como principal motivação a necessidade de sustentar e acelerar o seu crescimento. Ao que tudo indica, esse movimento tem fortalecido as empresas e O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
10 proporcionado ganhos de produtividade, avanço tecnológico, bem como vantagens no custo e na estrutura do capital (Frischtak, 2008). De acordo com dados registrados no Censo de Capitais Brasileiros no Exterior, elaborado pelo Banco Central do Brasil, o estoque de investimentos diretos brasileiros no exterior atingiu, no ano de 2007, o valor de US$ 103,9 bilhões, dos quais US$ 28,5 bilhões na forma de empréstimos intercompanhias. Considerando que, no Balanço de Pagamentos brasileiro de 2008, constam IDEs líquidos do Brasil de US$ 20,5 bilhões naquele ano (Bacen, 2009), o estoque total, no final de 2008, estaria no patamar de US$ 124,4 bilhões. A partir da década de 90, as saídas de IDEs brasileiros cresceram significativamente no País. Assim sendo, o Brasil consolidou-se, na primeira década deste século, como a principal fonte latino-americana de investimentos diretos, porém apresentando bruscas oscilações nos anos recentes. Os paraísos fiscais prevalecem como primeiro destino do IDE brasileiro, principalmente as ilhas Cayman, Virgens Britânicas e Bahamas, o que é explicado pelos benefícios financeiros obtidos nesses locais. Contudo a circulação de IDEs que utilizam a intermediação de paraísos fiscais dificulta a elaboração de estatísticas do volume real de investimentos realizados em cada país e por cada empresa. Como mais da metade do estoque de IDEs brasileiros foi direcionado para esses destinos, presume-se que boa parte desses investimentos foi redirecionada para outros países. Levando-se em conta outras fontes de informação, além do Censo de Capitais, conclui-se que algumas economias latinoamericanas, assim como os Estados Unidos, destacam-se como os principais receptores de IDEs brasileiros. 2 2 No que diz respeito ao ramo de atividade da empresa receptora dos investimentos diretos brasileiros declarado por sua primeira destinação, o Censo de Capitais de 2007 registra uma concentração de 89,4% no Setor Terciário, onde as atividades de serviços financeiros (US$ 40,5 bilhões), serviços de escritório, de apoio administrativo e outros serviços prestados às empresas (US$ 7,9 bilhões) e outras atividades profissionais, científicas e técnicas (US$ 6,6 bilhões) respondem por 73,0% do total do investimento direto (Bacen, 2009). O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
11 O investimento direto no exterior envolve a aquisição e a construção de ativos no exterior, sejam estes para apoiar a estrutura de produção e venda desde o país de origem (centros de distribuição, centros de serviços pós-venda, centros de distribuição, escritórios comerciais, centros de P&D), seja para instalar linhas de produção adicionais (plantas próprias, joint-ventures com empresas estrangeiras, aquisição de empresas estrangeiras). De todas as empresas brasileiras com IDE, apenas três delas figuram na lista das 100 maiores empresas transnacionais de países em desenvolvimento compilada pela UNCTAD: Petrobrás, Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e Gerdau. Da América Latina, além das brasileiras, somente constam na lista outras cinco mexicanas e uma venezuelana, enquanto a grande maioria é asiática (WIR, 2009). Ou seja, a presença internacional das transnacionais latino-americanas e das brasileiras, em particular, ainda é muito limitada. O Brasil tem, atualmente, uma baixa relação entre o estoque de investimento no exterior e o produto interno bruto, e, embora essa relação seja crescente, sua evolução ainda é mais lenta do que no caso da média dos países em desenvolvimento, principalmente os asiáticos. Pesquisa realizada por Iglesias e Veiga (2002) confirma a importância do setor serviços nos investimentos realizados pelas empresas exportadoras brasileiras de capital nacional com investimento direto no exterior. Para o conjunto da amostra estudada, cerca de 85% das filiais eram utilizadas em atividades de comércio e distribuição de produtos, enquanto os investimentos em unidades produtivas representavam 12% do total e estavam concentrados nos setores têxtil, químico, de metalurgia básica e de autopeças. Assim, pode-se inferir, como o fazem Coutinho, Hiratuka e Sabbatini (2003), que uma parte significativa dos investimentos registrados, no Banco Central, no setor serviços é voltada para dar apoio às exportações de empresas industriais brasileiras. O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
