PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de São Paulo, em que é apelante WILSON DOS SANTOS COSTA, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E OSNI PEREIRA. São Paulo, 23 de fevereiro de Guilherme de Souza Nucci RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação Criminal nº Comarca: São Paulo Apelante: WILSON DOS SANTOS COSTA Apelado: Ministério Público VOTO Nº Apelação. Estelionato. Condenação. Pleito defensivo de absolvição por insuficiência probatória e, subsidiariamente, imposição de regime mais brando, com substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Condenação pautada no farto e robusto acervo probatório. Fixação da reprimenda que comportaria reparo. Recurso apenas da defesa - pena mantida pelo princípio do 'non reformatio in pejus'. Reincidência específica que indica a manutenção do regime inicial semiaberto e impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Recurso improvido. Trata-se de recurso de apelação interposto pela douta defesa de WILSON DOS SANTOS COSTA, contra sentença de primeiro grau (fls. 196/199), prolatada em 14 de novembro de 2014, pelo MM. Juiz de Direito, Dr. Paulo Eduardo Balbone Costa, da 7ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo, que condenou o apelante às penas de 1 ano e 13 dias, de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 10 dias-multa, no menor valor unitário, declarando-o como incurso no art. 171, caput, c.c. art. 14, inciso II, ambos do Código Penal. Apelação nº

3 Irresignada, a defesa interpôs o presente recurso de apelação (fls. 230/231) objetivando, em síntese, absolvição por insuficiência probatória e, subsidiariamente, a imposição de regime mais brando e substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Em suas contrarrazões (fls. 233/239), o Ministério Público bateu-se pela manutenção do decisum. A douta Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer (fls. 243/246), opinou pelo desprovimento ao recurso. É o relatório. Devidamente processado, o recurso não comporta provimento. Consoante descreve a denúncia, no dia 13 de maio de 2013, por volta das 14h35min, na Rua Butantã, nº 189, Pinheiros, cidade de São Paulo, o apelante tentou obter, para si, vantagem ilícita em prejuízo alheio, mantendo a instituição financeira Banco Bradesco S.A em erro, mediante artifício e meio ardil, em face da vítima Ricardo Dequech, somente não logrando consumar seu intento devido a circunstâncias alheias a sua vontade. Segundo consta, o apelante compareceu a agência bancária nº e tentou sacar no caixa o cheque de nº , agência 2516, conta corrente , no valor de R$ 4.800,00, em nome da vítima. Sendo assim, desconfiado, o caixa o levou ao gerente administrativo da agência bancária, Wellington Rodrigo Mota de Meneses, para que verificasse a Apelação nº

4 procedência do cheque. Ocorre que, ao olhar o cheque, Wellington pôde perceber que se tratava de uma fraude, em razão da folha de papel da cártula. Deste modo, entraram em contato com Ricardo, o qual informou que aquela folha de cheque estava em seu poder e que não havia emitido. Assim, a compensação foi recusada e o valor não foi entregue ao acusado. Ato contínuo, policiais militares foram acionados e, munidos por informações concedidas pelo gerente, foram até o estacionamento do banco, momento em que se depararam com o veículo VW Polo, placa DIU6267/Jundiaí, evadindo-se do local. Abordaram o veículo, pedindo que os quatro ocupantes descessem, dentre eles o acusado. Em revista no interior do automóvel, mais quatro cheques foram encontrados dentro do console. Wilson confessou, informalmente, aos policiais que teria comprado dez folhas de cheques na Central Estadual de Abastecimento CEASA e estava tentando descontá-los. Disse, ainda, que tentou reproduzir a assinatura da vítima em algumas cártulas, mas acabou rasurando e rasgandoas, sem aproveitá-las, restando apenas as quatro folhas citadas. A materialidade restou comprovada pelo auto de prisão em flagrante (fls. 2/11); boletim de ocorrência (fls. 12/17); auto de exibição e apreensão (fls. 18/19); e cópias das cártulas (fls. 72/75). A autoria, por sua vez, foi demonstrada durante toda a instrução probatória. Apelação nº

5 Os policiais militares Adauto e Leandro foram uníssonos. Afirmaram estar em patrulhamento quando foram acionados acerca do ocorrido. Lograram êxito em surpreender o acusado, juntamente com mais três indivíduos, no estacionamento do banco, tentando evadir-se do local em um veículo VW Polo. Durante a abordagem, localizaram, no console do veículo, quatro folhas de cheque, já preenchidas. Ao indagarem Wilson, este confessou informalmente que as cártulas eram de sua propriedade, tendo comprado dez folhas de cheque na CEASA. Confessou, ainda, ter falsificado a assinatura da vítima e, no tocante as demais folhas, foram rasuradas e rasgadas. A testemunha Wellington alegou que, na semana anterior, Wilson teria comparecido à agência bancária, logrando êxito em compensar duas folhas de cheque. Entretanto, os funcionários do banco desconfiaram das referidas cártulas e, na data dos fatos, quando o acusado retornou à agência com intuito de compensar mais uma folha de cheque, no valor de $ 4.800,00, o atendente o reconheceu através das câmeras de monitoramento. Sendo assim, acionou a policia militar e o acusado foi detido na posse de quatro folhas de cheque falsificadas, previamente preenchidas. A vítima afirmou estar com as folhas de cheque em sua posse, em branco. Foi até a delegacia para efetuar o boletim de ocorrência. Não reconheceu a letra e tampouco a assinatura constantes nas cártulas apreendidas com Apelação nº

