XXV Encontro Nac. de Eng. de Produção Porto Alegre, RS, Brasil, 29 out a 01 de nov de 2005
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- Rodrigo Pinheiro Álvares
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1 Primeirização, Contratão e SA 8000: Alternativas ao Processo de Intensificação da Terceirização no Setor de Exploração e Produção Offshore na Bacia de Campos Marcelo Gonçalves Figueiredo, D.Sc. (UFF) marceloparada@uol.com.br Denise Alvarez, D.Sc. (UFF) alvarez@vm.uff.br Renata de Miranda Pinto Pereira (UFF) renatapereira@sky.com.br José Diego Souza Suarez (UFF) josediego@terra.com.br Resumo O artigo faz uma breve análise das alternativas implantadas atualmente pela Petrobras para minimizar o processo de intensificação da terceirização: a chamada Primeirização, o Contratão e a implantação da norma SA8000. O objetivo é verificar de que maneira essas alterações estão trazendo consequências deletérias para a saúde e segurança do trabalhador. O artigo é um desdobramento do projeto Trabalho, Saúde e Segurança na Indústria Petrolífera Offshore na Bacia de Campos, desenvolvido pelo NEICT-EE-UFF, que se propõe a compreender e analisar a atividade de trabalho dos petroleiros na Bacia de Campos região norte do Estado do Rio de Janeiro privilegiando os relatos dos trabalhadores. A metodologia utilizada inspira-se nos princípios da Ergonomia Situada (AET), da Psicodinâmica do Trabalho e do MOI Movimento Operário Italiano. Palavras chave: Terceirização, Indústria Offshore, Saúde e Segurança do Trabalho, Bacia de Campos. 1. Introdução A partir do acidente ocorrido com a P-36, e de outros acidentes ocorridos nessa década, a Petrobras adota algumas medidas que apontam para uma mudança de postura no que concerne à prática da terceirização. Inicialmente, a empresa sinaliza para a primeirização de algumas funções anteriormente terceirizadas com a realização de concursos. Em seguida realiza contratos de maior duração visando estabelecer uma cadeia de qualidade entre os prestadores de serviço. Finalmente, busca a certificação da Social Accountability 8000 (SA8000) cujos requisitos são baseados nas normas internacionais de direitos humanos e nas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Com base nessas três alternativas à terceirização vigente que estão sendo implantadas pela empresa, procura-se fazer uma análise a respeito de efetivas melhorias no âmbito da saúde e segurança do trabalhador. Desde o início da indústria offshore, devido à natureza das atividades, se desenvolveu uma extensa rede de produtos e serviços oferecidos por firmas especializadas (DIEESE, 2004). A década de 1980 marca o maior uso desse tipo de terceirização, atingindo as atividades periféricas da empresa, como as áreas de limpeza e catering. A década de 1990 intensifica o processo de terceirização, que passa a ocorrer em larga escala nas atividades-fim da empresa, como nos casos de manutenção e operação. Esse fenômeno acarretou precarização das atividades, da produção e sobretudo, do trabalho. A relevância do tema se justifica pela postura gerencial atualmente adotada pela empresa, que procura rever o modo e a intensidade da terceirização implementada sobretudo na década de A visibilidade internacional alcançada nos grandes acidentes ambientais e também nos acidentes ocorridos com os trabalhadores terceirizados vai de encontro aos objetivos da empresa de ser reconhecida como uma organização socialmente responsável sobretudo ENEGEP 2005 ABEPRO 2338
2 perante os stakeholders. 2. Metodologia Utilizada Este artigo é um desdobramento do projeto Trabalho, Saúde e Segurança na Indústria Petrolífera Offshore na Bacia de Campos que se propõe a analisar as condições em que se desenvolve o trabalho dos petroleiros na Bacia de Campos região norte do Estado do Rio de Janeiro privilegiando os relatos dos próprios trabalhadores. A metodologia inspira-se nos princípios da Ergonomia Situada (AET), da Psicodinâmica do Trabalho e do MOI Movimento Operário Italiano. Devido às dificuldades de embarques em plataformas para realizações de observações diretas da atividade de trabalho dos petroleiros, não foi possível a aplicação da Análise Ergonômica do Trabalho (AET) de forma estrita. Sendo assim, buscouse privilegiar os