12 A maioria das empresas brasileiras que realizaram investimento direto no exterior o fez a partir de Anteriormente, porém, nas décadas de 60 e 70, algumas poucas empresas pioneiras, como as estatais Petrobrás e Companhia Vale do Rio Doce, alguns conglomerados financeiros e algumas grandes empresas exportadoras já tinham instalado subsidiárias no exterior, mas era basicamente com a finalidade de dar suporte comercial e logístico às operações de comércio exterior. Na década de 80, aumentou a participação das empresas manufatureiras e das empresas de engenharia e construção, que tinham acumulado conhecimento e experiência com as grandes obras públicas e também passaram a atuar no exterior, uma vez que o número de contratos no Brasil começou a escassear. Naquela época, a penúria cambial e as restrições à exportação de capitais desestimulavam as intenções de realizar investimentos diretos no exterior. A economia brasileira era muito fechada, e as firmas estavam mais voltadas para o mercado interno. A participação das exportações no faturamento das firmas brasileiras industriais exportadoras ainda era, em média, muito baixa, não gerando estímulos para alcançar outros patamares de internacionalização. Mas foi na década de 90 que, com a introdução da abertura econômica, das privatizações e da desregulamentação, o ambiente econômico mudou radicalmente, levando à reestruturação da indústria e à busca da competitividade. A maxidesvalorização cambial de 1999 permitiu aumentar a competitividade dos produtos brasileiros no exterior e motivou os IDEs de apoio às exportações, tais como instalações comerciais, de distribuição e de armazenagem (Iglésias; Veiga, 2002; Macadar, 2008; 2009). No entanto, o maior surto de investimentos diretos brasileiros no exterior foi registrado na década iniciada no ano 2000, quando o processo de internacionalização envolveu não só grandes, mas, também, médias e pequenas empresas. Nessa década, o câmbio valorizado dificultou as exportações, especialmente de industrializados, mas, em compensação, O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
13 favoreceu os investimentos no exterior, fazendo que aumentassem as transnacionais do País. Algumas empresas brasileiras, como a Petrobrás e a CVRD, investem no exterior com o propósito de obter um maior acesso a recursos naturais. Outras, como a Gerdau e a Cutrale, procuram evitar as barreiras ao comércio levantadas, principalmente, pelos países desenvolvidos. Têm aquelas que se deslocam seguindo os passos de seus clientes, ou visam ficar próximas dos grandes clientes no exterior, para atender a suas demandas in loco (Marcopolo, Embraer). E, ainda, algumas empresas de serviços investem no exterior para atender aos mercados locais, já que seus produtos não são facilmente comercializáveis. 2.3 Os investimentos diretos do Rio Grande do Sul no exterior Conforme o ranking de 2009 das transnacionais brasileiras mais internacionalizadas elaborado, anualmente, pela Fundação Dom Cabral (2009), sete empresas gaúchas figuram entre as 39 selecionadas. A Tabela 1 mostra a posição das sete empresas gaúchas nesse ranking. O índice transnacionalidade (IT) calculado pela Fundação Dom Cabral variando entre 0 e 1 é composto por três indicadores: (a) receitas brutas de subsidiárias no exterior em relação às receitas totais; (b) valor dos ativos no exterior em relação ao valor dos ativos totais da empresa; e (c) número de funcionários no exterior em relação ao número de funcionários totais. O IT de cada empresa é calculado com base na média desses três indicadores. Vale salientar que a distância entre o índice de transnacionalidade da primeira e o da última colocada é abismal. A Gerdau apresenta um IT de 0,570, enquanto o IT da Arezzo é 0,002. Considerando que o ranking calculado pela Fundação Dom Cabral relaciona as 39 empresas mais internacionalizadas do Brasil, os dados revelam que, das sete empresas gaúchas listadas, apenas quatro possuem IT acima de 0,100, ou seja, são O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
