PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Batatais, em que é apelante WERNER NASCIMENTO DA SILVA, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E OSNI PEREIRA. São Paulo, 23 de fevereiro de Guilherme de Souza Nucci RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação Criminal nº Comarca: Batatais Apelante: WERNER NASCIMENTO DA SILVA Apelado: Ministério Público VOTO Nº Apelação. Extorsão. Condenação. Pleito defensivo de absolvição por insuficiência probatória e, subsidiariamente, redução da pena, com a imposição de regime inicial mais brando. Condenação pautada no farto e seguro acervo probatório. Vantagem indevida verificada. Fixação da reprimenda que comportaria reparo. Recurso apenas da defesa - pena mantida pelo princípio do 'non reformatio in pejus'. Reincidência e 'quantum' de pena que indica a manutenção do regime inicial fechado e impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Recurso improvido. Trata-se de recurso de apelação interposto pela douta defesa de WERNER NASCIMENTO DA SILVA, contra sentença de primeiro grau (fls. 125/131), prolatada em 5 de março de 2015, pela MM. Juíza de Direito, Dra. Laura Maniglia Puccinelli Diniz, da Vara Criminal da Comarca de Batatais, que condenou o apelante às penas de 7 anos, 5 meses e 18 dias, de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 17 dias-multa, no piso legal, declarando-o como incurso no art. 158, 1º, do Código Penal. Apelação nº

3 Irresignada, a defesa interpôs o presente recurso de apelação (fls. 146/154), pleiteando, em síntese, absolvição por insuficiência probatória e, subsidiariamente, a redução da pena e imposição de regime inicial mais brando. Em suas contrarrazões (fls. 156/160), o Ministério Público bateu-se pela manutenção do decisium. A douta Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer (fls. 164/168), opinou pelo desprovimento ao recurso. É o relatório. Devidamente processado, o recurso não comporta provimento. Consoante descreve a denúncia, no dia 25 de maio de 2014, por volta das 19h, na Avenida Prefeito José Pimenta Neve, nº 679, Vila Lídia, cidade de Batatais, o apelante, agindo em concurso e unidade de desígnios com outros dois indivíduos não identificados, constrangeu Anderson de Oliveira, mediante grave ameaça, e com intuito de obter indevida vantagem econômica para si. Segundo consta, nas circunstâncias acima indicadas, o denunciado, juntamente com outros dois indivíduos, abordou a vítima na via pública e exigiu dela a importância de R$ 1.500,00 em dinheiro, responsabilizando-a pela apreensão de certa quantidade de droga, objeto do inquérito policial 058/2014, que lhe pertencia e que era mantida em depósito pelo irmão da vítima, Silas Paulo de Oliveira, em sua residência. Apelação nº

4 Como a vítima se negou a dar-lhe a quantia exigida, o denunciado e outros indivíduos não identificados o agrediram fisicamente. Neste momento, a vítima pediu socorro, ocasião em que o denunciado e seus comparsas empreenderam fuga do local. A materialidade restou comprovada pelo boletim de ocorrência (fls. 3/4 e 7/11) e laudo de exame corpo de delito (fls. 87/88). A autoria, por sua vez, foi amplamente demonstrada no decorrer da instrução processual. A vítima disse frequentar a APAE. Alegou não se lembrar dos fatos. Assumiu ter sofrido um roubo de seu aparelho celular, praticado por quatro indivíduos, não podendo identificá-los. Disse ter ficado um pouco lesionado. Negou ter sido ameaçado pelo réu que sequer conhece. Não sabe dizer o motivo pelo qual assinou o registro de ocorrência noticiando as ameaças praticadas por Werner. A assistente social da APAE, Franciele, declarou se recordar de Anderson comparecer a APAE ferido e assustado. Disse ter este lhe contado sobre agressões sofridas por alguns jovens amigos de seu irmão, uns conhecidos, outros não, pelo fato de ter ajudado a polícia a encontrar drogas dentro de sua casa e seu irmão estar preso por isso. Disse que ele lhe mostrou os ferimentos nos braços, costas e abdome. Não era a primeira vez que sofria agressões, tinha muito medo de apanhar novamente e sofrer novas ameaças. Apelação nº