relatos, de acordo com as inspirações metodológicas que se baseiam no reconhecimento da atividade de trabalho como aquilo que o sujeito faz efetivamente na sua situação de trabalho, dentro de um processo de produção definido e socialmente determinado. Dessa metodologia, as duas ferramentas mais utilizadas foram as entrevistas semi-estruturadas e os grupos focais de discussão. As entrevistas semi-estruturadas tiveram como base um conjunto de perguntas que serviram de tópicos a serem discutidos, de acordo com o rumo da entrevista. Dada a gama de assuntos que foram explorados, e mesmo ao desconhecimento inicial a respeito dos relatos que poderiam advir, concluiu-se que a opção por uma pauta flexível mostrou-se como o recurso ideal por dar maior liberdade ao entrevistado e, ao mesmo tempo, gerar novas questões a serem discutidas além dos tópicos já previamente levantados. Outra importante fonte de relatos foi a participação em grupos focais de discussão. Estes grupos eram formados por pesquisadores acadêmicos, trabalhadores ou ex-trabalhadores offshore sindicalizados ou não, da Petrobras e de empresas terceiras e diretores sindicais das áreas de saúde e segurança. As reuniões eram mensais e tinham o objetivo de discutir assuntos referentes à organização do trabalho offshore na Bacia de Campos e suas implicações para a saúde e segurança dos trabalhadores. Essas discussões, da mesma forma como as entrevistas, também eram previamente planejadas visando cobrir assuntos recorrentes, mas também buscando privilegiar relatos de situações que envolviam a participação desses trabalhadores. O uso desse recurso teve como referencial o conceito das comunidades ampliadas de pesquisa, cunhado por Oddonne (1984) no âmbito do MOI que se baseia na formação multidisciplinar dos participantes como um dos elementos chave para a discussão de situações que remetem a diferentes áreas de pesquisa, como a sociologia, saúde coletiva, psicologia e engenharia e estão intimamente ligadas às experiências dos trabalhadores. Configura-se então uma tentativa de eqüaniminidade dos saberes. 3. Alternativas ao modelo de terceirização na Bacia de Campos 3.1. Primeirização O enxugamento da máquina administrativa estatal a partir dos anos 90 foi o pontapé inicial para tornar a terceirização um fenômeno arraigado na estrutura da Petrobras. Para agravar a situação, a companhia ficou muitos anos sem concursos e com um número significativo de evasão de funcionáriosdevido às aposentadorias e aos planos de demissão voluntária. Como não houve reposição desse pessoal, estima-se que a terceirização hoje na Bacia de Campos chegue a relação de concursados da Petrobras para um total de cerca de trabalhadores contratados (O GLOBO, 2003). Primeiramente, o processo de terceirização ocorreu nas atividades periféricas até atingir os setores centrais, como a manutenção (hoje totalmente terceirizada), montagem industrial e finalmente, a operação, áreas consideradas nobres pela empresa. ENEGEP 2005 ABEPRO 2339
3 Desde a posse da nova direção da empresa, em 2003, a Petrobras vem sinalizando que há um programa para reduzir os índices de terceirização. Num estudo conjunto com os sindicatos, a estatal escolheu áreas estratégicas para onde serão destinados os novos contratados, aprovados no concurso de 2002 além das mais de vagas no concurso da empresa em A chamada primeirização, também denominada reprimeirização, tem por objetivo colocar novamente sob controle direto da empresa algumas atividades caracterizadas como estratégicas, como a produção, manutenção e operação, assegurando melhor qualidade e segurança nesses serviços Primeirização de atividades estratégicas As atividades estratégicas no processo de exploração e produção offshore são aquelas que estão envolvidas na redução do risco de descontrole do processo. No caso da Petrobras cabe adicionar ao conceito de atividade estratégica o de atividades-fim, que deve ser considerada não somente a produção/operação, mas também a área de manutenção. Segundo Druck (1999:193), é importante salientar que a atividade de manutenção é estratégica em indústrias de processo contínuo. Dessa forma, o avanço descontrolado da terceirização nessa área pode comprometer a qualidade e segurança do processo. Ainda