14 poucas as empresas gaúchas que possuem um elevado nível de internacionalização. A Gerdau é a empresa brasileira e gaúcha com o mais elevado índice de transnacionalidade no ranking de Seus ativos no exterior já superam os ativos no País e representam 63% dos ativos totais. O número de empregados no exterior é equivalente ao do mercado interno (50%), e as vendas externas (57,7%) superam as internas. Em 2008, 46% das subsidiárias das transnacionais brasileiras listadas no ranking da Fundação Dom Cabral (2009) estavam localizadas na América Latina, mas, para algumas transnacionais gaúchas, como a Gerdau, a Artecola e a Lupatech, a concentração nessa região é mais elevada: 69%, 100% e 67% respectivamente. Tavares (2006) observa que, quando as empresas se especializam em bens primários, bens intermediários ou serviços intermediários, há uma dispersão de investimentos para todas as regiões, mas, quando se trata de investimentos em bens e serviços de consumo de massa, eles, via de regra, são feitos em nível regional. Essa preferência pelo investimento regional pode ser decorrente da menor distância psíquica, como sugerido pela Escola de Uppsala, ou da maior familiaridade com ambientes turbulentos, institucionalmente precários e com infraestrutura deficiente, mas, também, devido a menores custos de logística e a benefícios de acordos comerciais. Além disso, grande parte das exportações gaúchas de produtos industrializados tem como destino a América Latina, o que favorece os IDEs regionais. A partir das informações contidas no Quadro 1, constata-se que, desde o momento do início das atividades da empresa até o primeiro IDE, o tempo transcorrido é bastante prolongado. Algumas vezes, antes de iniciarem os IDEs, as empresas passam por um processo de absorção de tecnologia do exterior através de licenciamento e transferência de tecnologia de empresas reconhecidas internacionalmente, ou por joint ventures para explorar o mercado interno, no que se convencionou chamar de internacionalização para dentro. Três empresas que utilizaram O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
15 intensivamente esse procedimento são a Agrale, a Artecola e a Randon. Em uma etapa posterior, com o conhecimento adquirido, o aprimoramento dos produtos e a experiência exportadora, ingressam na etapa dos investimentos diretos no exterior. Os primeiros IDEs das empresas gaúchas internacionalizadas geralmente atendem à necessidade de dar apoio às exportações, e, por isso, inicialmente, concentram-se na abertura de escritórios comerciais, centros de distribuição, atendimento pós-venda e joint ventures para montagens, conforme o padrão descrito pela Escola de Uppsala (Johanson; Wideersheim-Paul, 1975). São poucas as empresas que, como a Gerdau, a Marcopolo e a Randon, estabeleceram unidades produtivas no exterior, nas décadas de 80 e 90. Excluindo essas empresas pioneiras, a maioria instalou suas plantas industriais no exterior na primeira década deste século, na tentativa de manter ou ampliar seus mercados externos e adaptar-se à globalização produtiva. Uma característica distintiva das empresas listadas no Quadro 1 é a elevada concentração das cidades de origem no eixo Porto Alegre Caxias do Sul. Outra característica dos IDEs em análise é o setor que os origina. Apesar de alguma diversificação de setores, um elevado número de empresas com sede em Caxias do Sul concentra-se no setor de veículos e autopeças, implementos rodoviários e materiais de fricção, o que leva a crer que há externalidades decorrentes do efeito demonstração (Frischtak, 2008). Já no setor de calçados, as estratégias para manter-se