5 A psicóloga da APAE, Natália, narrou que Anderson foi agredido por mais de uma pessoa, umas conhecidas e outras não pelo fato de, quando morava com seu irmão, ter contado para a polícia onde escondiam drogas, sendo este preso e a pessoa junto a ele querer se vingar. Confirmou a relação das agressões com o fato. Viu os ferimentos pelo corpo. Afirmou Anderson estar assustado e temeroso. Informou sobre ameaças sofridas ao irmão de Anderson caso ocorresse alguma denúncia em relação a esta agressão. Disse que o rapaz entende e assimila bem as coisas, pois, consegue contextualizar os fatos e é capaz de negar ou ocultas coisas para proteger a família. Soube também sobre ameaças a sua genitora. Maria Helena afirmou que seu filho Anderson foi socorrido por uma senhora, reclamando de dor, evacuando sangue. Disse sobre uma turma ter se juntado e agrediu-o. Ouviu no depoimento policial de seu filho exigência de dinheiro e celular. Anderson não identificou nenhum agressor. Conhece Erninho, mas seu filho não disse se estava envolvido. Declarou ter medo de todos eles, mas não foi ameaçada a se silenciar. Demorou dois dias para levar seu filho a atendimento médico porque temia represálias de quem o agrediu. A turma agressora morava na rua de cima da sua. Seu filho Silas é usuário de drogas. O investigador de Polícia Luís esclareceu ter sido procurado pela família de Anderson noticiando a agressão em virtude da apreensão de drogas de Silas Apelação nº

6 pertencentes ao réu e seu irmão. Quando ouvido na delegacia, a vítima já forneceu a alcunha do réu, Erninho. O réu supunha que a vítima o tivesse delatado e por isso exigiam dele o dinheiro. Disse a vítima revelar muito temor e resistiu ao registrar ocorrência. Informou ter notícias sobre a pressão sobre a família após a prisão do réu. A vítima esclareceu aos investigadores o local da abordagem e indicou Werner como autor das lesões. A vítima também o reconheceu por fotos. Por fim, disse que o réu é conhecido traficante e sobre o fato da genitora da vítima estar na Delegacia para tirar o processo, em razão das insistentes pressões sofridas, inclusive, mudando-se de residência. A testemunha de defesa Arcanjo disse ser irmão de criação de Anderson, frequentador da APAE. Alegou não se entender com seu irmão, porque ele pegava seus pertences. Chegou a agredi-lo e ele recebeu atendimento no UPA. Soube que as coordenadoras da APAE tomaram conhecimento dos fatos. O acusado, em juízo, negou os fatos. Alegou estar em uma festa de aniversário na data dos fatos. Disse não ser envolvido com drogas e não sabe se Silas mexe com entorpecente. Alegou ter um irmão deficiente e não seria capaz de fazer mal à vítima. Sua versão, porém, restou isolada nos autos, porquanto reconhecido pela vítima em solo policial e, ainda, as demais testemunhas confirmam o ocorrido. De tal sorte, amplamente demonstradas autoria e materialidade do delito, irreprochável a condenação do Apelação nº

7 apelante, cuja reprimenda, comporta reparo. Temos defendido a adoção de um sistema de pesos, resguardando, assim, a proporcionalidade e a individualização da pena. Ressalte-se não se tratar de mera soma de pontos ou frações como se cada elemento fosse rígido e inflexível; não se adota um sistema puramente matemático; há de se adotar um critério para fixar a pena, não podendo redundar no exclusivo subjetivismo do julgador na escolha do montante da pena-base. As circunstâncias judiciais, previstas no art. 59 do Código Penal, são compostas por oito fatores, sendo o primeiro a culpabilidade, representando o conjunto dos demais. Portanto, o juízo de censura formado em relação ao fato e seu autor (culpabilidade como fator de aplicação da pena) compõese dos seguintes elementos: antecedentes, conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias e consequências do crime, além do comportamento da vítima. Numa perspectiva geral, se os sete elementos inseridos no quadro da culpabilidade forem favoráveis, a censurabilidade será mínima, restando a pena-base no patamar básico; se desfavoráveis, a censurabilidade, obviamente, será extrema, devendo-se partir do máximo previsto pelo tipo penal. Dificilmente, todos os fatores do art. 59 do Código Penal são, ao mesmo tempo, negativos. Importante destacar constituírem a personalidade, os antecedentes e os motivos como fatores preponderantes, conforme previsão formulada pelo art. 67 do Apelação nº