de acordo com a autora, (...) a difusão da qualidade total e da terceirização que têm como um dos principais motivos a busca por redução de custos reforça a importância desse tipo de trabalho (manutenção), à medida que qualquer parada não prevista, o não cumprimento de especificações e problemas com os equipamentos dependem da rápida e eficiente intervenção dos trabalhadores da manutenção, de modo a evitar prejuízos e riscos para a empresa. (DRUCK, 1999: 194). Esta situação exigiria maior atenção por parte da empresa no que tange à qualificação desse operário, questão que fica comprometida com o avanço intensivo da rede de contratações de terceiros ocorrido na Petrobras. O trabalho de manutenção difere do de produção/ operação porque envolve uma intervenção direta nos equipamentos e um contato constante com os instrumentos de trabalho, sendo, em geral, uma atividade também manual. Já o trabalho dos operadores geralmente ocorre a partir de análises dos painéis de controle. Porém, essas duas categorias exercem papéis importantes na construção do coletivo de trabalho offshore, interferindo sobremaneira na confiabilidade do sistema de segurança dessa indústria. Deve-se analisar esses temas ao se repensar o processo de terceirização através da reprimeirização de funções A dimensão coletiva da confiabilidade e segurança na indústria petrolífera offshore A indústria petrolífera offshore é caracterizada como um sistema sociotécnico complexo. Sociotécnico porque resulta da interação de um conjunto de indivíduos e instrumentos técnicos com os quais estes indivíduos estão incumbidos de realizar uma missão (FIGUEIREDO, 2001). Com relação à complexidade, Perrow (1984 apud Figueiredo, 2001), enfatiza que nas indústrias de processo, como as petroquímicas, predominam as chamadas interações não-lineares, cuja complexidade deve-se à possibilidade de multiplicarem-se os eventos à medida que outras partes ou subsistemas são atingidos. Figueiredo (2001) também considera como fontes de complexidade o risco, vinculado à instabilidade do sistema e a necessidade de cooperação entre seus agentes. Portanto, nessa indústria, onde há inúmeras conexões e os componentes estão intimamente acoplados, os casos de falhas podem acarretar em acidentes graves devido à imprevisibilidade das múltiplas interações existentes. ENEGEP 2005 ABEPRO 2340
4 Considerando os aspectos apontados acima, pode-se afirmar que a dimensão coletiva é um aspecto marcante na confiabilidade do sistema. Segundo Leplat e Terssac (1990 apud Figueiredo, 2001:23) (...) a eficácia e a confiabilidade dos sistemas sociotécnicos complexos apoiariam-se na cooperação e no coletivo de trabalho. O coletivo de trabalho pressupõe a existência de regras e leis que transcendem a esfera da hierarquia. Elas ajudam a organizar as relações entre os trabalhadores, dando coesão ao coletivo, que por sua vez, protege as regras de ameaças externas, buscando adaptá-las diante das inovações tecnológicas e organizacionais (FIGUEIREDO, 2001). Os modelos de organização do trabalho que, de alguma forma, criam obstáculos e promovem seu desmonte, estariam minando o potencial de cooperação existente. Nesse contexto, é importante destacar que a atividade de controle em uma indústria de processo contínuo exercida pelos operadores é de suma importância para a confiabilidade desses sistemas. São esses trabalhadores que tomam as decisões finais que conduzem à parada de instalações ou a uma posição segura diante de perturbações (DUARTE e VIDAL, 2000). Ainda sobre a tarefa dos operadores, o papel que exercem sobre a confiabilidade dos sistemas pode ser identificado quando eles adaptam os procedimentos previstos ao contexto real de trabalho ou elaboram procedimentos originais, utilizando-se, em larga medida, de sua inteligência astuciosa, para, em tempo hábil, manter o funcionamento eficiente e seguro das instalações. Este trabalho de regulação é utilizado com freqüência em sistemas complexos, conseqüência das tecnologias empregadas e da organização do trabalho. Também chega-se a esta situação por causa das relações sociais e hierárquicas de produção, que excluem os operadores e mantenedores do equipamento de uma participação efetiva nas fases de concepção e projeto de equipamentos