no mercado diferem de uma empresa para outra. A Azaléia, a Dilly e a Paquetá, diante das barreiras comerciais enfrentadas nas exportações para a Argentina, optaram por abrir plantas industriais naquele país, para produzir para o mercado interno argentino. A Arezzo e a Via Uno trilharam um caminho diferente: concentraram seus esforços no desenvolvimento do produto, gestão de marca e distribuição; terceirizaram a produção e estabeleceram, no exterior, lojas com sua própria marca no regime de franquias. Até o momento, os produtos da Arezzo e da Via Uno ainda O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
16 estão sendo manufaturados somente no Brasil, mas há manifestações de que, futuramente, poderão ser produzidos no exterior. Desse modo, o tipo de internacionalização que as empresas calçadistas estão adotando possui feições de uma transnacionalização espúria (Frischtak, 2008), conforme explicado anteriormente. No que diz respeito ao setor de móveis, vale registrar que, assim como está acontecendo com algumas empresas calçadistas, várias empresas moveleiras gaúchas (Bontempo, Dell Anno, Florense, Marelli, SCA) adotaram a estratégia de inserção internacional via instalação de franquias exclusivas no exterior. A franquia recebe os pedidos dos clientes, adaptados a suas necessidades, e encomenda os móveis planejados à planta industrial no RS, a qual fabrica os móveis e os remete para a franquia, prontos para serem instalados pela equipe de montagem local. 3 ESTUDOS DE CASO DAS PRINCIPAIS TRANSNACIONAIS GAÚCHAS Conforme o ranking da Fundação Dom Cabral (2009) referido anteriormente, a Gerdau, a Artecola, a Lupatech, a Marcopolo, a DHB, a Randon e a Arezzo foram as empresas gaúchas mais internacionalizadas em 2008 (Tabela 1). No entanto, a análise aqui empreendida não se limita apenas àquele grupo de empresas, pois contempla outras firmas industriais exportadoras gaúchas, de capital nacional, que realizaram algum tipo de investimento direto no exterior, visando alavancar as exportações ou a produção em um outro país. Desse modo, o estudo contempla investimentos em franquias, centros de serviços, centros de distribuição, escritórios comerciais, joint ventures para montagem, plantas industriais greenfield (inteiramente novas) ou aquisição de plantas existentes em parceria com empresas locais ou não. O Quadro 2 apresenta uma síntese dos tipos de IDEs realizados pelas empresas gaúchas e a indicação dos países que receberam esses investimentos. O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
17 Algumas dessas empresas possuem apenas um ou dois investimentos no exterior e, em alguns casos, como a Arezzo, a DHB, a Via Uno e a Tramontina, não possuem plantas industriais no exterior. O caso das empresas calçadistas já foi discutido anteriormente. No que diz respeito aos investimentos da DHB e da Tramontina em instalações comerciais e de distribuição e armazenagem, eles respondem, essencialmente, à necessidade de dar apoio às exportações. Isto é, confirma-se a hipótese de Coutinho, Hiratuka e Sabbatini (2003) sobre a importância dos investimentos brasileiros no setor de serviços para apoiar exportações. Apenas em 2006, a filial da Tramontina nos Estados Unidos iniciou a montagem de uma linha de panelas, pois, até esse momento, o foco era somente comercial. 3.1 Artecola e Lupatech A Artecola e a Lupatech são empresas cuja produção é intensiva em tecnologia. Ambas podem ser consideradas transnacionais de nova geração e de internacionalização tardia, e ambas escolheram países culturalmente próximos para sua expansão externa. A internacionalização para dentro da Artecola iniciou em 1980, quando a empresa decidiu absorver tecnologia do exterior mediante parcerias internacionais. No ano 2000, a empresa escolheu a América Latina para crescer e implantou centros de distribuição no Chile e no México. A partir de 2001, começaram as aquisições de empresas na América Latina e, simultaneamente, aceleraram-se as parcerias de transferência de tecnologia com empresas européias de ponta no desenvolvimento tecnológico, reconhecidas internacionalmente. Visando ampliar seus mercados (Dunning, 2001), as operações industriais da Artecola no exterior estão localizadas na Argentina, no Chile, no Peru, na Colômbia e no México. Com as aquisições feitas no México a partir do ano O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