8 Código Penal (nessa norma, menciona-se a reincidência, que não deixa de ser antecedente criminal). A eles, então, atribui-se o peso 2. As demais circunstâncias judiciais são menos relevantes, também conhecidos por componentes rasos, dividindo-se em dois grupos: a) componentes pessoais, ligados ao agente ou à vítima; b) componentes fáticos, vinculados ao crime. O primeiro grupo diz respeito à conduta social do agente e ao comportamento da vítima, ao passo que o segundo, às circunstâncias do delito e às consequências da infração penal, atribuindo-se a esses quatro elementos o peso 1. Portanto, a projeção dos pesos atribuídos aos elementos do artigo 59, em escala de pontuação, forneceria o seguinte: personalidade = 2; antecedentes = 2; motivos = 2; conduta social = 1; circunstâncias do crime = 1; consequências do crime = 1; comportamento da vítima = 1. O total dos pontos é 10. Firmados os critérios, torna-se fundamental que o magistrado promova a verificação da existência fática de cada elemento, avaliando as provas constantes dos autos, para, na sequência, promover o confronto entre os fatores detectados. Dessa comparação, surgirá a maior ou menor culpabilidade, ou seja, a maior ou menor censura ao crime e seu autor. Vale ressaltar, a individualização da pena é um processo discricionário, juridicamente vinculado aos motivos enumerados pelo julgador. Como regra, portanto, um Apelação nº

9 elemento com peso 2 negativo pode ser compensado por um elemento com peso 2 positivo. Mas tudo depende do caso concreto e da suficiente motivação. Noutro prisma, a personalidade, com peso 2 negativo, pode ser compensada por dois outros elementos, com peso 1 positivo. Essa pode ser a regra, embora somente a situação concreta, espelhada nas provas dos autos, permita ao magistrado avaliar se não cabe uma exceção. 1 Desse modo, entendemos não ter sido fixada de forma acertada pelo magistrado a quo, porquanto aumentou a pena-base em 1/6, na primeira fase, ante os maus antecedentes e a personalidade delinquente. Contudo, na verdade, para analisar a personalidade, devemos observar conjunto de ser e agir inerente ao sujeito, distinguindo-se, portanto, dos antecedentes criminais. Assim vimos entendendo: Segundo nos parece, a simples existência de inquéritos e ações em andamento, inquéritos arquivados e absolvições por falta de provas não são instrumentos suficientes para atestar a personalidade do réu. Afinal, personalidade distingue-se de maus antecedentes e merece ser analisada, no contexto do art. 59, 1 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. RJ Forense. 14ª Ed., p Manual de Direito Penal. São Paulo: Forense, 10ª edição, página Individualização da Pena. São Paulo: Forense, 6ª edição, página 157. Apelação nº

10 separadamente. Por isso, é imprescindível cercar-se o juiz de outras fontes, tais como testemunhas, documentos etc., demonstrativos de como age o acusado na sua vida em geral, independentemente de acusações no âmbito penal. Somente após, obtidos os dados, pode-se utilizar o elemento personalidade para fixar pena justa 2. Na segunda fase, o juízo a quo aumentou a pena em 1/5, pela reincidência e pela agravante do motivo torpe. Por fim, aumentou mais 1/3, na última fase, pelo concurso de agentes. Isso exposto, in casu, afastando a personalidade e considerando os limites mínimos e máximos da conduta citada e, ainda, circunstâncias do crime majoradas com peso 1 e maus antecedentes com peso 2, fixo a base em 5 anos, 9 meses e 27 dias, de reclusão, e 13 dias-multa. Na segunda fase, aumento a pena em 1/3, pela reincidência e agravante do motivo torpe. Por fim, mantenho o aumento em mais 1/3, na última fase, pelo concurso de agentes, perfazendo 10 anos, 4 meses e 8 dias, de reclusão, e 22 dias-multa, no piso legal. 2. Código Penal Comentado, Forense, 14ª Ed., pag Apelação nº

11 Todavia, ante a ausência de recurso ministerial, embora meu cálculo resulte em pena superior àquela imposta, em prestígio ao non reformatio in pejus mantenho a pena final estipulada pelo juízo a quo. Por fim, corretamente foi fixado o regime inicial fechado, ante o quantum de pena aplicada e a reincidência do acusado. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo interposto pela douta defesa, mantendose, in totum, a r. sentença atacada, por seus próprios e jurídicos fundamentos. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator Apelação nº