e sistemas (SEVÁ FILHO, 2000). Destacam-se as funções dos operadores de produção e os da área de manutenção que realizam tarefas de prevenção, antecipação e recuperação dos disfuncionamentos do processo, assegurando a confiabilidade ameaçada pela variabilidade do sistema. Dessa forma, ao realizar a terceirização das atividades de produção e manutenção, a empresa desarticula um segmento importante de trabalhadores. Em muitos casos, os trabalhadores demitidos são contratados por uma prestadora de serviços, e apesar de continuar embarcando na mesma plataforma e trabalhando com muitos de seus antigos companheiros, estão submetidos a outras regras. A despeito da sustentação da confiabilidade desse coletivo, as áreas de manutenção e operação/produção deveriam sofrer um processo de reversão da terceirização, ou seja, de primeirização. Este é um ponto central na análise de revisão desse processo Os contratões Ainda na tentativa de rever o processo atual de terceirização, a Petrobras começa a praticar o que se nomeia de Contratão. Trata-se de um contrato realizado com um grupo de empresas e que possui um tempo de vigência de quatro anos, normalmente maior do que os contratos ora em curso. Tal medida visa, basicamente, à redução do rodízio de empresas e à minimização das disparidades entre os empregados da Petrobras e o de empresas terceirizadas especialmente no que tange à qualificação - através de contratos mais rígidos que irão, em tese, verificar os antecedentes das empresas, fiscalizar melhor o tratamento que estas dedicam aos seus empregados do ponto de vista de treinamento e assistência. Esses contratos priorizam a qualidade em detrimento do menor preço, favorecendo empresas que possuam maior qualidade nos serviços, ofereçam boas condições de trabalho aos seus empregados e tenham compromisso com as questões de saúde, segurança, meio ambiente e responsabilidade social. A Bacia de Campos passou, em 2003, pela mudança na filosofia dos contratos de construção e ENEGEP 2005 ABEPRO 2341
5 montagem, manutenção, hotelaria e movimentação de cargas das plataformas. Segundo o relato de um dos diretores da empresa, do setor contratual:... a idéia é que todos os contratos de serviços nas 41 plataformas da região sejam renovados com essas novas regras. O objetivo é melhorar a performance dos serviços com geração de empregos de melhor qualidade e redução dos acidentes com trabalhadores. (O GLOBO, 2003). Os critérios desses contratos levam em consideração rotatividade de funcionários, política de prevenção de acidentes, treinamento, dentre outros fatores. Em grande parte, esse investimento a ser realizado pelas terceirizadas irá elevar o preço do contrato, mas a Petrobras sinaliza que está disposta a pagar por esta diferença. Historicamente, as licitações da Petrobras têm priorizado o menor custo. Algumas boas empresas participavam das concorrências, mas, em diversos casos, a pequena empresa, por vezes também as chamadas coopergatas, que não possuíam compromisso com a qualidade do serviço, ofereciam preços mais atraentes e ganhavam a licitação. De acordo com a lei (de licitações), a realização de uma licitação deve frisar objetivamente a escolha da proposta mais vantajosa para a administração. Para tal, devemse estabelecer critérios para determinar a melhor proposta. A lei de licitações define três critérios básicos para a escolha da melhor proposta: menor preço, melhor técnica e técnica e preço. Na licitação de menor preço, só se leva em consideração as vantagens econômicas das propostas. Todos os outros fatores são considerados equalizados uma vez que as proponentes cumpriram as exigências do edital. Este é o tipo mais utilizado na esfera pública, uma vez que a escolha da vencedora não requer maiores justificativas, pois o fator decisivo é absolutamente objetivo (custo). De fato, dados do DIEESE (2004) demonstram que este critério (do menor preço) tem sido o mais adotado pela Petrobras nas suas licitações para fornecimento de serviços sendo usado em 98% em comparação com o uso do critério técnica em 2% dos contratos. Os contratos mais exigentes, chamados contratões constituem uma forma de a Petrobras impor um padrão mínimo desejado para as empresas terceiras que prestam serviços a estatal. A