18 2000, a empresa reforçou sua presença naquele mercado e passou a ser uma das quatro maiores fabricantes de adesivos do País. A Lupatech possui três segmentos de negócios: é líder, no Mercosul, na produção e na comercialização de válvulas industriais; oferece produtos de alto valor agregado e serviços para a indústria de petróleo e gás; e especializa-se no desenvolvimento e na produção de peças, partes complexas e subconjuntos direcionados principalmente para a indústria automotiva mundial (Bovespa, 2009). Possui seu próprio centro de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, inaugurado em 2005, e também desenvolve produtos em parceria com seus clientes. As operações industriais da empresa no exterior começaram tardiamente, mas, uma vez iniciadas as aquisições, em poucos anos, os ativos externos passaram a ter um peso significativo nos ativos totais da empresa. No período , foram compradas cinco empresas na Argentina e formada uma joint venture para adquirir a sexta. A empresa é fornecedora da Petrobrás no Brasil, e os investimentos na Argentina estão relacionados com a necessidade de acompanhar um de seus melhores clientes nas atividades desenvolvidas no vizinho país, bem como ampliar seu market share, ou seja, verifica-se o que Frischtak (2008) classifica como uma projeção externa da cadeia de valor, onde o fornecedor de insumos precisa ficar próximo do seu cliente também no exterior. 3.2 Randon No que diz respeito à Randon, a empresa iniciou seu processo de internacionalização para dentro na década de 70, com a compra de tecnologia da empresa sueca Kockum para a produção de veículos automotores e uma joint venture com a francesa Nicolas para a fabricação de plataformas com eixos modulados para o transporte de cargas. Na década de 80, a Randon continuou com a estratégia de joint ventures com empresas estrangeiras, como forma de adquirir tecnologia de ponta. A primeira fábrica no exterior foi instalada na década de 90, na Argentina. O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
19 Atualmente, a Randon possui centros de distribuição na Argentina e nos Estados Unidos, parcerias para montagem de produtos completely knocked down (CKD) 3 no Quênia, em Marrocos e na África do Sul, bem como escritórios comerciais em várias regiões do mundo. Depreende-se do exposto que a Randon, inicialmente preocupada com sua participação no mercado interno, procurou acrescentar tecnologia a seu produto. Para tanto, fez parcerias para absorver conhecimento de empresas tecnologicamente mais avançadas oriundas dos países desenvolvidos. Com a abertura econômica dos anos 90 e os acordos do Mercosul, sobreveio a necessidade de ampliar seus mercados de atuação. Assim, em 1998, foi criada a primeira fábrica da Randon no exterior, na Argentina, país com o qual a distância psíquica era menor. Entre as empresas controladas pela Randon S/A Implementos e Participações, a Fras-le é a mais internacionalizada. A Fras-le tem como atividade a produção de materiais de fricção, exporta para mais de 80 países, e seu processo de internacionalização está em expansão. No exterior, possui fábricas na China e nos Estados Unidos, centros de distribuição na Argentina e na Europa e escritórios comerciais nos Estados Unidos, no Chile, na Europa, no México, nos Emirados Árabes Unidos, na África e na China. A unidade industrial da China foi constituída em 2008, e sua finalidade é atender exclusivamente ao mercado asiático. 3.3 Marcopolo A Marcopolo é uma das empresas gaúchas em estágio mais avançado de operações internacionais. A principal motivação para sua internacionalização está relacionada com os anseios de aumentar o desempenho através da ampliação do mercado e da diluição de riscos. Inicialmente, na década de 70, passou a utilizar contratos de licença de tecnologia e assistência técnica para montagem de carrocerias e de micro- 3 O sistema CKD é um sistema em que as peças são embarcadas totalmente desmontadas e estão prontas para serem montadas no destino. O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