6 Wilson. O acusado, em juízo, manteve-se em silêncio. Conforme se denota, a versão da vítima converge com as demais provas carreadas aos autos, restando, de rigor, a manutenção da sua condenação, devidamente respaldada no harmônico conjunto probatório coligido na fase instrutória. Pequeno reparo comportaria a fixação da pena. Temos defendido a adoção de um sistema de pesos, resguardando, assim, a proporcionalidade e a individualização da pena. Ressalte-se não se tratar de mera soma de pontos ou frações como se cada elemento fosse rígido e inflexível; não se adota um sistema puramente matemático; há de se adotar um critério para fixar a pena, não podendo redundar no exclusivo subjetivismo do julgador na escolha do montante da pena-base. As circunstâncias judiciais, previstas no art. 59 do Código Penal, são compostas por oito fatores, sendo o primeiro a culpabilidade, representando o conjunto dos demais. Portanto, o juízo de censura formado em relação ao fato e seu autor (culpabilidade como fator de aplicação da pena) compõese dos seguintes elementos: antecedentes, conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias e consequências do crime, além do comportamento da vítima. Numa perspectiva geral, se os sete Apelação nº

7 elementos inseridos no quadro da culpabilidade forem favoráveis, a censurabilidade será mínima, restando a pena-base no patamar básico; se desfavoráveis, a censurabilidade, obviamente, será extrema, devendo-se partir do máximo previsto pelo tipo penal. Dificilmente, todos os fatores do art. 59 do Código Penal são, ao mesmo tempo, negativos. Importante destacar constituírem a personalidade, os antecedentes e os motivos como fatores preponderantes, conforme previsão formulada pelo art. 67 do Código Penal (nessa norma, menciona-se a reincidência, que não deixa de ser antecedente criminal). A eles, então, atribui-se o peso 2. As demais circunstâncias judiciais são menos relevantes, também conhecidos por componentes rasos, dividindo-se em dois grupos: a) componentes pessoais, ligados ao agente ou à vítima; b) componentes fáticos, vinculados ao crime. O primeiro grupo diz respeito à conduta social do agente e ao comportamento da vítima, ao passo que o segundo, às circunstâncias do delito e às consequências da infração penal, atribuindo-se a esses quatro elementos o peso 1. Portanto, a projeção dos pesos atribuídos aos elementos do artigo 59, em escala de pontuação, forneceria o seguinte: personalidade = 2; antecedentes = 2; motivos = 2; conduta social = 1; circunstâncias do crime = 1; consequências do crime = 1; comportamento da vítima = 1. O total dos pontos é 10. Firmados os critérios, torna-se Apelação nº

8 fundamental que o magistrado promova a verificação da existência fática de cada elemento, avaliando as provas constantes dos autos, para, na sequência, promover o confronto entre os fatores detectados. Dessa comparação, surgirá a maior ou menor culpabilidade, ou seja, a maior ou menor censura ao crime e seu autor. Vale ressaltar, a individualização da pena é um processo discricionário, juridicamente vinculado aos motivos enumerados pelo julgador. Como regra, portanto, um elemento com peso 2 negativo pode ser compensado por um elemento com peso 2 positivo. Mas tudo depende do caso concreto e da suficiente motivação. Noutro prisma, a personalidade, com peso 2 negativo, pode ser compensada por dois outros elementos, com peso 1 positivo. Essa pode ser a regra, embora somente a situação concreta, espelhada nas provas dos autos, permita ao magistrado avaliar se não cabe uma exceção. 1 Contudo, entendemos não ter sido fixada de forma acertada pelo magistrado a quo, porquanto aumentou a pena-base em 1/6, tendo em vista as circunstâncias do delito, porquanto a tentativa de estelionato foi perpetrada com cheques cuidadosamente falsificados, sobre papel legítimo, com a inserção de dados bancários completos da vítima. Na segunda fase, aumentou em 1/6, ante a reincidência. Por fim, reduziu a pena em 1/3, pelo extenso iter 1 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Forense, 10ª edição.. Manual de Direito Penal. São Paulo: Forense, 6ª edição.. Individualização da Pena. São Paulo: Forense, 6ª edição. Apelação nº

9 criminis percorrido, perfazendo 1 ano e 13 dias, de reclusão, em regime inicial semiaberto, e o pagamento de 10 dias-multa, no piso legal. Isso exposto, in casu, considerando os limites mínimos e máximos da conduta citada e, ainda, considerando as circunstâncias com peso 1, fixo a base em 1 ano, 4 meses e 26 dias, de reclusão, e 11 dias-multa. Na segunda fase, por se tratar de reincidência específica, aumento a pena na fração de 1/3, totalizando 1 ano, 10 meses e 14 dias, e 14 dias-multa. Por fim, mantenho a redução em 1/3, pela forma tentada, perfazendo 1 ano, 2 meses e 29 dias, de reclusão, e 10 dias-multa, no piso legal. Embora meu cálculo resulte pena maior, tal fixação, entretanto, não pode ser aplicada e a r. sentença proferida pelo juízo a quo deve subsistir, posto que, ante a ausência de recurso ministerial, resta inviável o estabelecimento de reprimenda em patamar superior, em prestígio ao non reformatio in pejus. A quantidade de pena estabelecida, aliada à reincidência específica, indica a manutenção do regime inicial semiaberto como o mais adequado. Outrossim, pelo mesmo motivo, o acusado não faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois ausentes os requisitos legais do artigo 44 do Código Penal, que não permite a concessão da benesse por não indicar ser a substituição suficiente à Apelação nº

10 repreensão e prevenção do crime. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo interposto pela douta defesa, mantendose, in totum, a r. sentença atacada, por seus próprios e jurídicos fundamentos. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator Apelação nº