dificuldade reside na fiscalização dessas empresas para que se verifique o cumprimento das normas, tarefa bastante complexa em um universo de cerca empresas contratadas na Bacia de Campos. Ainda assim, a fiscalização sozinha não garante o enquadramento das contratadas, pois a melhoria desses parâmetros, segundo a própria estatal, tem como premissa a adoção de práticas de gestão semelhantes às da empresa, ou seja, faz-se necessária a transferência de sua cultura organizacional para as contratadas, com todos os obstáculos que um movimento desta monta implica Certificação e gestão organizacional: a SA8000 Os processos de certificação pela qualidade total no Brasil tiveram início no final da década de 80. Surgiram no Japão, juntamente com outras práticas de gestão da produção, como a terceirização e o just-in-time. Para muitas empresas brasileiras, a implementação dos programas de qualidade tem sido a única via possível para garantir redução de custos, produtividade, qualidade e racionalização da organização do trabalho. Segundo definições da SAI, a SA é uma norma que visa à criação de um sistema efetivo de implementação, manutenção e verificação de condições dignas de trabalho e do bem estar (SAI, 2001). Seus requisitos são baseados nas normas internacionais de direitos humanos e nas convenções da OIT. A norma SA8000 apresenta-se como um sistema de auditoria similar ao ISO 9000, que atualmente já certificou mais de empresas em todo o mundo. A norma lista nove elementos de promoção dos direitos humanos e a prática correta dos princípios descritos é requisito para a obtenção da certificação. São eles: Trabalho ENEGEP 2005 ABEPRO 2342
6 Infantil, Trabalho Forçado, Saúde & Segurança, Liberdade de Associação e Direito à Negociação Coletiva, Discriminação, Práticas Disciplinares, Horários de Trabalho, Remuneração, Sistema de Gestão. Assim como os sistemas de qualidade, a SA8000 está fundamentada na metodologia conhecida como PDCA. (Plan-Do-Check-Act) ou planejar, fazer, verificar e atuar. Para verificar a adequação desses procedimentos e também como exigência para obtenção da certificação, são realizadas auditorias internas formadas por funcionários de vários segmentos da empresa A SA8000 na Petrobras A partir do ano de 2003, a Petrobras passou a exigir de seus fornecedores a adoção dos padrões da SA8000, na tentativa de garantir condições de trabalho mais uniformizadas entre os seus efetivos e terceirizados. Esta medida tem sido apresentada como uma solução para minimização das disparidades existentes entre essas duas classes de trabalhadores. Até hoje, no Brasil, somente 31 empresas possuem certificação em SA8000. Em setembro de 2003, a Unidade de Negócios do Amazônia tornou-se a primeira produtora de petróleo do mundo a ser certificada por esta norma. A unidade de negócios da Bacia de Campos tem encontrado entraves para a sua certificação no que tange ao item 7.1 referente à Horário de Trabalho:... A semana de trabalho normal deve ser conforme definido por lei, mas não deve regularmente exceder a 48 horas. Aos empregados deve ser garantido, pelo menos, um dia de folga a cada período de sete dias. Todo trabalho extra deve ser remunerado em base especial e, em nenhuma circunstância, deve exceder a 12 horas por empregado por semana. A organização do trabalho nas plataformas, caracterizada por um turno de 12 horas diárias e embarque de 14 dias, resulta em 84 horas semanais de trabalho, excedendo ao padrão da norma, que é de 48 horas. Os itens 9.6, referente à Controle de Fornecedores/ Subcontratados e 9.7, de Subfornecedores, extraídos da norma, demonstram que a Petrobras está pretendendo ser certificada na SA8000 na Bacia de Campos, uma vez que tem exigido de forma efetiva que as contratadas sigam os padrões da norma. Confrontando-se alguns outros itens dos critérios da norma referentes à Saúde e Segurança e Horário de Trabalho, que são especialmente importantes para o trabalho offshore, com o depoimento dos trabalhadores da empresa, podemos perceber que ainda há um longo caminho a percorrer até uma real mudança de postura empresarial sobre esses temas. Como exemplo da distância existente entre o que está prescrito na norma e o que acontece na atividade destacouse aqui o item 3.1 da norma