20 ônibus no exterior pelo sistema CKD. A empresa local comprava o CKD da Marcopolo e fazia a montagem final em suas dependências. O problema com esse tipo de contrato é que ele tem um determinado prazo, por exemplo, 10 anos, finalizado o qual, a Marcopolo ficava sujeita a perder o poder sobre sua tecnologia naquele mercado, uma vez que o parceiro já teria absorvido todos os detalhes da produção e poderia transformar-se num concorrente (Rosa, 2006). Para evitar esses problemas, a Marcopolo mudou de estratégia e passou a estabelecer joint ventures em diversos países. Assim, no lugar de ter um contrato com validade determinada, a Marcopolo passou a ter um contrato societário, de tal forma que aumentou o compromisso do parceiro estrangeiro. A primeira joint venture é de 1991, quando a empresa fez uma parceria, em Portugal, com o grupo Evicar e instalou sua primeira fábrica no exterior, onde o idioma foi um fator determinante. A escolha de mercados onde realiza investimentos diretos parece ter sido influenciada pela proximidade psíquica e pela experiência anterior. Inicialmente, apenas as operações de montagem eram transferidas para o exterior. A Marcopolo tinha como prática a produção no Brasil dos componentes para a montagem das carrocerias, os quais, posteriormente, eram exportados para as subsidiárias. Desse modo, aproveitavam-se os custos de produção menores no País e preservava- -se a tecnologia de fabricação. Nos anos mais recentes, entretanto, as oscilações do câmbio provocaram uma modificação no comportamento da empresa, a qual acelerou seu processo de global sourcing, montando uma cadeia mundial de fornecedores, ou seja, segundo a classificação de Dunning (2001), estaria na busca de redução de custos e de maior eficiência. Essa política favorece a empresa, mas reduz o envio de ônibus completos e componentes a partir do Brasil, afetando as exportações. Atualmente, a Marcopolo possui operações em oito países África do Sul, Argentina, China, Colômbia, Egito, Índia, México e Rússia. Em 2007, começou a operar na Rússia e na Índia e, em 2008, abriu um centro de manufatura de componentes na China. Contudo, em função do O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
21 impacto da crise financeira na atividade econômica européia, a unidade de Portugal foi desativada em Gerdau A Gerdau consagrada como uma das grandes transnacionais brasileiras é a maior produtora de aços longos nas Américas e um dos maiores fornecedores de aços longos especiais do mundo. Em 2008, sua produção de aço atingiu o patamar de 19,5 milhões de toneladas anuais. Na estratégia de internacionalização adotada, a empresa não percorreu as etapas descritas pela Escola de Uppsala (Johanson; Vahlne, 1977), mas passou diretamente de uma condição de exportadora para a aquisição de uma planta industrial no Uruguai, em Essa compra respondia à necessidade de contornar as barreiras ao comércio, para continuar atendendo aos clientes que anteriormente eram servidos pelas exportações. No entanto, o fator responsável pelas aquisições subsequentes foi o esgotamento das oportunidades de crescimento no mercado interno. Esse movimento foi bastante tímido no início, transcorrendo nove anos antes da próxima aquisição, dessa vez, na América do Norte. Em 1989, foi comprada a siderúrgica Courtice Steel, no Canadá, que hoje leva o nome de Gerdau Ameristeel. Contudo o objetivo de mais longo prazo, do ponto de vista estratégico, era a expansão em direção ao mercado norteamericano, para aumentar as possibilidades de crescimento e obter economias de escala. A partir de 1989, o processo de internacionalização da Gerdau respondeu aos desafios postos pela transformação do setor siderúrgico em uma indústria global e altamente concentrada e à vontade de transformarse em um dos principais players mundiais. Desse modo, o acesso a recursos e ativos estratégicos externos é fundamental para explicar a expansão internacional da empresa. Exemplo desse enfoque é a aquisição, em 2008, de uma participação acionária em empresa colombiana O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