referente à segurança no ambiente de trabalho e confrontou-se com o relato dos trabalhadores: O item 3.1 da norma registra que: a empresa, tendo em mente o conhecimento corrente da indústria e quaisquer perigos específicos, deve proporcionar um ambiente de trabalho seguro e saudável e deve tomar as medidas adequadas para prevenir acidentes e danos à saúde que surjam do, estejam associados com ou que ocorram no curso do trabalho, minimizando, tanto quanto seja razoavelmente praticável, as causas de perigos inerentes ao ambiente de trabalho. Porém, o que se percebe através dos relatos dos petroleiros é que o ambiente de trabalho nas plataformas não é seguro, e, no caso do depoimento destacado abaixo, o trabalhador ressalta seu esforço no sentido de prevenção, mas que resultou em queda na sua avaliação de desempenho (GDP): Tinha uma fonte radioativa dentro da unidade e essa fonte radioativa, eu falei que não podia estar ali dentro porque não tinha o medidor adequado para ver se estava com vazamento ou não, questionei que não tinha ninguém credenciado pelo CNEN para fazer a inspeção e vi a documentação que não estava preenchida de forma correta. ENEGEP 2005 ABEPRO 2343
7 Estava fora de todos os procedimentos, de toda uma norma que é referente à fonte radioativa. Então, como nada estava enquadrado, aquela fonte teria que sair dali do navio. Fiz tudo isso por escrito, o COPLAT concordou e mandou a fonte embora. Mas alguém aqui em terra disse que eu estava totalmente errado, mesmo eu estando com a íntegra da norma, do procedimento, e o meu GDP foi lá para o fundo do poço outra vez. A normalização em Responsabilidade Social pode representar um incentivo para que algumas empresas terceirizadas passem a promover o bem estar e as boas condições de trabalho. Nesse sentindo, de acordo com a atual visão de alguns sindicalistas, a SA8000 servirá como uma ferramenta de denúncia das condições de trabalho nas empresas terceirizadas, pois a própria norma exige a participação dos sindicatos e dos trabalhadores. Um aspecto que favorece tal ação é que há um gerente na empresa contratante para a SA que atua juntamente com um representante dos trabalhadores e os auditores, e estes possuem autonomia de atuação em relação aos setores a serem auditados. Entretanto, a operacionalização dos quesitos da norma pode ser alvo de alguns questionamentos no que tange à adoção dessas práticas. Um deles é como garantir a representação coletiva dos trabalhadores terceirizados, uma vez que há cerca de destes atualmente na Bacia de Campos, e que não possuem sindicato único. Outra questão pertinente refere-se à dificuldade na realização das auditorias. De acordo com a SA8000 A empresa deve manter evidência razoável de que os requisitos desta norma estejam sendo atendidos pelos fornecedores e sub-fornecedores. Considerando que existem mais de empresas localizadas em Macaé, inseridas em contratações em cascata, questiona-se a capacidade do sindicato e das comissões de auditoria de atuar em um contexto tão abrangente e diversificado. Essa questão é central se for considerado que, caso esse processo não ocorra de maneira satisfatória, perde-se o controle do cumprimento dos requisitos, pondo em xeque a postura sindical de utilização da norma como ferramenta de reivindicação. Um aspecto positivo da normalização na SA8000 diz respeito às entrevistas com os trabalhadores quando da realização das auditorias. Esta prática permite maior contato com o saber dos petroleiros, podendo ser bem apropriado pelo sindicato. Do mesmo modo, aproxima a gerência do trabalho real executado pelos trabalhadores. 4. Conclusão Ao longo da análise foi demonstrado que há muitos problemas ainda a serem superados na implantação dos programas como a primeirização, os contratões e a SA8000. Quanto ao programa de certificação em responsabilidade social, ainda que a SA possua alguns aspectos positivos, como a não subordinação de seu gerente à gerência da empresa e a prática de valorização dos depoimentos dos trabalhadores, via questionários, há muitas limitações à adoção dessa norma na Bacia de Campos. O grande número de empresas instaladas na região, já é um fato que dificulta, em muito, a fiscalização do cumprimento da norma pelas terceiras. Conjugando a