22 controladora de unidades de produção de coque metalúrgico e detentora de reservas de carvão coqueificável, matéria-prima indispensável para a produção de aço. Em 2005, pela primeira vez, foi anunciada uma operação de compra no continente europeu, com a aquisição de 40% do capital social da empresa espanhola Sidenor, que, por sua vez, possui uma participação de 58,0% na Aços Villares (Brasil). A aquisição da GSB Acero, situada em Guipúzcoa, na Espanha, por parte da Sidenor, no ano de 2006, atendeu à estratégia da Gerdau de crescer em aços longos e especiais, produtos siderúrgicos de alto valor agregado demandados, principalmente, pela indústria automotiva para a produção de autopeças. Desse modo, a participação na Sidenor trouxe benefícios em dose dupla, tanto no mercado interno, com a participação majoritária na Aços Villares, como no mercado externo, com o ingresso nos aços especiais para a indústria automotiva. Entre 2006 e 2008, foram incorporadas à Gerdau 32 empresas nas Américas, na Europa e na Ásia. Nesse conjunto de novas empresas, destacam-se as companhias norte-americanas Chaparral Steel, focada no segmento de perfis estruturais, e a Macsteel, voltada para a produção de aços longos especiais, as quais fabricam produtos de maior valor agregado. Os investimentos realizados nos Estados Unidos a partir de 1999 permitiram contornar as barreiras protecionistas daquele país aos produtos siderúrgicos brasileiros e tornar-se um importante ator naquele mercado. A estratégia de compra de unidades produtivas nos países da América Latina tem como principal objetivo atender à demanda dos respectivos mercados internos, mas a entrada nos países desenvolvidos visa não apenas produzir para esses mercados, mas, também, adquirir tecnologia que permita entrar em segmentos de maior valor agregado e concorrer com os grandes players do setor. O conhecimento assim adquirido está sendo repassado a outras plantas do Grupo, configurando um claro exemplo de como o País pode ganhar com a internacionalização O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
23 de suas empresas, já que a expansão da Gerdau no exterior, além de permitir a transferência de tecnologia para o mercado interno, não a impediu de continuar crescendo no Brasil. No final de 2008, a Gerdau operava, no estrangeiro, em 14 países, através de 33 unidades de transformação, 98 unidades de corte e dobra, 101 unidades comerciais, quatro empresas associadas e duas joint ventures. Entretanto, considerando apenas a localização geográfica e não os valores investidos, a América Latina ainda predomina na localização geográfica das subsidiárias da empresa (69%), seguida pela América do Norte (15%), pela Europa (8%) e pela Ásia (8%). 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Alguns dos motivos para a internacionalização produtiva identificados neste trabalho estão relacionados com a necessidade de ampliar o mercado, acompanhar o cliente, reduzir os custos de produção e contornar barreiras ao comércio. A abertura econômica dos anos 90 e as pressões competitivas exercidas pelos produtores de baixo custo da Ásia nos anos mais recentes criaram um ambiente propício para a adoção de estratégias reativas de internacionalização. O avanço dos IDEs de países em desenvolvimento é inexorável e reflete o surgimento de grandes empresas que ganharam fôlego com o próprio mercado interno e competência para dominar a tecnologia de determinados setores. Os IDEs de empresas brasileiras de capital nacional, por exemplo, estão concentrados na extração e processamento de recursos naturais, tais como a Petrobrás e a CVRD, ou na produção de determinados bens manufaturados, principalmente produtos siderúrgicos, material de transporte e bens intermediários. Já no Rio Grande do Sul, a maior concentração ocorre apenas nos três últimos grupos. Durante décadas, o baixo coeficiente de exportação da maioria das firmas industriais exportadoras de capital nacional tornou a internacionalização pouco atraente ou desnecessária. Além disso, muitos O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