precariedade das fiscalizações, uma vez que a participação do sindicato ainda é bastante reduzida, e as práticas gerenciais embutidas de uma cultura organizacional que preza a produção e o lucro em detrimento da qualidade, não é difícil imaginar que a normalização pela SA8000 será realizada de forma similar às ISOs e outras, como a BS8800, ou seja, mascarando as auditorias e treinando funcionários para responderem adequadamente aos questionamentos dos fiscais, e contribuindo para que se configure um quadro de gerenciamento artificial dos riscos. Os contratões constituem um modelo mais rígido de observação de cumprimento de certos requisitos de saúde e segurança, uma vez que está pautado em documentos legais. Porém, ENEGEP 2005 ABEPRO 2344
8 novamente nesse caso, esbarra-se na dificuldade de fiscalização. Outra questão importante reside na dificuldade da mudança cultural priorizando a melhor técnica, que atenda condições de qualidade em detrimento do menor preço, historicamente a condição de licitação mais utilizada pela Petrobras. O estabelecimento de contratos mais exigentes certamente irão induzir um movimento das empresas no sentido de realizar melhorias em pontos como treinamento, remuneração e outros para que possam continuar atuando no mercado e concorrendo pelo fechamento de contratos. Muitas pequenas empresas trabalhando em regime totalmente precarizado, as chamadas coopergatas, provavelmente irão sucumbir às novas regras. Seguir a prescrição contratual não é garantia de que as empresas estarão atendendo às regras impostas pelo novo contrato. A realidade na Bacia demonstra que as empresas não estão preparadas gerencialmente para a mudança de postura exigida. A busca pela redução nos custos nesse ambiente altamente competitivo ainda é a ideologia predominante, como mostram os diversos relatos aqui apresentados. A alternativa mais eficaz de reversão à terceirização e que está sendo viabilizada na indústria offshore vem a ser a primeirização de atividades. Pode ser considerada a mais eficaz pois reverte o processo de terceirização em massa. Todavia, a primeirização só terá efeito na melhoria dos serviços, aumento no nível de condições de trabalho e segurança, se for bem planejada estrategicamente. A discussão aqui é: quais funções terceirizar? Analisando o processo de primeirização na Bacia de Campos, constata-se que esse debate não está sendo travado nem com os trabalhadores e o sindicato e nem com as empresas, o que compromete a eficácia do programa, na medida em que não privilegia a experiência acumulada e o saber desses funcionários. Referências DIEESE (2004). A Terceirização na Petrobras Alguns pontos para reflexão. Rio de Janeiro: SS, DIEESE, FUP. DRUCK, M. (1999). Terceirização: (des)fordizando a fábrica Um estudo do complexo petroquímico da Bahia. São Paulo: BOITEMPO. DUARTE, F., VIDAL, M. (2000). Uma abordagem ergonômica da confiabilidade e a noção de modo degradado de funcionamento. In: Freitas, C., Porto, M., Machado, J. (orgs.). Acidentes industriais ampliados desafios e perspectivas para o controle e a prevenção; Capítulo 2, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. FIGUEIREDO, M. (2001). O trabalho de mergulho profundo em instalações petrolíferas offshore na Bacia de Campos: confiabilidade e segurança em meio à guerra de Highlander contra Leviatã. Tese de Doutorado, COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. ODONNE, I, RE, A., BRIANTE, G. (1981). "Redécouvrir l'éxpérience ouvrière: vers une autre psychologie du travail?" Paris: Ed. Sociales. O GLOBO (2003). A Terceirização que Mata. Série de reportagens veiculada de 20 a 27 de julho de 2003 e que retrata a maior periculosidade do trabalho realizado por terceiros. Rio de Janeiro, RJ. SAI (2001). Documento Guia para a Responsabilidade Social 8000 (SA8000), New York: Social Accountability International. SEVÁ FILHO, A. (2000). Seguuura, peão! Alertas sobre o risco técnico coletivo crescente na indústria petrolífera. In: Freitas, C., Porto, M., Machado, J. (orgs.). Acidentes industriais ampliados desafios e perspectivas para o controle e a prevenção; Capítulo 6, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. ENEGEP 2005 ABEPRO 2345
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