24 dos produtos exportados por essas firmas são pouco diferenciados, não requerendo instalações no exterior, o que reduz o número de empresas potencialmente interessadas em realizar IDEs. No entanto, na primeira década deste século, o crescimento da economia mundial que se estendeu de 2002 até a eclosão da crise em 2008 favoreceu o maior comprometimento com as exportações, as quais, nesse intervalo de tempo, cresceram 170%, passando de US$ 73,2 bilhões para US$ 197,9 bilhões. Desse modo, algumas empresas aumentaram seus coeficientes de exportação, o que as levou a um maior envolvimento com as vendas externas e a investirem na expansão internacional. Houve também a influência da valorização do real, que tornou atraente o preço dos ativos externos em dólares e estimulou a diversificação dos locais de produção para diminuir os riscos. Apesar de as empresas brasileiras e gaúchas que ingressaram com operações produtivas no mercado externo ainda fazerem parte de um grupo muito restrito, o número dessas empresas, bem como seus setores de abrangência, tende a aumentar, até porque se trata de uma tendência mundial. No entanto, isso vai depender muito de condições mais favoráveis por parte do Estado, pois todos os países em desenvolvimento que têm um número significativo de empresas transnacionais apoiaram sua internacionalização. Atualmente, o BNDES tem uma linha de apoio à expansão de empresas brasileiras para o exterior, mas está atrelada a um comprometimento com exportações, e são poucas as empresas que a utilizam. Além das dificuldades para financiar projetos de investimento no exterior, outro aspecto que inibe os IDEs de empresas brasileiras e gaúchas é a bitributação, ou seja, a incidência de impostos sobre o lucro líquido tanto no país onde é feito o investimento como no Brasil. Para contornar essa situação, o País precisa negociar acordos de investimentos com os principais parceiros comerciais, em especial com aqueles onde já existam IDEs brasileiros. O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
25 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Rogério Dias de. Esforços tecnológicos das firmas transnacionais e domésticas. In: DE NEGRI, João A.; SALERNO, Mario S. (Org.). Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. Brasília: IPEA, p ARBACHE, Jorge Saba. Inovações tecnológicas e exportações afetam o tamanho e a produtividade das firmas manufatureiras? Evidências para o Brasil. In: DE NEGRI, João A.; SALERNO, Mario S. (Org.). Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. Brasília: IPEA, p ARBIX, Glauco; SALERNO., Mario S; DE NEGRI, João A. Inovação, via internacionalização, faz bem para as exportações brasileiras. Brasília: IPEA, (Texto para discussão, n. 1023). ARBIX, Glauco; SALERNO, Mario S; DE NEGRI, João A. Internacionalização gera emprego de qualidade e melhora a competitividade das firmas brasileiras. In: DE NEGRI, João A.; SALERNO, Mario S. (Org.). Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. Brasília: IPEA, p BANCO CENTRAL DO BRASIL Bacen. Capitais brasileiros no exterior, Disponível em: < Aces-so em: 19 out BOLETIM DO BANCO CENTRAL, set Disponível em: < Acesso em: 19 out BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO Bovespa. Disponível em: < Acesso em: set COUTINHO, Luciano G.; HIRATUKA, Célio; SABBATINI, Rodrigo. O desafio da construção de uma inserção externa dinamizadora. In: SEMINÁRIO BRASIL EM DESENVOLVIMENTO. Rio de Janeiro: IE- -UFRJ/CEPAL, 2003 Disponível em: < Acesso em: 10 jun DE NEGRI, João Albert; SALERNO, Mario Sergio; CASTRO, Antonio Barros de. Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. In: DE NEGRI; João Alberto; SALERNO, Mario Sergio (Org.). O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2)
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